Resumo: O artigo aborda a divergência acerca do fato gerador das contribuições sociais decorrentes de acordos ou sentenças da Justiça do Trabalho, bem como a jurisprudência dos Tribunais trabalhistas sobre a matéria.
Palavras-chave: Fato gerador. Contribuições Sociais. Justiça do Trabalho. Juros e multa. Pagamento. Prestação e serviços. Jurisprudência.
Sumário: 1. Introdução; 2. A execução das contribuições sociais na Justiça do Trabalho; 3. O pagamento como fato gerador; 4. A prestação do serviço como fato gerador; 5. Jurisprudência dos Tribunais Trabalhistas; 6. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução:
O presente artigo busca tratar da discussão travada na Justiça do Trabalho acerca do fato gerador das contribuições sociais que derivam de sentenças ou acordos trabalhistas.
Com a obrigação de execução de tais contribuições (artigo 114, VIII da Constituição Federal) o estabelecimento do fato gerador de tais contribuições sociais é imprescindível para se saber quais critérios serão utilizados na atualização do débito.
A discussão travada gira em torno de duas teses no que se refere ao fato gerador. A primeira sustenta que o fato gerador seria o pagamento das verbas trabalhistas no processo.
Já a segunda vertente sustenta que o fato gerador seria a prestação de serviço.
A depender da tese adotada, ter-se-á conseqüências diversas no tocante à forma de incidência de juros e multa de mora sobre os valores a serem recolhidos, questão que ganha especial relevância na Justiça do Trabalho, que é hoje uma das principais fontes de arrecadação da União Federal.
2. A execução das contribuições sociais na Justiça do Trabalho:
A Justiça do Trabalho, por força de mandamento constitucional, tem a competência material para a execução, de ofício, das contribuições sociais decorrentes de suas sentenças ou acordos.
O artigo 114, inciso VIII da Constituição Federal estabelece, de forma expressa, que:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).[…]
VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Dessa forma, portanto, sempre que houver a homologação de um acordo ou a prolação de uma sentença, na Justiça do Trabalho, em que forem discriminadas ou deferidas verbas salariais, haverá a obrigação constitucional, ao Juízo trabalhista, de proceder ao correto recolhimento das contribuições sociais, sob pena de responsabilidade, consoante preconiza o artigo 43, “caput”, da Lei 8212/91, cujo teor é o seguinte:
“Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social.” (Redação dada pela Lei n° 8.620, de 5.1.93).
Nesse sentido, é o pensamento do Professor Sérgio Pinto Martins, que desde o início da discussão sobre o alargamento da competência da Justiça do Trabalho, já se posicionava em defesa da possibilidade de a Justiça Especializada executar tais contribuições sociais:
“A sentença de natureza declaratória é uma das sentenças proferidas no dissídio individual. Assim, se a Justiça do Trabalho proferir uma sentença meramente declaratória, em que se reconhece apenas o vínculo de emprego entre as partes, sem a condenação do empregador em pagamento de verbas ao empregado, serão devidas pelo fato de que o vínculo de emprego foi reconhecido e deveria a empresa ter recolhido as contribuições previdenciárias de todo o período trabalhado pelo empregado. Logo, elas serão executadas na Justiça do Trabalho, pois decorrem da sentença proferida por essa Justiça Especializada.” (Execução da Contribuição Previdenciária na Justiça do Trabalho, 2ª Edição, Editora Atlas, 2004, p. 33/34).
Entretanto, atualmente, a grande discussão travada na Justiça do Trabalho não envolve a competência para a execução das respectivas contribuições sociais, questão já pacificada pelo texto constitucional.
O grande dilema jurídico existente na chamada execução fiscal trabalhista gira em torno do momento em que a contribuição social passaria a ser devida, ou seja, qual seria o fato gerador da respectiva contribuição.
Essa discussão é importante porque havendo o fato gerador, o tributo passa a ser devido, e portanto surge a hipótese de se sustentar a mora no seu recolhimento.
Surgem então duas correntes: a primeira sustenta que o fato gerador seria a prestação do serviço.
A segunda defende que o fato gerador do tributo seria o pagamento da verba trabalhista salarial na respectiva reclamação.
As duas hipóteses serão melhor decididas nos capítulos seguintes.
3. O pagamento como fato gerador:
A primeira corrente acerca do fato gerador das contribuições sociais decorrentes de sentenças ou acordos na Justiça do Trabalho sustenta que o tributo somente é devido a partir do pagamento das verbas trabalhistas salariais no respectivo processo.
Referido entendimento se sustenta no artigo 195, inciso I, alínea “a” da Constituição Federal, cuja redação é a seguinte:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
O cerne da tese que sustenta ser o pagamento o fato gerador das contribuições sociais se funda no texto literal da referida alínea “a”, a qual expressamente diz “pagos ou creditados”.
Portanto, segundo o texto constitucional, apenas no momento do pagamento é que ocorreria o fato gerador das contribuições sociais, dando origem à subsunção entre a hipótese de incidência e o fato concreto estabelecido no ordenamento jurídico, apto a consequente tributação.
A adoção dessa corrente gera conseqüências práticas no recolhimento do tributo, diretamente ligadas à forma de atualização do débito previdenciário.
Isso porque, ao se considerar o pagamento como fato gerador, não haverá mora por parte do executado até o momento em que a verba trabalhista for efetivamente paga.
Dessa feita, os valores a serem recolhidos a título de contribuições sociais seriam sensivelmente menores se comparados com a tese que o fato gerador seria a prestação do serviço.
Os defensores da premissa de que o pagamento seria o fato gerador também sustentam que caso adotada a prestação de serviço como fato gerador do tributo, os valores das contribuições sociais seriam muito maiores do que os valores das verbas trabalhistas, em virtude da incidência de juros e multa de mora desde a prestação do serviço, o que violaria a lógica de que o acessório (as contribuições sociais) seguem o principal (as verbas trabalhistas).
Portanto, os defensores do pagamento como fato gerador alinham-se ao chamado regime de caixa para a cobrança do tributo, em que se leva em conta o montante total pago no mês do pagamento.
4. A prestação do serviço como fato gerador:
A corrente que sustenta ser a prestação de serviço o respectivo fato gerador das contribuições sociais defende a idéia de que a sentença trabalhista condenatória ou homologatória declara uma relação jurídica que já existia desde o mês da respectiva prestação do serviço.
Argumenta que a própria verba trabalhista deferida (horas extras, por exemplo), será atualizada desde o mês em que foi prestada, sendo ilógico sustentar que apenas a contribuição social teria um fato gerador em momento diverso.
Também se funda na premissa de que adotar o pagamento como fato gerador seria estimular a sonegação e a impunidade, já que acabaria sendo mais vantajoso ao empregador não recolher o tributo no momento oportuno (mês em que o serviço foi prestado) para aguardar a data em que fosse eventualmente obrigado a pagar as verbas trabalhistas no processo judicial, oportunidade em que não pagaria sequer juros moratórios e multa pelo não recolhimento anterior.
Para tentar pacificar a questão, a Lei 11.941 de 2009 incluiu o parágrafo segundo no artigo 43 da Lei 8212/91, estabelecendo expressamente que o fato gerador da contribuição social seria a prestação do serviço, adotando, assim, o chamado regime de competência, em que se considera a base de cálculo, mês a mês, com a respectiva incidência das atualizações, juros e multa de mora em cada uma das competências (meses) respectivas.
Diz o referido dispositivo:
“Art. 43. […]
§ 2o Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço.” (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009).
O parágrafo terceiro do mesmo dispositivo, também incluído pela Lei acima referida, deixa clara a opção do legislador infraconstitucional pelo chamado regime de competência, ao estabelecer que:
“§ 3o As contribuições sociais serão apuradas mês a mês, com referência ao período da prestação de serviços, mediante a aplicação de alíquotas, limites máximos do salário-de-contribuição e acréscimos legais moratórios vigentes relativamente a cada uma das competências abrangidas, devendo o recolhimento ser efetuado no mesmo prazo em que devam ser pagos os créditos encontrados em liquidação de sentença ou em acordo homologado, sendo que nesse último caso o recolhimento será feito em tantas parcelas quantas as previstas no acordo, nas mesmas datas em que sejam exigíveis e proporcionalmente a cada uma delas.” (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009).
O Professor Miguel Horvath Júnior sustenta que o fato gerador das contribuições sociais seria a prestação do serviço, e não o pagamento, defendendo que:
“Assim, o regime a ser aplicado em relação às contribuições é o de competência, aplicando-se a legislação vigente na data da ocorrência do fato gerador, empregando-se a partir daí as regras pertinentes à atualização dos valores devidos.
WLADIMIR NOVAES MARTINEZ também entende que o fato gerador da contribuição previdenciária é o direito à remuneração e não o efetivo pagamento, tanto que o obreiro pode deixar espontaneamente de receber o dinheiro ou esta poderá falir (p. ex), sem que se desnature a obrigação da empresa de contribuir para a Previdência. Conclui, ressaltando que a decisão ou homologação do ajuste não constitui o crédito previdenciário, eis que esta preexistia à resolução enunciativa, situando-se na época do trabalho.” (Direito Previdenciário, 6ª Edição, Quatier Latin, p. 489).
Contudo, a despeito das alterações legislativas acima mencionadas, que tiveram o escopo de tentar pacificar a matéria, a questão permaneceu controvertida, pois remanesce a seguinte indagação: a Lei 11.941 é compatível com o texto constitucional, o qual, expressamente, diz que a contribuição social incidiria sobre valores “pagos ou creditados”?
Os Tribunais Trabalhistas, a despeito da modificação legislativa, têm se inclinado para não acolher a tese de que o fato gerador seria a prestação de serviço, pelos fundamentos a serem tratados no capítulo seguinte.
5. Jurisprudência dos Tribunais Trabalhistas:
Cumpre agora analisar-se o entendimento da jurisprudência trabalhista acerca do tema em questão.
Ao se analisar as decisões dos tribunais trabalhistas, constata-se que predomina entre os julgados a tese de que o fato gerador seria o pagamento, e não a prestação de serviço.
A despeito de o Superior Tribunal de Justiça, na Justiça Comum, ter pacificado o entendimento de que a prestação de serviço é o fato gerador, os Tribunais Regionais do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho tem perfilhado entendimento de que o fato gerador somente ocorreria com o pagamento.
A título ilustrativo, no âmbito do E. STJ, tem-se os seuintes precedentes defendendo a prestação do serviço como fato imponível: Recurso Especial n. 384.372/RS e Recurso Especial n. 221.362/RS.
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região tem, de forma majoritária, decidido no seguinte sentido:
“EMENTA: CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. FATO GERADOR. O fato gerador da contribuição previdenciária é o pagamento e não a prestação de serviços ou o mês de competência, em conformidade com o art. 195, inciso I, alínea "a", da Carta Magna.” (Processo 0173100-15.2006.5.15.0043 AP).
O próprio Tribunal Superior do Trabalho tem entendimento praticamente pacificado no mesmo norte:
"RECURSO DE REVISTA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. JUROS E MULTA. FATO GERADOR. O acórdão regional está em harmonia com a jurisprudência do TST ao decidir que somente incidirá multa e juros caso não observado o segundo dia do mês subsequente ao da liquidação da sentença (artigo 276 do Decreto nº 3.048/99). Incólumes os dispositivos apontados como violados." (RR – 6426/2005 035-12-86, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT – 11/12/2009)
"JUROS DE MORA E MULTA SOBRE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDÊNCIA – ÓBICE DA SÚMULA 333 DO TST. 1. O fato gerador da contribuição previdenciária é o pagamento do crédito devido ao empregado e não a data da efetiva prestação dos serviços, sendo que os juros e a multa moratória incidirão apenas a partir do dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença, consoante jurisprudência consolidada desta Corte (TST-AIRR-333/2005-013-03-40.6, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, DJ de 29/08/08; TST-AIRR-3.569/1997-016-12-40.3, Rel. Min. Simpliciano Fernandes, 2ª Turma, DJ de 06/02/09; TST-AIRR-782/2001-126-15-41.2, Rel. Min. Carlos Alberto, 3ª Turma, DJ de 13/02/09; TST-RR-668/2006-114-15-40.4, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, DJ de 20/02/09; TST-RR-729/2002-022-03-40.1, Rel. Min. Emmanoel Pereira, 5ª Turma, DJ de 17/10/08; TST-RR-11/2005-029-15-85.5, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, DJ de 12/12/08; TST-AIRR-678/2006-114-15-40.0, Rel. Min. Caputo Bastos, 7ª Turma, DJ de 03/10/08; TST-AIRR-1.404/2005-105-03-40.1, Rel. Min. Dora Maria da Costa, 8ª Turma, DJ de 28/11/08), incidindo, portanto, sobre o apelo o óbice da Súmula 333 do TST. 2. Ademais, os dispositivos constitucionais apontados como malferidos na revista (arts. 5º, II, 37, 114, VIII, e 195, I, a, da CF, 22, 30, 34 e 35 da Lei 8.212/91) não disciplinam a matéria de forma específica, atraindo o óbice do art. 896, c , da CLT. Recurso de revista não conhecido." (TST-RR-364/2006-077-15-00, 7ª Turma, RE. Min. Ives Gandra Martins Filho, DJ-26/6/2009).
"CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. JUROS E MULTAS. FATO GERADOR. Consoante o disposto no caput do artigo 276 do Decreto nº 3.048/99, a data para o recolhimento das contribuições previdenciárias decorrentes de decisões judiciais será o dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença. Assim, não prospera a argumentação de que a incidência de juros e multas seria desde a prestação dos serviços. Precedentes. Recurso de revista conhecido e a que se nega provimento." (RR – 224/2005-052-15-85, 5a Turma, Rel. Min. EMMANOEL PEREIRA, DJ – 29/5/2009).
Portanto, consoante se verifica dos precedentes acima colacionados, as Cortes Trabalhistas ainda tem aplicado uma interpretação literal do artigo 195, I, “a” da Constituição Federal, para entender o pagamento como fato gerador da contribuição social.
6. Conclusão:
De todo o quanto exposto, verifica-se que a discussão acerca do fato gerador das contribuições sociais decorrentes de acordos ou sentenças trabalhistas gravita em torno de duas teses.
A primeira adota o entendimento de que o fato gerador seria o pagamento das verbas trabalhistas de natureza salarial, na respectiva reclamatória, aplicando o regime de caixa e sustentando que não incidiria juros e multa sobre as contribuições sociais até o momento do pagamento das verbas laborais, com espeque no artigo 195, I, a, da Constituição Federal.
A segunda corrente defende que a prestação de serviço seria o fato gerador, e, portanto, desde o mês em que o serviço foi prestado teria de haver a atualização do débito previdenciário, com juros e multa de mora, mês a mês, nos termos do artigo 35 da Lei 8212/91. Argumentam que a legislação federal expressamente estabelece que a prestação de serviço seria o fato gerador da contribuição social, e que tal legislação estaria em conformidade com a Constituição Federal.
Os Tribunais trabalhistas têm adotado o entendimento de que o fato gerador seria o pagamento, com fundamento em uma interpretação literal do artigo 195, I, a, da Carta Magna e sob o argumento de que antes do pagamento das verbas trabalhistas a incidência das contribuições sociais ainda não era devida.
O tema ainda é controvertido, já que a União continua a recorrer e impugnar tais decisões, na esperança de reverter tal entendimento, notadamente porque a Justiça do Trabalho é hoje uma das principais fontes de arrecadação de tributos federais.
Informações Sobre o Autor
Rubens José Kirk de Sanctis Junior
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Professor universitário e de curso preparatório para concursos públicos.