Resumo: Este artigo aborda a distribuição de competências administrativas na Constituição Federal de 1988, o modelo de federalismo adotado no Brasil, a sobreposição de competências e a possibilidade de conflitos entre os entes federados.
Palavras-chave: Distribuição. Competências. Federalismo. Conflitos
A Constituição Federal de 1988, inspirada no modelo alemão, adotou o chamado “federalismo de cooperação ou de equilíbrio”, ao estabelecer competências comuns (art. 23, CF/88) e concorrentes (art. 24, CF/88) entre os entes federados.
Nessa forma de federalismo, há uma tendência de equilibrar a distribuição de competências, de modo a propiciar a cooperação entre os entes federados no exercício de suas atribuições constitucionais. Porém, a possibilidade de ocorrência de conflitos entre os entes federados, nesse modelo, aumenta consideravelmente, em face dos interesses políticos e econômicos quase sempre díspares dos entes envolvidos. Como ensina Lipson, citado por Martins (2008a, p. 14), “os limites que seriam os mais convenientes do ponto de vista de determinada atividade governamental raramente são idênticos aos que se ajustam a outra”.
Não por outra razão, foi que o constituinte reformador previu no artigo 23, parágrafo único, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 53, de 2006, a edição de leis complementares que fixem normas de cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para o exercício das competências comuns.
A importância dessa cooperação está na possibilidade de se reduzir os conflitos entre os diferentes entes políticos, já que entre eles não há hierarquia, de modo que um pudesse se sobrepor ao outro, mas apenas coexistência de entes autônomos, com âmbitos de atuação diferenciados, os quais devem se coordenar para melhor cumprir as competências que lhe foram constitucionalmente atribuídas, de acordo com o interesse nacional, regional ou local a ser protegido.
Nada obstante os entes federados possuírem ambitos de atuações diferenciados, nem sempre é possível estabelecer com facilidade os limites desses âmbitos de atuações, já que muitas matérias elencadas no art. 23 da Constituição Federal (competência comum material), como saúde, educação, proteção do meio ambiente, do patrimônio histórico, artístico e cultural, dentre outros, interpenetram-se e dizem respeito às diferentes esferas federativas, potencializando a ocorrência de conflitos, os quais nem sempre são positivos, ou seja, conflitos em que cada um dos entes em disputa reclama para si a atribuição que é objeto da controvérsia, podendo, por vezes, ocorrer conflitos negativos, como no caso mencionado por ACUNHA (2012, p. 31), em que se discutia a competência comum dos entes federados em matéria de saúde (art. 23, II, CF/88).
Ademais, mesmo no âmbito da competência material exclusiva da União, como, por exemplo, a prestação de serviços de telecomunicações (art. 21, XI, CF/88), a possibilidade de ocorrência de conflitos entre a União e os Municípios se faz presente, dadas as implicações locais da prestação desses serviços de telecomunicações.
Segundo salienta José Afonso da Silva, citado por Martins (2008a, p. 16), a Constituição Federa de 1988 adotou um sistema complexo de repartição de competências entre os entes federados, que busca realizar o equilíbrio federativo. Esse sistema contempla os dois modelos básicos de repartição de competências existentes, a saber, o modelo clássico e modelo moderno (MARTINS, 2008a, pg. 16 e 17), com destaque para a adoção do chamado federalismo cooperativo ou de equilíbrio, que consiste no estabelecimento de competências comuns (art. 23, CF/88) e concorrentes (art. 24, CF/88) entre os entes federados, resultando na inevitável sobreposição de competência e, consequentemente, na potencialidade de ocorrência de conflitos federativos.
É princípio básico do federalismo que os entes federados, no exercício de suas atribuições constitucionais, não estão sujeitos a hierarquia ou controle. Num sistema federativo não há propriamente uma hierarquia entre os entes, mas sim repartição de atribuições de acordo com as regras constitucionais. A atribuição de diferentes níveis de competência atende a critérios de organização política que visam, por exemplo, definir competências de acordo com o tipo de interesse a ser protegido, ou seja, interesse nacional, regional ou local, prevendo mecanismos que atendem a tal finalidade, conforme já mencionado acima.
De acordo com FURTADO apud ACUNHA (2012, p. 32), os critérios utilizados para promover a distribuição de competências públicas entre as entidades primárias são de ordem política e, eventualmente, técnica. Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988 promove tal distribuição entre União, Estados e Municípios a partir de critérios casuísticos e sujeitos a eventuais alterações.
Conforme acentua ACUNHA (2012, p. 32), esse tipo de atribuição originária de competências aos entes primários (não submetidos a hierarquias e controle um pelo outro) se dá por meio da técnica conhecida como descentralização administrativa vertical, em que o poder do Estado federal, atendidos os critérios previstos pela Constituição em cada momento histórico, é repartido entre entes que não se submetem uns aos outros, mas possuem âmbitos de atuação diferenciados. Trata-se de repartição de competências que visa tornar eficiente o uso do aparelho do Estado, e possui, pela formação federativa do Brasil, umbilical ligação com a estruturação da Administração Pública no Brasil.
No entanto, afirmar que não existente hierarquia ente os entes federados não implica dizer, por exemplo, que as leis estaduais ou municipais não devam obediência à legislação federal, porém essa subordinação deve estar respaldada na Constituição Federal, ou seja, a subordinação municipal às normas federais ou estaduais somente ocorre nas matérias e nos termos que a Constituição dispuser.
Nesse sistema complexo de repartição de competências adotado pela Constituição Federal de 1988, estipulou-se, por um lado, um amplo rol de competências administrativas comuns, ou seja, de execução (art. 23, CF/88), entre todos os entes federados e, de outro, estipulou-se um grande número de competências legislativas concorrentes entre todos os entes federados, excluídos os Municípios (art. 24, CF/88).
Em face desse modelo complexo de distribuição de competências, várias dessas competências acabam por se sobrepor, o que dá ensejo a não raros conflitos entre os diferentes entes políticos.
Martins (2008a, p. 17-19) menciona alguns casos clássicos, no direito brasileiro, de conflitos de competências, que envolvem matérias como a competência para legislar sobre sorteios, sobre normas gerais para licitações e contratações na Administração Pública, e sobre normas gerais em matérias de meio ambiente.
Conforme destaca Martins (2008a, p. 19-20), a Constituição Federal de 1988 implementou consideravelmente a técnica da competência legislativa concorrente, em seu artigo 24, ao atribuir concomitantemente à União, aos Estados e ao Distrito Federal, a competência para legislar sobre as matérias ali elencadas. Nos termos desse dispositivo, existe concorrência na seguinte medida: à União compete a edição de normas gerais, ao passo que aos Estados e Distrito Federal compete a edição de normas suplementares a essas. Tal dispositivo prevê ainda a possibilidade de os Estados e o Distrito Federal legislarem plenamente, na hipótese de inexistência de lei federal sobre o tema em questão. Porém, a legislação estadual está sujeita à legislação federal sobre normas gerais que sobrevier (parágrafo 4, CF/88). Nesse contexto, a concorrência somente existe no que tange à edição de normas gerais, permanecendo as normas suplementares ou especais como competência reservada dos Estados e do Distrito Federal.
Ademais, apesar de os Municípios não possuírem competência legislativa concorrente (art. 24, CF/88), eles possuem competências administrativas (materiais) sobre muitas matérias elencadas no art. 23 da Constituição Federal, que estabelece as competências comuns entre todos os entes federados, como, por exemplo, proteção ao meio ambiente, ao patrimônio histórico, artístico e cultural, o que, na opinião de Martins (2008a, p. 20-21), abriria ensejo à possibilidade de os Municípios legislarem sobre determinadas matérias elencada no art. 24 da Constituição Federal, desde que se observe as seguintes condições: 1) se a matéria for de sua competências administrativa, 2) eles poderão exercer sua competências suplementar (art. 30, II) observadas as limitações da legislação federal e estadual, e, por fim, 3), quando houver omissão sucessiva da União e dos Estados, sendo que a superveniência da legislação federal e estadual invalida a legislação municipal.
Em conclusão, a competência legislativa prevista no artigo 24 da Constituição Federal de 1988 estabelece a concorrência entre a União e os demais entes federados no que tange apenas às normas gerais; no que toca às normas suplementares existe uma reserva de competência. Desse modo, cada ente federado é responsável pela suplementação das normas gerais dentro de seu âmbito territorial específico.
No entanto, o principal problema advindo do exercício das competências legislativas concorrentes talvez seja o de delimitar o campo de normatização geral reservado à União e isso coloca em xeque o próprio esquema constitucional acima descrito, pois uma legislação federal minuciosa invade a competência dos Estados Membros e tolhe sua autonomia federativa.
Informações Sobre o Autor
José Domingos Rodrigues Lopes
Graduado em Direito pela Universidade de Brasília – UnB Pós-Graduando em Direito Público pela mesma Universidade e Procurador Federal atuando no STJ e STF na área de Desapropriação e Desenvolvimento Agrário