Resumo: Esse trabalho destina-se a elucidar os principais pontos da evolução da proteção à criança e ao adolescente, desde os tempos em que vigorava a doutrina da situação irregular até os dias de hoje, em que vigora o princípio da proteção integral.[1]
Palavras-chave: ECA. IRREGULAR. PROTEÇÃO. CRIANÇA. ADOLESCENTE.
Abstract: : This study is intended to clarify the main points of the evolution of protection for children and teenagers, from the time that the doctrine of the irregular situation prevailed to the present day, in which, the principle of the full protection is prevalent.
Keywords: ECA. IRREGULAR. PROTECTION. CHILD. TEENAGER.
Sumário: Introdução. 1. A doutrina da situação irregular. 1.1. Breve Histórico. 1.2. Principais características. 1.3. Superação 2. A doutrina da proteção integral 3. Conclusão. Referências.
Serão abordadas as principais características do desenvolvimento da proteção à criança e ao adolescente, no que diz respeito à obsoleta doutrina da situação irregular e a evolução das teorias, até os dias de hoje, em que é adotado o princípio da proteção integral.
1. A doutrina da situação irregular
1.1.Breve Histórico.
A doutrina da situação irregular foi adotada antes do estabelecimento do atual Estatuto da Criança e do Adolescente. Ela foi sustentada pelo antigo Código de Menores (Lei 6697/79), que admitia situações absurdas de não proteção à criança e ao adolescente. Naquele ínterim, os menores infratores eram afastados da sociedade, sendo segregados, de forma generalizada, em estabelecimentos como a FEBEM, desrespeitada a dignidade da pessoa humana e o termo “menor”, inclusive, passando a ser usado pejorativamente.
A conjuntura histórica para que a doutrina da situação irregular fosse utilizada envolvia uma grande quantidade de menores infratores que, diante da demasiada desigualdade social do início do século XX, recorriam aos delitos das ruas para promover o sustento próprio e da família. Dessa forma, a legislação não houvera sido criada para proteger os menores, mas para garantir a intervenção jurídica sempre que houvesse qualquer risco material ou moral. A lei de menores preocupava-se apenas com o conflito instalado e não com a prevenção. Os jovens não eram tratados como sujeitos de direitos, mas sim objeto de medidas judiciais.
1.2. Principais características
O código de menores (Lei 6697/79), em seu artigo 2o, definia a situação irregular da seguinte forma:
“Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:
I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
Il – vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;
III – em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;
V – Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;
VI – autor de infração penal.
Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial.”
A partir da análise dessa legislação, é visto, então, que a lei tratava o menor infrator como se fosse um portador de certa patologia social, deixando de lado suas necessidades de proteção e segurança. São apresentados, principalmente, mecanismos de “defesa” contra os jovens, dificultando a reinserção social das crianças e adolescentes em situação irregular.
Acerca do assunto, Sposato elucida:
“As notícias já não deixavam de apontar as práticas de tortura, espancamentos, violência e franca repressão aos adolescentes privados de liberdade. O discurso da piedade assistencial escamoteava o exercício do controle social sobre grande contingente de jovens o discurso da piedade assistencial apenas escamoteava o exercício do controle social”. [2]
1.3.Superação
Depois de muitas críticas ao tratamento rígido dos menores, pode-se dizer , hodiernamente, que essa doutrina da situação irregular já foi totalmente superada. Atualmente, são favorecidas as medidas de inclusão da criança e do adolescente e que auxiliem no desenvolvimento biológico e psicológico.
Neste mesmo sentido se manifesta Cláudio Augusto Vieira da Silva, presidente do Conanda, na Edição especial do Estatuto da Criança e do adolescente instituída pelo instituto Conanda:
“ Nestas linhas também estão escritas a determinação política em fazer valer os princípios da Doutrina de Proteção Integral, base doutrinária do Estatuto, contrapondo-se ao antigo modelo e cristalizando a noção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, que a sociedade deve prover. (…)
Nestas entrelinhas estarão escritos os extraordinários avanços que foram sendo construídos no reordenamento ao atendimento do adolescente autor de ato infracional. Aqui, particularmente, vivenciou-se o conflito entre o novo, preconizado pelo Estatuto e o ainda vigente modelo, que resiste de forma organizada ao restabelecimento do estado de direitos dentro das unidades de privação de liberdade. Fácil tem sido a tentativa em vincular o aumento do índice de violência com o aumento do envolvimento de adolescentes com atos infracionais. Daí surgem as propostas sintetizadoras daqueles que não suportam conviver em ambiente democrático e sob controle social. Como por exemplo, a redução da responsabilidade penal.
Conseqüente é reconhecer que, historicamente, a política aplicada aos adolescentes autores de atos infracionais sempre esteve associada ao cárcere, na sua pior e mais cruel versão. Buscou-se o reordenamento e a incorporação das experiências exitosas em todo o Sistema de Garantia de Direitos. Desta forma, está-se dizendo não ao rebaixamento da responsabilidade penal, e sim ao resgate da vida dos que em primeiro lugar são vítimas, sem com isto ceder um milímetro sequer à impunidade.”[3]
Dessa forma, a doutrina vigente é a Proteção Integral. Ela parte da concepção de que as normas que tratam de crianças e de adolescentes, além de concebê-los como cidadãos plenos, devem reconhecer que estão sujeitos à proteção prioritária, uma vez que estão em desenvolvimento biológico, social, físico, psicológico e moral. Significa garantir a toda criança e adolescente todos os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
2. A doutrina da proteção integral
A adoção da doutrina da proteção integral é fruto da Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Apesar de a denominação da convenção não incluir adolescente, ela tem como padrão internacional que todo menor de 18 anos é considerado criança, portanto, sendo possível a compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro. Vale ressaltar que a Convenção sobre os Direitos da Criança é o instrumento de direitos humanos mais aceito na história, sendo ratificada por 193 países.
A doutrina da proteção integral, juntamente aos princípios do Melhor interesse do menor e da Absoluta prioridade, faz parte da tríade principiológica que forma o ECA.
Para garantir essa proteção integral, o Estatuto da Criança e do Adolescente tem papel fundamental na defesa dos interesses do menos. Sobre o ECA, o ministério da Saúde assim pronunciou-se:
“O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) representa um grande avanço da legislação brasileira iniciado com a promulgação da Constituição de 1988. Fruto da luta da sociedade, o ECA veio garantir a todas as crianças e adolescentes o tratamento com atenção,proteção e cuidados especiais para se desenvolverem e se tornarem adultos conscientes e participativos do processo inclusivo.
A ação de disseminar as informações sobre os direitos constitucionais é parte integrante da Agenda de Compromisso dos gestores federais, estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde (SUS),a qual engloba esforços para mobilização de todos na estratégia de efetivar no país um “Pacto pela Vida”.
Dentre as ações programadas em defesa dos direitos dos usuários está a edição de relevantes publicações direcionadas ao público em geral, aos Conselhos de Saúde, aos Conselhos Tutelares, às instâncias públicas responsáveis e aos movimentos atuantes na defesa da vida.
Uma sociedade fortalecida e consciente busca o respeito mútuona sua relação com o Estado e com o próximo e a informação se apresenta como um importante instrumento do cidadão para defesa dos seus direitos e realização de suas aspirações e desejos.” [4]
A jurisprudência dos tribunais já homenageia essa proteção integral de forma bastante difundida. Vide decisão do Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. COMPETÊNCIA. JUÍZO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SISTEMA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. CRIANÇA E ADOLESCENTE. SUJEITOS DE DIREITOS. PRINCÍPIOS DA ABSOLUTA PRIORIDADE E DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. INTERESSE DISPONÍVEL VINCULADO AO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO. EXPRESSÃO PARA A COLETIVIDADE. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. RECURSO PROVIDO.
1. A Constituição Federal alterou o anterior Sistema de Situação de Risco então vigente, reconhecendo a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, protegidos atualmente pelo Sistema de Proteção Integral.
2. O corpo normativo que integra o sistema então vigente é norteado, dentre eles, pelos Princípio da Absoluta Prioridade (art. 227, caput, da CF) e do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente.
3. Não há olvidar que, na interpretação do Estatuto e da Criança "levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento" (art. 6º).
4. Os arts. 148 e 209 do ECA não excepcionam a competência da Justiça da Infância e do Adolescente, ressalvadas aquelas estabelecidas constitucionalmente, quais sejam, da Justiça Federal e de competência originária.
5. Trata-se, in casu, indubitavelmente, de interesse de cunho individual, contudo, de expressão para a coletividade, pois vinculado ao direito fundamental à educação (art. 227, caput, da CF), que materializa, consequentemente, a dignidade da pessoa humana.
6. A disponibilidade (relativa) do interesse a que se visa tutelar por meio do mandado de segurança não tem o condão de, por si só, afastar a competência da Vara da Infância e da Juventude, destinada a assegurar a integral proteção a especiais sujeitos de direito, sendo, portanto, de natureza absoluta para processar e julgar feitos versando acerca de direitos e interesses concernentes às crianças e aos adolescentes.
7. Recurso especial provido para reconhecer a competência da 16ª Vara Cível da Comarca de Aracaju (Vara da Infância e da Juventude) para processar e julgar o feito” (RESP 1199587 / SE)
Conclusão
Dessa forma, a doutrina da situação irregular do menor encontra-se ultrapassada e, em seu lugar, surgiu a doutrina da proteção integral. Esta última privilegia a criança e o adolescente, de forma a garantir seu correto desenvolvimento psicológico, físico e social. Os menores não devem ser mais fruto de severa e indigna correção penal.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, a Constituição Federal e os tratados internacionais, ao passo que defendem a proteção integral, representam extrema importância para o Direito Infanto-juvenil. Essa doutrina ressalta necessidades próprias e especificas dos jovens, que, na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, necessitam de proteção diferenciada.
Informações Sobre o Autor
Izabele Pessoa Holanda
Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco Servidora Pública no TJPE