A educação dos antigos como exemplo para se ensinar o Direito contemporâneo

Resumo: Este artigo aborda a possibilidade de outra forma de ensino do Direito pautada na educação como experiência da vida e para vida, remetendo a maneira exemplar que os gregos antigos ensinavam seus pares, fazendo da educação como algo indissociável da realidade da vida e da condição trágica de sua existência. Tendo a arte e os poetas como educadores para afirmarem a vida em todos os seus sentidos, desde o “sensível” ao “supra-sensível”, não fragmentado, preponderando uma educação com base no exemplo daquilo que eles melhor tinha para si: a arte, os mitos, os deuses, etc. Neste sentido, elabora-se uma crítica ao atual modelo dogmático e tecnicista, preponderante no ensino do Direito brasileiro, assim como em boa parte da educação no Brasil, que mantém distanciada a realidade acadêmica da realidade não-acadêmica.[1]


Palavras chave: Gregos, arte, sensível, supra-sensível, dogmático.


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Abstract: This article discusses the possibility of another form of guided teaching of law in education as an experience of life and for life, referring to an exemplary manner that the ancient Greeks taught their peers, with a view education as something inseparable from the reality of life and tragic condition of its existence. Having art and poets as educators to affirm life in all its senses, from the sensitive supersensible, unfragmented, preponderate an education based on the best example of what they had for themselves: the art, myths, gods, etc. In this sense, it is elaborated a critique of the current model and dogmatic technicalities, predominant in the teaching of Brazilian law, as in much of education in Brazil, which has distanced the academic reality of reality non-academic.


Keywords: Greeks, art, sensitive, super-sensitive, dogmatic.


Sumário: Introdução. O Ensino do Direito. O Ensino de Massa. Possibilidade de um Ensino “Sensível”. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.


Introdução


Os gregos antigos exigiam do poeta que ele fosse o instrutor dos adultos… (SOBRINHO, 2009, p.319)


Houve uma época, remetendo à antiguidade Grega, em que o ensino educacional se baseava no exemplo existencial, na forma sensível de se educar/ensinar. Tomava-se a poesia, a arte, tais como as epopeias de Homero, ou as poesias de Hesíodo, até mesmo as Tragédias de Ésquilo, Sófocles, ou Eurípedes, como maneiras de se determinar condutas a serem seguidas como exemplares pelas pessoas ou alunos, assim como de todo o povo heleno antigo.


     Até mesmo Platão, que criticava a poesia, em sua obra “A República”, reconhecia a opinião geral de seu tempo de que Homero havia sido o educador de toda a Grécia antiga, evidenciando a competência das epopeias homéricas como fontes, não só de prazeres artísticos, mas também como guia da vida aos “adoradores de Homero” chegando a afirmar que para “administrar os negócios humanos ou ensinar a sua prática, deve-se basear nele, estudá-lo e viver regulando de acordo com ele toda a existência” (OS PENSADORES, 1999, p. 336).


Estas obras, essenciais para a educação do antigo grego, tinha a Ilíada, por exemplo, como o que os moviam para uma vida gloriosa, pautada na aceitação do “Pathos do sublime destino heroico do homem lutador” e na Odisseia o antigo heleno encontrava “O ethos da cultura e da moral aristocrática como o poema da sua vida” como afirma o historiador Werner Jaeger, em sua obra clássica “Paideia – A Formação do Homem Grego” (2010, p.66).


     Desta forma, estava indissociável da educação e o seu ensino, a arte e a poesia, que faziam parte essencial da existência “sensível” e trágica da vida. Inspirava-se em deuses, e heróis, como um tipo de ensino/educação baseado nos exemplos tomados pelas potências heroicas ou divinas. Não havia uma dicotomia entre esse universo religioso, alegórico, mitológico, e a existência em vida dos antigos gregos. Talvez encontremos ai o segredo da enorme influência e importância que a Grécia antiga tem para nós ocidentais, e que constantemente, quando discutimos educação, voltamos aos antigos para nos orientar.


Ainda mais atualmente em que a arte fragmentou-se e se encontra separada da vida. Dificilmente há nas escolas uma tentativa de religar aquela antiga forma de se educar, que não separa a arte, ou a realidade do mundo da existência. Hoje, por mais que haja tentativas de aproximar o ensino “sensível” da arte à vida, a dicotomia reina, numa cisão talvez pior: entre a teoria e a realidade.


O Ensino do Direito


A educação e o ensino fragmentado ainda dominam o nosso sistema educacional brasileiro e no ensino do Direito é quase onipresente. O ensino dogmático ainda é base da educação jurídica, entendida como atividade que pretende estudar o direito positivo vigente sem construir sobre o mesmo qualquer julgamento de valor, a partir de uma aceitação acrítica que tenta explicar a coerência do ordenamento. Esse é o diagnóstico da professora e doutora em Direito, Thais Colaço (2004, p.9), sobre a situação retrógrada que ainda persiste no ensino superior brasileiro. Fato este facilmente constatável se começarmos a assistir algumas aulas dos inúmeros cursos de Direito espalhados por todo o Brasil.


O ensino do Direito destoa, ou até mesmo nem se aproxima, da realidade concreta. É clara a dificuldade em associar a realidade cotidiana, a realidade comum das pessoas, suas vidas, ou seja, a realidade “sensível” com a realidade “supra-sensível” do Direito nas salas de aula. E esta é uma tarefa difícil para o professor; para o aluno, talvez a dificuldade seja ainda maior, associar ou aproximar a relação existencial destes dois universos que aparentemente correm em paralelo.


O professor doutor em Direito do Estado, Marcelo Harger (2005), reforça a importância do ensino do direito como algo inerente a vida, à ciência e à arte. Que não pode se dar fragmentado, mas sim em rede, conectado com o todo implicante da vida. Essa tentativa de religar o direito à vida proposta pelo professor talvez seja um primeiro passo no sentido de se conseguir um ensino de qualidade no Direito.


Por exemplo, a polêmica questão dos salários baixos dos professores no Brasil e o recente aumento na remuneração dos deputados, o que implica em um aumento de todo o legislativo e judiciário, abre-se com esta discussão atual, inúmeras possibilidades de se ensinar Teoria do Direito, Filosofia do Direito, Direito Constitucional, Direito Administrativo, etc.; a própria questão da guerra do Iraque, a democracia ocidental contra o terrorismo mundial levantada pelos EUA, incita inúmeras discussões sobre Direito Internacional, Soberania dos Estados, Estado de Exceção, etc. O ensino do Direito, vinculado com os polêmicos e importantes acontecimentos da vida enriquecem e garantem uma mudança no modelo padrão de ensino: conectam o universo do Direito com a realidade da vida, possibilitando mudanças e transformações existenciais da realidade.


Disto o ensino do Direito não pode distanciar-se, sob o risco de haver quebra na comunicação do aprendizado: como ensinar algo que advém da realidade de nossas vidas distanciando-a desta mesma realidade? Como ensinar algo descomprometido com os acontecimentos presentes, e até mesmo futuros?  Um ensino dogmático que não enxerga a realidade em que pisa e se mantém sob os grilhões das doutrinas, teorias, das ficções, perde duplamente: primeiro na formação acadêmica, segundo no distanciamento e possível alienação daquele que ensina e daqueles que são ensinados, que imerso em uma realidade fictícia, da dogmática jurídica, simplesmente repetem e reafirmam a separação do Direito e multiplicidade rica que a realidade é.


Desta forma, o ato de ensinar as inúmeras disciplinas exigidas do curso de Direito, tais como as disciplinas básicas propostas pela Resolução nº9 de 29 de setembro de 2004, do Conselho Nacional de Educação, como Antropologia, Ciência Política, Economia, Filosofia, História, Psicologia, etc., juntamente com as de Direito Constitucional, Administrativo, Penal, Civil, Processual, etc., e também as disciplinas que tentam integrar a prática e os conteúdos teóricos, etc., (BRASIL, MEC, CNE, 2004), não podem estar dissociados dos acontecimentos da realidade política, econômica, sócio-culturais, tanto do Brasil quanto do mundo.


Por isso que a resolução do CNE, acima em partes transcritas, preza por um ensino comprometido com a integração do ensino teórico e prático, com a realidade e os acontecimentos de nossa sociedade. Refletindo uma necessidade contemporânea da educação de se alinhar à inter e a transdisciplinariedade, tornando indissociável a relação teórica-prática, assim como a realidade acadêmica da realidade social e também do contexto sócio-político-econômico-cultural contemporâneos. Além de requerer na formação uma postura reflexiva e crítica do próprio fenômeno jurídico.


No entanto, o que se exige na resolução pode encontrar e encontra sérios problemas e dificuldades na aplicação e no ato de ensino. Novamente a questão teoria/prática, contextualização da realidade do Direito às demais realidades, destacada no início deste texto, ressurge. Seja na competência ou qualidade do docente ao ensinar o Direito, em conseguir vincular a sua disciplina ministrada, às demais disciplinas e à realidade extra-acadêmica e ao contexto social, com profundidade crítica e reflexiva; ou na capacidade e interesse do próprio discente em absorver e assimilar este conteúdo; ou também, o tempo e as exigências institucionais que entram em conflitos com o processo de ensino-aprendizagem, que prejudica tanto docente, quanto discente, a instituição e por fim a sociedade como um todo.


Tal problema é reflexo prático de décadas do ensino dogmático do Direito (e talvez de toda a educação no Brasil), como uma forma de “alienação”, distanciamento das condições ou realidades da vida, das questões sociais, do povo, ou mesmo das questões existenciais, e que de alguns anos para cá, com as mudanças de paradigmas fomentadas por todo o ocidente, essa prática formal do ensino do direito (assim como de toda a educação) está tentando ser desconstruída.


O Ensino de “massa”


Com a democracia e a consequente democratização do ensino ampliou-se o número de universidades, assim como o acesso ao ensino do Direito no Brasil. Como podemos constatar ao ler um recorte da matéria da jornalista Marina Diana sobre as estatísticas do desenfreado aumento de cursos de ensino do Direito no país:


“O Brasil tem mais faculdades de Direito do que todos os países no mundo juntos. Existem 1.240 cursos superiores para a formação de advogados em território nacional enquanto no resto do planeta a soma chega a 1.100 universidades”. (DIANA, 2010)


Isto mostra que o aumento do número de Faculdades de Direito no país está implicado também com o aumento da má-qualidade dos cursos, assim como do ensino, pois este crescimento desenfreado pauta-se ainda no modelo dogmático de ensino, salvo exceções. Pautada em uma lógica de mercado pretende-se formar o máximo de bacharéis em Direito, com menor tempo e maior acúmulo de capital, haja vista o aumento das Faculdades de Direito serem privadas. Por isso, quando surge uma educação ou ensino de mercado, a preocupação com o ensino se dá como ordem de mercado: produzir o máximo em menor tempo, para obter maiores lucros.


Esta lógica se reflete em todo o ensino do direito, ou melhor, na educação do Direito, assim como em toda a educação, pois ela está voltada para o mercado, visando, portanto, a utilidade, a instrumentalidade, o adestramento, a docilidade, para obter os melhores resultados na educação. Mas, contraditoriamente, uma educação de qualidade não pode se pautar com uma finalidade mecânica, a não ser que se queira reproduzir a mediocridade, nivelando-a por baixo.


Nisto, Nietzsche nos alerta do perigo de se ter uma educação de mercado e voltado para o mercado, ou seja, uma educação utilitária:


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“Em oposição à tendência à extensão e à ampliação da cultura, que vem acompanhada do aumento excessivo no número dos estabelecimentos de ensino, Nietzsche alega que isto é apenas um testemunho da fé dos modernos num dogma da economia política, cuja intenção é a criação dos “homens comuns”, voltados para a busca da felicidade identificada com a utilidade e o dinheiro, e para atender as demandas da produção e do mercado; ou seja, trata-se de formar uma inteligência a serviço da propriedade e do lucro”. (SOBRINHO, 2009, p.14)


A crítica à educação e a cultura moderna feita por Nietzsche em sua época é bem atual, se levarmos em conta que nossa educação é prerrogativa do Estado e também do mercado, por estarmos inseridos em um momento regido pela cultura de mercado. Com isto, é evidente termos tanto as instituições estatais quanto privadas cuidando da educação, havendo um excesso destas no Brasil, como as estatísticas demonstradas anteriormente que confirma o Brasil ter mais faculdades de direito do que o mundo todo.


Percebe-se que no ensino de “massa” a qualidade decai, pois o que importante em um contexto “massivo” é o ensino em quantidade, para explorar a maior quantidade de lucros na menor quantidade de tempo, ou numa ótica estatal, atingir os máximos das prerrogativas estatísticas educacionais de governo. E nesse meio de quantidade as exceções qualitativas que existem neste se diluem: professores e alunos que possuem competência e qualidade para ensinar e aprender com crítica, reflexão e níveis altos, se perdem em uma “massa” uniforme e homogênea regida por um controle de ótimo-producional, seja a de formar “massas” e “massas” de alunos com ensino médio (que sabem ler e escrever, acabar com o analfabetismo), ou “massas” e mais “massas” de brasileiros com o diploma de ensino superior (para cumprir estatísticas de que a qualidade do ensino brasileiro vai bem e cumprir metas propagandísticas do governo e das instituições particulares).


Confirma-se a sabedoria do filósofo alemão de que a educação não é algo para ser quantitativa, pois ela exige tempo, reflexão, refinamento da escrita, do pensamento, um ruminar constante e demorado das coisas. Para isso “é preciso uma nova educação, não novas Universidades”, caso contrário “reina a fábrica e o homem se torna um parafuso” (SOBRINHO, 2009, p.267 e 270).


     Este modelo educacional que vige no Brasil, preocupado em instrumentalizar pessoas, no sentido de captura-las e reduzi-las a parafusos para integra-las na engrenagem social, é sinônimo de morte cultural, ou do espírito cultural. Ao amarrar a educação em um modelo de mercado, e prender a produção acadêmica em grilhões de escalas produtivistas fabris, decreta-se a morte da sabedoria vinculada à vida e à condição humana.


Prepondera-se a lógica absurda que paira nas academias: uma enorme quantidade de coisas ensinadas, artigos e pesquisas que muitas vezes são publicados sem muita preocupação com a qualidade destas produções; produz-se por produzir, para atingir ótimos produtivos, desvinculados até mesmo das questões importantes da condição humana e da sua existência. Produz-se o nada para o nada. Perpetua-se assim o esquema “biopolítico”[2] (FOUCAULT, 2006, p.151/152) na educação, que num cálculo gerencial de otimização, se estabelece normas decisivas de gerência de todo o corpo produtivo educacional, que inserindo a vida em sua administração acaba por excluí-la na sua condição múltipla de existência humana.


Possibilidade de um ensino “sensível”


Mas porque um projeto de retomar a arte inseparável da vida, assim como os antigos gregos faziam em sua “Paidea”, cuja máxima era educar para a vida, para a afirmação da vida em toda a sua multiplicidade, é tão difícil em nossa época, neste caso o ensino do Direito, entrecruzado com a existência real? Porque é tão difícil efetivar materialmente no ensino o que formalmente pede a Resolução nº9 de 29 de setembro de 2004, do Conselho Nacional de Educação, que exige uma educação do Direito inter-transdiciplinar, indissociada da vida e suas implicações?


Talvez, uma possível especulação ou uma perspectiva de resposta a essa complicada questão esteja na separação “pura” das coisas, que por muito tempo ponderou o ensino: do “sensível” com o “supra-sensível”, predominando mais este último em nossa forma de educar. E é praxe no ensino do Direito as preocupações com questões existenciais e problemas universais humanos serem tratadas (e quando são tratados) de forma “abstrata” muitas vezes distorcidas da realidade. A preocupação preponderante é a técnica e a dogmática que se exige para atuar no mercado, deixando de lado o devido cuidado que deveria ser dado ás questões fundamentais da existência, dos conflitos, da justiça, da moral e da ética.


Cabe neste ponto uma pergunta essencial: é possível esse tipo de ensino “sensível” no Direito, preocupado com a vida, a condição humana, a sua existência e não-existência, seu destino trágico, seu caráter louco, desmedido, desregrado, caótico, ou este ponto da discussão fica na margem, se resolve excluindo, eliminando-o? Esse tipo de exclusão que há no ensino do Direito e talvez em qualquer ensino reforça a lógica da “biopolítica” contemporânea que ao tratar da vida “sensível” incluindo-a em seu discurso/prática de ensino, ao mesmo tempo em que pode excluí-la , pois ela somente pode existir à margem.


Assim, as questões “sensíveis”, tais como relativas à existência humana, seus conflitos reais, sua condição trágica e louca de existir, a vontade de potência nietzscheniana como afirmadora da vida, surge no direito excluída. Existindo lugar preponderantemente para as questões e os discursos lógicos, formais, dogmáticos, que se inserem no universo jurídico, técnico, utilitário. E esse caráter, que inclui excluindo, reproduz-se em todo o ensino e educação do Direito sendo quase impossível unir novamente a realidade discursiva do Direito à realidade discursiva da vida.


     O resultado destas práticas discursivas repercute nas relações de poder, de decisão, onde o que importa é somente aquilo que é legitimado pelo Direito para ser ensinado nas Universidades, excluindo, ou dificultando qualquer possibilidade de se fomentar discursos e práticas diferentes daquela que se tornaram padrões ou hábitos de todo curso jurídico. Seja o ensino da técnica, seja a dogmática, que impede a conjunção das questões existências da condição humana, da vida e a sua vinculação com a realidade além-do-curso. De fato mantém-se um distanciamento, ou alienação, das instituições do Direito (e boa parte das instituições superiores de ensino) com o que está fora das instituições, ou seja, a vida nas cidades.


Retomando a obra de Guy Debbord “Sociedade do Espetáculo” (1997, p.24), a educação do Direito atual (assim como boa parte da educação brasileira) tornou-se, neste sentido, espetáculo. “O espetáculo reúne o separado, mas reúne-o enquanto separado”, desta forma, o ensino do Direito reúne a vida em seu discurso, mas reúne-a distanciando-se da vida, ou seja, ao mesmo tempo em que insere a vida no ensino do Direito em seu discurso, por uma praxe “biopolítica”, de forma abstrata, o ensino do Direito distancia-se da realidade concreta da vida. Essa alienação dos sujeitos (vida) envolvidos no processo de educação em relação ao objeto contemplado (o Direito), exprime-se de uma forma em que quanto mais se contempla o objeto (Direito), menos vive; quanto mais aceita-se nas imagens abstratas criadas pelo Direito, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo.


É a perpetuação da “biopolítica”, agora ampliada por Agamben (2007, p. 129), como estado de exceção que se solidifica na educação espetacularizada e na prática do Direito. O discurso “sensível” insere-se juntamente com o preponderante “supra-sensível”, mas logo é excluído, pois só há lugar para o “supra-sensível”, deixando o “sensível” na margem dos discursos do Direito, em um campo onde tudo é possível, até mesmo aniquilá-lo. Com este estado de exceção atuante no universo “biopolítico” vigente na educação e a prática espetacular do ensino do Direito é possível vislumbrar alguma solução? Talvez.


Considerações Finais


Retomar uma antiga prática que era comum na antiguidade clássica, no renascimento, em que pessoas interessadas em conhecer, se associavam e financiavam um mestre para lhes instruir sobre determinadas matérias (SOBRINHO, 2009, p.325), talvez seja a solução. Deste modo, retomando esta forma renascentista e antiga de se associar para o saber, como diz o professor de história do Direito, José Reinaldo Lopes, em seu livro “O Direito na história – Lições introdutórias”:


“A universidade medieval é uma guilda, ou corporação: de alunos ou de professores conforme o caso (…) Em Bolonha algo semelhante acontece quanto ao direito, embora de início seja distinto. Os estudantes é que resolveram contratar os professores para ensiná-los durante o ano”. (LOPES, 2008, p.123)


Enfim, resgatar a ideia renascentista de se educar para a vida com a vida, independentemente do Estado ou quaisquer instituições superiores, a não ser aquelas criadas e cultivadas por aqueles com o interesse no saber, é uma saída interessante.


Talvez recriar os laços fragmentados entre o Direito e a vida, não pautando somente no caráter dogmático, tecnicista e reprodutor, mas sim na inter-transdisciplinariedade; no resgate da arte, poesia, das discussões essenciais da condição humana. Uma educação do Direito para a vida, como forma de superação e transvaloração dos antigos valores, para que se possa ressurgir das cinzas nossos novos Homeros, Hesíodos, Ésquilos, Sófocles, Eurípedes, etc., que serviram e servem como exemplo, inspirando até hoje formas de educação da vida e para a vida, pela eternidade, tal como o poeta alemão Holderlin, no início deste texto, disse: “O que permanece é obra dos poetas”.


 


Referências Bibliográficas

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O Poder Soberano e a Vida Nua I. Minas Gerais: Editora UFMG, 2007.

COLAÇO, Thais. O Ensino do Direito no Brasil e a Elite Nacional. Trabalho apresentado no Congresso de História das Universidades da Europa e da América. Cartagena.nov.2004.

DIANA, Marina. Brasil tem mais Faculdades de Direito do que todo o mundo. Notícias da coluna IG , 13/10/2010. Disponível em: http://colunistas.ig.com.br/leisenegocios/2010/10/13/brasil-e-campeao-em-faculdades-de-direito/. Acessado em: 21/06/2011.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

HARGER, Marcelo. O Ensino Jurídico na Era da Internet. Artigo publicado em Boletim Jurídico, Nº151, 7/11/2005. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=896. Acessado em: 20/06/2011.

JAEGER, Werner. Paideia – A Formação do Homem Grego. São Paulo, 2010. Ed. Martins Fontes.

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História – Lições Introdutórias. São Paulo, Ed. Atlas, 2008.

FOUCAULT, Michel. A História da Sexualidade. V. 1. A vontade de saber. 17ª. Ed. São Paulo: Graal, 2006.

OS PENSADORES. A República de Platão. Livro X. São Paulo, 1999. Ed. Nova Cultural.

SOBRINHO, Noéli Correia de Mello. Escritos Sobre a Educação – Friedrich Nietzsche. Rio de Janeiro: 2009, Editora PUC-RIO.

 

Notas:

[1] Trabalho orientado pela professora Dr(a). Thaís Luzia Colaço na disciplina de Metodologia do Ensino Jurídico do programa de Mestrado da UFSC.

[2] “Biopolítica” – é termo criado por Michel Foucault e retomado por Agamben que significa o cálculo que o poder faz sobre a vida, para melhor gerenciar e administrar o corpo populacional (isto inclui também os indivíduos). Implica a administração das populações, estabelecendo padrões para o governo (ou quem exerce algum poder) gerenciar a saúde, se preocupando com a natalidade, mortalidade, previdência, educação, etc. Este tipo de manifestação de poder é contraditório, pois pode ao mesmo tempo “fazer a vida” ou “fazer morrer”, expondo a riscos, etc.


Informações Sobre os Autores

Helder Félix Pereira de Souza

Mestrando do curso de Filosofia, Teoria e História do Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); e Graduando em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Valquiria Vasconcelos da Piedade

Atriz e Mestranda em Teatro pela Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC); Licenciada em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); Graduanda em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)


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