A dogmática jurídico-penal em questão: Possibilidades e limites no século XXI

“Se de algo se pode acusar globalmente aos penalistas alemães da época da República de Weimar, valorações ideológicas a parte, é de haverem sido demasiado conseqüentes com os postulados puramente dogmáticos dos quais partiam, cultivando a dogmática jurídico-penal l’art pour l’art, distanciando-se bastante da realidade política, social e econômica na qual viviam, e deixando, de certo modo, com suas esquisitices e elucubrações teóricas, a porta aberta à terrível besta do fascismo, a que não quiseram ou não souberam identificar como verdadeiro inimigo da humanidade[1].”


Resumo: O presente artigo objetiva (re)discutir os postulados de legitimação da dogmática jurídico-penal, enquanto pretensa Ciência do Direito, assim como os fundamentos do próprio poder de punir, tendo como foco principal os limites e possibilidades da dogmática jurídico-penal no atual contexto jurídico.


Palavras-chave: Dignidade humana. Princípio da legalidade penal. Princípio da igualdade penal. Dogmática jurídico-penal. Poder punitivo.


1 INTRODUÇÃO


Muitas arbitrariedades – para não adjetivar de maneira mais veemente – foram cometidas ao longo da história do Direito Penal, com o total respaldo da Ciência do Direito. Clássico exemplo de tal fato foi a ampla fundamentação dogmática elaborada pelo famoso penalista alemão, Edmund Mezger, para respaldar a purificação da raça Ariana, nos idos do nacional-socialismo que levou à Segunda Guerra Mundial e cujo principal artífice foi Adolf Hitler[2].


Alguns poderão argumentar dizendo que tais fatos pertencem ao passado e que situações de tal natureza jamais se repetirão, ainda mais respaldadas pela dogmática penal, vez que existem hodiernamente inúmeros mecanismos de controle, inclusive internacionais, tais como as declarações de direitos, os pactos e até mesmo um Tribunal Penal chancelado pela Organização das Nações Unidas – ONU.


Todo cuidado é pouco. Estamos diante de um quadro em que se solidifica um contexto de elaboração da legislação penal de emergência, com todas as arbitrariedades que, inexoravelmente, acompanham tais tipos de leis. Os exemplos, no Brasil, proliferam incessantemente: lei de crimes hediondos; lei da delação premiada, lei Maria da Penha, Lei do Regime Disciplinar Diferenciado, entre tantas outras.


O objetivo do presente artigo, portanto, é (re) discutir as possibilidades e os limites da dogmática jurídico-penal ante tal estado de coisas. Qual o melhor caminho a ser trilhado por aqueles que são responsáveis pela elaboração, interpretação e, conseqüentemente, aplicação da legislação penal.


2 LEGITIMAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO DE PUNIR


Necessário se faz iniciar a reflexão a que se propõe o presente trabalho questionando os fundamentos do direito estatal de punir. Em uma perspectiva ampla totalmente comprometida com o Estado Democrático, investigar-se-á se tal função do Estado é legítima ou não, se é coerente ou não o discurso apresentado com o escopo de justificar e legitimar o jus puniendi.


O fim de uma fundamentação, no âmbito político, é legitimar aquilo a que se propõe, ou seja, fundamento é a motivação apresentada para justificar determinadas atitudes de poder que, se procedentes, acabam por conferir legitimidade a tais atitudes.


Logo, se a motivação é suficiente e as atitudes se mostram procedentes aos olhos dos membros da sociedade, ou pelo menos aos da maioria destes, está legitimado aquilo que foi proposto, haja vista que aceito ou compreendido.


Esse o caminho a ser percorrido pela lei penal para conferir legitimidade ao monopólio do poder de punir estatal; em outras palavras, a questão da legitimação da lei penal, passa pela aceitabilidade social que a mesma venha a ter e sua justificação se dá através dos fins perseguidos ou demandados[3].


Portanto, os fins devem justificar o uso de meios legítimos para uso da violência legal pelo Estado.


Ademais, em um contexto ideal, a legitimação deve transcender, em última instância, os critérios de legalidade, expandindo-se em direção aos critérios axiológicos, fundados na justiça, razoabilidade, verdade e utilidade. 


Dessarte, em razão da amplitude dos fundamentos da legitimação – que podem ser utilizados em prol da ditadura da maioria, assim como por regimes autoritários –, toda a análise da legitimidade do direito de punir terá como fio condutor os ideais da liberdade e da igualdade humanas, em razão mesmo da utilização de tais fundamentos pela maioria do pensamento que formulou e formula a doutrina da democracia.


Para tanto, mister que definamos o alcance e as variações de tão controvertido termo, haja vista que amiúde utilizado de forma díspar pela doutrina, sendo necessário, pois, definir o significado adotado no presente trabalho[4].


Yacobucci[5] sustenta que as regras e os fins são os dois referentes básicos de justificação do poder político; logo, a legitimação primária de tal poder e de seu exercício pressupõe uma adequada disposição entre os fins ou bens comuns almejados pela sociedade e as normas estabelecidas para consecução de sua proteção. Para o alcance dos fins comuns a todos, basicamente tranqüilidade, segurança e paz, pode o Estado fazer uso da coação penal, desde que não admita decisões aleatórias ou contingentes e sim produza previsibilidade, satisfação de expectativas, certeza e segurança.


Ferrajoli[6] chama a atenção para o entendimento geral que predomina no meio jurídico que advoga ser legítimo, no âmbito interno do direito, aquilo que é válido, ou seja, o direito elaborado conforme as normas que disciplinam a sua produção. Entendemos que para os nossos objetivos tal conceituação se torna insuficiente, sendo necessário que utilizemos também a posição do referido autor relativa à legitimação externa do direito[7], por assim dizer, é legítimo o direito quando tido como justo, com base em critérios morais, políticos, racionais, ou naturais.


Percebe-se, do exposto, ser o binômio legitimador pautado nos fins e objetivos a serem obtidos pelo poder político através do Direito Penal, assim como sua origem, modo e estrutura de exercício, aquele que prevalece na doutrina contemporânea.


No presente artigo, conjugaremos os entendimentos fundindo-os em um só, cuja gênese funda-se no pressuposto do respeito inegociável à dignidade humana, ou seja, é legítimo o direito que tem por fim inexorável o respeito à pessoa, elevando sua dignidade a dogma sagrado, haja vista ser a dignidade imanente a todo ser humano a partir de seu nascimento, acompanhando-o até o túmulo.


Dignidade não se ganha nem se perde, não aumenta nem diminui; é como a vida, inicia-se com ela e somente com ela se finda[8].


Assim sendo, é legítimo o direito – tanto no âmbito de sua elaboração quanto no plano de sua aplicação – pautado nos princípios constitucionais que colocam os direitos imanentes ao homem acima de qualquer negociação, privilegiando os valores que atendam à concretização de uma existência digna.


Democracia e jus puniendi, eis o cerne da questão. No atual momento global como coadunar as teorias que fundamentam o direito de punir com as possibilidades de acesso as promessas democráticas, o que, em última instância, garantiria a fruição de direitos imanentes à dignidade do homem?


Partimos do pressuposto dogmático segundo o qual toda a legitimação do Direito Penal é construída sobre dois pilares: o Princípio da Legalidade e o Princípio da Igualdade, que teriam a missão de trazer uniformidade e previsibilidade às decisões judiciais, assim como uma aplicação igualitária das mesmas, com o escopo maior de assegurar a paz, a segurança e a harmônica convivência social.


Para o cumprimento de tal desiderato, necessário se faz conceituar o que entendemos por dogmática jurídico-penal, socorrendo-nos, então, do posicionamento de Andrade[9], que pontua:


“A dogmática penal é assim concebida pelos penalistas que protagonizam e compartilham do seu paradigma, como uma ciência normativa (de ‘dever ser’), que tem por objeto o Direito penal identificado com a legislação penal vigente e por método o técnico jurídico de natureza lógico abstrata, cuja tarefa é a ‘construção jurídica’ de um sistema de conceitos e princípios direcionado por uma função essencialmente prática.”


É exatamente a função instrumental, “essencialmente prática”, a que se propõe a dogmática penal, baseada em pressupostos racionais e garantidores, que teriam por fim último converter o que foi programado pelo legislador no que será aplicado pelos operadores jurídicos de forma segura e igual, o alicerce do monopólio da violência física praticada pelo Estado Moderno.


De ver-se, portanto, que através de uma clara inspiração liberal, cujo objetivo principal é garantir direitos do indivíduo frente ao Estado, a dogmática penal traduz-se em promessa de racionalização do poder punitivo estatal aliada à segurança jurídica necessária para uma boa administração da justiça penal.


Assim, pelo prisma do Princípio da Legalidade garante-se a origem e a clareza das normas, que serão explicadas congruentemente com os propósitos do legislador, em um sistema lógico e abstrato que conferirá através do Princípio da Igualdade, uma aplicação igualitária das decisões judiciais. 


Todo esse desiderato, é bom que se frise, imprescinde da construção de um sistema[10], e é exatamente nesse ponto que aflora o escopo maior da dogmática jurídico-penal. Um sistema científico que englobe o conteúdo e a estrutura dos preceitos penais, apreendendo-os conceitualmente e colocando-os em uma ordem lógica incensurável é o instrumento imprescindível para legitimação do Direito Penal.


Para melhor compreensão do tema, imprescindível a conceituação elaborada por Jescheck[11]:


“O núcleo da Ciência do Direito Penal é a dogmática jurídico-penal (teoria do Direito Penal), que, partindo da lei penal que constitui seu fundamento e limite, elabora o conteúdo conceitual e a estrutura das proposições jurídicas; ordena o material jurídico em um sistema no qual também têm capacidade as sentenças dos Tribunais e as opiniões da ciência e intenta descobrir novos caminhos de elaboração conceitual e de sistemática. Mediante a interpretação progressiva do direito vigente, com base em um exame crítico, da comparação e da classificação da jurisprudência, a dogmática do Direito Penal, como ponte entre a lei e a prática, serve a uma aplicação do Direito Penal pelos Tribunais igualitária e em constante renovação, contribuindo assim para um alto grau de justiça.”


Logo, através da dogmática penal, são definidos os pressupostos para a incriminação de condutas, suas diferenciações típicas, as causas que elidem a antijuridicidade de uma conduta típica, que tornam um fato típico e antijurídico em não culpável e, portanto, não punível; definidas também são as espécies de pena, seu modo de aplicação, entre outras medidas que assegurariam uma justa e segura aplicação das normas penais[12].


É tão forte a crença na função limitadora do poder punitivo do Estado pelo Direito Penal que Liszt[13] chegou a afirmar ser o Código Penal a magna carta do delinqüente e o Direito Penal barreira intransponível da política criminal.


Portanto, o Direito Penal se justifica em razão de assegurar a paz, a segurança e a possibilidade de harmônica convivência social, além de se constituir em um obstáculo contra a arbitrariedade e a violência que indefectivelmente aflorariam no seio da comunidade se não houvesse a interferência estatal, na forma da potestade punitiva, para a resolução dos mais graves conflitos.


Há, pois, uma intrínseca ligação entre a produção legislativa e o pensamento dogmático, que em uma relação simbiótica acabam por possibilitar a produção da legislação penal de forma previamente justificada ou, na pior das hipóteses, justificável ante as situações concretas do porvir, conformando o sistema de Direito Penal.


Ao sistema de Direito Penal, portanto, incumbe evitar a possibilidade de ocorrência da violência criminal no meio social, em caso de ocorrência de tal fato, evitar a possibilidade da vingança privada e, por fim, evitar os excessos do poder punitivo quando da resposta estatal a tais fatos.


Para Silva Sánchez[14],


“Em definitivo, a concreta configuração do sistema de Direito penal se mostra como o produto de uma relação dialética entre o interesse em eliminar a violência social extrapenal e o interesse em diminuir a própria violência do sistema penal (porque assim o dispõe reais razões de utilidade ou em atenção a outras finalidades garantísticas assumidas). Esta tensão interna, que não se percebe como tal nos meios de controle social informal nem provavelmente tampouco no âmbito do Direito penal anterior a modernidade, é, ao meu juízo, o motor – dialético – fundamental do enorme progresso alcançado nas idéias penais – e em sua tradução legislativa e prática – durante os dois últimos séculos.”


Do exposto, fácil dessumir que o meio a ser utilizado para o alcance dos fins acima referidos, em definitivo, é a dogmática penal que, ao viabilizar a consecução dos objetivos do Direito Penal de forma igualitária e segura, se constitui na base legitimadora e racionalizadora do poder de punir do Estado.  


Que fique claro! O asseguramento da paz, da segurança e da possibilidade de convivência social harmônica seriam condições necessárias, mas não suficientes para legitimar o Direito Penal. Tais objetivos já eram propostos pelo Estado Absoluto e o que existia era um Direito Penal do terror, ou seja, apesar dos fins continuarem sendo, em uma última análise, os mesmos, os meios utilizados para se configurarem como legítimos, necessariamente devem ser bem menos grotescos – tortura, penas cruéis, juízos de exceção, aplicação desigual de lei, entre outras barbaridades – que os usualmente praticados naquela época.


Logo, somente a esfera justificadora não é suficiente, posto que os fins não podem justificar os meios; imprescindível, pois, a construção de meios idôneos legítimos para o alcance de fins previamente justificados.


Assim, em uma última análise, o que legitima o alcance dos fins perseguidos pelo Direito Penal é exatamente o modo como este é aplicado. E só quem pode garantir uma aplicação justa, segura e igualitária do jus puniendi é a dogmática penal.


2 OS OBJETIVOS DA DOGMÁTICA JURÍDICO-PENAL


Uma das principais características que demarcam o mundo dogmático é o pressuposto de que parte o mesmo. É imprescindível para o sistema penal, por uma questão de lógica, que a sociedade para a qual se direcionam as leis penais – objeto de estudo da dogmática – seja uma sociedade harmônica, consensual, estável, estabelecida e integrada socialmente; sintetizando, uma sociedade que comungue das mesmas ideologias – ideologia da defesa social[15].


Gimbernat Ordeig[16] explicita bem o entendimento acima expendido quando conceitua o intérprete do direito positivo como dogmático, esclarecendo que “dogmático porque parte da lei – o que deve ser interpretado – como de um dogma: por isso a semelhança entre a atitude do jurista e a do teólogo; esse é também o motivo pelo qual a ciência da interpretação da lei recebe o nome de dogmática jurídica”.


Dogma nada mais é – como também nada menos – que uma verdade incontestável, uma verdade que não necessita de explicações anteriores, é apriorística, vale a partir de seu próprio enunciado. Não depende da facticidade, de nenhuma forma de experiência, por ser gerada no interior da própria razão.


Dessarte, o Estado se legitima no combate a criminalidade em razão dos comportamentos delituosos representarem ofensas aos interesses fundamentais dos indivíduos, que atentam contra a existência de toda a sociedade, sendo a lei penal igual para todos, pois a reação frente ao delito é aplicada de modo similar para todos os infratores.


A lei penal, portanto, é o dogma que garantirá uma convivência harmônica no seio da sociedade e que deve ser interpretada pelo dogmático – cientista do direito –, encarregado de elaborar a dogmática jurídico-penal, cujo principal objetivo seria prover a sociedade de segurança jurídica. Tal processo hermenêutico passa necessariamente, frise-se, pela legalidade e pela igualdade.


Nas palavras de Gimbernat Ordeig[17]:


“Dúvidas e mais dúvidas sobre o que diz o Direito Penal. Algumas delas têm sido resolvidas – ou ao menos é o que parece – pela dogmática penal. Outras talvez não se resolvam nunca. De qualquer maneira, à dogmática do Direito Penal não falta matéria sobre que trabalhar.”


Dessume-se, sem grandes esforços teóricos, que o infrator representa, então, o mal, constituindo-se em um elemento disfuncional para a sociedade, já que com suas ações agride o estabelecido consensualmente – através da lei – como o que é bom para todos que integram harmonicamente o meio social[18].


Em resumo, toda a construção dogmática parte do pressuposto de que a legislação penal atende a todas as exigências que se fazem necessárias para uma harmônica convivência social – tal harmonia deriva de uma verdade a priori, portanto, incontestável –, representando, se não a totalidade dos interesses de todos os cidadãos, com toda a certeza, a da maioria destes.


Portanto, quando a harmonia pré-estabelecida é ameaçada, deve o Direito Penal entrar em cena para identificar e punir os pretensos causadores de tal perturbação da ordem social e, assim, restabelecer o consenso, sempre tendo sua aplicação pautada em uma explicação última da lei.


Deve-se sempre destacar que, no Estado moderno ocidental, a legalidade exerce um imprescindível papel legitimador, já que ao aplicar aquilo que previsto em lei, o Estado, através de seus operadores jurídicos, acabam por legitimá-lo como Estado de Direito[19].


É legítimo o que é legal!


Tudo o que está previsto em lei, como que por um passe de mágica, acaba sendo tido como justo, como algo que realmente reflete os anseios da sociedade como um todo; jamais prevaleceriam os interesses de determinados estratos sociais em detrimento dos demais, em outras palavras, a lei é justa por objetivar diminuir ou mesmo extinguir as diferenças imanentes a uma sociedade de classes.


Estamos diante, dessarte, do que a doutrina denomina de naturalidade da criminalização secundária[20], ou seja, o exercício do poder punitivo atinge a todos igualmente, sendo exercido somente pelos juízes, de acordo com o mandato dos legisladores – legítimos representantes do povo –, através das agências do sistema penal que obedecem inexoravelmente à lei.  


Para o alcance de seus desideratos, podemos destacar como imprescindível, para dogmática penal, a elaboração de uma base de sustentação científica para a prática do Direito Penal, conseguida através de mecanismos criados dentro do sistema lógico-abstrato, que proporcionam uma interpretação uniforme da lei, trazendo como conseqüência um alto grau de segurança na decisão judicial, pois a mesma reflete o que foi estabelecido pela legislação.


Em síntese, a dogmática jurídico-penal se auto-atribui duas funções primordiais, uma função de caráter instrumental – positiva – que consiste na contribuição interpretativa e conceitual ao órgão judiciário, para aplicação nas decisões dos conflitos criminais e uma função racionalizadora/garantidora – negativa – cujo escopo maior é a limitação do poder punitivo do Estado, ou seja, funcionaria como o controle do controle social que objetiva operacionalizar.


Tais funções são contempladas pelo princípio da legalidade, princípio reitor do Estado Capitalista burguês – que almeja legitimar-se pela legalidade, reiteramos –, o que confere ao mesmo apresentar-se como Estado de Direito, fazendo com que a dogmática jurídico-penal identifique o Direito Penal como uma legislação totalmente acorde a tal princípio; em outras palavras, é uma legislação escrita, certa, clara e irretroativa, que protege bens jurídicos universais, neutralizando a subjetividade do juiz e proporcionando decisões justas e iguais.


Na ótica de Andrade[21] :


“Em definitivo, pois, a matéria-prima do discurso dogmático racionalizador/garantidor é a dicotomia liberal Estado (poder punitivo) X indivíduo (liberdade individual), sob o signo dos limites, pois a questão central que o condiciona é como racionalizar, em concreto, o poder punitivo (violência física) face aos direitos individuais (segurança); é como punir, em concreto, com segurança, no marco de uma luta racional contra o delito.”


Ademais, o princípio da legalidade exerceria outras funções, uma no âmbito material, intrinsecamente ligada ao sentido político, que proporcionaria aos cidadãos compreender as finalidades do mandato ou da proibição contida na lei, outra no âmbito técnico-jurídico, que afloraria quando da aplicação da lei, exigindo-se uma referência a valores, necessariamente contidos nas prescrições[22].


Mais modernamente postula-se que a dogmática verifique o alcance de seus objetivos, se apesar da coerência e perfeição do sistema lógico-jurídico, que lhe permite dar respostas coerentes, previsíveis, não arbitrárias ou improvisadas, se tais respostas estão acordes com os postulados de um Estado Democrático de Direito, entendido este como compatível com o sistema constitucional garantidor dos direitos humanos.


Luca[23], defendendo o posicionamento acima exposto, entende que


“Não é correto pensar que as formulações dos juristas se limitam ao teórico-abstrato. A interpretação da lei também está impregnada de crítica social, necessária para desmascarar posições inumanas e autoritárias, as que, por via de um raciocínio lógico, se apresentam muitas vezes como conseqüência normal e natural do sistema proposto. O direito penal, de fato, deve estar ao serviço da proteção de valores humanos elementares e só adquire dignidade quando se libera do puro positivismo e passa a integrar-se em uma ordem social que garanta ao homem a plena realização de sua individualidade e potencialidade.”


Neste diapasão, há um enaltecimento do papel da dogmática, exatamente quando se faz uso de um Direito Penal de emergência – mais preocupado em defender o sistema econômico que combater as distorções sociais pelo mesmo geradas – postulando-se que contra tal estado de coisas, necessário se faz que haja um instrumento de estudo e análise racional, que tenha por fim primeiro converter o direito punitivo em um meio para o alcance de uma sociedade mais justa e igualitária, já que lhe é imanente o papel instrumental que permita mudanças que reflitam o progresso social[24].


É objetivo da dogmática proporcionar ao Direito Penal a possibilidade de garantir a paz social, protegendo e realizando bens jurídicos, assegurando a vigência da ordem normativa, integrando os cidadãos à mesma e, quando da resposta a sua afetação, em razão da prática de delitos, que esta seja pautada em critérios de justiça e utilidade[25].


É necessário, pois, nessa linha de raciocínio, que se reconheçam os sofrimentos, danos reais, afetações que as pessoas acabam por produzir umas nas outras, que não são nem foram construídas por nenhum sistema, vez que todos os homens sentem-se naturalmente lesionados quando atingidos por tais tipos de condutas.


A partir desse reconhecimento deve-se deixar para o sistema punitivo a interferência somente nos casos em que bens de suma importância para a coletividade forem lesados e, mesmo assim, quando a lesão se constituir em algo de real gravidade. 


A delimitação dos bens de suma importância para a coletividade, assim como da real lesividade da conduta delituosa seriam, então, os objetivos de uma dogmática jurídico-penal comprometida com um Direito Penal mínimo e garantista, haja vista que a partir dela os objetivos, fins e bens imanentes a todos os seres humanos, independentemente da classe a que pertençam, seriam identificados, com a conseqüente proteção dos mesmos pelos meios a serem determinados por uma dogmática penal – marcos normativos – voltada para a democracia e, portanto, para a justiça.


Segundo Gimbernat Ordeig[26],


“A tarefa do penalista consiste em ir superando as aparentes contradições que surgem das soluções dos diferentes problemas e em harmonizar essas soluções em um sistema. Num sistema que nunca poderá ser considerado como algo definitivo, mas sempre como suscetível de modificações e de nova harmonização quando for preciso incorporar a ele novos princípios obtidos do enfrentamento de novos problemas.”


Do exposto, duas conclusões lógicas se fazem presentes: a primeira é que independentemente das várias nuances que são trazidas e defendidas pelos estudiosos da dogmática jurídico-penal, há uma convergência dos posicionamentos doutrinários que se dá em razão dos fins do Direito Penal, cujo objetivo último é o de garantir uma convivência intersubjetiva segura e pacífica, o que conseqüentemente traria harmonia para o seio da sociedade.


A segunda conclusão diz respeito aos meios para alcance de tal mister. Ao contrário do que ocorre com a justificação do Direito Penal, em sede de legitimação, vários são os posicionamentos. Entretanto, todos passam pelo mesmo arcabouço teórico, qual seja: a dogmática penal.


A unanimidade erigida em torno da dogmática como meio de prover segurança e igualdade na aplicação do Direito Penal, com a conseqüente limitação do poder punitivo – seus dois grandes objetivos declarados –, por sua vez, não afastou a elaboração de uma acirrada e bem fundamentada crítica, a ser exposta no próximo tópico.


3 CRÍTICA À DOGMÁTICA JURÍDICO-PENAL


O marco inicial para uma construção crítica coerente e construtiva da dogmática penal parte do pressuposto do rompimento, ou não, com as premissas teóricas que indicam uma sociedade harmônica[27] na qual é aplicado o Direito Penal, pautado nos princípios da legalidade e da igualdade, assim como no alcance das funções declaradas da pena, verificadas ou não verificadas ou verificáveis, pela potestade penal.


Quanto à primeira premissa, de uma sociedade harmônica em que impera a paz social e a possibilidade de uma coexistência pacífica entre seus membros, cuja disciplina que possibilita tal harmonia se dá por meio de um Direito Penal estritamente vinculado aos imperativos dos princípios da legalidade e da igualdade, erigem-se dados empíricos que demonstram a falsidade de todos os fundamentos teóricos que poderiam sustentar tal crença, posto que na realidade a criminalização secundária nada tem de natural, operando as agências do sistema penal, isto sim, de forma seletiva, violenta e arbitrária[28].


Há um claro antagonismo, portanto, à ideologia da defesa social[29]


Entende-se que o sistema penal opera de forma seletiva em face dos interesses específicos dos grupos sociais que se encontram no ápice da pirâmide social, priorizando-se o uso do Direito Penal com o precípuo fim de reprimir e marginalizar os grupos sociais subalternos como meio de manutenção do poder e, conseqüentemente, do status quo[30].


Desde o início do processo de criminalização com a definição dos tipos penais pelo legislador, passando pela concreta aplicação da lei pelos agentes do sistema penal, com todo o subjetivismo estigmatizante que lhe é peculiar, até o fim da atuação deste sistema através da execução das penas, momento culminante da irracionalidade punitiva, afirma-se com convicção, todo o aparato punitivo estatal se desenvolve de forma seletiva e profundamente interessada, em outras palavras:


A imposição da pena, vale repetir, não passa de pura manifestação de poder, destinada a manter e reproduzir os valores e interesses dominantes em uma dada sociedade. Para isso, não é necessário nem funcional acabar com a criminalidade de qualquer natureza e, muito menos, fazer recair a punição sobre todos os autores de crimes, sendo, ao contrário, imperativa a individualização de apenas alguns deles, para que, exemplarmente identificados como criminosos, emprestem sua imagem à personalização da figura do mau, do inimigo, do perigoso, assim possibilitando a simultânea e conveniente ocultação dos perigos e dos males que sustentam a estrutura de dominação e poder[31].


Tal compreensão parte do pressuposto segundo o qual o Direito Penal é utilizado para reprimir as conseqüências das desigualdades que geram injustiça social[32], o que é nitidamente percebido quando da análise da criminalização primária, em que as condutas desviadas imanentes às classes desfavorecidas merecem uma atenção e resposta bem mais intensas que as condutas desviadas comumente praticadas pelos estratos sociais mais elevados.


Além da seletividade ínsita ao processo de criminalização primária, a cargo do legislador, que em última instância define os comportamentos a serem taxados de delituosos de acordo com os interesses que representa, no processo de criminalização secundária, na qual se dá a efetiva aplicação da lei penal – refletindo o que foi determinado na escolha do legislador – operacionaliza-se uma importante função, qual seja: com a aplicação da lei sobre determinados comportamentos imanentes aos extratos mais baixos da população e sobre algumas poucas pessoas pertencentes a esses estratos, desvia-se a atenção dos delitos praticados pelos membros das elites sociais, imunizando-os contra o Direito Penal.


Fácil constatar que os delitos violentos, melhor dizendo, a criminalidade violenta, que geralmente se dá entre os despossuídos – latrocínios, seqüestros, homicídios, entre outros crimes hodiernamente denominados hediondos – ocupa um lugar privilegiado na mídia, o que não ocorre com os delitos de colarinho branco. 


Mister que fique claro que a criminologia crítica, como normalmente apontado por seus críticos, não nega a existência de comportamentos socialmente negativos, assim como a necessidade de seu controle; não nega que estupros, latrocínios e homicídios são condutas extremamente nocivas à convivência social[33].


O que a criminologia crítica questiona é a razão pela qual entre tantas pessoas que cometem esses delitos, apenas algumas poucas sofrem a intervenção do sistema penal e a conseqüente reação social; qual a razão de tantos outros comportamentos – tão ou mais nocivos que os acima citados – não serem tipificados como criminosos e, para finalizar o inexplicável, por que quando as condutas lesivas imanentes às classes favorecidas acabam por ser criminalizadas, a maioria esmagadora dos que as praticam jamais são ou serão incomodados pelo sistema penal[34]?


Enfim, só se configura como crime, não em relação à conduta mas em relação às conseqüências para o infrator, aquilo que o sistema resolve tratar como tal. Ademais, por uma estranha coincidência, no mais das vezes, somente as condutas socialmente danosas, comuns às classes mais desfavorecidas, sofrem o processo de criminalização primária.


É uma intrincada rede na qual afloram diversas conseqüências benéficas a quem detém o poder, podendo-se verificar que até mesmo no processo de vitimização os despossuídos estão em desvantagem: como a segurança é um outro bem distribuído desigualmente, as camadas de estrato social mais baixo são as principais vítimas de delitos.


Portanto, por ser esse o meio em que se verifica uma maior vitimização em razão direta da vulnerabilidade que apresentam por falta de segurança pública, são exatamente essas pessoas que mais apóiam os movimentos de lei e ordem e, sem perceber, estão a abrir mão de garantias que lhes farão falta[35].


Dentro dessa guerra particular, na qual ambos os contendores pertencem a um lado só – as camadas excluídas do pacto social –, é difícil que haja alguma possibilidade de conscientização e, assim, dificulta-se ou impede-se a coalizão de tais grupos sociais, o protagonismo político e o protesto, facilitando, em última instância, os meios e os fins da repressão[36].


Não é sem razão que existe uma máxima efetividade do controle social sobre os desvios que se mostram disfuncionais ao sistema de produção e acumulação capitalistas – crimes contra o patrimônio, assim como os imanentes aos movimentos sociais, pense-se no Movimento dos Sem-Terra[37].


Em franca oposição, constata-se a indiferença com que são tratados delitos graves e que, por via de conseqüência, geram grandes danos ao meio social na sua integralidade, como aqueles afetos ao meio ambiente, à criminalidade política, à criminalidade financeira, os quais parecem estar protegidos por uma capa de imunidade intransponível, porque funcionais ao sistema[38].


Nas palavras de Azimi[39]:


Uma sociedade está composta de muitos grupos diferentes. Uma pessoa pode violar as regras de um grupo e obedecer as de outro. Qual grupo devemos tomar como base para nosso juízo? No caso de delito, é claro que o juízo do grupo no poder. O que está escrito nos códigos legais e aplicados a todos os membros da sociedade é a base da estigmatização. Portanto, os processos políticos implicados na formulação e aplicação de etiquetas deveriam ser preocupação central. (Tradução nossa).


Sem embargo, em uma análise macrossocial, podemos inferir, baseados no materialismo histórico[40], que a lei penal sempre foi formulada pela classe dirigente, como forma de controle das classes subalternas, haja vista que determinadas condutas podem ser taxadas de danosas, mal educadas, incorretas, imorais, ou seja, podem atentar contra a ordem imposta, sem que necessariamente sejam taxadas de criminosas.


Em última instância, o que define – na maioria das vezes – aquilo que deve se estabelecer como comportamento delitivo são os interesses representados pelos que fazem as leis. É fácil perceber a inter-relação entre a lei penal e a estratificação social, podendo-se afirmar, sem margem para erros, que o sistema foi pensado antes para imunizar determinadas pessoas e comportamentos, que propriamente para proteger a sociedade.


E, assim sendo, nada do que seja proposto na seara punitiva, em nome da proteção da sociedade como um todo, em nome da defesa de bens jurídicos universais, em nome da paz e da harmonia social pode ser considerado como uma proposta séria, vez que sempre direcionada para fins de interesse do poder estabelecido – salvo raras exceções (melhor seria concessões!) que objetivam permitir a sobrevivência/reequilíbrio do sistema em momentos agudos de crise[41].


Neste ponto cai por terra a fundamentação pautada na legalidade, haja vista que um princípio de importância crucial para a legitimação pretendida pelo poder punitivo, não pode, em nenhuma hipótese, operar somente no âmbito formal, sem referência aos princípios, valores e bens imanentes a todos os membros da sociedade.


Ao ser reduzido somente ao modo de produção legislativa, o princípio da legalidade não é mais que expressão funcional do poder que pretende legitimar-se através da elaboração formalmente correta das leis[42]. As leis, mormente no âmbito penal, estão sendo produzidas em prol de interesses segmentados.


Em contundente crítica, Cunha[43] assim se posiciona:


“O princípio da legalidade dos delitos e das penas não constitui uma garantia essencial do cidadão em face do poder de punir do Estado. Não determina precisamente a esfera da ilicitude penal e, diversamente do que afirma a doutrina, não assegura a irretroatividade da lei penal que prejudica os direitos do acusado. Tampouco estabelece a lei escrita como única fonte de incriminação e penas, impede o emprego da analogia em relação às normas incriminadoras ou, ainda, evita a criação de normas penais postas em linguagem vaga e indeterminada.”


Quanto ao princípio da igualdade, para pôr termo à discussão, não passa de uma ideologia nunca assumida pelos que detêm o poder, mais interessados em defender seus direitos e interesses de propriedade. Jamais se terá qualquer igualdade jurídica enquanto prevalecer no meio social uma distribuição terrivelmente desigual das oportunidades de acesso a direitos sociais básicos[44].


Além das grandes bases fundamentais de legitimação da função punitiva pautadas na legalidade e igualdade, em íntima conexão, e até mesmo como derivação destas, encontra-se o fundamento do caráter universal do fenômeno criminoso.


Ideologicamente é construída uma realidade segundo a qual os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal representariam interesses fundamentais de todos os cidadãos, na proporção em que as lesões aos mesmos se constituiriam em um atentado às condições essenciais ao funcionamento e existência de toda a sociedade.


É necessário que se mantenha a ilusão da universalidade da danosidade social do crime, como forma de amenização das conseqüências das visíveis desigualdades materiais estruturais que permeiam a sociedade como um todo.


A função precípua de tal concepção é, na verdade, em razão da racionalização que tais premissas apresentam, construir a ponte que faltava para integrar o sistema penal ao sistema de controle social, contribuindo, dessa forma, para a reprodução das relações sociais de produção e, conseqüentemente, para a manutenção da escala social vertical, da estratificação, da desigualdade entre os grupos que compõem a sociedade e, em última instância, da injustiça social.


Logo, o Direito Penal, fundado nos preceitos construídos pela dogmática, não atinge a todos igualmente, pelo simples fato da existência da seletividade no momento da criminalização primária e secundária.


Tal fato, ab initio, inviabiliza o discurso de estrita operacionalização do que foi programado nas leis pelos representantes do povo, não havendo necessidade de maiores perscrutações acerca da segurança das decisões judiciais, considerando que somente determinadas pessoas são as que apresentariam vulnerabilidade suficiente para se verem na qualidade de sentenciados.


Essa situação é explicitada por Andrade[45], quando atesta que


“O vigoroso esforço racionalizador da Dogmática Penal é, assim, um vigoroso esforço ‘neutralizador’ do exercício do poder punitivo mediante o qual a Dogmática Penal não apenas esgota-o no trânsito lógico do legislador ao juiz, mas incide no ‘pensamento mágico’ de afirmar que a simples institucionalização formal realiza o programa, quando simplesmente o enuncia.”


Fácil perceber, portanto, quão procedente é a crítica que aponta para a ruptura entre a dogmática penal e a realidade social. O discurso dogmático é construído em um plano ideal, totalmente distante do que realmente ocorre no âmbito do sistema punitivo.


Ao se aprofundar, cada vez mais, em elucubrações lógico-abstratas, extremamente complexas, criando conceitos totalmente distintos do que é refletido pela realidade, como os problemas imanentes às relações sociais hodiernas, a Ciência do Direito Penal fica flutuando no campo do dever-ser, como se essa fosse uma realidade concreta ou possível.


Como conseqüência inexorável acarreta a construção de um grande fosso entre a realidade social e a maneira de discipliná-la, entre inclusão e exclusão social. 


Em síntese, a criminalidade não é aqui concebida como algo universal e incontestável, cujos comportamentos trazem em si, como algo imanente, uma negatividade natural que antecede o Direito e, portanto, os processos de criminalização primária e secundária.


Ao contrário, independentemente da danosidade social que algumas condutas apresentam, tem-se que a criminalidade é um bem negativo, distribuído desigualmente, como sempre acontece com qualquer tipo de bem no regime capitalista – positivos ou negativos.


Essa distribuição passa inicialmente pela escolha do elenco delitivo – tipos penais – e, posteriormente, pela seleção daqueles dentre os muitos que cometem delitos – todos os seres humanos – que serão chamados a desempenhar o papel oficial de criminosos, já que pertencem ao grupo não imune ao sistema penal[46]


Constata-se, dessa forma, que não é cabível legitimar a potestade punitiva do Estado, posto que longe de confirmar na prática os pressupostos defendidos teoricamente como bases justificadoras – legalidade, igualdade e universalidade, entre outros mitos –, seu grande desiderato é a manutenção de um sistema sócio-econômico injusto, o que, extreme de qualquer dúvida, não pode produzir justiça, muito menos justiça penal[47].


O que se verifica, quando de uma análise da realidade social, é que a ordem jurídica posta, mormente a ordem jurídico-penal, tem obstruído – na proporção em que aumentam as contradições sociais – o homem de alcançar sua socialidade plena; quando se negam determinados bens a pessoas ou grupos de pessoas e as qualidades desses bens os elevam à categoria de imprescindíveis – para uma socialização mínima –, a paz, a segurança e a possibilidade de convivência social harmônica são postas em uma posição vulnerável.


Todas as referidas disfuncionalidades imanentes ao poder de punir se originam exatamente no distanciamento, proposital, entre a realidade social e o discurso apresentado para explicá-la, na percepção de Zaffaroni[48]:


“Consoante a esta criação arbitrária do mundo, o discurso jurídico-penal não incorpora, como dado, as limitações do poder jurídico dos operadores aos quais se dirige programaticamente. Ao contrário, de acordo com o mundo por ele criado, ensaia a planificação de todo o exercício do poder punitivo como se este se adequasse à pauta dos teóricos. Como esta construção não respeita a realidade do poder, o discurso que a enuncia se arvora em legitimante de um poder que não é jurídico, mas sim policial, político, comunicacional e também subterrâneo (ilícito).”


Como corolário da situação levantada pelo professor argentino, mister que se reconheça a seletividade do sistema penal, sua total incapacidade para resolver os conflitos sociais – pelo menos a maioria deles – e, principalmente, reconhecer categoricamente os efeitos deletérios que se operam sobre as vítimas e os criminalizados[49].


Tudo isso não seria tão ruim não fosse um outro dado avassalador: o sistema punitivo penal está a gerar um monstro, que se materializa no exercício de um poder punitivo subterrâneo, paralelo e configurador de uma vigilância geral extremada, fundamentada no discurso do medo e da insegurança.


Dessume-se, então, diante a realidade apontada, a total impossibilidade de se legitimar um sistema, que longe de evitar ou reparar a violência, está cotidianamente a reproduzi-la.


Faz-se urgente a elaboração de uma crítica coerente e sistemática que possa apontar caminhos para uma rápida transformação de um sistema eivado pela arbitrariedade e desigualdade. “Se trata de achar um novo leito onde a dogmática penal sirva de ferramenta que se torne independente, impondo um limite racional ao fato irracional da criminalização”[50].


4 REPENSANDO A DOGMÁTICA JURÍDICO-PENAL


Importante frisar que toda a deslegitimação do poder punitivo apresentada até o momento tem por principal fim demonstrar a urgente necessidade de mudanças, que deverão se iniciar pela contenção de tal poder sobre os estratos desfavorecidos da população, deslocando-o para as zonas de nocividade social extremamente graves (criminalidade política e econômica dos detentores do poder) até então deixadas imunes, apesar de representarem em quase sua totalidade a origem dos graves desacertos sociais contemporâneos[51].


Entretanto, que fique claro, todo o direcionamento de um modelo alternativo de política criminal, inserido no contexto crítico, reconhece que não adianta deslocar a força e o impacto do processo de criminalização de certos tipos de conduta para outros.


Somente em situações extremamente negativas tais condutas devem ser alvo do controle penal, independentemente da classe em que ocorram com mais freqüência.


O ponto nevrálgico da criminologia crítica[52] aqui defendido é a descriminalização mais ampla possível de todas as condutas que tenham lesividade penal insuficiente para serem inseridas no campo de incidência do Direito Penal, haja vista que


“Quem nega, sobre a base de uma análise histórica e sociológica do sistema penal existente, que sua principal função real coincide com a função declarada de combater a criminalidade e, ao contrário, identifica a função real do sistema na reprodução das relações sociais de desigualdade e de subordinação, não pode, ao mesmo tempo, aceitar participar na construção ideológica dos problemas sociais desde a ótica do sistema penal e do sentido comum que lhe é complementar[53].”


Fica o Direito Penal reduzido a uma atitude de defesa, para situações em que realmente não existe outra maneira de se lhe dar, sempre tendo por norte as garantias referentes aos direitos e dignidade do homem, garantias estas encontradas em todas as Constituições Nacionais e no Direito Internacional dos Direitos Humanos que, ao afirmarem tais valores, advertem para o fato de que não se perdem, como já defendido, com a prática de um delito.


Concretamente, deve o Direito Penal direcionar seus esforços para o combate dos crimes que impedem a realização dos objetivos constitucionais do Estado, já que imprescindível para um Estado Democrático estar voltado para a proteção dos direitos fundamentais que quando desrespeitados por condutas delituosas afetam diretamente a dignidade humana.


Crimes como os de sonegação fiscal, contra o sistema financeiro nacional, de corrupção, de lavagem de dinheiro, contra o meio ambiente devem ser priorizados em razão de atentarem diretamente contra os objetivos da República[54].


Entendemos que somente quando do alcance dos estratos mais altos da população pelo Direito Penal poderemos ter realmente uma contenção do poder punitivo, haja vista que haverá uma modificação na utilização do jus puniendi, ou seja, não mais funcionará exclusivamente como repressão para controle dos miserabilizados, das classes subalternas, e sim como última instância de controle social de condutas que efetivamente representem um atentado contra o Estado Democrático. Dito de outra forma, quanto maior a aproximação do Direito Penal do princípio da igualdade, menor será sua utilização.


Neste ponto exsurge, com toda força, a importância da Dogmática Penal[55].  


É o próprio Direito Penal, através de sua construção dogmática, pautada nos cânones constitucionais, que vai exercer a defesa do homem criminoso, ante ao que hoje podemos denominar de poder punitivo exacerbado e irracional, que incide quase em sua totalidade contra as pessoas mais débeis da sociedade, com os conhecidos custos sociais negativos, fazendo com que a grande dívida que o Estado tem para com essas camadas, desde sempre excluídas, torne-se praticamente impagável[56].


A defesa da dogmática jurídico-penal, como importante instrumento de mudança, tem por base o entendimento de ruptura com o papel que a mesma desempenha hodiernamente de legitimação do castigo, da pena aflitiva, da manutenção das desigualdades sociais.


Rompendo com o que está posto, cumprindo o papel de apêndice do Direito Constitucional, caberá à dogmática penal constituir-se em um imprescindível filtro racional limitativo do exercício do poder punitivo, legitimando um poder que seja o menos seletivo, violento e estigmatizante possível[57].


No prefácio do Livro de Andrade[58], mais uma vez, é de Baratta o posicionamento irretocável, quando afirma que


“Uma nova Ciência do Direito Penal que encontra as suas premissas numa adequada relação com a análise empírica sobre o real funcionamento do sistema punitivo, poderá talvez ‘resgatar’ o potencial de controle da Dogmática e as promessas da modernidade ‘repensando-as’ sobre as contradições do tempo presente.”


Zaffaroni[59], em plena sintonia com o professor italiano, também milita em favor da mudança como condição necessária para a manutenção do método dogmático de interpretação do Direito Penal, aduzindo que


“O método dogmático jurídico temos que conservá-lo, somente temos que usá-lo bem. A dogmática é um instrumento, não é um objeto nem um fim em si mesmo. A dogmática como um fim em si mesmo se perverte se nós entendemos que o valor da verdade de um sistema está em sua completude lógica, em que feche, em que seja perfeitamente coerente […]. O valor de verdade de uma construção dogmática depende de sua função política. Se a função política do direito penal é a redução do poder punitivo, a contenção do exercício do poder punitivo, a melhor construção dogmática é a que melhor sirva a estes objetivos.”


Nunca é demais consignar que somente a crítica pautada em valores e princípios constitucionais não é satisfatória, não terá força suficiente para deslegitimar e mudar o que está posto – sistema penal seletivo, simbólico, estigmatizante perverso e deteriorante – se não se incluir na mesma a origem de toda a problemática, qual seja: a desigual distribuição de bens oriunda do modo capitalista de produção, agravada pela ideologia do neoliberalismo.


“Isto quer dizer que não há princípios da ciência penal contemporânea nem garantias fundadas nos mesmos que adquirem valor per si já que trabalham em prol da manutenção do sistema. A defesa de tais princípios é só momentânea e estratégica pelo valor, paradoxalmente deslegitimante, que podem ter em alguma instância que permita obviar, no momento, seu valor global de legitimação para o sistema[60].”


Toda a sistemática da teoria do delito e das penas está vinculada essencialmente com a estrutura da ordem social vigente, que é, na verdade, definitivamente, quem deve ser modificada, sendo um bom começo tratar os problemas e os conflitos sociais como tais e não, simplesmente, criar delitos, tipificar condutas que expressam esses problemas e conflitos.


5 CONCLUSÃO


Ante os argumentos apresentados, longe de estabelecer uma posição negativa e vazia de conteúdo – já que existe uma tendência normal de se criticar aquilo que não se aceita, sem antes verificar a fundo seus pressupostos e motivos – ao analisar as bases teóricas da dogmática penal, seus objetivos e funções, sob um enfoque intrinsecamente ligado aos fins do Direito Penal, objetivamos concluir a argumentação aqui apresentada com uma crítica.


Uma crítica de viés positivo – entendendo-se esta como um esforço intelectual de reflexão veementemente oposta à ideologia dominante – que se preocupa em apontar saídas, inclusive sem prescindir do saber jurídico produzido pela dogmática, haja vista que o estudo científico é o meio por excelência de aquisição de conhecimentos, dentro de uma dinâmica de afirmações e contradições comuns à produção de um saber sujeito à divergências, construído dialeticamente.


Em suma, apesar de todos os males oriundos da má utilização do Direito Penal, assim como do papel desempenhado pela dogmática penal para legitimar o deletério uso da repressão penal como forma de controle dos excluídos, temos que as soluções para modificação de tal estado de coisas, hodiernamente, ainda passam necessariamente pelo âmbito da Ciência do Direito Penal.


Uma Ciência do Direito Penal que reconheça todas as mazelas apontadas pela Criminologia Crítica e que, a partir desse reconhecimento, pautada no respeito aos princípios imanentes à pessoa humana, se reconstrua dia após dia, sempre objetivando diminuir a injustiça social que teima em se eternizar como principal característica, senão razão de ser, de uma sociedade de classes.


 


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Notas:

[1] MUÑOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger y el Derecho Penal de su tempo. Estudios sobre el Derecho Penal en el Nacionalsocialismo. Valencia: Tirant lo Blanche, 2002. p. 65-66.

[2] Um amplo estudo sobre tal fato pode ser encontrado em MUÑOZ CONDE, op. cit.

[3] Sobre a historiografia da legitimação do castigo, cf. RIVERA BEIRAS, Iñaki. (Coord.). Historia e legitimación del castigo. Hacia dónde vamos? In: BERGALLI, Roberto. Sistema penal y problemas sociales. Valencia: Tirant lo Blanch, 2003. p. 86-137, GARLAND, David. Castigo y sociedad moderna. Un estudio de teoria social. Madrid: Siglo Veintiuno, 1999.

[4] Ferrajoli faz uma séria advertência sobre a legitimidade da justiça penal, aduzindo que “Vinte anos de legislação emergencial, de inflação penal e de progressiva restrição do sistema de garantias produziram a perda de legitimidade da justiça penal, que é apenas contingentemente coberta pela legitimação viciada e, além disso, imprópria, do consenso popular no confronto dos grandes inquéritos. Daí, sobretudo, a necessidade e a urgência de se abrir, finalmente – depois de anos de exceção, de conflitos e tensões políticas, crises institucionais, incompreensões corporativas do mundo da justiça –, um período de reforma idônea refundando em bases racionais e garantistas o direito penal”. (FERRAJOLI, Luigi. A pena em uma sociedade democrática. Discursos sediciosos. Crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro, ano 7, n. 12, p. 37, 2º. Semestre de 2002b).

[5] YACOBUCCI, Guillermo J. La deslegitimación de la potestad penal. Buenos Aires: Ábaco, 2000. p. 33-35.

[6] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002a. p. 171.

[7] FERRAJOLI, Luigi. O Direito como sistema de garantias. In: OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades de. O novo em Direito e Política. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 95.

[8] Segundo Rabenhorst, “O termo dignidade, do latim dignitas, designa tudo aquilo que merece respeito, consideração, mérito ou estima. Apesar de a língua portuguesa permitir o uso tanto do substantivo dignidade como do adjetivo digno para falar das coisas (quando dizemos por exemplo que uma moradia é digna), a dignidade é acima de tudo uma categoria moral que se relaciona com a própria representação que fazemos da condição humana, ou seja, ela é a qualidade ou valor particular que atribuímos aos seres humanos em função da posição que eles ocupam na escala dos seres”. (RABENHORST, Eduardo Ramalho. Dignidade humana e moralidade democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. p. 14).

[9] Andrade, Vera Regina P. Dogmática e controle penal: em busca da “segurança jurídica” prometida. In: Leonel Severo Rocha (Org.). Teoria do Direito e do Estado. Porto Alegre: SAFE, 1994b. p. 125. 

[10] Segundo Zaffaroni, “O horizonte de projeção do direito penal, abarcando as normas jurídicas que habilitam e limitam o exercício do poder coativo do estado em forma de pena (poder punitivo), seria o universo dentro do qual deve ser construído um sistema de compreensão que explique quais são as hipóteses e condições que permitem formular o requerimento punitivo (teoria do delito) e qual é a responsabilidade que diante deste requerimento a agência (judicial) competente (teoria da responsabilidade penal) deve proporcionar”. (ZAFFARONI, Eugenio Raul et al. Direito penal brasileiro. Teoria geral do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 39). Para aprofundamento no tema, ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Tradução de Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

[11] JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal – parte general. Traducción y adiciones de Derecho español por S. Mir Puig y F. Muñoz Conde. V. I. Barcelona: Bosch, 1981. p. 58.

[12] Exaustivamente cf. Andrade, que em síntese crítica, assim se posiciona: “A dogmática afirma-se, portanto, desde sua gênese histórica, como uma Ciência sistemática e eminentemente prática ao serviço de uma administração racional da justiça penal que teria como subproduto a segurança jurídica e a justiça das decisões judiciais. Podemos demarcar, pois, no discurso dogmático, uma função declarada e oficialmente perseguida que denominaremos de função instrumental racionalizadora/garantidora. Ela guarda, a rigor, duas dimensões que, embora umbilicalmente ligadas, podem ser analiticamente distinguidas. É que a dimensão orientadora, preparadora, programadora, ou prescritiva das decisões judiciais penais, nela contida, implica uma contribuição técnica do paradigma (interpretativa e conceitual) no reconhecimento da juridicidade e na decisão dos conflitos criminais, isto é, à operacionalidade decisória. Mas intrinsecamente conectada a esta dimensão técnica encontra-se uma base humanista que, ideologicamente vinculada à exigência de garantia dos Direitos Humanos individuais, confere àquela dimensão técnica um compromisso intrínseco com a gestação de decisões igualitárias, seguras e, além disso, justas”. ANDRADE, Vera Regina P. de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997a. p. 123.

[13] LISZT, Franz Von. La idea del fin en el Derecho penal. Programa de la Universidad de Marburgo, 1882. Traducción de Carlos Perez del Valle. Granada: Editorial Comares, 1995. p. 36.

[14] SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. Aproximación al derecho penal contemporáneo. Barcelona: Bocsh, 1992. p. 186.

[15] Segundo Elbert, “[…] já não há forma de demonstrar que a sociedade é consensual e igualitária ou que se preocupe pela segurança e pelo destino de todos os cidadãos. Muito menos que a máquina legal intervenha em todos os conflitos ou que esteja interessada ou em condições de fazê-lo. […] A irregularidade institucional generalizada torna mais fácil que nunca a criminalização dos excluídos, tanto no plano individual como familiar”. (ELBERT, Carlos Alberto. El nuevo rol del estado en América Latina y el control de la sociedad. In: FAYET JÚNIOR, Ney; CORRÊA, Simone P. M. (Orgs.) A sociedade, a violência e o direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000a. p. 67). Sobre a ideologia da defesa social, cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. p. 41-48.

[16] GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. Conceito e método da Ciência do Direito Penal. Tradução de José Carlos Gobbis Pagliuca. São Paulo: RT, 2002. p. 34.

[17] GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. op.cit., p. 36.

[18] Sobre o tema, cfr. BARATTA, Alessandro, op. cit., p. 42-43.

[19] Andrade defende a idéia de que “[…] a legitimação pela legalidade que marca o moderno poder penal resulta da intervenção do Direito positivo (positivo=lei) na história do poder de punir. […] O Estado moderno se faz e se apresenta como Estado de Direito, e o seu poder de punir se afirma como direito de punir (jus puniendi)”. (ANDRADE, op.cit., p. 177-178)

[20] Maiores detalhes em ZAFFARONI, op. cit., p. 71-73.

[21] ANDRADE, op. cit., p. 123.

[22] Sobre o tema, cf. YACOBUCCI, op. cit., p. 101.

[23] LUCA, Javier Augusto de. Funcion de la dogmática en la administración de la justicia penal. In: La justicia penal hoy.  De su crisis a la busqueda de soluciones. Buenos Aires: Fabian J. Di Placido Editor, 2000. p. 101.

[24] MARGARINOS, Héctor Mario. Función de la dogmática penal en la administración de justicia penal. In: La justicia penal hoy. De su crisis a la busqueda de soluciones. Buenos Aires: Fabian J. Di Placido Editor, 2000.  p. 81.

[25] Sobre o tema, cf. YACOBUCCI, op.cit., p. 104-105.

[26] GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. op.cit., p. 94.  

[27] Não é de hoje que essa questão suscita o interesse da doutrina, Foucault, na década de setenta do século XX, relatava que “Há um problema que há muito tempo me interessa, é o do sistema penal, da maneira como uma sociedade define o bem e o mal, o permitido e o não permitido, o legal e o ilegal, a maneira como ela exprime todas as infrações e todas as transgressões feitas à sua lei. […] Uma coisa é certa: o sistema repressivo ou mesmo o sistema penal não é mais suportado pelas pessoas”. (FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder-saber. Tradução de Vera Lúcia de Avellar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 32).

[28] Segundo Zaffaroni, “O sistema penal está obrigado sempre a selecionar, porque essa imensa disparidade entre a criminalização primária e a capacidade operativa das agências de criminalização secundária, necessariamente o levam a selecionar, e toda a atividade que é seletiva é residual por não reconhecer o princípio da igualdade, que implica um certo grau de violência, de arbitrariedade e, portanto, de corrupção. Estas são características estruturais do exercício do Poder Punitivo; e por ser estruturais não as podemos suprimir nunca. Só podemos atenuá-las”. (ZAFFARONI, Eugenio Raul. El sistema penal y el discurso jurídico. In: La justicia penal hoy. De su crisis a la busqueda de soluciones. Buenos Aires: Fabian J. Di Placido Editor, 2000. p. 47).

[29] Sobre a ideologia de defesa social, cf. BARATTA, op. cit., p. 41-48.

[30] Sobre o assunto cf. THOMPSON, Augusto. Direito Alternativo (ou justiça alternativa?) na área penal. Discursos sediciosos. Crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro, ano 2, n. 3, p. 35-39, 1º semestre de 1997.  Em resposta ao artigo de Thompson, elaborando uma reconstrução da crítica à dogmática, cf. CARVALHO, Salo de. Direito alternativo e dogmática penal: elementos para um diálogo. Discursos sediciosos. Crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro, ano 2, n. 4, p. 69-84, 2º. Semestre de 1997.  

[31] KARAM, Maria Lúcia. A esquerda punitiva. Discursos sediciosos. Crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 82, 1º. Semestre de 1996.

[32] Segundo Baratta, “A investigação sociológica mostra, ao contrário, que: a) no interior de uma sociedade moderna existem, em correspondência à sua estrutura pluralista e conflitual, em conjunto com valores e regras sociais comuns, também valores e regras específicas de grupos diversos ou antagônicos; b) o direito penal não exprime, pois, somente regras e valores aceitos unanimemente pela sociedade, mas seleciona entre valores e modelos alternativos, de acordo com grupos sociais que, na sua construção (legislador) e na sua aplicação (magistratura, polícia, instituições penitenciárias), têm um peso prevalente; c) o sistema penal conhece não só valorações e normas conformes às vigentes na sociedade, mas também defasamentos em relação a elas; freqüentemente acolhe valores presentes somente em certos grupos ou em certas áreas e negados por outros grupos e em outras áreas […] d) enfim, uma sociologia historicista e crítica mostra a relatividade de todo o sistema de valores e de regras sociais, em uma dada fase do desenvolvimento da estrutura social, das relações sociais de produção e do antagonismo entre grupos sociais, e por isso, também a relatividade do sistema de valores que são tutelados pelas normas do direito penal”. BARATTA, Alessandro, op. cit., p. 75.

[33] Sobre o tema, cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia y sistema penal. Compilación in memoriam. Buenos Aires: Euros, 2004. 459 p.

[34] Em histórico posicionamento, Baratta põe termo ao assunto quando afirma que “Estas justificações são uma ideologia que cobre o fato de que o direito penal tende a privilegiar os interesses das classes dominantes, e a imunizar do processo de criminalização comportamentos socialmente danosos típicos dos indivíduos a ela pertencentes, e ligados funcionalmente à existência da acumulação capitalista, e tende a dirigir o processo de criminalização, principalmente, para formas de desvio típicas das classes subalternas. Isto ocorre não somente com a escolha dos tipos de comportamentos descritos na lei, e com a diversa intensidade da ameaça penal, que freqüentemente está em relação inversa com a danosidade social dos comportamentos, mas com a própria formulação técnica dos tipos legais. Quando se dirigem a comportamentos típicos dos indivíduos pertencentes às classes subalternas, e que contradizem às relações de produção e de distribuição capitalistas, eles formam uma rede muito fina, enquanto a rede é freqüentemente muito larga quando os tipos penais têm por objeto a criminalidade econômica, e outras formas de criminalidade típicas dos indivíduos pertencentes às classes no poder”. BARATTA, op. cit., p. 165.

[35] Sobre o tema, cf. BARATTA, Alessandro. Principios del derecho penal mínimo (Para una teoría de los derechos humanos como objeto y limite de la ley penal). Doctrina Penal. Buenos Aires, ano 10, p. 623-650, 1987.

[36] Sobre o tema, cfr. ZAFFARONI, Eugenio Raul, op. cit., p. 47.

[37] Maiores detalhes sobre o assunto em ANDRADE, Vera Regina P. de. A construção social dos conflitos agrários como criminalidade. In: SANTOS, Rogério Dultra dos (Org.). Introdução crítica ao estudo do sistema penal. Florianópolis: Diploma Legal, 1999. p. 23- 56.

[38] Para uma introdução no assunto, YACOBUCCI, Guillermo J, op. cit., p. 133-151. Especificamente sobre a seletividade penal no Brasil, cfr. CASTILHO, ELA Wolkmer. Criminologia Crítica e a crítica do Direito Penal econômico. In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de (Org.). Verso e reverso do controle penal. (Des) aprisionando a sociedade da cultura punitiva. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 61-72.

[39] AZIMI, D.M. La naturaleza política de la ley, la desviación y la delincuencia. In: OLMO, Rosa del (Org.). Estigmatizacion y conducta desviada. Maracaibo: Centro de Investigaciones criminológicas, 1973. p. 233.

[40] A criminologia crítica fundamenta-se nas teorias de Marx. Dentro da concepção materialista entende o pensador alemão que o homem, em sua individualidade e em todas as suas realizações posteriores – sociais, políticas, jurídicas e também penais –, aparece determinado pela forma de produção econômica. Em razão disso, defende que o processo de criminalização só pode ser entendido através de uma análise acerca da distribuição de oportunidades sociais e de riqueza, que em última instância é determinado pela estratificação dos grupos sociais, seguindo a lógica da estrutura de produção e da valorização do capital. Portanto, somente inter-relacionando o momento social (estratificação) com o momento econômico (propriedade dos meios de produção) com o momento político (dominação dos grupos hegemônicos), chega-se à compreensão da utilização do direito e do Estado em benefício de interesses próprios, compreendendo-se a função do processo de criminalização. Em última instância, deve-se perscrutar a qualidade de desvio efetivo que os comportamentos criminalizados têm em face do funcionamento do sistema sócio-econômico e as suas reais contradições com tal sistema. Enfim, toda estrutura econômica traz em seu seio a contradição e o conflito por estar alicerçada em relações de submissão e opressão. MARX, Karl. O capital. Tradução de Ronaldo Alves Schmidt. 7. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1980. 395 p. Por todos, cf. BARATTA, op. cit., passim.

[41] BARATTA, Alessandro. Funciones instrumentales e simbólicas Del Derecho Penal: una discusión en la perspectiva de la criminologia crítica. Pena y Estado, Barcelona, ano 1, n. 1, p. 37-55, sep./dic. 1991a.

[42] Interessante crítica à perda de conteúdo do princípio da legalidade foi formulada por NAUCKE, Wolfgang. La progresiva pérdida de contenido del principio de legalidad penal como consecuencia de un positivismo relativista y politizado. In: La insustenible situación del derecho penal. Granada: Comares, 2000. p. 531-549.

[43] CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. O caráter retórico do princípio da legalidade. Porto Alegre: Síntese, 1979. p. 17.

[44] Foucault, sobre a igualdade, pontua veementemente que “[…] é evidente que é segundo a classe social à qual se pertença, segundo as possibilidades de fortuna, segundo as posições sociais que se obtém a justiça. A justiça não lhe é atribuída do mesmo modo. Essa desigualdade diante da justiça que, no século XVIII, já era muito vivamente experimentada e contra a qual reagiram Beccaria e Bertin e os grandes Códigos napoleônicos, essa desigualdade reinstaurou-se, se é que ela em algum momento foi suspensa. Ela se reinstaurou e, atualmente as pessoas sofrem dela de modo violento. Tem-se o sentimento quase cotidiano dessa desigualdade diante da Justiça e diante da polícia”. FOUCAULT, op. cit., p. 35.

[45] ANDRADE, op. cit., p. 142. 

[46] Sobre o tema, cf. ANDRADE, op.cit., passim; BARATTA, op. cit. Passim; ZAFFARONI, op.cit. passim.

[47] Andrade sustenta a tese de que “É precisamente o funcionamento ideológico do sistema – a circulação da ideologia penal dominante entre os operadores do sistema e no senso comum ou opinião pública – que perpetua a ‘ilusão de segurança’ por ele fornecida, justificando socialmente a importância de sua existência e ocultando suas reais e invertidas funções. Daí apresentar uma eficácia simbólica sustentadora de eficácia instrumental invertida”. ANDRADE, op. cit., p. 31.

[48] ZAFFARONI, op. cit., p. 71

[49] Segundo Baratta, “Se partirmos de um ponto de vista mais geral, e observarmos a seleção da população criminosa da perspectiva macrossociológica da interação e das relações de poder entre os grupos sociais, reencontramos, por detrás do fenômeno, os mesmos mecanismos de interação, de antagonismo e de poder que dão conta, em uma dada estrutura social, da desigual distribuição de bens e de oportunidades entre os indivíduos. Só partindo deste ponto de vista pode-se reconhecer o verdadeiro significado do fato de que a população carcerária, nos países da área do capitalismo avançado, em sua enorme maioria, seja recrutada entre a classe operária e as classes economicamente mais débeis. Realmente, só do interior desta perspectiva tal significado pode subtrair-se ao álibi teórico que, ainda em nossos dias, é generosamente oferecido pelas ‘interpretações’ patológicas da criminalidade”. BARATTA, op. cit., p. 106-107.

[50] TARANTINO, Marisa S. Introducción ao artículo “El sistema penal y el discurso jurídico”. La justicia penal hoy. De su crisis a la busqueda de soluciones. Buenos Aires: Fabian j. Di Placido Editor, 2000. p. 29.

[51] Uma ampla leitura da obra de Alessandro Baratta, voltada para as necessidades de mudanças, foi elaborada por DIMOULIS, Dimitri. Sociedade civil, direitos fundamentais e emancipação. Reflexões a partir da obra de Alessandro Baratta. In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de (Org.). Verso e reverso do controle penal. (Des) aprisionando a sociedade da cultura punitiva. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 37-60.

[52] Todo o histórico da evolução da criminologia crítica encontra-se em ANIYAR DE CASTRO, Lola. O triunfo de Lewis Carrol. A nova criminologia latino-americana. Discursos sediciosos. Crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro, ano 5, n. 9 e 10, p. 129-148, 1º. e 2º. Semestres de 2000.

[53] BARATTA, op. cit., p. 219.

[54] Sobre o tema, cf. STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 42-43.

[55] Andrade reconhece que “O arsenal legal e dogmático disponível, incluindo desde a principiologia da Constituição Federal, aqui referida, passando pela principiologia garantidora do Direito Penal e Processual Penal liberais e os Princípios Gerais do Direito, até suas respectivas técnicas jurídicas dogmáticas, constituem um código tecnológico apto a produzir interpretações ideologicamente compensatórias da seletividade do sistema penal”. ANDRADE, op. cit., p. 47-48.

[56] Sobre o tem, cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia y sistema penal. Compilación in memoriam. Buenos Aires: Euros, 2004. 459 p.

[57] Karam, em lúcido posicionamento, sustenta que “Certamente, não se deve, idealizadamente, pretender que possam todos os juízes ter compreensão e consciência de seu papel garantidor, visão especialmente crítica, notável coragem ou inclinação contestadora, ou prazer em ser minoria, que, fazendo-os diferentes dos demais habitantes deste mundo pós-moderno, os façam imunes às pressões midiáticas, capazes de, sempre que assim ditarem os parâmetros estabelecidos pela lei constitucionalmente válida e por seu papel garantidor dos direitos fundamentais de cada indivíduo, julgar contrariamente ao que impõem os interesses e os apelos vinculados como majoritários, julgar contrariamente ao que espera a opinião publicada. O que se faz sim realisticamente necessário é a criação de mecanismos aptos, se não a evitar, pelo menos, a minimizar tais pressões e, assim, se não assegurar totalmente, pelo menos, fortalecer a independência e a imparcialidade ameaçadas”. KARAM, Maria Lucia. O processo de democratização do Estado e o poder judiciário. Discursos Sediciosos. Crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro, ano 7, n. 12, p. 152, 2º semestre de 2002.

[58] ANDRADE, op. cit.

[59] ZAFFARONI, op. cit., p. 57.

[60] YACOBUCCI, op. cit., p. 178.


Informações Sobre o Autor

Claudio Alberto Gabriel Guimarães

Promotor de Justiça do Estado do Maranhão. Coordenador Estadual da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais – ABPCP. Sócio Fundador do Instituto Panamericano de Política Criminal. Especialista em Direito, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Docência Superior pelo Centro Universitário do Maranhão – UNICEUMA. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco, com área de concentração em Direito Penal. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, com área de concentração em Criminologia. Pesquisador do CNPq. Professor Adjunto da Universidade Federal do Maranhão.


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