A discriminação do trabalhador no contrato de trabalho e o princípio constitucional da igualdade

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I – Introdução

Tendo o Direito como principal função regular a vida em sociedade, atua de duas formas: positivamente quando produz regras que imputam vantagens ou direitos em favor de seus titulares, e negativamente através de normas que possam inviabilizar práticas ou condutas agressoras ao patrimônio material e moral dos indivíduos.

No conjunto das regras de caráter negativo – anota Maurício Godinho Delgado – “talvez as mais significativas sejam as dirigidas ao combate à discriminação no contexto social”.

A Convenção da ONU sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial no artigo 1o define a discriminação racial como “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha o propósito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade dos direitos humanos e liberdades fundamentais”“.

Caminhando nessa direção o art. 1o da Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher afirma que a discriminação contra a mulher é “toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos campo político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”.

Com base nessas Convenções – ratificadas pelo Brasil – pode-se dizer que discriminação significa toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objetivo prejudicar ou anular o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, nos campos político, econômico, social, cultural ou civil em qualquer outro campo. Portanto, desigualdade.

A causa da discriminação reside, muitas vezes, no puro e cru preconceito, ou seja, em um juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em virtude de uma característica sua, determinada externamente, e identificadora de um grupo ou segmento mais amplo de indivíduos, como a cor, o sexo, a nacionalidade, a riqueza, etc. Mas pode, também, derivar de outros fatores relevantes a um determinado caso concreto ou específico.

Daí a importância e a urgência em se erradicar todas as formas de discriminação, baseadas em gênero, raça, cor, etnia, idade, nacionalidade, religião e demais critérios. A eliminação e o combate a todas as formas de discriminação são medidas fundamentais para que possa ser garantido o pleno exercício dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, ou seja, para se assegurar o pleno exercício da cidadania, próprio dos regimes democráticos de direito.

Os Estados ao ratificarem as Convenções internacionais sobre dessa questão assumem a obrigação internacional de, progressivamente, eliminar todas as formas de discriminação, assegurando assim, o pleno e efetivo exercício da igualdade.

No Direito brasileiro encontramos todo um aparato normativo de combate à discriminação.

A Constituição Brasileira no art. 3o estabelece como um dos objetivos da República Federativa do Brasil, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, e no art. 5o, incisos XLI e XLII assegura que “punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” acrescentando que a “prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

Visando dá cumprimento prático a esses preceitos surgiu a Lei 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes do preceito de raça ou cor.

Em 13 de maio de 1997 foi aprovada a Lei 9.459/97 estabelecendo a punição dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou precedência nacional, alterando assim, a Lei 7.716/89 de tal forma que ampliou o seu objeto que inicialmente estava restrito ao combate dos atos resultantes de preconceito de raça ou cor.

É claro que essas leis ainda não conseguiram alcançar o necessário efeito prático, porque o preconceito racial, ainda que não queiramos admitir, infelizmente encontra-se arraigado na cultura brasileira. Daí a grande dificuldade de aplicação prática da lei, especialmente pelas deficiências na produção da prova. A prática do preceito racial apresenta-se de forma bastante sutil e quase sempre disfarçada com outras práticas igualmente criminosas, mas de muito difícil comprovação.

No âmbito do Direito Laboral as Leis 9.029, de 13 de abril de 1995 e 9.799, de 26 de maio de 1999, vieram acentuar o combate às práticas discriminatórias contra a mulher trabalhadora.

Percebe-se, pois, a busca constante pela legislação nacional da proibição de todas as formas de práticas discriminatórias.

É evidente que mesmo assim o alcance dessa meta ainda está bastante longe, pois continuam a persistir muitas lacunas na legislação nacional, especialmente no que se refere à discriminação contra as mulheres, os adolescentes, pessoas portadores do HIV, os homossexuais e outros grupos socialmente vulneráveis.

Há, pois, imperiosa necessidade de avanço no campo legislativo e uma maior conscientização da sociedade a fim de que todas as formas de discriminação sejam efetivamente banidas com a punição exemplar daqueles que ainda não se acostumaram à convivência democrática em que se deve respeitar e conviver com as diferenças.

Pretendo neste pequeno trabalho analisar as formas mais comuns de proteção contra a discriminação do trabalhador na relação de emprego, porém sem qualquer pretensão de ser exaustivo. Até porque não tenho conhecimentos suficientes para enfrentar de forma completa tão instigante tema.

No campo do Direito Laboral, e visando coibir as várias espécies de discriminação, foi editada a Convenção 111 da OIT – aprovada pela 42a reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra – 1958), que entrou em vigor em 15.06.60.

No Brasil teve aprovação pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo n. 104, de 24.11.64, ratificada em 26.11.65, com promulgação através do Decreto n. 62.150, de 19.01.68. Portanto, em pleno vigor.

Para fins dessa Convenção, no conceito de emprego ou profissão se inclui o acesso aos meios de formação profissional, ao emprego, às diferentes profissões e às condições de trabalho (art. 3o), ressalvadas as exclusões ou preferências baseadas nas qualificações exigidas para um emprego determinado, bem como aquelas que possam ser justificadas em função da segurança do Estado, ou que tenham caráter de medidas de proteção e assistência especial reconhecida como necessárias por motivos de sexo, a invalidez, os encargos de família ou nível social ou cultural (art. 1o, 2, art. 4o e art. 5o, 2, da Convenção 111).

Refletindo a orientação da aludida Convenção a Constituição de 88 alargou, sobremaneira, as medidas proibitivas de práticas discriminatórias no âmbito do direito laboral.

Essas medidas encontram-se previstas, na grande maioria, nos arts. 5o e 7o da Suprema Carta e foram idealizadas objetivando diretamente a relação de emprego, como aquelas constantes do art. 7o, e outras, que embora não tenham diretamente essa finalidade – em face da sua generalidade – terminam por abarcar situações próprias da relação de emprego, como aquelas constantes do art. 5o.

Passemos, assim, a análise das principais medidas de proteção contra as práticas discriminatórias no campo da relação de emprego:

II – Algumas hipóteses de discriminação

1 – Discriminação contra a mulher

A ordem constitucional vigente desde 04 de outubro de 88 de forma corajosa eliminou do direito brasileiro qualquer prática discriminatória contra a mulher trabalhadora, na medida em que revogou todo o arcabouço legislativo que, embora se apresentasse com as vestes de generosidade ou de tutela, na realidade produzia um evidente efeito discriminatório em relação à mulher trabalhadora.

Nesse aspecto vale citar que o caput do art. 5o da Suprema Carta ao estabelecer que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” e que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”, acabou com a odiosa discriminação que havia entre o homem e a mulher no âmbito jurídico.

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E para enfatizar seu firme propósito antidiscriminatório, o Texto Maior no inciso XXX, do art. 7o proíbe expressamente a diferença de salários, de exercício de funções e critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Vale lembrar que o inciso XX do citado preceito estipulou a “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da Lei”.

Aqui parece que o constituinte admitiu uma prática diferenciada não para discriminar, mas, para dar proteção ou ampliar o mercado de trabalho da mulher trabalhadora.

Assim, inválidas todas as normas jurídicas ou atos administrativos e particulares que importem, direta ou indiretamente, desestímulo à garantia ou abertura do mercado de trabalho da mulher.

Refletindo essa nova realidade e procurando adequar a CLT ao comando antidiscriminatório constitucional foi publicada, alguns meses após a promulgação do Texto de 88, a Lei 7.855.89 que a par de revogar diversos dispositivos que permitiam até mesmo a interferência marital ou paterna no contrato de emprego da mulher adulta, deixou sem qualquer validade parte do capítulo que tratava da “proteção do trabalho da mulher”, como os arts. 374, 375, 378 a 380 e 387.

Assim, embora não expressamente revogado pela Lei 7.855/89, qualquer preceito normativo que contenha alguma forma de discriminação, à evidência não foi recepcionado pelo Texto de 88 como por exemplo, aquele contido no art. 383 da CLT que no entendimento de Maurício Godinho Delgado “é grosseiramente discriminatório (e insensato), impondo à mulher uma disponibilidade temporal enorme (ao contrário do imposto ao homem) mesmo em casos de curtas jornadas, abaixo de seis horas ao dia (como aquele previsto no art. 71, § 1o da CLT, que prevê, em tais casos, descanso de apenas 15 minutos)”.

Mas aqui é necessário alertar que a Suprema Carta ao proibir qualquer tipo de discriminação contra a mulher trabalhadora não inviabiliza tratamento diferenciado enquanto mãe. Isso porque a maternidade recebeu do constituinte tratamento especial e até mesmo privilegiado, o que permite condutas e vantagens superiores ao padrão deferido ao homem e à mulher que não esteja vivenciando a situação de gestante ou recém parto. É essa a interpretação a ser extraída da norma do art. 7o, inciso XVIII que contempla a mulher trabalhadora gestante com a licença de 120 dias.

Também no campo de proteção da mulher trabalhadora contra atos discriminatórios, encontramos as Leis 9.029/95 e 9.799/99.

A primeira proibiu a “adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade” (art. 1o), considerando ainda como prática discriminatória a exigência de declarações, exames e medidas congêneres relativas à esterilização ou estado de gravidez (art. 2o).

Veda, ainda, a citada Lei a indução ou instigamento, ao controle de natalidade, mas deixa de considerar como tal “o oferecimento de serviços de aconselhamento ou planejamento familiar” desde que realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do SUS – Sistema Único de Saúde (art. 2o).

Como forma de punição às práticas discriminatórias elencadas no seu art. 1o a Lei 9.029/95, o art. 4o estabelece penalidades de ordem administrativa (art. 9o) que, no caso de rompimento do contrato – por ato discriminatório – dá à empregada a faculdade de optar entre duas alternativas: a primeira, a reintegração, embora o texto legal use a palavra readmissão, com “ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas de juros legais”, ou “percepção em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais”. (art. 4o).

Acresce salientar que a prática discriminatória nos moldes previstos no art. 2o da Lei 9.029/95 se constitui em crime, cuja pena é de detenção de um a dois anos e multa, sendo sujeito passivo da punição “a pessoa física empregadora, o representante legal do empregador, como definido em legislação trabalhista e o dirigente, direto ou por delegação, de órgãos públicos e entidades das administrações públicas direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

De seu turno, a Lei 9.799/99 tornou explícitos os parâmetros antidiscriminatórios proibindo, salvo as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, a publicação de anúncios de empregos no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, ressalvando quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim exigir; recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão do sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidade de ascensão profissional; exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou a permanência no emprego; impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresa privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, vedando ainda ao empregador ou prepostos, a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.

Todas essas medidas antidiscriminatórias têm uma matriz comum: o princípio da igualdade, consubstanciado no preceito do caput do art. 5o da Carta Suprema.

3 – Discriminação contra o estrangeiro

Aqui também ocorreu uma significativa modificação do padrão anterior com o advento da ordem constitucional de 88.

Como sabemos o padrão antidisciminatório contemplado pela Constituição de 46 foi suprimido pelos legisladores militares e somente retornou com a Carta de 88 que no caput do art. 5o expressamente assegura tratamento igualitário ao trabalhador estrangeiro em relação ao brasileiro, na medida em que estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes…”

Entendo que frente ao novo padrão não foram recepcionadas as normas do Dec-Lei 691/69 e aquelas do Título III, do Capítulo II, da CLT que tratam da chamada “lei dos 2/3”.

Há pouco tempo tive a oportunidade de enfrentar esta questão em reclamatória que me foi submetida à apreciação por cidadão espanhol contratado por empresa brasileira aqui em Dourados em que eram postulados alguns direitos garantidos pelas normas de proteção previstas na CLT e art. 7o da Constituição.

A defesa pugnou pela rejeição da pretensão fundada nas regras restritivas do Dec.-Lei 691/69, sob o argumento de que em se tratando de empregado estrangeiro não aplicam as normas de proteção da CLT e do art. 7o da CF, mas aquelas do aludido Decreto-Lei.

A tese empresarial foi afastada, evidentemente.

Doutrina Valetim Carrion, com evidente acerto, ao manifestar-se sobre o princípio da igualdade entre o trabalhador nacional e o estrangeiro:

“Do texto se deduz ser inconstitucional qualquer discriminação, mesmo indireta, contra os estrangeiros residentes, como é o caso da proporcionalidade em favor dos nacionais, cuja conseqüência seria a de impedir a contratação de estrangeiros, em hipóteses concretas. A redação da Carta Magna é diferente das que constavam nas de 1946 e 1969 e que asseguravam a brasileiros e estrangeiros residentes inviolabilidade de direitos concernentes à vida (art. 153); ao afirmar que “todos são iguais perante a lei”, restringiam a equiparação ao enumerar o seu alcance, “… sem distinção de sexo, raça, trabalho, credor religioso e convicções políticas”(§ 1o ); assim permitiam que a lei estabelecesse discriminações por causas outras e também tacitamente pela circunstância de alguém ser estrangeiro. Apenas vigoram as restrições da própria Constituição de 1988; referem-se a cargos, empregos e funções públicas (art. 37, I), recursos minerais (art. 176, § 1o), transporte naval (art. 178, § 1o, da EC 7/95) e empresas jornalísticas (art. 222). A União mantém sua competência para legislar sobre entrada e expulsão de estrangeiros (art. 22, XV) e, portanto, para conceder e manter a permanência de estrangeiro. Inaplicabilidade de restrições ao estrangeiro e existência de direito suprapositivo (Saulo Ramos, em despacho ministerial, DOU, 11.1.90, p. 780).”

Ademais, o Brasil é signatário das Convenções 97 e 111 da OIT e do Tratado do Mercosul que proíbem toda e qualquer discriminação ao trabalhador em razão da nacionalidade, pelo que não se pode colocar em dúvida a não recepção do Dec.Lei 691/69 pela atual ordem constitucional.

6 – Discriminação do deficiente

A OIT aprovou em 1983 a Convenção 159 estabelecendo a obrigação dos paises signatários de instituir uma política nacional sobre reabilitação profissional e emprego das pessoas deficientes, com a clara finalidade de promover oportunidades de ocupação para estas pessoas no mercado regular de trabalho.

Entre nós referida Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo 51, de 15 de agosto de 1989 e promulgada pelo Decreto n. 129, de 22 de maio de 1991. Portanto, encontra-se incorporada ao ordenamento jurídico nacional.

Os signatários daquela Convenção se comprometeram adotar ações de cunho afirmativo para promoção da igualdade de oportunidades aos deficientes. E essas ações devem ter como “base o princípio da igualdade de oportunidades entre os trabalhadores deficientes e dos trabalhadores em geral”, devendo-se “respeitar a igualdade de oportunidades e de tratamento para as trabalhadoras deficientes. As medidas positivas especiais com a finalidade de atingir a igualdade efetiva de oportunidades e de tratamento entre os trabalhadores deficientes e os demais trabalhadores, não devem ser vistas como discriminatórias em relação a estes últimos”.

A Carta de 88 encampando os princípios contidos daquele documento internacional dispensou ao trabalhador deficiente um tratamento especial, de forma a promover a igualdade de direitos e oportunidades ao estabelecer, no inciso XXXI, do art. 7o a proibição de “qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”.

Refletindo essa proteção a regra do art. 93, § 1o, da Lei 8.213/91 estabelece que a “dispensa do trabalhador reabilitado ou deficiente habilitado ao final do contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante”.

De seu turno, a Lei 7.853/89, que dispõe sobre as medidas de apoio às pessoas portadoras de deficiência, ordenou ao Poder Público garantir através de legislação específica a reserva de mercado de trabalho em face das pessoas portadoras de deficiência nas entidades da Administração Pública.

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Dando cumprimento a essa recomendação a Lei 8.112/90 no § 2o, do art. 5o reserva até 20% das vagas oferecidas no concurso para as pessoas portadoras de deficiência, desde que haja compatibilidade com a deficiência.

Como se ver, existe todo um manancial protetivo ao trabalhador deficiente, e a jurisprudência tem se mostrado sensível à questão entendendo como prática discriminatória a dispensa imotivada de trabalhadores acometidos de doenças crônicas de elevada gravidade, como por exemplo a AIDS e o câncer.

Estas e outras doenças de gravidade extrema terminam por tornar o prestador um deficiente físico ou mental, em caráter de permanência, lhe permitindo, assim, uma proteção especial ou diferenciada pela ordem jurídica (arts. 7o, inciso XXXI, da CF e 471 da CLT).

Cabe, pois, as entidades sindicais, ao Ministério Público do Trabalho (art. 32, da Lei 7.853/89) ajuizar as ações judiciais para exigir o cumprimento das normas de proteção contra as práticas discriminatórias ao trabalhador deficiente. Afinal, nos termos do art. 10 da Declaração dos Direitos do Deficiente, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, através da Resolução n. 3.447, de 09 de dezembro de 1975, “O deficiente deve ser protegido contra toda exploração, toda regulamentação e todo tratamento discriminatório, abusivo ou degradante”, pois como acentua Hugo Nigro Mazzilli, “torna-se preciso compreender que o verdadeiro sentido da isonomia, constitucionalmente assegurada, é tratar diferentemente os desiguais, na medida em que se busque compensar juridicamente a desigualdade, igualando-os em oportunidades”.

7 – Discriminação em face do tipo de trabalho

Reelaborando e interpretando o preceito contido do art. 5o da CLT, o constituinte de 88 fez inserir no inciso V, do art. 7o a garantia de “piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho”, e no inciso XXXII proíbe “distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual entre os profissionais”.

Entende, com razão, Maurício Godinho Delgado que a interpretação combinada dos dois preceitos superou em caráter definitivo a antiga discussão a respeito da validade ou não do estabelecimento de pisos salariais em face de uma certa categoria profissional por preceito inserto em convenção coletiva de trabalho ou através de sentença normativa.

Para o jurista mineiro é “interessante perceber que os dois dispositivos combinados (art. 7o, VI e XXXII, CF/88) têm dado suporte a uma interpretação isonômica contemporânea de grande impacto social, já que abrangente de uma crescente situação laboral criada no mercado de trabalho: a situação de terceirização. Há interpretações no sentido de que a contratação terceirizada de trabalhadores não pode, juridicamente, propiciar tratamento discriminatório entre o trabalhador terceirizado e o trabalhador exercente de função equivalente na empresa tomadora de serviços. Pelo parâmetro constitucional seria devido, em tais situações, o chamado salário eqüitativo, hábil a assegurar a equivalência isonômica entre os respectivos profissionais”.

8 – Igualdade de tratamento entre o trabalhador avulso e o trabalhador com vínculo de emprego

Dando amplitude ainda maior ao princípio da isonomia, cuja matriz encontra-se no caput do art. 5o do Texto Maior, o constituinte de 88 fez inserir o preceito constante do inciso XXXIV, do art, 7o através do qual estabeleceu a “igualdade de direitos entre trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso”.

Todavia, na prática, aquela garantia já tinha sido conquistada pela grande maioria dos trabalhadores avulso, que já havia alcançado a equiparação jurídica com os trabalhadores com vínculo de emprego.

Curiosamente, foi editada a Lei 8.630/93 que revogou de forma expressa vários dispositivos legais que asseguravam tais direitos, remetendo para o plano dos instrumentos normativos as regras laborais relativas a esta categoria (arts. 22 e 29 da chamada Lei dos Portos).

É evidente que na ausência de instrumentos normativos a garantia resta assegurada por força do preceito inserto no inciso XXXIV, do art. 7o, do Texto Maior.

6 – Tratamento discriminatório dado ao trabalhador rural pela EC 28

Em maio de 2000 foi promulgada a Emenda Constitucional 28 alterando o disposto no art. 7o, inciso XXIV, do Texto Supremo que passou a vigorar com seguinte redação:

“ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho”.

O tratamento discriminatório dado pelo constituinte derivado ao trabalhador rural é manifesto.

Em primeiro lugar, o combate à discriminação é medida que só se tornará realidade se combinarmos a proibição de atos discriminatórios com as chamadas políticas compensatórias.

Para que se possa assegurar a igualdade não basta proibir a discriminação mediante legislação repressiva. É indispensável estabelecer estratégias promocionais capazes de estimular a inserção dos chamados grupos socialmente vulneráveis nos espaços sociais.

Como um poderoso instrumento de inclusão social situam-se as ações afirmativas, que se constituem em medidas especiais que têm por objetivo acelerar o processo de igualdade, com o alcance da isonomia não apenas formal, mas, substantiva por parte dos “grupos vulneráveis”.

Estas ações no dizer de Flávia Piovesan, “enquanto políticas sociais compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado discriminatório, cumprem uma finalidade pública decisiva ao projeto democrático, que é assegurar a diversidade e a pluralidade social”.

O Texto de 88 contém importantes preceitos que demonstram o objetivo do constituinte na busca dessa igualdade material.

Dentre eles encontramos a norma do inciso XXIV, do art. 7o, antes da alteração trazida pela Emenda 28, ao estabelecer um prazo diferenciado de prescrição do direito de ação para reclamar créditos decorrentes do contrato de trabalho rural.

Esse tratamento diferenciado – não discriminatório – levou em conta a diversidade das condições do trabalho no meio rural e a dificuldade de acesso à justiça por parte do trabalhador campesino, que sejamos corajosos em reconhecer, em grande maioria sequer tem conhecimento de seus direitos.

Ora, na medida em a EC 28 igualou o trabalhador rural ao urbano para fins de prescrição do direito de ação no âmbito do processo do trabalho terminou por violar o princípio da igualdade material, pois estamos diante de situações completamente diferentes.

Na medida em que se deu tratamento igualitário para situações desiguais, violou-se de forma absoluta e injustificável o princípio da isonomia que pressupõe para “sua realização prática no tratar iguais com igualdade e desiguais com desigualdade”.

Ensinava Padre Antonio Vieira que “o Sol da Justiça é o Sol da Justiça porque trata a cada um conforme o que merece. Só para os bons amanhece, e para os maus esconde-se; só alumia aos que o temem, e aos que não o temem sempre às escuras”.

Sampaio Doria escrevendo sobre o que denominou de princípios constitucionais liberais, afirmou que “se dadas as desigualdades naturais, fossem todos nivelados, cometer-se-ia a maior das desigualdades”.

Induvidoso, pois, que na medida em que a EC 28 iguala o trabalhador rural ao trabalhador urbano, para efeitos de prescrição do direito de ação, cometeu evidente discriminação, pois tratou de forma isonômica situações completamente desiguais e com isso feriu o princípio da igualdade material, pois a ninguém é dado desconhecer as profundas diferenças entre as relações de emprego rural e urbana, especialmente quanto à conscientização dos direitos delas decorrentes e as dificuldades que o trabalhador campesino tem para acessar à justiça, máxime quando há pouco se lhe impôs uma espécie de renúncia forçada aos seus direitos, na medida foi obrigado a tentar conciliar-se previamente com o empregador perante as Comissões de Conciliação Prévia – onde estiverem em funcionamento – e ressalvar, expressamente, os direitos não negociados, pena de não poder ajuizar a reclamatória na Justiça Especializada do Trabalho. E agora com o prazo de prescrição do direito de ação sendo igualado ao do trabalhador urbano completou-se o golpe.

Ademais, a Emenda 28 feriu de forma inadmissível o disposto no § 4o, IV, do art. 60 da Suprema Carta, pois induvidoso que o direito de ação se constitui em um dos direitos mais fundamentais do cidadão, sendo garantido por preceito inserido em cláusula pétrea, não pode ser apequenado ou desarrazoadamente restringido a ponto de se tornar na prática impossível o seu exercício.

Paulo Bonavides após analisar as várias teorias a respeito da verdadeira hermenêutica dos direitos fundamentais, assevera:

“A Nova Hermenêutica constitucional se desataria de seus vínculos com os fundamentos e princípios do Estado de democrático de Direito se os relegasse ao território das chamadas normas programáticas, recusando-lhes concretude integrativa sem a qual, ilusória, a dignidade da pessoa humana não passaria também de mera abstração.

A observância, a prática e a defesa dos direitos sociais, a sua inviolável contextura formal, premissa indeclinável de uma construção material sólida desses direitos, formam hoje o pressuposto mais importante com que fazer eficaz a dignidade da pessoa humana nos quadros de uma organização democrática da Sociedade e do Poder.

Em função disso, essa dignidade se fez artigo constitucional em nosso sistema jurídico, tendo sido erigida por fundamento de um novo Estado de Direito, que é aquele do art. 1o da Carta Política da República.

Sem a concretização dos direitos sociais não se poderá alcançar jamais “a Sociedade livre, justa e solidária”, contemplada constitucionalmente como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3o). O mesmo tem pertinência com o respeito à redução das desigualdades sociais, que é, ao mesmo passo, um princípio da ordem econômica e um dos objetivos fundamentais de nosso ordenamento republicano, qual consta respectivamente do art. 170, VII, e do sobredito art. 3o.”

E conclui seu pensamento defendendo que a garantia dos direitos sociais deve ser interpretada como cláusula pétrea, afirma:

“Em obediência aos princípios fundamentais que emergem do Título I da Lei Maior, faz-se mister, em boa doutrina, interpretar a garantia dos direitos sociais como cláusula pétrea e matéria que requer, ao mesmo passo, um entendimento adequado dos direitos e garantias individuais do art. 60. Em outras palavras, pelos seus vínculos principais já expostos – e foram tantos na sua liquidez inatacável -, os direitos sociais recebem em nosso direito constitucional positivo uma garantia tão elevada e reforçada que lhe faz legítima a inserção no mesmo âmbito conceitual da expressão direitos e garantias individuais do art. 60. Fruem, por conseguinte, uma intangibilidade que os coloca inteiramente além do alcance do poder constituinte ordinário, ou seja, aquele poder constituinte derivado, limitado e de segundo grau, contido no interior do próprio ordenamento jurídico.

Tanto a lei ordinária como a emenda à Constituição que afetarem, abolirem ou suprimirem a essência protetora dos direitos sociais, jacente na índole, espírito e natureza de nosso ordenamento maior, padecem irremissivelmente da eiva de inconstitucionalidade, e como inconstitucionais devem ser declaradas por juizes e tribunais, que só assim farão, qual lhes incumbe, a guarda bem sucedida e eficaz da Constituição”.

Assim, seja porque feriu de forma absoluta o princípio da isonomia material, tratando de forma igual situações desiguais, ou ainda por ter suprimido por meio de Emenda direito fundamental do trabalhador rural – acesso à justiça – na medida em que reduzindo o tempo de prescrição para o ajuizamento da ação enquanto vigente o contrato – quando o trabalhador encontra-se moral e economicamente coagido perante o empregador, o que o impede reivindicar eventuais direitos, dos quais sequer tem conhecimento – a EC 28 atenta contra o princípio do acesso à justiça, violando inclusive a proibição constante do § 40, inciso IV, do art. 60, do Texto Maior.

III – Conclusão

Neste artigo procurei analisar, ainda que de forma sucinta, o princípio da igualdade – que tem matriz no caput do art. 5o da Suprema Carta – em relação às normas proibitivas de práticas discriminatórias no âmbito da relação de trabalho e emprego.

Ao longo da pesquisa pude constatar o quanto ainda necessita ser feito para que a isonomia material possa se concretizar no plano da realidade do contrato de trabalho.

Otávio Brito Lopes em artigo sobre a questão da discriminação na relação de emprego afirma que “a discriminação no trabalho em razão do gênero, a discriminação racial é outro vírus que infecta o tecido social, e a cada dia que passa, vai merecendo das autoridades mundiais maior cuidado”.

“O trabalho em regime de cooperação entre a OIT e diversos órgãos governamentais brasileiros (Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho, Ministério da Justiça), no combate à discriminação no emprego levou à constatação de várias formas de discriminação no trabalho, sendo mais comuns as seguintes hipóteses: a) negros e mulheres têm o acesso dificultado a certos trabalhos que impliquem contato com o público, tais como caixa de banco, garçom, garçonete, relações públicas, etc; b) os salários pagos aos negros e às mulheres são inferiores aos pagos aos seus colegas, com a mesma qualificação; c) negros e mulheres costumam ser preteridos nas promoções no emprego; d) em muitos casos a justificativa para a preterição das mulheres nas promoções é que seus colegas poderiam ter dificuldades em aceitar o comando feminino; e) as mulheres estão sujeitas ao assédio sexual como instrumento de pressão no trabalho; f) as mulheres são discriminadas com a demissão por motivo de gravidez, a exigência de atestado de esterilização e não gravidez no ato admissional”.

Esse triste quadro mostra, e muito bem, que o problema da discriminação infelizmente ainda é grave e que a solução não é tarefa das mais simples. É preciso um engajamento de toda a sociedade.

É indispensável que na busca da igualdade material, tão almejada pelo cidadão, especialmente aquele desafortunado que é a maior vítima das práticas discriminatórias, seja requerido e até mesmo exigido que “Judiciário tome decisões que, ao retrabalherem construtivamente os princípios e as regras constitutivas de direito vigente, satisfaçam, a um só tempo, a exigência de dar curso e reforçar a crença tanto na legalidade – sem qual no meu entender não se pode cogitar de Estado de Direito – mas também no sentimento de justiça realizada, que deflui da adequabilidade da decisão às particularidades do caso concreto”.

Para tanto é fundamental que aplicador da norma saiba que a própria composição estrutural do ordenamento jurídico é mais complexa que de um mero conjunto hierarquizado de regras, em que acreditava o positivismo jurídico: “o ordenamento de regras, ou seja, de normas aplicáveis à maneira de tudo ou nada, porque capazes de regular as suas próprias condições de aplicação, na medida em que portadoras daquela estrutura descrita por Kelsen como a estrutura mesma da norma jurídica: “Se é A, deve ser B”.

“Ora, os princípios são também normas jurídicas, muito embora não apresentem essa estrutura. Operam ativamente no ordenamento ao condicionarem a leitura de regras, suas contextualizações e inter-relações, e ao possibilitarem a integração construtiva da decisão adequada de um hard case”.

“Os princípios, ao contrário das regras, podem ser contrários sem ser contraditórios, sem se eliminarem reciprocamente”.

Assim, “o problema da decisão judicial, no entanto, é que a mesma se dá como solução de um litígio concreto e envolve igualmente a interpretação dos fatos que configuram uma situação de aplicação única e irrepetível”.

Esses fatos “como revelam a própria ciência e sua teoria, por exemplo, por meio do conceito de “paradigma”em Thomas Kunh, são, na realidade, equivalentes a texto, ou seja, semente apreensíveis por meio da atividade interpretativa, é dizer: mediante uma atividade de reconstrução da situação fática profundamente marcada pelo ponto de vista de cada um dos envolvidos”.

No domínio dos discursos de aplicação normativa, “faz-se justiça não somente na medida em que o julgador seja capaz de tomar uma decisão consistente com o direito vigente, mas para isso ele tem de ser igualmente capaz de se colocar no lugar de cada um dos envolvidos, de buscar ver a questão de todos os ângulos possíveis e, assim, proceder, racional e fundamentadamente, à escolha da única norma plenamente adequada à complexidade e à unicidade da situação de aplicação que se apresenta.”

Como afirma Ronald Dworkim, ao tratar da questão da igualdade, o pressuposto da legitimidade do Estado de Direito depende de que as instituições demonstrem igual respeito e preocupação com todos os cidadãos. Como o maior ou menor bem-estar das pessoas depende em grande parte do conteúdo das leis, o Estado perderá legitimidade se o funcionamento destas leis não tiver a capacidade de demonstrar obediência ao requisito de tratamento igual a todos. E se as desigualdades não forem atenuadas, não se pode alegar que o Estado esteja cumprindo sua obrigação de assegurar o requisito da igualdade.

Penso deva ser essa a verdadeira noção do princípio da igualdade, entre nós positivado no art. 5o da Suprema Carta, e no campo do Direito do Trabalho explicitado em vários dos incisos do seu art. 7o.

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Informações Sobre o Autor

 

Francisco das C. Lima Filho

 

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. Mestre em Direito pela UNB. Mestre e doutorando em Direito Social pela UCLM (Espanha)

 


 

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