Resumo: As peculiaridades dos crimes falimentares, assim como sua finalidade jurídica e seu valor protetivo no ordenamento jurídico. Aspectos processuais do procedimento falimentar, como a natureza da ação, a apuração das condutas criminosas, o rito processual, efeitos da condenação e demais questões funcionais do processo. A problemática questão da competência penal falimentar, a inconstitucionalidade do art. 183 da lei 11.101/2005, a imparcialidade do juízo vis attractiva e a competência dos juizados especiais criminais.[1]
Palavras-chave: Crimes Falimentares, Processo Penal, Procedimento, Competência, Direito.
Abstract: The peculiarities of bankruptcy crimes, well as its legal order and its protective value in the legal system. Procedural issues of bankruptcy proceedings, the nature of the action, the investigation of criminal conduct, the rite procedural, purposes of condemnation and other functional subjects of the process The problematic issue of criminal jurisdiction of bankruptcy, the unconstitutionality of Article 183 of the Bankruptcy Law, the impartiality of judgment and jurisdiction vis attractiva of special criminal courts.
Keywords: Bankruptcy Crimes, Criminal Procedure, Procedure, Jurisdiction, Law.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objeto o estudo dos crimes falimentares, com especial enfoque em seus aspectos procedimentais. O primeiro cuidado que se deve ter ao explorar a temática é o de não restringi-la unicamente aos postulados de algum de seus aspectos multifacetários, pois, é compreensível o caráter multidisciplinar do instituto.
A dificuldade maior se encontra na reconhecida dificuldade de comunicação entre os postulados do Direito Empresarial e os do Direito Penal, esquecendo-se por vezes, de que ambos fazem parte do mesmo ordenamento jurídico, conquanto tenham princípios específicos, premissas diversas, parecendo em muitos momentos incomunicáveis. Entretanto, jamais se pode esquecer, que ambos se submetem à mesma ordem constitucional, se regendo pelos princípios gerais do Direito, devendo estar atentos ao movimento social.
O problema mencionado não é somente da Ciência do Direito, mas também de toda a ciência moderna, que por um caráter restritivo e especializador, acaba limitando o conhecimento e o próprio exercício do pensamento. Revelam-se nas ciências aspectos delimitadores, que acabam por impedir a transdisciplinaridade. Este problema foi abordado de forma consciente por Edgar Morin:
“Sabemos cada vez mais que as disciplinas se fecham e não se comunicam uma com as outras. Os fenômenos são cada vez mais fragmentados, e não se consegue conceber a sua unidade. É por isso que se diz cada vez mais: “Façamos interdisciplinaridade.” Mas a interdisciplinaridade controla tanto as disciplinas como a ONU controla as nações. Cada disciplina pretende primeiro fazer reconhecer sua soberania territorial, e, à custa de algumas magras trocas, as fronteiras confirmam-se ao invés de desmoronar. (…) Portanto, é preciso ir além, e aqui aparece o termo “transdisciplinaridade”. Façamos uma primeira observação. O desenvolvimento da ciência ocidental desde o século 17 não foi apenas disciplinar, mas também um desenvolvimento transdisciplinar. Há que dizer não só as ciências, mas também “a” ciência, porque há uma unidade de método, um certo número de postulados implícitos em todas as disciplinas, como o postulado da objetividade, a eliminação da questão do sujeito, a utilização das matemáticas como uma linguagem e um modo de explicação comum, a procura da formalização etc. A ciência nunca teria sido ciência não tivesse sido transdisciplinar. Além disso, a história da ciência é percorrida por grandes unificações transdisciplinares marcadas com nomes de Newton, Maxwell, Einstein, o resplendor de filosofias subjacentes (empirismo, positivismo, pragmatismo) ou de imperialismos teóricos (marxismo, freudismo).(…) Mas o importante é que os princípios transdisciplinares fundamentais da ciência, a matematização, a formalização são precisamente os que permitiram desenvolver o enclausuramento disciplinar. Em outras palavras, a unidade foi sempre hiperabstrata, hiperformalizada, e só pode fazer comunicarem-se as diferentes dimensões do real abolindo essas dimensões, isto é, unidimensionalizando o real. (…)”[2]
É por este viés, sem tentar reduzir o estudo e a complexidade da matéria, que se baseará o presente estudo.
Primeiramente, buscar-se-á uma abordagem geral do instituto, sua origem e evolução histórica. Ilustrar-se-ão alguns casos no cenário mundial, de como funciona a normatização do instituto. Outrossim, tentar-se-á desvendar a efetividade da norma penal falimentar, ou seja, suas razões sociais e econômicas, bem como, sua objetividade jurídica. Assim, espera-se entender o real significado da tipificação dos crimes falimentares.
Levantar-se-á no presente estudo a questão do processo penal por crimes falimentares, atentando-se e analisando-se algumas questões pertinentes às modificações trazidas pela Lei 11.101/2005 no procedimento.
Aprofundar-se-á a questão procedimental e seus efeitos, como a apuração dos crimes, trazendo a questão do inquérito, o rito processual, os efeitos da condenação, com especial análise dos efeitos financeiros e analisando a melhor forma de proceder na execução, a modificação no instituto da prescrição. Outrossim, questões relativas às normas penais no tempo em relação ao novo diploma legal.
Por fim, adentrar-se-á na questão da competência. Primeiramente, se levantará a questão da interpretação e constitucionalidade do art. 183 da Lei 11.101/2005, que vem causando diversos questionamentos na doutrina e diferentes interpretações jurisprudenciais. Passaremos posteriormente à análise da imparcialidade do juiz da falência, para o julgamento dos crimes falimentares, outrossim, a questão da competência dos juizados especiais criminais.
Assim, espera-se desmembrar o tema e contribuir com a propagação do estudo.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE CRIMES FALIMENTARES
Inicialmente, ao falarmos de crimes falimentares, faz-se mister lembrar que o instituto nasce concomitantemente ao próprio surgimento do conceito de falência. Sendo que a própria quebra em si, já era considerada uma ação criminosa. Corrobora com a afirmação, a própria origem semântica da expressão “falência” vem do verbo latino fallere, que significa falsear, enganar. Tendo prevalecido a velha máxima falliti sunt fraudatores (os falidos são fraudadores) até tempos mais contemporâneos da ciência jurídica. Tal infâmia atrelada à bancarrota, esta que ocorre comumente devido às complexas relações econômicas empresariais a nível global, só foi vencida ao longo dos anos, para se encaixar a evolução do direito penal.
Alexandre Demetrius Pereira, ao tratar sobre tal visão, sintetiza bem a questão: “Essa concepção, entretanto, foi sendo superada, pela visão mais moderna do direito penal da culpabilidade, que exigia participação efetiva, de uma conduta voluntária do devedor falido na prática do crime.”[3] Ainda assim, hoje a figura do falido carrega um certo descrédito moral perante a sociedade, o que nada mais é que um resquício histórico-cultural, enraizado na origem do próprio instituto.
No cenário mundial, existe um vasto material normativo, acerca dos crimes, que decorrem da falência. A título exemplificativo, cabe informar a forma diversa de como o assunto é tratado internacionalmente.
São países que têm a legislação criminal falimentar tratada na codificação penal: Portugal, que torna punível a insolvência dolosa e até mesmo a insolvência por negligência, a Espanha, que disciplina em seu Código Penal as insolvências puníveis, e a Alemanha, seguindo o mesmo critério geográfico.
Na mesma questão, a contrariu sensu, situam-se a Itália, que a regulamenta em sua codificação civil, e a França, que prevê os crimes falimentares no seu Code de Commerce.
Para não deixar de dar um exemplo de países de sistema Common Law, nada mais emblemático, que citar a maior economia do mundo, os Estados Unidos da América, que disciplinam a questão no seu código criminal, com rigor característico da opção política criminal do Law and Order.
No Brasil, percebemos a origem normativa do instituto, no Código Criminal do Império de 1830, onde se punia a bancarrota fraudulenta, com pena de prisão com trabalho de um a oito anos em seu art. 263. O Código Penal de 1890 punia todo o comerciante matriculado ou não, que viesse a falir, com pena de prisão no seu art. 336. A Lei 859/1902 trouxe muitas mudanças no instituto, qualificando a falência em causal, culposa ou fraudulenta, e especificando questões penais em seu título VII.
Passamos ainda por modificações, que foram ocorrendo ao longo dos anos, merecendo destaque o Decreto-lei 7.661/1945, por abandonar o conceito de falência culposa ou fraudulenta.[4] Percebe-se a partir daí, no ordenamento jurídico, um sinal da quebra do estigma de delinquente da pessoa do falido.
Finalmente, chegamos à atual Lei 11.101/2005, que trouxe mudanças na nomenclatura utilizada:
“A Lei 11.101/2005, rompendo com tradição arraigada nos costumes, na linguagem jurídica e doutrinária, alterou a denominação de crimes falimentares para “Disposições Penais”, obviamente porque, na nova sistemática, a falência não é a única condição de punibilidade, mas, igualmente, a recuperação judicial e extrajudicial, como deixa claro o art. 180: (…)”[5]
Ultrapassadas as considerações iniciais, resta-nos explorar o instituto, tendo em vista desvendar a real necessidade da sua tipificação, ou seja, seu caráter protetivo e a quem se destinam.
2 A EFETIVA PROTEÇÃO PENAL FALIMENTAR
Preliminarmente, ao tentar-se desvendar o objetivo da norma penal falimentar, indispensável, compreender-se o conceito de crimes falimentares. Em uma sucinta definição, nada mais é que uma conduta típica, antijurídica e culpável, tipificada na legislação falimentar. Outrossim, identificar a função exercida no sistema pela norma penal, e a necessidade de se utilizar nossa ultima ratio, para concretizar a defesa de bens jurídicos, que decorrem de valores éticos fundamentais arraigados em uma sociedade:
“(…) A soma dos bens jurídicos constitui, afinal, a ordem social. O valor ético-social de um bem jurídico, no entanto, não é determinado de forma isolada ou abstratamente; ao contrário, sua configuração será avaliada em relação à totalidade do ordenamento social. A função ético-social é inegavelmente a mais importante do Direito Penal, e, nela surge sua segunda função, que é a preventiva.”[6]
Percebemos então, que a norma penal visa defender de lesão, determinado bem jurídico com importância social relevante, o que torna relevante a intervenção estatal pela via penal, ademais, a necessidade de prevenção de determinada conduta. Importa saber agora, de que serve a tipificação penal falimentar, ou seja, sua objetividade jurídica.
2.1 NATUREZA JURÍDICA DOS CRIMES FALIMENTARES
A Lei 11.101/2005 disciplina situações referentes à falência, recuperação judicial e extrajudicial. Nesses casos, percebemos claramente um elemento comum: A crise empresarial. Em decorrência dessa crise, uma coletividade indeterminada sofre danos provenientes do infortúnio de uma atividade empresarial. A norma penal é relevante, quando os danos causados são pela conduta do agente, que contribuiu ilicitamente para o agravamento da crise. Seja por prejudicar credores, por aproveitar-se indevidamente da situação, ou até mesmo, por atrapalhar a intervenção estatal na sua função de minimizar os efeitos da crise.
Quanto à natureza jurídica, existem diversas posições doutrinárias, longe de serem uniformes. Isso ocorre devido à complexidade da atividade empresarial, que tem cunho econômico, por conseguinte, fundamental para a sustentação do Estado no regime capitalista em que vivemos. Entretanto, se analisarmos o Direito como um todo, vislumbraremos que é completamente inaceitável a ideia, de que a empresa esta adstrita apenas a sua função econômica. Tal pensamento consubstancia-se no princípio constitucional da função social, cláusula geral, sem querer limitar tal princípio constitucional ao seu conceito reducionista e desatento aos fins sociais das ciências jurídicas. Assim ensina Ricardo Aronne:
“A função social, mesmo que insistam alguns em chamar de cláusula geral, se abebera diretamente do núcleo constitucional para ganhar sentido e mesmo para dar sentido ao conteúdo econômico que a Constituição imante aos bens privados ou de mercado.(…) A própria economia, no Estado Social, para além do decantado discurso da eficiência, deve se abeberar dos direitos fundamentais para ganhar sentido e resultar em um mercado includente que contribua na redução de desigualdades. Jamais dará sentido aos direitos fundamentais, para desnaturá-los e monetarizá-los, com o seu falso determinismo utilitarista. Ao contrário.(…) Deve retirar deles o seu sentido; pois algo que fundamenta a si mesmo, autobiografa-se fundamentalista. Para a economia, quando fechada em seu sistema, o último fundamento (grund) afigurar-se-á abismo (abgrund) de um não fundamento. Simplesmente por sua incapacidade de fundamentar. No Estado Social e Democrático de Direito, não se tratará de uma opção de eficiência o existencialismo humanista que lhe é inerente.”[7]
A função social obriga o empresário, no exercício de sua atividade fim, a pautar-se dentro do respeito aos direitos e garantias conquistados historicamente pela sociedade. Consequência da evolução histórica do pensamento, que eclodiu com o Estado social, tornando o Direito mais humano e abrangente.
Dentro de um processo falimentar, ponderar-se-ão vários aspectos abarcados pela proteção jurisdicional. Questões como a dos consumidores, trabalhadores, ambiente, além, por óbvio, as questões negociais de caráter econômico. Adiante, por todo o supracitado, fica mais claro compreender a potencialidade, que uma conduta criminosa, que agrava a crise, tem frente toda coletividade.
No que tange à objetividade jurídica, basicamente pode-se encontrar cinco principais aspectos: a) são crimes patrimoniais, que têm como objetos, o patrimônio do devedor e a garantia dos direitos dos credores; b) são crimes contra a administração da justiça, que têm por objeto, a proteção da ordem jurídica; c) são crimes contra a fé pública, que têm por objeto a proteção da boa-fé, que deve orientar as relações de comércio; d) são crimes contra a economia popular, que têm por objeto, a proteção do crédito e) são crimes contra o comércio, que têm por objeto, a atividade empresarial como um todo.[8]
O doutrinador Maximilianus Cláudio Américo Führer escreveu com maestria sobre a questão:
“A lei de falências é uma lei absorvente, que envolve praticamente todos os ramos do Direito. Assim, a complexidade do instituto de falência reflete-se também no âmbito penal, e seria mesmo estranho que a lei protegesse apenas um dos muitos interesses em jogo. Por isso o legislador foi obrigado a omitir qualquer referência expressa ao objeto jurídico dos crimes falimentares, vez que, dentre os interesses protegidos, não há possibilidade de se estabelecer qual o prevalente. Como já salientou Arthuro Rocco, ‘ocorre freqüentemente que a ação proibida sob ameaça de pena ofende simultânea ou sucessivamente não apenas um, mas vários interesses”’.”[9]
No mesmo sentido, se posiciona Waldo Fazzio Júnior:
“É reconhecida enorme dificuldade enfrentada pela doutrina para a conceituação de crimes falimentares. Reina intensa discordância quanto à objetividade jurídica tutelada na estipulação das modalidades delituosas. Com efeito, os crimes praticados nos processos de recuperação judicial ou de falência ofendem, imediatamente, o patrimônio em crise, mas também agridem a administração da justiça, a propriedade, a fé pública e o crédito. Daí porque, em face da lei brasileira, o critério mais razoável para alocação de tais crimes é o que os qualifica como delitos pluriobjetivos.”[10]
Pelo exposto, mais salutar o posicionamento, de que os crimes falimentares são pluriobjetivos, ou seja, visam proteger mais de um bem jurídico.
2.2 A ESSÊNCIA PUNITIVA DOS CRIMES FALIMENTARES
Em relação aos crimes falimentares, é visível a opção política do legislador pelo rigor dado às penas, nos crimes tipificados na Lei 11.101/2005, que por muitas vezes, têm um tipo similar no Código Penal, entretanto, a severidade da punição no caso falimentar é maior. Entendo que esse posicionamento é reflexo da compreensão, da pluralidade indefinida de vítimas de tais condutas criminosas, juntamente, com o reflexo que se tem, perante toda a coletividade, como já mencionamos no presente estudo.
Para adentrarmos no cerne da questão punitiva, necessário levantar o aspecto econômico presente na matéria. Analisamos agora, sob a ótica do Direito Penal econômico, que se empresta de construções derivadas do Law and Economics, sem, é claro, cair na armadilha das correntes que procuram compreender o Direito unicamente pelo viés das ciências econômicas, essencialmente utilitaristas, com grotescas falhas epistemológicas do paradigma mecanicista do séc. XIX. Evita-se assim, descaracterizar o caráter humano das ciências jurídicas e sociais.[11]
No momento em que se define uma punição para os crimes falimentares, é primordial visualizar os custos da punição, os seus efeitos comparados às vantagens auferidas pela conduta criminosa, como também, analisar a possibilidade de efetivação no contexto em que se insere.
Inicialmente, no momento em que se cria um tipo penal desta espécie, devem-se estar claros, os custos inerentes a ele, como: a manutenção de presídios, os gastos com a investigação e persecução criminal, o tempo que se gasta no procedimento. Outrossim, a impossibilidade da reparação do dano, ocorrer unicamente pela responsabilização civil.
Em se tratando de crimes falimentares, impossível seria responsabilizar as condutas, unicamente pela via cível, isso por diversos motivos. Inicialmente devido à indeterminação e a pluralidade de vítimas, que tornam a compensação econômica perfeita, completamente inviável, também, pela incalculabilidade dos danos decorrentes de tais condutas (o que já tivemos a oportunidade de vislumbrar no presente estudo), tornando a responsabilização civil insuficiente. Por fim, a necessidade da conduta ser desencorajada pelo caráter preventivo da norma penal. Observa-se, que as vantagens econômicas que podem ser auferidas, somadas a ausência do crime, tornam sedutora a prática da conduta.[12] Assim, justifica-se de modo geral, a tipificação do crime.
Quanto à forma, deve-se ter claro, que a punição tem o condão de coibir a prática, contudo, na questão econômica, a expectativa de punição deve exceder o benefício que o agente obteria com o crime, sob pena de se tornar inócua.[13]
Outra questão que se deve observar, é que no Direito Penal econômico, as penas pecuniárias, em regra, acabam sendo muito mais efetivas do que as penas privativas de liberdade. No processo de falência ou recuperação de empresas, o que se busca proteger, a priori, são os direitos dos credores, então até mesmo uma condenação de cunho financeiro, não poderá deixar à margem esse aspecto, no sentido que até mesmo pode e deve servir, também, como um instrumento que venha a contribuir com o concursum creditorum do juízo falimentar.[14]
Como elemento subjetivo dos crimes falimentares, encontra-se o dolo. A despeito de divergência doutrinária sobre a questão, trata-se da simples observância da regra contida no art. 18, II, § único do CP, que faz necessário para a existência de crime culposo, menção expressa da lei.
Em caráter expositivo, a Lei de Falências e Recuperação de Empresas (LFR), admite as penas em espécie, de reclusão, detenção e a pena alternativa. Deve-se lembrar também, que o art. 179 da LFR, equipara, para efeitos penais, figuras ao do devedor falido, como por exemplo, o juiz e o representante do parquet, podendo ser os crimes falimentares próprios ou impróprios. Na mesma lei, ainda o art. 181 prevê efeitos pela condenação por crime falimentar, sendo eles: a inabilitação, o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência de sociedades sujeitas a LFR, e a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou gestão de negócio.
Ainda, importante lembrar, que o art. 99, VII da LFR prevê que o juiz que decreta a falência pode, na sentença, ordenar a prisão preventiva do devedor. Outrossim, na mesma Lei, o parágrafo único do art.104, prevê a possibilidade do falido responder por crime de desobediência, caso falte com qualquer dever imposto pela lei. Imprescindível lembrar, que ao contrário do que era previsto no Decreto-lei 7.661/1945, não é mais possível a prisão civil do falido, Isso, devido à Constituição da República Federativa do Brasil, que veda expressamente a prisão civil (art. 5º, LXI e LXVII, da CF), ressalvados os casos de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e no caso do depositário infiel, sendo, que nesta última hipótese, não é mais possível a prisão civil, devido à nossa CF, ter recepcionado o Pacto de San Jose da Costa Rica.
Visto, um pouco, sobre a proteção jurídica que se propõem, ao tipificar condutas penais, ditas como falimentares, torna-se indispensável, para compreender sua real efetividade no ordenamento jurídico, entrarmos na questão do procedimento. Trazendo à tona algumas questões problemáticas, que se vislumbram na curta existência da nova lei, no que tange ao processo penal falimentar.
3 ASPECTOS PROCESSUAIS DOS CRIMES FALIMENTARES
Finalmente, adentra-se na questão do processo por crime falimentar, objetiva-se neste ponto, tatear a persecução penal falimentar, a fim de analisar a atividade do poder judiciário e seus colaboradores, no que tange ao exercício do procedimento necessário, para ajudar na efetiva concretização da proteção penal falimentar.
3.1 O PROCEDIMENTO PENAL FALIMENTAR
Ao entrarmos no procedimento, cabe informar que a natureza da ação penal para crimes falimentares é pública incondicionada, como exposto na própria LFR em seu art. 184, desnecessária tal menção legislativa, já que de regra, deve estar expresso na lei quando a ação não for pública incondicionada, podendo ser nestes casos de exclusiva iniciativa privada ou pública condicionada. Entretanto, não há erro técnico na redação legal.[15] Por óbvio, o titular da ação penal é o Ministério Público, por força de previsão constitucional, nos termos do art. 129, I da CF, sem prejuízo da ação penal subsidiária em caso de inércia do parquet (art. 5°, LIX, CF). Nestes casos os credores poderiam intentar a ação. No que tange à assistência (art.268 e seguintes, CPP), parece perfeitamente possível, pois, inexiste qualquer óbice legal. Por questões de viabilidade, factível, que o primeiro credor que se habilite como assistente, impeça a habilitação dos demais.[16] Evita-se assim, uma situação penosa, que poderia prolongar o processo ad infinitum. Entendo, por fim, que a natureza da ação se justifica, pelo fato da repercussão social que têm os crimes falimentares, tema já abordado no presente estudo.
A LFR, em se art. 180 prevê como condição objetiva de punibilidade, a sentença que decreta a falência ou concede a recuperação judicial. Observa-se que sobre o tema não existe unanimidade entre os doutrinadores, no sentido em não se saber, se tal condição constitui realmente uma condição de punibilidade ou de procedibilidade. Com escopo de facilitar a compreensão, faço uma sucinta distinção: Condição de punibilidade é aquela que restringe o ius puniendi estatal, ou seja, o próprio direito do Estado tutelar o bem jurídico ofendido promovendo uma ação penal, está sujeito a determinado requisito, são fatores externos ao tipo penal; enquanto, condição de procedibilidade é relativo ao próprio direito de exercício a ação pelo legitimado, como por exemplo, a aquiescência na ação penal pública condicionada (art. 100 § 1°, CP).
Encontra-se na doutrina, quem diga que a ação é de natureza mista, sendo limitadora ao poder punitivo estatal, por isso condição de punibilidade, já que limita o ius puniendi do Estado, e ao mesmo tempo, pelos efeitos práticos que produz condição de procedibilidade.[17]
Sobre a questão, parece-me correto o posicionamento adotado pela própria LFR (condição de punibilidade), muito embora, o efeito seja o mesmo, não só a interpretação exegética, mas também a sistemática do instituto nos levam a tal conclusão. Demonstra de forma clara e sucinta Eugênio Pacelli, quando lembra que a matéria é de âmbito penal e não processual, o faz pela simples observância do art. 182 da LFR, que prevê como marco inicial da prescrição dos crimes falimentares, a sentença que decreta a falência ou concede a recuperação judicial, ou seja, a condição de punibilidade.[18] Diferenciando-se neste caso, de regra, dos casos de condição de procedibilidade, onde a prescrição corre normalmente.
Faz-se necessária, a menção de uma modificação em relação à apuração dos crimes falimentares. Diferentemente da legislação anterior, o Decreto-lei 7.661/1945, a LFR substituiu o inquérito judicial, o qual era presidido pelo juiz da falência, pelo o inquérito policial. Sobre a importância do inquérito, sentencia Fazzio Jr:
“O inquérito tem importância fundamental no processo de falência, pois define um quadro de todas as vicissitudes que explicam a quebra, desde os desmandos e equívocos de conduta do devedor ou dos administradores da empresa falida até a própria incidência penal, individualizando, nesse caso, os responsáveis e especificando os eventuais crimes ocorridos.”[19]
Lembra-se também, sem esquecer-se da discussão doutrinária penalista, da natureza inquisitiva do inquérito.[20]
Esta modificação teve como fundamentos afastar suposta inconstitucionalidade do dispositivo em face ao art. 144 § 4º da CF, dar mais celeridade ao processo e impedir uma acumulação excessiva de funções do juízo da falência.
Primeiramente, quanto à questão da constitucionalidade do Decreto-lei 7.661/1945, no que tange ao inquérito judicial, tendo em vista a atribuição investigativa ao ente policial, parece-me simples de resolver. É sabido, que a nossa Lei Maior, não deu esta prerrogativa de forma exclusiva para a autoridade policial.[21] Igualmente, a própria CF prevê casos em que, se poderão apurar condutas criminosas de forma diversa, como o caso da CPI (art. 58 § 3° CF), contudo, entendo que o antigo inquérito judicial em nada ofendia à CF, quanto à questão da competência.
O Inquérito policial, para a apuração de crime falimentar sofre severas críticas doutrinárias, primeiramente, pelo fato do despreparo da polícia brasileira, no que concerne a capacitação técnica e estrutura física, e também pelo fato da matéria não ser propriamente de segurança pública. Explica Cezar Roberto Bittencourt:
“Nesse ponto, a nova Lei comete outro pecado capital: ao contrário da Lei revogada que consagrava o inquérito judicial, o novo diploma legal, em verdadeiro retrocesso, prevê a requisição de “inquérito policial”, para uma atividade que a polícia brasileira nunca esteve, não está e nunca estará, preparada e aparelhada para exercê-la, Nesse nosso entendimento, convém destacar de plano, não há nenhum ranço discriminatório, encerrando somente a constatação de que a matéria não se inclui no contexto próprio de segurança pública, sendo atividade historicamente alheia às atribuições policiais. Será uma demasia exigir das organizações policiais – já tão carentes de recursos materiais e humanos – que se aparelhem para o exercício dessas novas atribuições, com pouca ou nenhuma vantagem prática.”[22]
No que tange à celeridade processual, faz-se outra crítica, pois, se afirma que o inquérito judicial disciplinado no antigo diploma legal, procrastinava a persecutio criminis, além de efetivamente, não dar amplas chances de defesa ao investigado. Na verdade, o real mérito do novo diploma legal é o de tornar a instauração do inquérito uma faculdade, e não uma obrigação do Ministério Público.[23] Neste caso, a prova necessária para a apuração de crime falimentar já estaria pronta nos próprios autos do processo de falência ou recuperações judiciais, assim, se economizaria tempo.
Devido à desnecessidade do inquérito policial, alguns doutrinadores defendem, até mesmo, que em muitos casos, ainda possa funcionar o inquérito judicial. Vejamos:
“Efetivamente, não há qualquer óbice na continuidade da investigação dos delitos falimentares pela autoridade judiciária, uma vez que, por sua natureza, o inquérito policial constitui-se em peça meramente informativa e dispensável: ou seja, é apenas um dos meios pelos quais o membro do Ministério Público poderá formar sua convicção e apresentar denúncia ao juízo. Tanto assim que o próprio art. 187 da Lei 11.101/2005 faculta ao Ministério Público oferecimento direto da denúncia ao ter ciência do relatório do administrador judicial, dispensando, conforme o caso, a instauração do inquérito policial.”[24]
No mesmo sentido, se posiciona Arthur Migliari Júnior:
“Esperamos que a sensibilidade dos legisladores estaduais observe a falha da legislação federal, visando a manutenção do inquérito judicial, que efetivamente rendeu bons frutos, debalde o então exíguo prazo prescricional.(…) Esta redação foi incorporada no Senado Federal e não poderia ter sido de pior calibre, sendo que não encontra quaisquer justificativas para a chamada Polícia Judiciária nos procedimentos falenciais penais.(…) Primeiro, porque a história penal falencial – sob a égide do Decreto-Lei n. 7.661/1945, em especial, manteve a figura do procedimento investigativo judicial por meio de inquérito sob vigilância do juiz da falência, longe da polícia judiciária, que não teve qualquer contato com os crimes falenciais.(…) Segundo, porque não conhecendo os termos do processo falencial ou de recuperação de empresas, posto que não participa da ação civil, a autoridade policial ficará à mercê das especulações dos investigados, muitas vezes sendo facilmente ludibriada, posto que necessitará, sempre, da colheita de novos elementos no processo civil.(…) E, em terceiro ponto, o inquérito judicial sob vigilância direta do juiz da falência – que tem o poder de conhecer todos os demais processos que envolvem a massa – fará com que a investigação flua de maneira muito mais rápida e segura, já que o próprio juiz-instrutor será o juiz-julgador ao final do procedimento, tendo em mãos, sempre, a ação civil e penal, o que, em regra, tem demonstrado o maior número possível de acertos tanto nas condenações como nas absolvições criminais.(…)”[25]
Identificam-se duas ressalvas ao posicionamento supracitado. Primeiro, ora, se a própria LFR determinou a apuração dos crimes falimentares por inquérito policial, como poderia o poder judiciário o fazer de forma diversa?
O fato de a lei tornar o inquérito facultativo, não significa dizer, que dá formas alternativas de procedimento inquisitório, e sim, a sensibilidade do legislador em reconhecer que em muitos casos – talvez a maioria – a existência de indícios suficientes nos próprios autos da falência para o oferecimento da denúncia. É compreensível a respeitável posição dos doutrinadores, tendo em vista a morosidade, que um inquérito policial pode acarretar ao processo, e também pela pobreza de recursos já mencionada. A mudança para o inquérito policial foi um equívoco, doravante, firmo entendimento, que a instauração de um inquérito judicial, seria uma forma oblíqua de afronta ao poder legislativo, que nas razões expostas pelo próprio poder, tornou explícito os motivos de tal mudança.
A segunda ressalva é sobre a questão do juiz que investiga ser o mesmo que julga. Não se pode esquecer neste caso os princípios que regem o Direito e o processo penal, especialmente o do devido processo legal, que faz necessária a imparcialidade do juiz. Neste ponto, é exímia a sugestão do Doutor em Direito Penal, Cezar Roberto Bittencourt:
“O ideal, na nossa concepção, seria que o inquérito continuasse sendo judicial, e presidido pelo próprio juízo da falência que conduziria melhor as investigações preliminares, acumulando-as com os dados colhidos no processo falimentar. Concluído o inquérito judicial, o juiz investigador remetê-lo-ia ao juízo criminal que presidiria o respectivo processo; assim, um juiz faria a investigação, e outro presidiria a instrução criminal, evitando-se, dessa forma, a contaminação investigatória do julgador.”[26]
Infelizmente, por questões políticas, a opção legislativa foi no sentido de abolir do procedimento, o inquérito judicial, penso também, que talvez tenha sido pela questão da imparcialidade do juiz, tema que será aprofundado no devido momento, quando adentrarmos na competência.
No diploma legal pregresso, a investigação era presidida pelo juiz da falência, se constituía praticamente em um desmembramento dos autos principais da falência, correndo de forma paralela a estes.[27]
A apuração se iniciava com o primeiro relatório do síndico, hoje denominado administrador judicial, que continha possíveis indícios de prática de condutas criminosas, o que tinha também, grande importância na concessão ou não de concordata (hoje, recuperação judicial). Deste relatório, davam-se vista aos credores na condição de interessados, ao Ministério Público que já começara a formar sua opinio delicti, requerendo provas quando entender necessário, cumprindo sua prerrogativa constitucional, por fim, ao próprio investigado para contestar e requerer o que entendera conveniente. Posteriormente, os autos retornavam conclusos ao juiz, que avaliara o requerimento de produção de provas caso houvesse, com posterior vista ao parquet, para oferecimento da denúncia ou o pedido de apensamento.
Na atual LFR, podem ser constatados indícios de práticas criminosas em diversos momentos do processo de falência ou recuperação judicial, podendo o juiz determinar as diligências que entender necessárias na sentença que decreta a falência (art. 99, VII da LFR), ou a qualquer momento que lhe é levado ao conhecimento, acusações de conduta tipificada na mesma lei.
Ao entregar o relatório previsto na alínea “e”, do art. 22, III da Lei 11.101/2005, o administrador judicial deverá informar, nos casos em que haja indícios de conduta delituosa, do devedor ou outro responsável, ao juízo da falência, que tomará as medidas que entender necessária, o que parece uma hipótese de “pré-investigação” pelo administrador judicial.[28] Tudo conforme o art. 186 da mesma lei, no prazo de 40 dias. Sobre tal relatório, temos um bom lembrete:
“Trata-se, na verdade, de um dos deveres funcionais o administrador judicial, a exemplo do que ocorria na legislação anterior com a figura do síndico. Referido dispositivo determina que o relatório deverá conter os nomes dos responsáveis e individualização dos fatos praticados por cada um devidamente tipificados. Essa exigência legal atende a necessidade de fundamentação de uma acusação preliminar que exige, no mínimo, indícios veementes para justificar uma investigação criminal. Pretende-se enfim, afastar imputações levianas e irresponsáveis decorrentes, muitas vezes, da simples dificuldade econômica ou financeira enfrentada pelo falido. Essa necessidade de indicar os responsáveis e apontar onde ocorreu a infringência legal harmonizar-se com a obrigatoriedade de fundamentar a admissão ou recusa de uma futura denúncia ou queixa. (…) Por fim, as cautelas completam-se com a determinação do parágrafo único do mesmo art. 186 de instruir o relatório “com o laudo do contador, encarregado do exame da escrituração do devedor.”[29]
Quando chegar à ciência do Ministério Público indícios de prática de conduta criminosa, intimado o parquet da sentença que decreta a falência, tendo a opção de aguardar o relatório do administrador judicial quando estiver solto o acusado,[30] poderá este oferecer a denúncia, promover imediatamente a ação penal, ou como supracitado, aguardar o relatório do administrador judicial. Caso queira requisitar diligências, deverá requisitar o inquérito policial.
O juiz pode receber a denúncia, decisão a qual não cabe recurso, não receber a denúncia, neste caso cabendo recurso em sentido estrito (581, I, do CPP). Por fim, caso haja rejeição da denúncia, esta decisão se constitui em uma sentença terminativa, caso em que caberia apelação (art. 593, II, do CPP), porém a questão não é pacífica na jurisprudência, havendo discussão sobre a fungibilidade recursal, tornando possível o recurso no sentido estrito. Seria mais técnica a redação legislativa, se tivesse incluído a rejeição como hipótese de apelação, assim, como é normatizada, para os casos de não recebimento da denúncia ou queixa.[31] Lembra-se ainda que a decisão que recebe ou não a denúncia deve ser fundamentada, consoante o art. 93, IX da CF e a súmula 564 do STF.
Finda a análise do inquérito, partimos agora para o rito processual dos crimes falimentares. A Lei 11.101/2005 em seu art. 185. Determina o rito sumário, (arts. 531-540 do CPP), diferentemente da legislação pregressa, que adotava o rito especial (art. 503-512 do CPP). Na mesma esteira, cabe ressaltar a confusão que pode criar a norma, já que, nos artigos do Código de Processo Penal mencionados no art. 185 da LFR (arts. 531-540 do CPP) existem dois ritos procedimentais; o sumário (arts. 538-539), para crimes punidos com pena de detenção, e o sumaríssimo (arts. 531-538), que era adotado para os crimes culposos de trânsito e as contravenções penais, demonstrando o legislador, desconhecimento sobre o procedimento penal.[32]
A mudança do rito processual teve como objetivo torna mais eficaz e célere o procedimento, e recebe elogios de Arthur Migliari Júnior:
“A experiência nos mostrou que a grande maioria dos processos falenciais caminhava a passos largos para a prescrição por forças de manobras ocorridas quer antes, quer durante ou após a instrução, na fase de diligências complementares do art. 499 do Código de Processo Penal, onde, invariavelmente, pleiteavam-se diligências meramente procrastinatórias, sem qualquer utilidade para o procedimento.(…) O legislador de 2005, mais atento à sistemática processual, modifica o rito, fazendo com que o número de testemunhas arroladas também diminua de oito para cinco, nos termos do art. 539 do Código de Processo Penal. Inquiridas as testemunhas, passa-se aos debates de imediato, seguindo-se a sentença.(…)”[33]
Nos termos da Lei, o rito se iniciará com oferecimento da denúncia pelo Ministério Público ou pelo ajuizamento da ação penal subsidiária, sendo permitido o arrolamento de cinco testemunhas pela acusação e o mesmo número será oportunizado à defesa (art. 532 CPP). O juiz ordenará a citação do acusado para responder em 10 dias, sendo que após a resposta o juiz poderá absolver o acusado sumariamente nas hipóteses do art. 397 do CPP ou designará audiência de instrução e julgamento. Na audiência, que deverá ser realizada no prazo máximo de 30 dias, serão tomadas as declarações dos ofendidos, haverá a inquirição de testemunhas se possível, bem como demais esclarecimentos. Após, interrogar-se-á o acusado, posteriormente, procedendo-se o debate. Por fim, a sentença.
Em relação ao rito procedimental, último ponto que se deve abordar é a questão da aplicação ou não, do rito procedimental dos juizados especiais criminais (JECrim), previsto na Lei 9.099/1995, juntamente com os seus institutos despenalizadores. Quanto ao rito, abordarei a questão no tópico do estudo referente à competência, mas quanto aos benefícios despenalizadores parece-me não haver óbice legal e também, se deve ter em mente o princípio processual do in dubio pro reu, que em casos de omissão legislativa que gerem dúvidas, a interpretação é aquela mais favorável ao acusado. Devendo-se no caso concreto, observar o requisito dos benefícios penais para a concretização da medida, sendo neste caso, as penas cominadas.[34]
Sobre os efeitos da condenação penal, o Código Penal prevê em seus arts. 91 e 92 algumas consequências da sentença condenatória penal. A LFR, também, prevê efeitos da condenação por crime falimentar em seu art. 181, sendo eles: “inabilitação para o exercício da atividade empresarial, o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência das sociedades sujeitas a esta lei e a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio”.
Nada impede que o magistrado observe, além das normas da LFR, também, a aplicação das normas gerais do código penal, claro, que tal gravame, estaria sob os auspícios do princípio non bis in idem.[35]
Fundamental lembrar que, a exemplo do Código Penal, os efeitos que tratam o art. 181 do LFR não são automáticos, por força do próprio § 2° do mesmo artigo, ou seja, não necessários[36], devendo ser motivadamente declarados na sentença penal para terem eficácia. Neste caso, vislumbro uma questão problemática; se a própria legislação exige motivação expressa para haver eficácia dos efeitos da condenação por crime falimentar. Além de ser impossível, após o transito em julgado da sentença condenatória, a revisão pro societate em face da principiologia penal, para aplicação dos efeitos tratados, porque não seria possível a não aplicação de algum dos efeitos, devidamente fundamentada é claro? Se existe um “benefício” por meio de uma omissão equívoca, por qual razão não haveria de existir a mesma benesse por uma interpretação judicial? Deixo em aberto o questionamento.
Os efeitos de uma condenação penal têm como objetivos, a proteção da sociedade, no sentido de impedir certas práticas do condenado inidôneo, que possam causar danos, fazem parte da punição do autor de prática delituosa, e também tem como objetivo a reparação do dano, conforme a própria lei penal (art. 91, I, do CP).
Um dos objetivos de um processo de falência é maximizar o potencial financeiro dos “restos” de uma atividade econômica, em prol, dos credores, ou seja, a massa falida.
Um questionamento latente: Os efeitos financeiros de uma condenação penal poderiam se reverter em favor da massa falida?
Parece-me perfeitamente plausível, pois, como supracitado, a falência tem por objeto principal, a satisfação dos interesses dos credores, um dos objetivos do Direito Penal moderno é a reparação de dano, quando esta se torna possível. Nada mais factível que efeitos financeiros, mesmo nos casos onde se julgue a matéria no juízo criminal,[37] tenham sua execução atraída para o juízo da falência, onde lá poderiam ser mais bem utilizados, e assim, dando mais eficiência a condenação criminal.
Pode-se levantar contra o argumento supracitado, a questão de que a matéria processual penal não se confunde com o interesse do processo falimentar,[38] e tal premissa é verdadeira. Entretanto, estamos falando de efeitos financeiros, tão somente, e de como eles poderiam ser utilizados, de forma, a melhor cumprir seus objetivos. Neste aspecto é imprescindível ter uma visão global e difusa de toda nossa sistemática jurídica. Entender que o crime falimentar lesa ao mesmo tempo o Estado em todos os aspectos pluriobjetivos de proteção das condutas criminosas tipificadas na LFR. Nesse aspecto, se encontrariam nesse momento, os objetivos de ambas as jurisdições.
No juízo falimentar, atendem-se aos interesses da massa falida, e o magistrado está mais preparado que o juiz penal para promover a reparação, ou a redução de danos frente aos que foram lesados (credores), pois, sua função é lidar com todo aspecto econômico em jogo nos processos da LFR. Então, da mesma forma que uma ação indenizatória da mesma conduta criminosa na área cível, seria levada ao juízo universal da falência, não vejo óbice que medidas de cunho financeiro tomadas na esfera penal, sejam executadas no juízo mais preparado, o falimentar.
Outra grande modificação da Lei 11.101/2005, em relação ao Decreto-lei 7.661/1945, é a prescrição. Na legislação pregressa, o prazo prescricional era de dois anos, enquanto no diploma legal vigente, a prescrição se rege pelas disposições do Código Penal, por força do art. 182 da LFR.
A inovação, no que tange à prescrição, recebeu inúmeros elogios da doutrina, pois, anteriormente a Lei 11.101/2005, o prazo prescricional era tão exíguo, que por vezes levava à inocuidade da norma penal falimentar. Importante lembrar também, que quando a condição objetiva de punibilidade for suspensa ou interrompida, não pode servir para a contagem de prazo prescricional, devido ao art. 116, I do Código Penal. Sintetizemos tal advertência, nas palavras de Arthur Migliari Júnior:
“A LRE estabeleceu como marco inicial da contagem dos prazos o dia da decretação da falência, ou da concessão de recuperação judicial ou homologação do plano de recuperação extrajudicial.(…) No entanto, não se pode dizer que a decretação de falência, que tenha sido suspensa por obra de recurso no Tribunal, que concedeu a liminar pleiteada – seja em agravo de instrumento, seja em mandado de segurança -, possa servir para o início da contagem do prazo, porque suspensa a falência.(…) Nesse instante, ou seja, enquanto pende recurso sobre a decretação da falência, o lapso prescricional não está correndo, por força do disposto no art. 116, I, do Código Penal, ou seja: “Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I- enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa reconhecimento da existência do crime”.”[39]
Por fim, na aplicação das normas penais falimentares, tendo em vista a recente modificação legislativa, não se pode esquecer o consagrado e necessário principio constitucional da Irretroatividade da lei penal mais gravosa:
“A irretroatividade da lei penal foi inserta na Constituição de 1988, no art. 5°, XL, in verbis: “ A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Referido dispositivo precisa ser analisado também em seu contexto histórico. Em primeiro lugar, não se pode esquecer que o princípio da irretroatividade da lei penal é uma conquista histórica do moderno Direito Penal, que se mantém prestigiado em todas as legislações modernas, como garantia fundamental do cidadão. Essa é a regra geral, que o constituinte de 1988 apenas procurou elevar à condição de dogma constitucional; em segundo lugar, deve-se destacar que o enunciado constitucional citado encerra duas premissas: 1°) a irretroatividade da lei penal constitui-se na premissa maior, um princípio geral histórico elevado à condição de dogma constitucional; 2°) a retroatividade da lei penal mais benéfica constitui-se na premissa menor, a exceção. Como se vê, o badalado dispositivo constitucional consagra uma regra geral e uma exceção: regra geral – Irretroatividade da lei penal; e exceção – retroatividade quando beneficiar o réu.”[40]
Contudo, necessário ter sempre em mente os dois aspectos do princípio constitucional da Irretroatividade da lei penal, que retroagirá apenas em benefício do acusado.
Devido ao trabalho de exponentes doutrinadores, podemos, a título exemplificativo, encontrar algumas situações discutidas em face ao princípio da irretroatividade da lei penal em relação ao novo diploma legal. Quanto ao rito, por exemplo, adverte Eugênio Pacelli:
“(…) A nosso aviso, a solução mais adequada é a impossibilidade de aplicação do novo rito aos crimes praticados anteriormente à Lei 11.101/2005. No entanto, não por força do citado art. 192, mas pela simples razão de a legislação anterior (art.512, CPP) determinara a aplicação do antigo e já também modificado rito comum (art. 394 ao art. 405; art.498 ao art. 502, todos do CPP) para os aludidos crimes. E esse rito, o comum, inegavelmente, era e é mais favorável aos acusados, na medida em que maior o seu espectro probatório e mais amplo o espaço para o exercício do direito de defesa. As novas regras processuais, portanto, são mais gravosas. Somente por isso pensamos inaplicáveis as novas disposições processuais aos fatos que lhe são anteriores.”[41]
Ao falar da prescrição, também evocamos o princípio da irretroatividade da Lei Penal, por se tratar de norma penal, não poderia retroagir por se tratar de novatio legis in pejus.[42]
Ao se observar o art. 192 da LFR, percebe-se que ele atribui ultratividade a alguns dispositivos do anterior Decreto-lei 7.661/1945, neste caso, deve-se estar atento ao princípio constitucional positivado no art. 5°, XL, CF. Qualquer lei que implique em restrições de garantias fundamentais ao réu, jamais poderá ter ultratividade.[43]
Para finalizar, válida a lembrança, que existindo dúvida em caso de qual norma seria mais benéfica ao réu no caso concreto, a melhor solução seria deixar a opção para o próprio acusado, que é o maior interessado.[44]
3.2 A POLÊMICA QUESTÃO DA COMPETÊNCIA PENAL FALIMENTAR
O art. 183 da Lei 11.101/2005 prevê a competência do juízo criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, para conhecer da ação penal dos ditos crimes falimentares. O dispositivo legal supracitado vem sendo alvo de inúmeras críticas, e provocando debates acirrados na doutrina, como também, confusões jurisprudenciais. Ponto incontroverso é que a competência é do juízo estadual.
A primeira crítica que se faz, é que tal dispositivo seria inconstitucional em face a competência estadual de legislar sobre organização judiciária:
“Essa norma, na verdade é inconstitucional. Cabe à lei estadual de organização judiciária definir a competência para a ação penal nos crimes falimentares. Na distribuição de competências que a Constituição estabelece, não é da União, mas sim dos Estados, a de estruturar os serviços judiciários, definindo que órgãos serão criados e com qual competência jurisdicional.”[45]
É motivo de elogios na doutrina, também, o fato de no país, historicamente se utilizar do juízo universal da falência para o julgamento de crimes falimentares. Vejamos o comentário de Arthur Migliari Júnior:
“(…) Esta experiência tem demonstrado que o juízo falencial, por ser único, tem uma visão muito maior a respeito do thema decidendo que o juízo criminal, preso exclusivamente ao critério fixador de responsabilidade penal.(…) Do mesmo modo, a forma como procede o Ministério Público, que também possui função fiscalizadora, acompanhando todo o andamento do processo judicial, possui uma visão muito melhor do que aquele outro Promotor de Justiça, especializado no processo criminal, onde as minúcias da investigação das causas da falência, da recuperação judicial e extrajudicial, e de suas consequências nem sempre se fazem por meio de testemunhas, mas com provas pré-constituídas, trazidas aos autos pelos auxiliares do juízo, como o síndico, o avaliador, o depositário etc.(…) No entanto, a LRE não coíbe que cada Estado venha a disciplinar o procedimento criminal nos moldes como atualmente se faz, demonstrando grande avanço em matéria de repressão penal pelos desmandos da falência.(…)”[46]
Na mesma concepção, o legislador paulista, na Lei Estadual 3.947/1983, determinou, que a competência para o julgamento de crimes falimentares seria atraída para o juízo da falência. Tal dispositivo foi avaliado pelo STJ que se posicionou da seguinte forma:
“PENAL EPROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA E CRIME FALIMENTAR (ART. 186, VI, DO DEC.-LEI 7.661/45 – ANTIGA LEI DE FALÊNCIAS). ATIPICIDADE DO CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA. SENTENÇA ABOLUTÓRIA SUPERVENIENTE. PEDIDO PREJUDICADO. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DO DELITO FALIMENTAR. INOCORRÊNCIA. VEDAÇÃO À COMBINAÇÃO DE LEIS. NULIDADE. APONTADA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL DE FALÊNCIAS. INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE LEI ESTADUAL. MATÉRIA TÍPICA DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. PRESCINDIBILIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. LEI 11.101/05 (ATUAL LEI DE FALÊNCIAS) I- Tendo em vista superveniência de sentença absolutória quanto ao crime de apropriação indébita, resta prejudicado o writ, quanto à alegação de atipicidade da conduta. II- Em se tratando de normas vinculadas, não se admite combinações de leis para se alcançar uma terceira, não prevista pelo legislador (precedentes). III- In casu, pretendia-se a combinação de dispositivos mais favoráveis do Dec- Lei 7.661/45 (antiga lei de falências) com as da lei 11.101/05 (atual lei de falências), relativos à prescrição dos delitos falimentares, valendo-se do termo a quo da novel legislação conjugado com os prazos do diploma revogado. IV– Especificamente no Estado de São Paulo, a Lei Estadual n° 3.947/83, em seu art. 15 determina que as ações por crime falimentar e as que lhe sejam conexas são da competência do respectivo Juízo Universal da Falência, tendo sido tal diploma declarado constitucional pelo c. Supremo Tribunal Federal por se tratar de norma típica de organização judiciária, inserida, portanto, no âmbito da competência legislativa privativa dos Estados, a teor do art. 125 § 1° da Lex Fundamentalis. V- Na espécie, o despacho que recebeu a denúncia e compõem o juízo de admissibilidade da ação penal encontra-se suficientemente fundamentado, porquanto, além de verificar quantum satis a adequação típica das condutas, se funda em relatório de síndica da falência, no qual são apontadas irregularidades que configurariam, em tese, os delitos apontados. Ademais, à época do recebimento da proemial acusatória, já estava em vigor a atual Lei de Falências (Lei 11.101/05) que passou a não mais exigir fundamentação para o ato que determina a instauração da ação penal (precedente). Ordem parcialmente conhecida, e, nesta parte, denegada.”[47]
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é de que Lei Estadual pode estipular a competência do juízo universal da falência para conhecer a ação criminal. Posicionamento elogiado por Alexandre Demetrius Pereira por se encaixar a Constituição Federal e estipular o juízo mais capacitado para o julgamento dos crimes falimentares, segundo o autor.[48]
Em contrapartida, Waldo Fazzio Júnior critica até mesmo a disposição geográfica dos crimes falimentares em legislação empresarial:
“Uma lei que orienta o regime de insolvência não deveria, seja por razões formais, seja porque ingredientes da procrastinação do processo falimentar, conter matéria penal. São poucos os crimes genuinamente falimentares, senão delitos comuns praticados antes e durante o processo de quebra. Assim, o estelionato falimentar não deixa de ser estelionato, integrando a LRE pelo fato de causar prejuízo aos credores da massa falida. Da mesma forma, a apropriação indébita (art. 173) e a receptação (art. 174), forçadamente adaptadas na LRE, produzindo diversos inconvenientes na sua interpretação, o que, logicamente, implicará múltiplas dificuldades no modo de tipificá-las. Pior que isso, a mistura de condutas típicas, sob a mesma epígrafe, levantará diversos obstáculos para a sua caracterização efetiva.(…)”[49]
O mesmo autor ainda elogia o art. 183 da LFR:
“Não se pode deixar de aplaudir o deslocamento da ação penal falimentar para a sua sede própria, quer dizer, para o juízo criminal, eliminando a cumulação de tarefas do juízo da falência. Na realidade, ação de falência, execução concursal e ação penal falimentar são processos que, embora amarrados um ao outro pelo fenômeno da falência, têm escopos diversos. No processo concursal, as metas judiciais são a realização dos direitos dos credores e a reestruturação dos negócios do devedor tendo em vista a conservação da empresa. Já, na ação penal falimentar, o serviço judiciário consiste em examinar a procedência da imputação, sopesar elementos probatórios, sem prejuízo de assegurar prioridade aos direitos constitucionais, condenar ou absolver o agente. Na justiça criminal, os atos do devedor são contemplados sob a perspectiva de sua relevância típica como ilícitos de maior gravidade. Na jurisdição falimentar, há, em princípio, um empresário cujo o negócio está em crise econômico-financeira”.[50]
A justificativa legislativa para o disposto no art. 183 do atual diploma legal foi dada pelo Senador Ramez Tebet no parece ao PLC- 71/2003:
“Ao contrário da visão acolhida no PLC n. 71, de 2003, julgamos excessiva a acumulação, por parte do juiz da falência das funções da persecução criminal. Na verdade, nas comarcas que possuem Varas Criminais especializadas é desejável que estas assumam plenamente o processo penal. É que os objetivos da ação penal e da ação de falências são muito distintos. No primeiro caso o órgão julgador está preocupado em verificar a consistência da acusação, avaliar provas, fazer observar as garantias constitucionais e, se for o caso, condenar. Nos processos de recuperação judicial ou de falência o juiz, o quanto possível, deve envidar esforços para o soerguimento da empresa e satisfação dos credores habilitados. São lógicas distintas e que, não raro, podem entrar em rota de colisão. Ademais, o comportamento do falido como devedor no processo de falência pode afetar a sua condição de réu, o que favorece toda sorte de prejulgamentos.”[51]
Neste diapasão, parece claro que a competência para organização judiciária, consoante o disposto no art. 125, § 1° da Carta Magna, é dos Estados. Entretanto, existe outro princípio constitucional que se deve analisar com cuidado neste caso, o direito à imparcialidade do juiz, que decorre do devido processo legal, uma garantia constitucional inviolável.
Ao entrarmos na questão da imparcialidade do julgador, torna-se indispensável, fazermos uma sucinta distinção entre dois modelos de processo penal: O inquisitório e o acusatório.
O modelo inquisitório vigorou durante os períodos do séc. XVII e XVIII, nas legislações europeias. Sombrias épocas do Direito Processual Penal, onde a repressão criminal era primordial ao interesse público, sendo interesse exclusivo estatal. Tal sistema se caracterizava pela figura de um juiz, que simultaneamente investigava, acusava e julgava, agia discricionariamente no processo. Degradara o acusado a mero objeto de investigação, com um direito de defesa extremamente limitado. Por sua vez, o modelo acusatório se caracteriza pela separação da entidade que investiga e acusa e da entidade que julga, ou seja, quem investiga e acusa não julga; quem julga não investiga e não intervém na acusação. Pode-se dizer hoje, que dificilmente se encontrará algum Estado onde esteja em vigor, puramente, um ou outro modelo.[52]
Entretanto, pode-se perceber pela crescente evolução histórica do processo penal, e também do pensamento humano, uma aproximação ao modelo acusatório, tendo em vista, a hipossuficiência do acusado perante o Estado, que tem poderes inclusive, para em último caso, decretar a prisão de um indivíduo ou até extinguir a vida em alguns Estados. No mesmo sentido é a compreensão de que uma entidade que participa na acusação e ou na investigação, está comprometida em sua imparcialidade para tomar decisões, que possam acarretar consequências tão drásticas à vida de um ser humano. Sobre o processo acusatório ainda:
“Tem-se pois, no sistema acusatório e em seus princípios informadores, como o de audiatur et altera pars, um modelo processual orientado à solução da controvérsia por heterocomposição, de modo a inserir o magistrado, no cenário jurídico, na posição de um terceiro subjetivamente desinteressado, como o que se pretende alcançar um julgamento imparcial, capaz de, a um só tempo, aplicar o Direito objetivo e tutelar os direitos fundamentais dos acusados.”[53]
Neste contexto, percebe-se no Brasil, um crescente movimento no meio jurídico, em favor do modelo acusatório, corrobora com a afirmação a PLS 156/2009 referente ao projeto de reforma do Código de Processo Penal, hoje em aprovação no Congresso Nacional, que institui o juiz de garantias. Proposta esta, levada ao congresso pela Associação dos Magistrados Brasileiros.[54]
Outro ponto que merece análise é o da imparcialidade.
Segundo Eugênio Pacelli “A imparcialidade do juiz é requisito de validade do processo, estando inserido no devido processo legal constitucional, como uma das principais conquistas do modelo acusatório de processo.”[55] Tendo a imparcialidade seu viés objetivo, que são critérios de fácil aferição, que por si só já caracterizam mácula a imparcialidade do julgador, como por exemplo, o juiz ter grau de parentesco com a parte no processo. Por sua vez, o viés subjetivo, tem haver com uma situação de convicção e sentimentos pessoais do magistrado quanto à culpabilidade do indivíduo.
No cenário mundial, cabe mencionar, a experiência do Tribunal Europeu de Direitos do Homem (TEDH), no que diz respeito à análise do magistrado. Exemplos emblemáticos são os casos Cubber e Piersack contra o estado da Bélgica, onde se foi afastada a figura do juiz instrutor, que participou ao mesmo tempo da investigação e julgamento. Vejamos a menção de Luiz Flávio Gomes:
“No tempo do sistema inquisitivo (Idade Média) o juiz (desgraçadamente) investigava e julgava o caso. O risco de ser parcial (aliás, a certeza) era absolutamente inevitável. Quem busca provas, quem investiga um fato, quem se compromete psicologicamente com uma determinada posição de parte interessada, não reúne, depois, condição alguma para ser o juiz imparcial do processo. Somente um juiz sobrenatural seria capaz de fazer o contrário (como diria E. Schmidt).(…) O juiz que investiga não pode julgar, porque se sabe que a fase preliminar de investigação não é contraditória nem pública. As Cortes europeias assim como a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, sobretudo no caso Piersack, consideram contrário ao padrão objetivo da imparcialidade do juiz (contrário aos padrões civilizatórios) o fato de ele estar envolvido anteriormente com funções de investigação e persecução ou exercer ambas as funções (caso Kristinson) ou quando o Ministério Público cumpre funções de julgar (caso Huber) ou quando o tribunal acaba também exercendo funções de instrução de ofício (caso Cubber). Quando o juiz assume compromisso ativo com a função de investigar (ou de acusar) dá ensejo à geração de dúvida (frequentemente razoável) sobre sua parcialidade.(…) Na verdade, há uma incompatibilidade lógica nessas funções (Montero Aroca). Qualquer tipo de interferência ativa do juiz nas diligências investigatórias, qualquer tipo de contato ativo do juiz com a produção das provas nessa etapa, torna-o incompatível com a fase processual (propriamente dita). O juiz que preside ou que interfere diretamente na fase preliminar de investigação vai tomando decisões no sentido de que sejam descobertos os fatos e sua autoria, decreta prisões, autoriza a quebra de vários sigilos etc. Quanto melhor esse juiz cumpre suas funções direta ou indiretamente investigativas (nos ordenamentos em que essa tarefa compete a um juiz, não à polícia ou ao Ministério Público), mais suspeito (para o processo) ele se torna, porque ele vai assumindo impressões, tirando ilações e formando pré-conceitos, pré-juízos.(…)”[56]
No TEDH, sempre existiu uma preocupação imensa com aquele magistrado, que tomava medidas decisórias e, ou participava de alguma maneira efetiva no processo, tomando decisões, que poderiam acarretar pré-juízo sobre a culpabilidade do agente. Muito embora, a interpretação do TEDH vem afastando os casos Cubber e Piersack, tendo em vista a valoração mais criteriosa da imparcialidade, não bastando tão somente a participação do juiz na investigação, para configurar o afastamento do magistrado, distanciando-se da figura do juízo de garantias.[57] Ainda é latente a preocupação da imparcialidade do magistrado, quando este tomou decisões ao longo da fase investigatória.
“Com efeito, na linha dos precedentes dos tribunais Constitucionais da Espanha e Itália, é tranquilo o entendimento no sentido da vedação de que um mesmo órgão jurisdicional exerça atividades decisórias em diferentes fases de um mesmo procedimento penal, exatamente como ocorre no caso da revisão de medidas cautelares impostas na fase de instrução processual e, depois, de conhecimento e julgamento dos recursos interpostos contra decisão de mérito, como decidiu o TEDH no caso Castillo Algar Vs Espanha.”[58]
Nos arts. 252 a 256 do Código de Processo Penal são tratadas as questões de suspeição e impedimento. Todas elas têm como principal escopo, salvaguardar a imparcialidade da jurisdição.[59] Sobre a questão da imparcialidade, interessante precedente tem o STF:
“EMENTA: HABEAS CORPUS. PEDIDO APRECIADO DE OFÍCIO E DENEGADO. CABIMENTO. MAGISTRADO QUE JULGOU RECURSO ADMINISTRATIVO. PRONUNCIAMENTO DE DIREITO SOBRE A QUESTÃO. POSTERIOR PARTICIPAÇÃO NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO CRIMINAL. IMPEDIMENTO EXISTENTE. ORDEM CONCEDIDA. Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha afirmado, na ementa do acórdão impugnado, que não conhecia do pedido, o mérito foi apreciado e a ordem denegada. Assim, conhece-se do presente habeas corpus. O desembargador relator do recurso administrativo pronunciou-se de direito sobre a questão e manteve a pena de demissão, com análise detalhada dos fatos imputados ao paciente. Considerações que, no mínimo, tangenciam o mérito da ação penal. Posterior participação no julgamento do apelo criminal fere o princípio do devido processo legal. Ordem concedida, para que se determine a realização de novo julgamento, declarado nulo o acórdão de que participou o magistrado impedido, nos termos do art. 252, III, do Código de Processo Penal. Como o paciente está preso em razão do trânsito em julgado da sentença condenatória confirmada pelo acórdão que ora se anula, deve ser expedido alvará de soltura em seu favor.”[60]
Percebe-se que o Habeas Corpus é impetrado em face de magistrado, que atuou, em fase recursal, na esfera administrativa, opinando acerca da culpabilidade do agente, reconhecendo existência de crime, o que culminou na demissão do paciente. Posteriormente no processo criminal, atuou o mesmo magistrado como relator do recurso de apelação do réu se manifestando novamente, de forma positiva, acerca da culpabilidade do réu.
O STF, em elogiável atuação, entendeu que no caso em tela, houve afronta ao art. 252, III, do Código de Processo Penal, que proíbe que o mesmo magistrado atue em duas instâncias ao mesmo tempo se manifestando sobre a culpabilidade do acusado. Inovador a interpretação extensiva ao termo “instância” que deu o STF. Observa-se no trecho do voto do Ministro Eros Grau:
“(…) A questão proposta pelo Ministro Celso de Mello está em se “saber se a expressão ‘instância’, a que alude o art 252, III, do CPP, refere-se a grau de jurisdição – primeira e segunda instâncias – ou esferas administrativa e jurisdicional.”(…) Tenho por acertada a segunda proposição: a expressão ‘instância’ abrange tanto a esfera administrativa quanto a jurisdicional, A não ser assim, estar-se-ia afrontando o princípio da ampla defesa.(…) È importante ressaltar que não está se criando, pela via da interpretação, hipóteses de impedimento além das previstas nos incisos I ao IV do art. 252 do CPP. Objetiva-se , tão somente, conferir interpretação extensiva a seu inciso III, como autorizado pelo art. 3° do texto codificado.(…)”[61]
Observa-se também, que se preserva o entendimento de que as hipóteses enumeradas nos arts. 252 a 254 são numerus clausus. Doravante, existência de corrente minoritária, como boa dose de razão, entender que pelo fato da imparcialidade estar atrelado a fatores subjetivos do julgador, impossível seria o legislador exaurir todas as hipóteses de mácula à imparcialidade do julgador.[62]
Analisada a questão da imparcialidade, resta-nos saber se o juiz dos processos dispostos na LFR estaria com a imparcialidade prejudicada, para julgar os crimes previstos na mesma lei, em um processo crime.
Primeiramente, fundamental relembrar, um dos objetivos do processo de falência ou recuperação de empresas, que é o de atender aos interesses dos credores, estando o juiz, sempre atento a pratica de atos fraudulentos, que possam dilapidar o patrimônio da empresa e prejudicar os envolvidos. Outrossim, a compreensão, de que um dos bens jurídicos tutelados pelos crimes tipificados nesta mesma lei, é a administração da justiça, a qual, tem como principal representante, o magistrado que atua neste mesmo processo. Por este viés, já surge uma incompatibilidade lógica, nas palavras de Antônio Sérgio Pitombo:
“O devido processo legal impunha que as ações penais fossem julgadas por magistrado com neutralidade e interdependência, o qual não estivesse em contato com o processo falimentar ou de recuperação. No caso da lei atual esse aspecto se acentua, na medida que várias infrações penais se destinam à tutela do próprio processo falimentar, protegendo a administração da justiça. Seria um absurdo deixar que o acusado de prestar informações falsas no processo de falência, com o fim de induzir a erro o juiz (art. 171 da Lei 11.101/2005), viesse a ser julgado pelo mesmo juiz que se sentiu enganado.”[63]
Não são poucos os momentos, em que o magistrado que atua na falência ou na recuperação de empresas, pode fazer um pré-julgamento da culpabilidade do agente, um exemplo pode inclusive, ser uma razão que enseje na decretação de falência, conforme o art. 94, da LFR, sendo muitas das hipóteses dos incisos deste artigo, tipificadas como crime falimentar. Também, em momentos que o juiz analisa documentos juntados aos autos do processo, como por exemplo, os relatórios do administrador judicial, dispostos no art. 22, nos incisos II e III, nas alíneas ‘c’ e ‘e’, respectivamente.
Em diversos casos, o próprio juiz devido suas funções e obrigações, constatará a prática de conduta criminosa, nesses casos, fazendo um pré-juízo e tomando as providências necessárias. Não por equívoco que o magistrado deve proceder desta forma, mas sim, por efetivo zelo dos objetivos sociais e econômicos dos processos da LFR.
Como se pode, posteriormente, exigir que o mesmo zeloso magistrado, possa se despir dos objetivos do processo falimentar, e se trajar com o escopo do processo penal, que como tal, é garantia do acusado, conquistada historicamente contra os arbítrios do poder punitivo estatal, se esse mesmo juiz, teve muitas vezes que opinar sobre possível conduta criminosa do agente, por ser necessário para o andamento do concursum creditorium?
Parece ilusória a concepção de que se podem apagar todas as impressões e pré-julgamentos de um ser humano, para posteriormente colocá-lo em outra atividade com objetivo diverso da que realizava, formatando uma consciência humana, como se faz com o disco rígido de uma máquina. Entretanto, os juristas ao atribuírem competência criminal de forma vis attractiva ao juízo falimentar, assim o fazem.
Pelas razões supracitadas, entende-se que uma interpretação tópico-sistemática do Direito afasta qualquer possibilidade do juízo universal da falência conhecer dos crimes falimentares, tanto pela incompatibilidade lógica das funções, quanto pelos pré-julgamentos necessários que o magistrado realiza. Tal concepção fere nitidamente a garantia a um julgamento imparcial, bem como, o devido processo legal constitucional e o princípio da presunção de inocência (art. 5º LIV e LVII, da CF).
Último questionamento a fazer, no tópico da competência, é se o JECrim teria competência para julgamento dos crimes falimentares de menor potencial ofensivo, assim classificados pela Lei 9.099/1995.
A Lei 11.101/2005, em seu art. 183, definiu de forma expressa e motivada, que a competência para o julgamento dos crimes falimentares, seria do juízo criminal. Assim, foi demonstrado no presente estudo desta maneira.
Entendo que pelo caráter especial, em consonância com a Carta Magna e visando uma política criminal mais pacificadora, é de competência do JECrim o conhecimento dos crimes falimentares de menor potencial ofensivo, no caso, somente o art. 178 da LFR. Nessa linha, é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Grifo um dos precedentes:
“conflito de competência. crime falimentar. resolução nº 527/2005 comag. infração penal de menor potencial ofensivo. juizado especial criminal. conflito procedente.
A citada Resolução, ao atribuir competência ao juízo da 9ª Vara Criminal, teve em consideração somente os delitos comuns, dela excluindo, intuitivamente, as infrações penais tidas como de menor potencial ofensivo. É que tais delitos, por força de expressa previsão legal, até constitucional, ficam naturalmente sujeitos à jurisdição do Juizado Especial Criminal, salvo caso de conexão com crime comum. Ainda, a Resolução do Conselho da Magistratura, ato eminentemente administrativo, que visa à organização judiciária, jamais pode contrariar as regras que dispõem sobre critérios de fixação de competência previstas em lei nacional. Conflito procedente.”[64]
No Estado do Rio Grande do Sul, diferentemente do exemplo paulista, já demonstrado, é de competência da justiça criminal o processamento das ações criminais falimentares. A resolução 527/2005 do Conselho da Magistratura define a competência privativa da 9ª Vara criminal do Foro Central de Porto Alegre, para processar e julgar os crimes falimentares, entretanto, a resolução deve se adequar às normas hierarquicamente superiores. Como bem exposto, no exemplar voto do desembargador José Eugênio Tedesco:
“(…)A Resolução, ao atribuir competência ao juízo da 9ª Câmara Criminal, teve em consideração somente os delitos comuns, dela excluindo, intuitivamente, as infrações penais tidas como de menor potencial ofensivo. É que, por força de expressa previsão legal, até constitucional, tais delitos ficam naturalmente sujeitos à jurisdição do Juizado Especial Criminal.(…) Sem dúvida, os delitos de menor potencial ofensivo, salvo caso de conexão de com crime comum, serão necessariamente julgados perante o juízo do Juizado Especial Criminal.(…) De outro lado, a Resolução do Conselho da Magistratura, ato eminentemente administrativo, que visa à organização judiciária, jamais poderia caminhar na contramão dos mandamentos legais, contrariando as regras ordinárias de competência nela estabelecidas. Grosso modo, não pode uma resolução modificar critérios de fixação de competência previstas na legislação.”[65]
Mesmo nos casos, em que o juízo da falência conhecer dos crimes falimentares o que diverge do entendimento firmado no presente estudo, entendo, que deveria se aplicar o rito do JECrim, por se tratar de norma mais favorável ao acusado.
CONCLUSÃO
O presente estudo teve como objetivo analisar os crimes falimentares, sem se prender unicamente à concepções tão somente do Direito Empresarial ou Penal, mas, acima de tudo, atento sempre à ordem constitucional, a qual ambos os ramos estão submetidos.
Galgamos o entendimento, analisando os aspectos sociais da atividade empresarial, em consonância com o princípio da função social, juntamente com seus objetivos econômicos, sobre as funções do processo disposto na LFR, por conseguinte, da necessidade de se tipificar as condutas ditas como crimes falimentares, por sua objetividade jurídica pluriobjetiva em face a toda uma sociedade.
Percebe-se também, uma confirmação dos múltiplos objetivos do Direito, em especial o bem comum, sendo que, todos os seus ramos são afetos às garantias fundamentais estabelecidas em nossa Carta Magna. No caso dos crimes falimentares, seus objetivos vão muito além da proteção mormente financeira, sendo instrumento de proteção estatal de também toda uma gama de valores sociais.
As mudanças da Lei 11.101/2005 procuraram trazer mais celeridade ao processo penal falimentar, bem como, tornar mais efetiva e adequada à punição estatal. No sentido que modificou o tipo de inquérito que era realizado, modificou o rito, elevou as penas e o lapso prescricional.
Na apuração dos crimes falimentares, percebe-se o equívoco legislativo ao instituir o inquérito policial em substituição ao judicial, devido ao despreparo policial e a demora que pode causar no processo, doravante, entenda-se que a manutenção do inquérito judicial seja impossível em face à normatização. Compreende-se também o objetivo do inquérito policial, no sentido de impedir que o mesmo juiz que investigue julgue, doravante, a melhor solução para resolver tal problema, seria estabelecer a competência criminal para o julgamento dos crimes dispostos nessa lei, enquanto, o juízo falimentar se responsabilizaria pelo inquérito.
Quanto à mudança do rito, elogiável a modificação para o rito sumário, por tornar o procedimento mais célere e ser mais adequado, doravante, confusão do texto legal exposta no presente estudo. Quanto ao rito, concluiu-se também, que não existe óbice à aplicação do rito do JECrim e suas medidas despenalizadoras, para os crimes de menor potencial ofensivo previstos na LFR.
Quanto aos efeitos financeiros de uma condenação criminal, deixamos claro o posicionamento, de que sua execução pode servir como instrumento de satisfação dos interesses dos credores nos processos da LFR, por estes, serem diretamente lesados pela conduta criminosa, e em face a política criminal de reparação de dano. Neste caso se convergindo os objetivos da execução penal e do processo falimentar.
No que tange à prescrição, é de se aplaudir a mudança legislativa, pois, modificou o exíguo lapso prescricional de dois anos, passando o instituto valer agora, pelas normas gerais do Código Penal.
Importante lembrar que, em relação às mudanças datrazidas pela Lei 11.101/2005 em relação ao Decreto-lei 7.661/1945, no que tange à norma penal, deve-se observar o princípio constitucional da irretroatividade da lei penal, que só retroagirá para beneficiar o réu (art. 5°, XL da CF).
Na questão da competência, observou-se a constitucionalidade do art. 183, pela alegada invasão de competência estadual, entretanto, observou-se que no caso de São Paulo, a norma não foi obstáculo, para a continuação da aplicação da Lei Estadual 3.947/1983, que atribui competência ao juízo universal da falência para o julgamento de crimes falimentares, mandamento legal reconhecido pelo STJ.
Entretanto, observa-se, que em nenhum momento na jurisprudência brasileira, se avaliou se o juiz da falência seria imparcial, para conhecer os crimes falimentares. Entendemos e justificamos o porquê do juiz da falência estar maculado para julgar um processo crime no processo de falências. Isto se deve ao fato, da incompatibilidade lógica de funções entre as duas jurisdições, a falimentar, que têm por interesses a satisfação dos interesses dos credores e o melhor andamento do processo, enquanto, a penal, tem por interesses a avaliação da imputação da conduta criminosa, a tipicidade da conduta e a culpabilidade do agente.
Observa-se que o juiz da falência ou recuperação judicial, em inúmeros momentos faz juízo prévio da culpabilidade do agente, e assim procede, por ser indispensável para o bom desempenho de suas funções no juízo falimentar. Contudo, concluímos que a competência penal do juiz da falência, fere brutalmente a Constituição Federal no devido processo legal e na presunção de inocência (art. 5°, LIV e LVII, da CF). Outrossim, preocupante a carência do debate doutrinário e jurisprudencial acerca do tema.
Por fim, conclui-se inexistir qualquer óbice à competência especial do JECrim, para o julgamento dos crimes falimentares de menor potencial ofensivo, citando-se como exemplo o caso do estado do Rio Grande do Sul.
Contudo, o presente estudo não tem por escopo esgotar a avaliação do tema, muito pelo contrário, incentivá-lo. Compreendemos que ainda existe muito para analisar sobre os crimes falimentares e quanto ao seu procedimento penal, Assim, espera-se que tal análise possa ser instigada à partir da leitura da presente pesquisa.
Advogado
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