A eficiência da convenção-quadro para controle do tabaco no Brasil e sua hierarquia normativa: uma análise da saúde como direito humano

Resumo: Na 56ª Assembleia Mundial de Saúde, em 2003, os Estados membros e convidados à Organização Mundial da Saúde finalizaram o primeiro tratado de saúde pública do mundo: A Convenção-Quadro para Controle do Tabaco. O Brasil teve participação de destaque no processo de construção da CQCT, sua retificação realizada feita em 2006 a partir do Decreto Federal 5.658/2006. O Estado brasileiro passou a materializar as diretrizes e deveres do texto normativo da legislação em diversos âmbitos: políticas publicas, atuação do legislativo e, até mesmo, decisões judiciais. Nesse sentido, em dezembro de 2008, o julgamento histórico do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o Recurso Extraordinário nº 66.343-1/SP modificou substancialmente as concepções da hierarquia normativa do ordenamento jurídico brasileiro no que se refere aos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos. Assim, o presente texto objetiva analisar a natureza jurídica da CQCT, tendo em vista que o bem jurídico protelado no texto normativo do tratado é o direito à saúde e, especificamente, analisar sua eficácia e hierarquia normativa, partindo-se do pressuposto de que Saúde é formalmente reconhecida como Direito Humano. Para tanto, utilizaremos como metodologia o levantamento bibliográfico e documental, a posterior análise de conteúdo da doutrina, legislação, jurisprudência e pesquisas, adotando um raciocínio dedutivo e uma perspectiva interdisciplinar, em razão da interface entre Direito e Saúde.

Palavras-chaves: Convenção-Quadro Para Controle Do Tabaco; Tratado Interncional Sobre Direitos Humanos; Saúde; Direitos Humanos; Supralegalidade.

Introdução

A América foi o berço que se disseminou o tabaco para o mundo. O costume dos aborígines americanos de fumar tabaco nos seus rituais religiosos influenciou os povos europeus, que levaram a cultura do tabagismo para o mundo. De tal modo, o uso do tabaco faz parte da histó­ria da humanidade e se aplica a diversos contextos culturais.

A indústria de cigarros se concretizou a partir do final do século XIX, predominada por empresas europeias e americanas.  Contudo, em meados do século XX, as análises econômicas indicam que os ganhos auferidos com a taxação sobre a venda de produtos derivados do tabaco eram inferiores as despesas públicas e privadas decorrentes dos serviços de Saúde e Previdência Social, tendo em vista a diminuição da produção ativa de trabalho e da expectativa de vida da classe trabalhadora. Consequentemente, foram iniciadas ações da sociedade e do Estado com o objetivo de promoverem a atenuação da produção e consumo do tabaco.

Hoje, compreende-se que o tabagismo é causa de aproximadamente 50 diferentes tipos de doenças incapacitantes, respondendo a 45% das mortes por infarto no miocárdio, 85% das mortes por causas pulmonares e 30% das mortes por câncer (INCA, 2007, p 8). Nesse sentido, o INCA estima que 22,1 % da população mundial é usuária do tabaco. Conforme recente análise feita pela OMS, a nação que realiza um maior consumo do tabaco é a Europa, correspondendo a 29% da população. Na Região das Américas, o Brasil apresenta 18,7% da população como usuária (WHO, 2015). 

Nesse contexto, a partir do desenvolvimento das relações internacionais e dos direitos humanos, a diplomacia em saúde global passa a ser desenvolvida no final do século XX, resultando no primeiro Tratado Internacional de Saúde Pública: A Convenção-Quadro para Controle do Tabaco. De tal modo, a CQCT é formalmente um Tratado Internacional sobre Direitos Humanos (TIDH).

Nesse ínterim, destaca-se a decisão histórica do Supremo Tribunal Federal, em 03 de dezembro de 2008, sobre o Recurso Extraordinário nº 66.343-1/SP, que reconheceu o caráter supralegal que os TIDH possuem. Consoante o STF, no âmbito da hierarquia normativa, os TIDH se encontram inferiores da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e sobre todo o ordenamento jurídico infraconstitucional.   

Diante do exposto, o presente texto objetiva analisar a natureza jurídica da CQCT, tendo em vista que o bem jurídico protelado no texto normativo do tratado é a saúde e, especificamente, analisar sua eficácia e hierarquia normativa, partindo-se do pressuposto de que a Saúde é formalmente reconhecida como Direito Humano. Para tanto, utilizaremos como metodologia o levantamento bibliográfico e documental, a posterior análise de conteúdo da doutrina, legislação, jurisprudência e pesquisas, adotando um raciocínio dedutivo e uma perspectiva interdisciplinar, em razão da interface entre Direito e Saúde.

O Tabagismo no Cenário (Inter)nacional

Os hábitos inerentes à cultura do tabaco são presentes a várias nações. Consoante Roseberg, o tabagismo se desenvolveu na Europa, a partir das interações socioculturais iniciadas com os povos das Américas. Posteriormente, o habito tabagista se difundiu para o restante do mundo. Conquanto, apesar de ser consolidado como hábito tradicional das culturas e ser objeto de comercialização lícita, o desenvolvimento técnico-científico possibilitou a compreensão de que persiste uma relação de causa e efeito entre a comercialização e consumo do tabaco resultando em um conjunto de danos à saúde individual e coletiva (ROSEBERG, 1977, p. 105)

No contexto brasileiro, destacamos inicialmente o seguinte trecho do livro Nordeste (FREYRE, 2004, p. 40 -41):

“Outro característico comum às várias regiões americanas de colonização monocultura, ou pelo açúcar – tão intensa no Nordeste do Brasil-, foi, e em certo trecho é ainda, o emprego do trabalhador apenas durante parte do ano, a outra parte ficando uma época de ócio e, para alguns, de volutuosidade, desde que a monocultura, em parte nenhuma da América, facilitou pequenas culturas úteis, pequenas culturas e indústrias ancilares do lado imperial de cana-de açúcar. Só as que se podem chamar de entorpecentes, de gozo, quase de evasão, favoráveis àquele ócio e àquela volutuosidade: o tabaco, para os senhores; e a maconha – plantada, nem sempre destinada perto dos canaviais – para os trabalhadores, para os negros, para a gente de cor; a cachaça, a aguardente, a branquinha.

A sugestão aí fica esclarecendo talvez um aspecto, até hoje esquecido, da patologia social da monocultura. Não parece simples coincidência que se surpreendam tantas manchas escuras de tabaco ou maconha entre o verde-claro dos canaviais.”

O livro Nordeste retrata o cenário do Brasil na década de 30. Gilberto Freyre delineia um fato comum à sociedade das Américas: a fumicultura. Nesse período, a grande produção do tabaco da região Nordeste foi intensificada no estado da Bahia, a partir do cultivo de fumo para charutos. Podemos dizer que o fumo na história do Brasil é até hoje um elemento presente nas relações comerciais e culturais.

É cediço que os avanços técnico-científicos nas pesquisas de diversos países puderam contribuir para a comprovação de que o uso do tabaco resulta em danos em múltiplos campos humanos, o que derivou na necessidade de maior atuação por parte dos Estados. De tal modo, o desenvolvimento da política internacional no âmbito da saúde pública e a evolução direito internacional foram importantes vetores para a difusão de relações internacionais sólidas entre as nações.

Nesse ínterim, denotamos atenção para o inicio dos debates sobre o consumo de tabaco no âmbito internacional, o que não é fato recente. Constata-se que, em 1988, no Seminar on Tobacco Industry Disclosures, na seda da OMS – Genebra, Gro Harlem Brundtland – autoridade internacional no âmbito da Saúde Pública, aduziu que o controle do tabaco não pode ser objetivo da liberdade individual dos agentes internos, sendo necessária uma condução internacional da questão (VEDOVATO; VEDOVATO; SPERANDIO, 2013, p. 6).

Transgredido vários avanços na diplomacia e no desenvolvimento científico na área da Saúde, especificamente na conscientização dos riscos acerca do consumo do tabaco, as nações deram inicio a mobilização internacional para a promoção de soluções no que se refere ao tabagismo. Assim, durante a 52ª Assembleia Mundial da Saúde, foi iniciada a construção do primeiro ato internacional de Saúde Pública: A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, a qual deu inicio a uma série de diretrizes e medidas que resultariam na atenuação do consumo do tabaco e seus danos à saúde.

Assim, ao longo de mais de quatro anos, os representantes de 192 países promoveram discursões para a consolidação de um texto capaz de aglomerar as expectativas e objetivos almejados por todas as nações, no que se refere à promoção da Saúde. Ressalta-se que o Brasil teve participação de destaque durante todo o processo de negociação do Tratado com as nações signatárias.

Na 56ª Assembleia Mundial de Saúde, no ano de 2003, os Estados Membros finalizaram a última versão do Tratado. De igual modo, a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco passou a ter dois vetores de ação: a redução da demanda e a redução da oferta. As diretrizes do tratado em tela assumem funções importantes na materialização das políticas públicas que visam à promoção de Saúde, no que se refere à necessidade de controle do uso do tabaco consciente mediante uma uniformidade global, com respeito às peculiaridades locais (VEDOVATO; VEDOVATO; SPARANDIO, 2013, p. 7).

O Tratado passou a vigorar em 27 de fevereiro de 2005, consoante o artigo 36, parágrafo 1º, da Convenção-Quadro. No lapso da vigência, as nações vinculadas se encontram em estado de obrigação com as disposições do documento e as diretrizes, conforme artigo 5.4 do texto normativo.

A Convenção-quadro, objeto de estudo do presente texto, é tipo de ato internacional que os Estados que fazem parte estruturam grandes molduras normativas (SOARES, 2004, p. 63).. De tal modo, a CQCT possui 173 (cento e setenta e três) vinculações definitivas e 168 (cento sessenta e oito) assinaturas, tendo em vista que, apesar do prazo para assinatura ter se extinguido, há lacunas para as ratificações daqueles que já assinaram, ou adesão dos que não assinaram, mas pretendem se comprometer com as obrigações inerentes ao texto.

Igualmente, os Estados que assinaram a Convenção-Quadro concordaram em promover, de boa-fé, a sua ratificação. No Brasil, o processo de retificação da CQCT pelo Congresso Nacional teve inicio em 2003. Contudo, somente em 2006 o Tratado Internacional foi aprovado, conforme Decreto Legislativo 1.012 do mesmo ano. A Retificação, no entanto, só foi feita em 2006 com o Decreto Federal 5.658 do mesmo ano.

Ressalta-se que, ao se tornar signatário do tratado, os países assumem a responsabilidade perante a comunidade internacional no tange a materialização do conteúdo normativo.

A internalização da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco no Brasil

No Brasil, a partir do processo de ratificação da Convenção Quadro para Controle do Tabaco, O Programa Nacional de Controle do Tabagismo, que teve inicio em 1960, passou a fazer parte da Política Nacional de Controle do Tabaco, que é orientada ao cumprimento das normas da CQCT. De tal modo, o Programa objetiva a redução da prevalência de fumantes e, consequentemente, morbimortalidade relacionada ao consumo de derivados do tabaco, mediante ações educativas, econômicas, comunicativas e de atenção à saúde.  Ademais, preconiza-se no Programa a prevenção da iniciação do tabagismo e o cerceamento da exposição à fumaça ambiental decorrente do tabaco (INCA, 2016).

O Programa Nacional de Controle do Tabagismo compõe a Rede de Tratamento do Tabagismo no SUS, o Programa Saber Saúde, as Campanhas de ações educativas e a Promoção de Ambientes Livres.

O objetivo geral do Programa é reduzir a prevalência de fumantes e a consequente mortalidade relacionada com o consumo direito ou indireto do tabaco. Para tanto, os objetivos específicos do Programa são: reduzir a iniciação ao tabagismo; aumentar a cessação do ato de fumar e a redução da exposição à fumaça do tabaco. As diretrizes do programa envolvem: a construção de um contexto social e político favorável ao controle do tabagismo; a equidade, integralidade e intersetorialidade nas ações; a construção de parcerias para enfretamento das resistências ao controle do tabagismo e a redução da aceitação social do tabaco.

No que se refere à atuação do Estado no âmbito tributário, o artigo 6º da CQCT dispõe que as medidas relacionadas a preços e impostos são meios eficazes e importantes para que diversos segmentos da população, em particular os jovens, reduzam o consumo de tabaco. Assim, os Estados signatários da CQCT devem promover políticas tributárias no processo industrial e comercial dos produtos do tabaco e derivados e, quando aplicável, políticas de preços para contribuir com a consecução dos objetivos de saúde tendentes a reduzir o consumo do tabaco.

Nesse ponto, registra-se o Ministério da Fazenda, por intermédio da Secretaria da Receita Federal, tem equalizado a política de preços e impostos aos objetivos da CQCT, quanto a sua materialização: majoraram-se impostos sobre produtos industrializados – IPI e PIS/CONFINS, resultando no aumento do preço dos produtos no mercado consumidor.

Ademais, a lei 12.546 de 2011, que altera a sistemática de tributação do IPI e institui uma política de preços mínimos para os cigarros, promoveu um grande avanço para a política tributária no combate ao tabagismo. Posteriormente, em janeiro de 2016, o artigo 7º do decreto nº 8.656 alterou os artigos 5º e 7º do decreto 7.555 de 2011, que regulamenta a lei 12.546, mudando a alíquota ad valorem para o cigarro: a partir de maio de 2016 passou a 63,3%, no mês de dezembro de 2016 passará a 66,7%.

Registra-se que as políticas de tributação dos produtos tabagista são consideradas uma das mais eficazes para a redução do consumo do tabaco, tendo em vista o aumento dos preços dos produtos. Um aumento tributário de 10% nos preços de tabaco reduz o consumo de tabaco em 4% nos países de alta renda e em cerca de 6% em países de renda baixa a média (WHO, 2011).

No âmbito legislativo, a lei 9.294 de 1996, que disque dispõe sobre o consumo de produtos de tabaco em ambientes coletivos, teve uma importante alteração em 2011, a partir da lei 12.546. Nesse sentido até o referido ano o consumo de tabaco era realizado em áreas reservadas – os fumódromos. De tal modo, as alterações decorrentes do artigo 49 da lei 12.546/2011 e do decreto nº 8.262 de 2014 resultaram na proibição do consumo de cigarros, charutos, cachimbos e narguilés em ambientes coletivos, de natureza pública ou privada, em todo o país.

A Convenção-Quadro para Controle do Tabaco como Tratado Internacional sobre Direitos Humanos

Os direitos humanos emergiram a partir de construções do Jusnaturalismo na ciência jurídica. São compreendidos como direitos detraídos de valores éticos e universais, que devem ser orientes para Estados, organismos e sujeitos. O reconhecimento desses direitos pela comunidade mundial é resultado de exigências voltadas ao respeito universal ao ser humano na sua condição de ser digno (VENTURA, 2010. p. 87).

Certamente, os direitos humanos consistem em uma reunião de direitos indispensáveis para uma vida humana, fundamentados em valores libertários, isonômicos e, sobretudo, pautados na dignidade. São intuídos por direitos basilares e indispensáveis à vida em estado de dignidade. Nessa perspectiva, o direito à saúde é formalmente reconhecido como direito humano. Igualmente, podemos aduzir o ordenamento jurídico brasileiro reconhece formalmente a saúde como direito humano.

A consagração de status de norma fundamental conferido a Saúde pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 representou um dos principais avanços sociais da Carta Magna. Insta destacarmos que a construção da Saúde como princípio fundamental se materializou no texto normativo pátrio mediante os latentes avanços históricos da construção dos direitos humanos na ordem internacional.

De inicio, destacamos que a Declaração Universal de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas de 1948, em seus artigos 22 e 26, consagrou o direito à segurança social e a um padrão de vida capaz de assegurar a saúde. Por sua vez, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) de 1966, em seu artigo 12, garantiu às pessoas o direito ao mais alto nível possível de saúde. No ano de 1969, o Pacto de São José da Costa Rica passou a vigorar, conferindo, em seus artigos 4º e 5º, os direitos à vida e à integridade física e pessoal. O protocolo adicional a este pacto, o denominado Protocolo de São Salvador, em seu artigo 10, garantiu o Direito à Saúde, em seu sentido amplo.  A Declaração de Alma-Ata, de 1978, em seu item I, compreendeu que o mais alto nível possível de saúde depende da atuação de diversos setores sociais e econômicos, para além do setor da saúde propriamente dito.

Transgredido o período ditatorial no Brasil, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 passou a compreender a Saúde com direito de todos, ao mesmo passo em que a positivou como obrigação do Estado, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos.

As relações internacionais e a construção da saúde como direito humano foram circunstancias necessárias para a promoção do primeiro Tratado Internacional no âmbito da saúde pública da história: a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco.  Conforme preâmbulo da CQCT, os Estados partes da convenção estão determinados a dar prioridade ao direito de proteção à saúde pública. De tal modo, o presente Tratado Internacional objetiva a promoção do direito à saúde, haja vista compreendê-lo como direito humano.

  Nessa perspectiva, concluímos, preliminarmente, que a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco é ato internacional do gênero Tratado Internacional, Objetivando a proteção e promoção da saúde, como direito humano. Assim, o ato internacional em tela deve ser compreendido como Tratado Internacional que versa sobre direitos humanos.

A Hierarquia Normativa da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco 

O artigo 5º § 3º da CRFB de 1988, decorrente da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, previu que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, seriam equivalentes às emendas constitucionais. Ao mesmo tempo, o parágrafo segundo do mesmo artigo compreendeu que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluiriam outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. No entanto, o STF mantivera, até então, a mesma jurisprudência firmada na Constituição de 1969, segunda a qual os tratados internacionais possuíam mesma hierarquia normativa das leis ordinárias. Registra-se que a adoção desse entendimento pela suprema corte sempre estiveram sobre o norte das críticas doutrinárias, haja vista que  um conjunto de autoridades, como Flávia Piovesan, defendem a ideia de que os tratados internacionais sobre direitos humanos apresentavam status hierárquicos normativos superiores às leis ordinárias e semelhantes.

Em dezembro de 2013, o julgamento histórico do Supremo Tribunal Federal (STF) a cerca de um conjunto de ações modificou substancialmente as concepções da hierarquia normativa do ordenamento jurídico brasileiro, especificamente no que se refere aos tratados internacionais de direitos humanos.

As ações judiciais que levaram à nova orientação jurisprudencial por parte do STF versavam sobre a prisão civil do depositário infiel (artigo 5º, LXVII da CRFB de 1988), que contrastava com o artigo 7.7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a qual aduz que a prisão por dívida só pode ocorrer em virtude do inadimplemento de obrigações alimentares. De tal modo, a ratificação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos pelo Brasil, até então, em nada haveria modificado as considerações a cerca da prisão por dívida. Assim, as normas infraconstitucionais que regulavam a modalidade da prisão eram consideradas constitucionais.

Conquanto, o STF, passou a considerar a prisão civil do depositário infiel ilícita, conforme súmula vinculante nº 25. A decisão paradigmática no Recurso Extraordinário (RE) nº 466.343 apresenta a seguinte redação:

“PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, Inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7º, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.”

De tal modo, para o julgamento da ilicitude da prisão do depositário infiel, foi necessário modificar a compreensão a cerca da hierarquia dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no Brasil. As disposições constitucionais e infraconstitucionais passam a ser compreendidas em conformidade com os Tratados Internacionais que versam sobre Direitos Humanos.

Ressalta-se que a hierarquia normativa é compreendida a partir das relações de subordinação formal e material dos gêneros normativos.  Consoante Bobbio, as normas de um ordenamento são dispostas em ordem hierárquica, partindo-se de uma norma genérica, abstrata e fundamental. A hierarquia normativa objetiva, especificamente, a promoção de segurança jurídica (BOBBIO, 1995).

Os TIDH internalizados pelo Brasil possuem diversas teorias quanto à hierarquia normativa, a saber: a) O status supraconstitucional, cujo seu principal exponente é Celso de Albuquerque Mello; b) o status constitucional dos documentos internacionais de direitos humanos, por Flávia Piovesan e Antônio Cançado; c) a mesma hierarquia das leis ordinárias, anteriormente defendida pelo STF; d) a supralegalidade dos TIDH, atualmente reconhecida pelo STF.

Nesse ínterim, partindo-se do pressuposto de que a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco é um Tratado Internacional que versa sobre Direitos Humanos (TIDH), nos filiamos ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que contempla o status de “supralegalidade” aos TIDH e, portanto, compreendemos que a CQCT possui status de norma supralegal.

No âmbito da hierarquia normativa, as normas supralegais se encontram entre a Constituição e a legislação ordinária. Conforme o Ministro Gilmar Mendes , os TIDH possuem caráter supralegal, o que garantem a possibilidade de anulação da eficácia jurídica de qualquer norma legal com eles conflitantes, inclusive da legislação infraconstitucional que tenha sido editada após a vigência do TIDH (STF, 2008).

Conclusão

A compreensão do direito à saúde como direito humano se emerge na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), em seu artigo 25, ao firmar que todas as pessoas têm direito a um padrão de vida capaz de assegura a si e sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação e cuidados médicos. Posteriormente, o direito à saúde é reafirmado em vários outros atos internacionais como direito humano.

 Os direitos humanos se consolidam diante de um processo latente e continuo de evolução histórica e social da humanidade, o que os levou a consagra-los no ordenamento jurídico pátrio como direitos fundamentais. A saúde se encontra no rol de bens irrenunciáveis, recebendo tutela protetiva do Estado. Notadamente, um direito humano.

Ao compulsarmos a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco constatamos, em diversos dispositivos, que a saúde é o bem jurídico protelado. De tal modo, a CQCT é um Tratado Internacional que versa sobre Direitos Humanos.

No âmbito da análise da eficiência, compreendemos que a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco é um importante vetor para a promoção da saúde em diversas nações. No Brasil, através da redução da demanda, oferta e consumo do tabaco, as diretrizes e obrigações do Tratado Internacional em tela se materializaram diante do Programa Nacional de Controle do Tabagismo; Políticas Tributárias e a atuação do legislativo.  

Tendo em vista que a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco é um Tratado Internacional que versa sobre Direitos Humanos (TIDH), nos filiamos ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que contempla o status de “supralegalidade” aos TIDH e, portanto, compreendemos que a CQCT possui status de norma supralegal.

No âmbito da hierarquia normativa, as normas supralegais se encontram entre a Constituição e a legislação ordinária. A CQCT possui caráter supralegal, o que garante a possibilidade de anulação da eficácia jurídica de qualquer norma legal com ela conflitantes, inclusive da legislação infraconstitucional que tenha sido editada após a sua vigência.

 

Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Apresentação Tercio Sampaio Ferraz Junior. Trad. Maria Celeste C. J. Santos; rev. téc. Cláudio De Cicco. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 6ª ed, 1995.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Vademecum. Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicolette, 14ª edição. São Paulo 2012.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 66.343-1/SP. Min Relator: Cezar Peluzo. 03 de Dez de 2008.
FREYRE, Gilberto. Nordeste – Aspectos da Influência da Cana sobre a Vida e Paisagem do Nordeste do Brasil. 7ª edição. São Paulo. p. 40 – 41.
INCA. Programa Nacional de Controle do Tabaco.  Disponível em <http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/acoes_programas/site/home/nobrasil/programa-nacional-controle-tabagismo/programa-nacional> Acessado em: 01 julho de 2016.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 15ª ed. São Paulo. 2015
ROSEBERG, José. Tabagismo: sério problema de Saúde Pública. Separata: Revista da PUC-SP. 1977.
SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
VEDOVATO, Luís Renato; VEDOVATO, Tatiana Giovanelli; SPERANDIO, Ana Maria Girotti. O PAPEL DO DIREITO INTERNACIONAL NA LEGISLAÇÃO INTERNA SOBRE O CONTROLE DO TABACO. Revista de Direito Sanitário. 2013.
VENTURA, Miriam. DIREITOS HUMANOS E SAÚDE: POSSIBILIDADES E DESAFIOS. Saúde e Direitos Humanos. 2010.
World Health Organization (WHO). Effectiveness of Tax and Price Policies for Tobacco Control. IARC Handbooks of Cancer Prevention in Tobacco Control. Vol. 14. Geneva: 2011.

Informações Sobre o Autor

Petrúcio Araújo Reges

Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba 2017. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário 2017. Pesquisador CNPQ por meio de Projetos de Iniciação Científica. Servidor Público Federal


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