A duração razoável do processo e o acesso à Justiça

INTRODUÇÃO

Quando o Estado decidiu assumir o monopólio da função jurisdicional passou a ser garantidor da paz social, proporcionando ao jurisdicionado a concretização do seu direito. Esse compromisso reflete no resultado útil do processo, através da efetiva entrega do bem jurídico e do compromisso de que esta se dê em tempo razoável.

Diante de tal compromisso, constata-se o dever jurídico do Estado à prestação da tutela jurisdicional satisfatória. O texto constitucional em seu artigo 5º, LXXVIII faz referência à razoável duração do processo, elevando-o à categoria dos direitos e garantias fundamentais.  Esse dispositivo foi incorporado ao texto constitucional pela Emenda nº 45/2004 e advém da compreensão que a tutela jurisdicional não engloba apenas a garantia do direito de ação, mas, principalmente o direito a uma tutela adequada e efetiva entregue ao jurisdicionado de forma tempestiva. Assim, fica fácil concluir que é uma garantia fundamental do cidadão a prestação jurisdicional eficaz e efetiva.

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A DEMORA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL COMO ENTRAVE AO ACESSO À JUSTIÇA

Quando se busca a proteção do Estado-Juiz para composição do conflito de interesses, espera-se que a decisão seja proferida a tempo de proteger o direito objeto do litígio. A decisão judicial somente é adequada à pacificação do conflito social quando entregue em tempo razoável, sob pena de perecimento do direito.

Nessa seara, Teori Albino Zavascki[1] tem entendimento parecido:

“O direito fundamental à efetividade do processo – que se denomina também, genericamente, direito de acesso à justiça ou direito à ordem jurídica justa – compreende, em suma, não apenas o direito de provocar a atuação do Estado, mas também e principalmente o de obter, em prazo adequado, uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos.”

Isso porque o direito de ação previsto constitucionalmente não se limita ao direito de provocar o Estado para obter a prestação jurisdicional, mas a garantia de que ao invocar a tutela jurisdicional, obterá de forma tempestiva e eficaz a prestação devida. É inegável que a morosidade da prestação jurisdicional vem frustrando a concretização de direitos, além de provocar o descrédito do poder público, em especial do Poder Judiciário, haja vista, o prejuízo que a demora no trâmite processual causa a quem recorre ao Judiciário.

Segundo Carmem Lúcia Antunes[2], a jurisdição é um direito que se manifesta em três fases distintas:

“O direito à jurisdição apresenta-se em três fases que se desencadeiam e se completam, a saber: a) acesso ao poder estatal prestador da jurisdição; b) a eficiência e a prontidão da resposta estatal à demanda de jurisdição; e c) a eficácia da decisão jurisdita.”

Lamentavelmente, a prestação não tem chegado em tempo de proteção ao direito que sofre risco de perecimento. Algumas vezes, para não dizer a maioria das vezes, quando a prestação jurisdicional, por mais justa que seja, é entregue ao jurisdicionado, já não lhe serve tanto, pois já ficou no passado a necessidade daquela proteção.

Sem dúvida a demora da duração da relação processual é fruto de inúmeras situações de difícil superação, tais como a falta de infra-estrutura e de pessoal preparado, bem como o descumprimento dos prazos impróprios[3] por parte dos servidores e magistrados.

Tem sido uma preocupação constante dos especialistas em direito processual a diminuição da duração da relação processual, a fim de abreviar a entrega da tutela pleiteada. Com a reforma do Judiciário tornou-se expressa a garantia da duração razoável do processo que foi elevada, no texto constitucional, à estatura de garantia fundamental do cidadão. Tudo isso com o objetivo de promover a verdadeira justiça, pois um julgamento tardio certamente perderá o seu sentido reparador.

Que a Emenda Constitucional nº 45/2004 deu o primeiro passo para o acelerar das relações processuais é inegável, mas não podemos fechar os olhos à realidade. A edição da emenda não pôs fim à morosidade processual, isso é fato. A duração razoável do processo, que podemos definir como aquela situação na qual as partes envolvidas no litígio observem, adequadamente, os prazos previstos  na lei para a prática dos atos processuais, bem como aquela cujo órgão, por seus representantes, não tenha sido inerte na direção das fases do processo que lhes cabe impulsionar, impôs ao legislador infraconstitucional, bem como aos operadores do direito o compromisso de rever as regras e institutos processuais, a fim de que se extraia deles a máxima eficácia possível para a tutela jurisdicional. Pois a inclusão do referido princípio não representa uma solução mágica para a morosidade do processo judicial.

Não se pode negar que a demora do processo jurisdicional sempre foi um entrave para a efetividade do direito de acesso à justiça, pois, o tempo de duração do processo quase sempre prejudicará uma das partes e beneficiará a outra, e beneficia exatamente a parte que não tem interesse no cumprimento das normas legais. Apesar de sabermos que a “justiça” deve ser acessível a todos, a decisão proferida sem observância do princípio da duração razoável do processo configura desrespeito também ao direito de acesso à justiça.

A professora Maria Tereza A. Sadek[4] analisando a reforma do Judiciário afirma que a população brasileira está afastada dos tribunais, mas que existe uma utilização “oportunista” do Judiciário, gerando um efeito negativo, pois algumas pessoas utilizam o Judiciário quando pretendem postergar o cumprimento de obrigações, uma vez que a decisão não será obtida em intervalo de tempo razoável:

“(…) o extraordinário movimento do judiciário está relacionado não com o grau de confiança em seu desempenho, mas pode resultar de uma utilização “oportunista” de suas deficiências. Isto é, a justiça estatal passa a ser procurada não para arbitrar conflitos e efetivar direitos, mas para postergar o cumprimento de obrigações.”

É impossível imaginar que o direito de ir a juízo não tem como extensão imediata o direito à tempestividade da “justiça”. Uma das grandes dificuldades está no fato do Estado encontrar dificuldades em estruturar-se de modo a atender a todos de forma efetiva, pois a jurisdição não serve apenas àquele que invocou a proteção estatal, mas também a todos que de alguma forma estejam, ou possam estar envolvidos no conflito de interesses narrado pelo autor. Como o julgador, antes de dar a resposta definitiva às partes, deve admitir todas as suas alegações e provas, e isto reclama tempo, muitas vezes essa tramitação da relação processual pode prejudicar aquele que ao final for  reconhecido como titular do direito em litígio.

A partir de tudo que foi aqui exposto, fica patente que a razoável duração do processo depende de uma série de fatores. Tentamos apresentar, em linhas gerais, alguns desses fatores que causam a morosidade do processo.

Podemos fazer referência aqui à necessidade de estrutura compatível com o volume de causas postas sob apreciação judicial. Faz-se necessário uma reestruturação do Poder Judiciário no que se refere nomeação de novos servidores da justiça – juizes, serventuários, etc. É preciso uma nova organização do Judiciário, alterando o quantitativo de pessoal, face à importância da adequação do número de juizes com a efetiva demanda judicial e a respectiva população do lugar, também o número de serventuários deve ser compatível com o volume de demandas judiciais da comarca, dentre outros fatores.

CONCLUSÃO

Que adianta procurar o Poder Judiciário, receber a prestação jurisdicional, tal qual foi invocada na ação, mas ter sido a prestação jurisdicional entregue a destempo?  Quando se fala em efetividade da jurisdição ou ainda, em  razoável duração do processo, fala-se, inevitavelmente, na aplicação de princípios constitucionais de forma correta, pois foi a própria Constituição que estabeleceu a atuação jurisdicional do Estado, através do processo. Nesse sentido, o Estado Brasileiro  inseriu a duração razoável do processo entre o rol de diretos e garantias fundamentais.

Sob a ótica da razoável duração da relação processual, a atuação dos sujeitos  do processo deve ser pautada pela boa-fé, de forma que não sejam praticados  atos processuais desnecessários, que causem a dilação indevida da demanda. Mas também, por outro lado, não se deve buscar uma “justiça acelerada”, pagando-se o peço de uma proteção jurídica que se traduz em diminuição de garantias proces­suais e materiais (prazos de recurso, supressão de instâncias), conduzindo a uma justiça pronta, mas materialmente injusta, conforme ponderou Canotilho[5].

É sabido que a efetividade da prestação jurisdicional não se realiza com a entrega do bem jurídico em litígio, porque quando entregue a destempo poderá  tornar inútil a prestação. A efetividade da tutela jurisdicional que tanto se persegue não depende apenas de mudança na legislação processual, mas de uma série de fatores, dentre os quais uma renovação na organização judiciária, uso de tecnologia a serviço da concretização dos direitos e, quando não for possível entregar a tutela em tempo hábil, a responsabilização do Estado pelo descumprimento de sua função pacificadora de conflitos.

 

Referências bibliográficas
ANTUNES, Carmem Lúcia. O Direito Constitucional à jurisdição. In: Sálvio de Figueiredo Teixeira. As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva. 1993, pág. 33.
BOTTINI, Pierpaolo & RENAULT, Sergio Rabello Tamm (coordenadores). Reforma do Judiciário. São Paulo: Saraiva 2005.
BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.org.br. Acesso em 30 de abril de 2007..
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª edição. Ed. Coimbra-Almedina, 1993.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2006, pág. 265.
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 64.
Notas:
[1] ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 64.
[2] ANTUNES, Carmem Lúcia. O Direito Constitucional à jurisdição. In: Sálvio de Figueiredo Teixeira. As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva. 1993, pág. 33.
[3] “No caso magistrado (…) e dos auxiliares da justiça, embora a lei preveja limites temporais para a prática de atos, anotamos que estes podem ser manifestados mesmo após a fluência do prazo, sem qualquer conseqüência processual de maior ou menor estatura”.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2006, pág. 265.
[4] BOTTINI, Pierpaolo & RENAULT, Sergio Rabello Tamm (coordenadores). Reforma do Judiciário. São Paulo: Saraiva 2005.
[5] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª edição. Ed. Coimbra-Almedina, 1993.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Claudia de Oliveira Fonseca

 

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Professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, Pós-graduada em Direito Civil pela Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC/ MG, Advogada.

 


 

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