O instituto da coisa julgada é trabalhado no ambiente universitário preparando os acadêmicos para a realidade do mundo jurídico, pois é na academia que novas idéias e práticas nascem com o objetivo de transformação, principalmente no que diz respeito à melhoria da prestação jurisdicional.
O Direito Processual Civil, como instrumento de realização do Direito Material, tem como objetivo principal obter a resolução da lide oriunda do Direito Material, em outras palavras, a invocação da tutela jurisdicional tem por finalidade pedir que o Estado-Juiz se substitua à vontade das partes e resolva a lide originária de um conflito de interesses. Logo, o que se busca com o acionamento da justiça é a prolação de uma sentença de mérito, a qual, transitada em julgado, faz nascer a coisa julgada.
O Código de Processo Civil contemporâneo define coisa julgada como a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença irrecorrível (art. 467). Em consonância à norma, afirma José Maria Tesheiner[1] que a coisa julgada como qualidade da sentença, numa clara adesão à teoria de Liebman, é o efeito do trânsito em julgado da sentença de mérito, efeito consistente na imutabilidade (e, conseqüentemente, na indiscutibilidade) do conteúdo de uma sentença.
Sendo a coisa julgada sinônimo de imutabilidade, é ela que dá a segurança de que não mais se discutirá um determinado assunto que foi objeto da sentença. Definida como os efeitos que emergem da sentença: as palavras frias que emergem do papel da sentença e atingem, lá no mundo dos fatos, as partes.
A segurança da imutabilidade da coisa julgada é fator, até então, característico do princípio constitucional do devido processo legal. Porém, atualmente, se tem considerado que a coisa julgada não pode ser via para o cometimento de injustiças, calcando-se na idéia que a coisa julgada deve pressupor verdade, certeza e justiça.
Muito se tem questionado a respeito desta imutabilidade, ou melhor, da carga imperativa da coisa julgada, quando o conteúdo da sentença estiver longe da verdade, da certeza e da justiça. Os efeitos da sentença devem seguir os princípios constitucionais da moralidade, da razoabilidade, da legalidade, dentre os mais relevantes, do contrário se discute a possibilidade de quebrar o julgado, de tornar relativa e não absoluta a coisa julgada.
A busca de decisões justas relativizando a coisa julgada usando da discricionariedade do julgador para decidir o que é justo além ou contra o texto legal poderá ser a base para modificar o instituto da coisa julgada.
As sentenças provenientes de questões ambientais e de conteúdo que afetam diretamente o direito ao meio ambiente são o alvo, pois relativizar seus efeitos é proporcionar justiça, seja de maneira preventiva ou reparatória, ao resguardar um direito fundamental de terceira geração previsto na Constituição Federal Brasileira.
O meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas, conforme preceitua o art. 3º, inciso I da Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.
A sua importância fez com que o legislador o erigisse à categoria de direito fundamental de terceira geração, e encontra-se previsto no artigo 225 da Lei Magna atual protegendo-o como garantia ao bem estar social e à saúde. De acordo com Toshio Mukai[2], a proteção ao meio ambiente diz respeito à proteção de interesses pluriindividuais que superam as noções tradicionais de interesse individual ou coletivo. Estes interesses pluriindividuais são chamados de interesses difusos. O interesse difuso supõe um plus de proteção ou uma proteção diversificada de um bem jurídico: pública por um lado, e dos cidadãos por outro.
O conteúdo das sentenças e acórdãos que tratam de questões ambientais pelos tribunais brasileiros deve estar de acordo com a proteção necessária ao meio ambiente no caso concreto, ou seja, primeiramente prevenindo e depois reparando os danos ambientais.
Portanto, a Constituição consagra o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida. Porém, diante de uma decisão transitada em julgado que não protege efetivamente o direito ao meio ambiente, o julgador não tem fundamentos concretos de como deverá proceder.
Os princípios constitucionais se mostram diretamente relacionados com os princípios da Educação Ambiental, deste modo a utilização da Educação Ambiental como fundamento pelo julgador para relativizar a coisa julgada em questões ambientais é o desafio desta pesquisa.
Considera-se que a Educação Ambiental é um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida. Tal Educação afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica.
Ela estimula a formação de sociedades justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relação de interdependência e diversidade, o que requer responsabilidade individual e coletiva em nível local, nacional e planetário.
A Educação Ambiental é um processo de reconhecimento de valores e clarificações de conceitos, objetivando o desenvolvimento das habilidades e modificando as atitudes em relação ao meio, para entender e apreciar as inter-relações entre os seres humanos, suas culturas e seus meios biofísicos. A Educação Ambiental também está relacionada com a prática das tomadas de decisões e a ética que conduzem para a melhora da qualidade de vida, conforme definição obtida na Conferência Intergovernamental de Tbilisi – 1977.
No mesmo sentido é o teor do art. 1º da Lei 9.795 de abril de 1999, que trata da Política Nacional de Educação Ambiental: entende-se por Educação Ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
Também se considera que são inerentes à crise da erosão dos valores básicos, a alienação e a não participação da quase totalidade dos indivíduos na construção de seu futuro. Assim, a Educação Ambiental deve gerar mudanças na qualidade de vida e maior consciência de conduta pessoal, assim como harmonia entre os seres humanos e destes com outras formas de vida.
Dentre os princípios da Educação Ambiental se destacam:
– A Educação Ambiental deve ter como base o pensamento crítico e inovador, em qualquer tempo ou lugar, em seus modos formal, não formal e informal, promovendo a transformação e a construção da sociedade.
– A Educação Ambiental é individual e coletiva. Tem o propósito de formar cidadãos com consciência local e planetária, que respeitem a autodeterminação dos povos e a soberania das nações.
– A Educação Ambiental não é neutra, mas ideológica. É um ato político, baseado em valores para a transformação social.
– A Educação Ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e interação entre as culturas.
– A Educação Ambiental deve facilitar a cooperação mútua e eqüitativa nos processos de decisão, em todos os níveis e etapas.
-A Educação Ambiental deve ser planejada para capacitar as pessoas a trabalharem conflitos de maneira justa e humana.
– A Educação Ambiental deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações. Deve converter cada oportunidade em experiências educativas de sociedades sustentáveis.
– A Educação Ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre todas as formas de vida com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus ciclos vitais e impor limites à exploração dessas formas de vida pelos seres humanos.
As questões sócio-ecológico-ambientais nos campos formais e informais da Educação Ambiental são pontuais para desenvolver a compreensão da interligação do espaço ambiental pela função jurisdicional e para obter uma participação e comprometimento nos processos decisórios da efetividade da justiça em busca da construção coletiva de sociedades sustentáveis.
A necessidade de motivação das decisões judiciais faz com que o julgador tenha que ter ferramentas para tanto, assim a utilização da Educação Ambiental como fundamento principal para munir o julgador nas decisões, que envolvam a relativização da coisa julgada em questões ambientais, é de grande importância para a proteção efetiva ao meio ambiente.
Informações Sobre o Autor
Vanessa Hernandez Caporlingua
Doutora em Educação Ambiental pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Brasil. Professora de Direito Processual Civil e pesquisadora da FURG/RS