Resumo: O presente projeto investigará a acertada opção legislativa trazida pela Lei 12004/09, que prevê a presunção relativa de paternidade quando o suposto pai, réu em ação de investigação do vínculo familiar, nega-se a realizar prova pericial cabal para o deslinde do processo, que é o exame de DNA, a ser analisado juntamente com os demais elementos probatórios.
Palavras chave: Dignidade. Legalidade. Presunção. Paternidade. DNA
Abstract: This project aims to investigate the correct legislative option shown by the Law 12004/09, that forsees the relative presumption of paternity, when the supposed father, defendant of lawsuit of investigation of family entail denies to go through expert test just to clear up the process, that is the DNA test, to be analyzed along with the remaining probatory elements.
Keywords: Dignity. Legality. Presumption. Paternity. DNA
A lei 12004/09 ao tratar da presunção relativa de paternidade quando o réu, em ação de investigação do vínculo familiar nega-se a realizar o exame de DNA, consolida o entendimento de que o princípio da dignidade da pessoa humana é preponderante ao princípio da legalidade, sem que haja qualquer incongruência no ordenamento jurídico que assim opta ao efetivar um princípio e não o outro quando da colisão de princípios constitucionais, como bem elucida Alexandre de Moraes (2001, p.59)
“Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna […] dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar- se do princípio da concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito […]”
Vê-se que o objetivo tanto em abstrato como diante do caso prático, isto é, no momento da feitura da lei e na hora de aplicá-la, deve ser o dá busca pela justiça e pela equidade, aplicáveis a todo sistema jurídico, a começar pelos princípios constitucionais, transmitindo-se dessa forma, essa opção pela justiça a todo ordenamento, numa necessária sequência lógica, como esclarece Carlos André Birnfeld (2008, p. 20)
“[…] os princípios constituem-se em normas cuja aplicabilidade envolve ao mesmo tempo uma otimização e um sopesamento. Otimização na medida em que um princípio sinaliza uma meta, um resultado a ser alcançado da melhor forma possível e sopesamento no sentido de que a operacionalização deste resultado pressupõe a convivência dialética com outras metas ou resultados preconizados por outras normas de mesma natureza, de sorte que a resultante seja a aplicação ponderada ou proporcional de ambas as normas, ainda que com preponderância de um dos princípios, considerando que o mesmo seja representativo de valores considerados superiores ou mais importantes que o outro.”
E, é o que percebemos pela promulgação da referida lei, a opção legislativa preponderando os princípios da Magna Carta, e materializando-se numa norma infra constitucional, da forma mais equânime, suplantando de vez a discussão que surgia quando o réu nas ações de investigação de paternidade negava-se a realização de prova cabal para o deslinde do processo, sob a alegação do amparo pelo princípio da legalidade como no julgado abaixo citado (BRASIL, 2004)
“[…] o argumento do apelante, de que estaria desobrigado de submeter-se ao exame de DNA, por força do preceito constitucional, o mesmo não tem a mínima consistência, tal como foi bem analisado e rejeitado pelo douto Juiz a quo, quando assim asseverou: “a discussão, no âmbito da ação investigatória sobe os conceitos constitucionais predominantes, na letra do art 5º, II, onde ’ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’, colide, no caso, com o inciso IV onde ‘é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional’ […] face à marginalização da autora, impossibilitando-a de aferir sua descendência genética”.”
Note-se que desde anos anteriores a promulgação da nova lei, já haviam decisões que bem ilustram esse entendimento majoritário, de que a recusa de realização do exame pericial nas ações de investigação de paternidade, levam a relativa presunção da veracidade dos fatos alegados pelo autor, isto é, de que se o réu nada tem a temer com o resultado da investigação, não há porque recusar-se a colaborar com sua realização, que só lhe será útil por esclarecer de vez uma situação que, mal resolvida e sendo inocente, só irá onerá-lo. Ou, em caso de afirmativa no resultado da investigação da suposta filiação, colaborar com o Judiciário no sentido de lhe permitir dar a devida prestação jurisdicional a quem lhe provoca, principalmente pela natureza dos direitos envolvidos, especialmente o da dignidade da pessoa humana, pleiteado em última análise pelo autor como brilhantemente explana Ingo Sarlet (2009, p.53) ao dizer que
“como tarefa (prestação) imposta ao Estado, a dignidade da pessoa reclama que este guie as suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, especialmente criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade, sendo portanto dependente (a dignidade) da ordem comunitária , já que é de se perquirir até que ponto é possível ao indivíduo realizar, ele próprio, parcial ou totalmente, suas necessidades existenciais básicas, ou se necessita, para tanto, do concurso do Estado ou da comunidade […]”
E, não é de qualquer colaboração com a devida resolução da lide que o réu se furta ao deixar de realizar o exame de DNA, a justa prestação jurisdicional é, dentro de todo conjunto probatório, largamente dependente deste tipo de prova, a ser analisada juntamente com os demais elementos probatórios, e principalmente naqueles processos onde estes não existem, ou mesmo quando é de difícil comprovação a relação sexual do réu com a mãe do autor, prova por si só duvidosa, eis que testemunhas geralmente só poderão afirmar que aparentemente a relação pode ter ocorrido, argumento facilmente combatido pela contestação do réu ao dizer que a mãe do autor teve relações sexuais com outros supostos pais, tornando ainda mais dolorosa e vexatória para a mãe, na maioria das vezes assistente (quando filho menor de 18 anos), a busca pala justiça e pelos direitos do filho/autor, ou ao próprio (se maior de 18 anos) ao ter de ver sua única fonte biológica conhecida até o momento, ofendida em sua moral e honra, muitas vezes de forma difamante.
Portanto, não havia e não há justificativa plausível para a negativa do ponto de vista da potencialidade probatória, no atual momento que se encontra a tecnologia genética, porquanto, conforme afirma Salmo Raskin (2000, p.188)
“agora é possível não só excluir os indivíduos falsamente acusados, mas também obter probabilidade de inclusão extremamente próxima de 100%. Ou seja, é possível através do teste de DNA, afirmar que um indivíduo é, com certeza, o progenitor de determinada pessoa.”
Por todos esses motivos, a maioria dos doutrinadores pátrios posicionava-se do mesmo lado, antes da publicação da lei que trata da presunção relativa de paternidade, pelo que o réu não poderia se beneficiar pela sua inércia diante da necessidade do andamento do processo. Nesse sentido deverá ser punido, e isto mesmo que significa para Venosa (2005, p.288) a presunção relativa de paternidade, pois “a recusa do réu em submeter-se a exame hematológico ou de qualquer outra natureza leva a presunção, ainda que não absoluta, de paternidade.” Vê-se que não se trata só do exame de DNA, mas qualquer obstaculização que imponha o réu ao processo, quando somente através de ação positiva sua podem ser elucidados os fatos que levem ao possível reconhecimento dos direitos do filho/autor, e das obrigações do pai/réu, devendo ser este punido com a relativa presunção da verdade das alegações feitas por aquele. E, conforme esse entendimento, um de nossos tribunais maiores, o Superior Tribunal de Justiça, em sua súmula nº 301 determinava que “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”
Assim, evitou-se uma inversão axiológica, ao prevalecer, antes diante do caso concreto nos tribunais, apoiados pela maioria dos doutrinadores e pelo STJ, e, após a promulgação do novo preceito legal, de forma abstrata, o princípio da dignidade da pessoa humana sobre o princípio da legalidade que como assevera Alexandre de Moraes (2001, p.67) “[…] visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional podem-se criar obrigações para o indivíduo […]”e sobre isso o mesmo autor (2001, p. 58) faz lembrar a graduação deste princípio analisado em conjunto com os demais do ordenamento pátrio ao ressalvar que
“[…] os direitos e garantias individuais e coletivos, consagrados no art. 5º da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco argumento para afastamento da responsabilidade civil ou penal […]”
Tal orientação sintetiza o espírito do novo diploma legal, que aliado às determinações constitucionais (BRASIL, 2009) dos artigos 226 onde “A família base da sociedade, tem especial proteção do Estado” e seu § 7º que expressamente prevê o princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, e também no 227, o qual assegura à criança e aos adolescentes, como dever da família, da sociedade e do Estado “[…]com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária […]” (grifo nosso), e principalmente do artigo primeiro da Magna Carta que prevê como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, em seu inciso III, a própria dignidade da pessoa humana.
Pautado nesse fundamento, agiu com acerto, no caminho da justiça e da equidade, o legislador da nova lei 12004/09, não deixando somente no plano moral do suposto pai a decisão de realizar ou não o exame de DNA, compelindo-o indiretamente a realizá-lo, pois, certo de sua inocência, saberá que com a submissão ao exame pericial poderá se desincumbir de todos os efeitos jurídicos gerados pela presunção relativa de paternidade. Ou, se em seu íntimo pensa que pode ser verdadeiramente o pai do investigante, mais justo ainda arcar com todos os deveres sociais e jurídicos que como pai tem quanto a seu filho, havido na constância de sociedade conjugal ou não, sem que possa alegar, para fugir de seus deveres de pai, ofensa a sua incolumidade física ou ao seu direito à autodeterminação individual, vez que esses bens jurídicos diante dos casos que a nova lei prevê hipoteticamente, deverão ser relativizados frente aos direitos do suposto filho.
Em suma, a nova determinação legal vem consolidar o entendimento da maioria dos doutrinadores e aplicadores do direito, de que quando há colisão entre princípios constitucionais. Haverá preponderância de um sobre o outro, preferindo-se aquele que garanta os direitos da parte processual hipossuficiente, ou ainda o que seja maior garantidor dos interesses coletivos sobre os individuais, no caso da nova lei, preponderando o princípio da dignidade da pessoa humana sobre o princípio a legalidade. Esta orientação como dito representa a posição da maioria dos doutrinadores e tribunais, mas não absolutamente, pois, as mesmas críticas ao espírito desta lei, sofridas anteriormente, seguem após sua promulgação, sobretudo por aqueles com uma visão constitucional mais individualista.
Por outro lado, o novo dispositivo legal assegura aos filhos que precisam se socorrer dos meios judiciais para averiguar sua origem biológica, o pleno exercício dos direitos emanados do princípio da dignidade da pessoa humana, como o direito a prestação de alimentos, à convivência com a família biológica, se assim quiserem as partes, o direito à filiação com o devido registro de nascimento, e até mesmo os direitos sucessórios em caso de falecimento do pai biológico. E, se o suposto pai não quiser arcar com todas estas responsabilidades, oriundas da presunção de sua paternidade, poderá se desonerar completamente, se submetendo à realização do exame de DNA, que se afirmativo da paternidade, permitirá com maior justiça a atribuição das responsabilidades ao progenitor, e de qualquer forma o pretenso filho terá exercido seu direito de buscar sua identidade biológica.
Informações Sobre o Autor
Vanessa Bernardi de Vargas
Acadêmica de Direito na UFPEL