Resumo: A Constituição Federal de 1988 nos serve, além de todas as suas funções, para a proteção de direitos e manutenção da ordem social, não é diferente com o que acontece com a dissolução do vínculo conjugal, que poderia ser desfeito pela separação judicial e pelo divórcio. A sociedade evoluiu e com ela os costumes e a maneira de agir e pensar, e por esta evolução, mais uma vez a sociedade clamou pela desburocratização do divórcio. Assim, foi elaborada a Emenda Constitucional nº 66/2010. Esta espécie normativa se mostrou, de certo ponto, omissa quanto a ocorrência de extinção do instituto da separação judicial quando sua redação aduz que “o casamento civil poderá ser dissolvido pelo divórcio”. Entretanto, o pensamento majoritário dos doutrinadores e juristas, é quanto a sua extinção. Com a extinção do instituto da separação judicial surge outra dúvida: subsistiria a ação cautelar de separação de corpos? Dois entendimento se formam; o primeiro, pelo seu fim, pois a separação teria sido extinta em todas as suas formas e com o divórcio sem requisito restaria por desnecessária a sua subsistência; e o segundo, pela sua continuação no ordenamento, na medida em que, a natureza da separação de corpos seria cautelar ainda útil para as pessoas que pretendem o afastamento rápido do cônjuge do lar. A pesquisa embasou-se na tipologia explicativa do método dedutivo, analisando os seguintes referenciais teóricos: consulta a doutrinas e sites jurídicos e ao texto legislativo da Emenda Constitucional nº 66/2010. Por fim, verificou-se que, não há como ou porque extirpar do ordenamento a separação de corpos, pois ainda se encontra uma finalidade prática na sua continuação no ordenamento. Este trabalho foi orientado pela Profª. Esp. Nara Rúbia Silva Vasconcelos Guerra.
Palavras-chaves: Constituição Federal; Desburocratização; Emenda Constitucional; Separação de corpos.
Sumário: 1. A Constituição Federal de 1988 e o Direito de Família. 2. O Caminho à Emenda Constitucional 66/2010 e a vantagem de desburocratização. 3. O conceito de Medida Cautelar e o Significado da Separação de Corpos. 4. O Impacto da Emenda Constitucional nº 66/2010 na Medida Cautelar de Separação de Corpos.
1. A Constituição Federal de 1988 e o Direito de Família.
Desde a sua independência o Brasil teve sete constituições: a de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e a de 1988. Cada uma representou momentos históricos vividos pelos brasileiros. Entretanto, é na Constituição Federal de 1988, após várias turbulências políticas e econômicas, que encontramos o início de redemocratização do país. Apesar de hoje, termos um grande número de emendas que distorce um pouco do seu texto original, mas foi um marco porque procurou dar ao Brasil um Estado Democrático-Social de Direito. Uma de duas inovações foi à ampliação dos direitos fundamentais, dos direitos sociais, e entre outras, a proteção a família, a criança, ao adolescente e o idoso. Para Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino essa nova constituição “redesenhou-se amplamente o Estado, em sua estrutura e em sua atuação como Estado-poder” e em contrapartida “avigorou-se sobremaneira o Estado-comunidade, mediante o alargamento dos direitos fundamentais de todas as dimensões e o robustecimento dos mecanismos de controle, populares e institucionais, do Poder Público” [1].
O Estado de Direito deve garantir as condições mínimas e essenciais para manter a ordem social equilibrada e ao mesmo tempo deve limitar o poder dos governantes, como assevera Paulo Bonavides:
“Se não garantir nem concretizar a liberdade, se não limitar o poder dos governantes, se não fizer da moralidade administrativa artigo de fé e fé pública, ou princípio de governo, se não levar os direitos fundamentais ao patamar de conquista inviolável da cidadania, não será Estado de Direito” [2].
A Constituição Federal protege a entidade familiar, pois afirma em seu dispositivo que esta constitui a base da sociedade: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.[3] O objetivo constitucional é proporcionar a assistência ao núcleo familiar para que este possa servir de pilar para a sociedade.
“Fundado no princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.[4]
O Estado intervém no núcleo familiar como uma forma de assegurar a ordem social e garantir direitos.
2. O caminho à Emenda Constitucional nº 66/2010 e a vantagem de sua desburocratização.
Da indissolubilidade do casamento até hoje, o instituto do divórcio passou por inúmeras alterações. A primeira referência efetivamente feita à dissolução do casamento foi no Código Civil de 1916, no qual o casamento ainda foi considerado indissolúvel, apenas podendo haver o desquite, que dissolvia o casamento mantendo alguns deveres conjugais e assim, o vínculo matrimonial[5]. Após, a Constituição Federal de 1934 foi pioneira em elevar a dissolução da sociedade conjugal à matéria de interesse constitucional, porém ainda mantendo sua indissolubilidade[6].
A passo lentos nossos legisladores acompanharam a evolução social, e em 1977 surgiu a da Lei ordinária nº 6.515/77, a chamada Lei do divórcio que trouxe a regularização do instituto do divórcio, porém com muitos requisitos[7].
Ademais, a Constituição Federal de 1988 trouxe profundas alterações em relação a dissolução do vínculo conjugal dispondo no artigo 226, § 6º que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”[8].
Este sistema dual foi seguido pelo Código Civil de 2002, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. O aludido diploma disciplina, em seu art 1571 e incisos, que as causas que podem ensejar o término da sociedade conjugal são, a morte de um dos cônjuges, a nulidade ou anulação do casamento, a separação judicial e o divórcio.
Em 04 de janeiro de 2007, a Lei 11.441, foi editada para atender aos reclames da sociedade que caminhava na busca da desburocratização dos procedimentos. Esta lei possibilitou a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual pela via administrativa. Sem a necessidade de aguardar os prazos, entrando em consenso, o casal pode requisitar no cartório o divórcio. Entretanto devem existir alguns requisitos: não existir filhos menores de idade ou incapazes e principalmente a decisão seja consensual. Caso contrário o mesmo deve ser requisitado na justiça e não no cartório. Sendo esta mais uma tentativa no caminho da desburocratização do divórcio[9].
Antes do advento da Emenda Constitucional nº 66/2010 a Constituição previa que a dissolução do casamento seria feita através do divórcio, entretanto, após a separação de fato por mais de dois anos, com o divórcio direto, ou na separação judicial após um ano, ou seja, após um ano de decretada a separação, os cônjuges poderiam requisitar o divórcio indireto, também chamado de divórcio conversão.
A Emenda n° 66/2010[10] veio com o objetivo de retirar do texto constitucional a burocracia vigente, fazendo com que nem o lapso temporal nem a previa separação judicial sejam mais requisitos necessários para que exista o divórcio.
O sistema existente com os institutos da separação e do divórcio não tem mais sentido no nosso ordenamento jurídico. Rodrigo da Cunha Pereira[11] afirma que esse sistema para romper o vínculo legal do casamento, possui raízes e justificativas principalmente em uma moral religiosa. Não se justifica mais em um Estado laico manter esta duplicidade de tratamento legal. A tendência evolutiva dos ordenamentos jurídicos ocidentais é que o Estado interfira cada vez menos na vida privada e na intimidade dos cidadãos.
Hoje temos um ordenamento jurídico, graças a Emenda Constitucional n° 66/2010, que contempla a vontade do casal em se divorciar, tornando o mais célere, menos burocrático. Foi corrigida uma distorção da lei, pois uma situação resolvida entre o casal só chegaria ao seu êxito após a separação de fato a mais de dois anos ou após um ano da separação judicial. A Emenda contemplou a declaração de vontade de duas pessoas ao excluir o arcaico instituto da separação judicial.
E ainda, um dos objetivos dessa desburocratização é desafogar o judiciário, pois, muitos casais ao decidirem consensualmente regularizar sua situação, não precisam mais recorrer à justiça, basta dirigir-se ao cartório para encerrar o vínculo matrimonial ou entrar com um simples processo de divórcio em que apenas a vontade das partes e o desamor gerado são requisitos necessários.
3. O conceito de medida cautelar e o significado da separação de corpos.
Medida cautelar é entendida como qualquer providência preventiva que seja resultante de um procedimento disciplinado sob o título genérico do processo cautelar. Tem como finalidade a de assegurar o resultado útil do processo de conhecimento ou de execução, a partir do resguardo de bem ou direito ameaçado.
Para Misael Montenegro Filho[12]:
“Qualifica-se como o instrumento jurídico processual de que se utiliza o autor para solicitar ao magistrado a proteção de um bem ou de um direito, permitindo que permaneça integro e que possa ser disputado no palco da ação principal. A jurisdição de conhecimento preocupa-se com a certificação do direito em favor de um dos protagonistas da relação processual, após ampla investigação dos fatos alinhados na demanda pelo autor e pelo réu. A jurisdição executiva é instrumental, na medida em que se preocupa com a satisfação do credor, em face da conduta assumida pelo devedor, de não adimplir a obrigação de forma voluntária. A jurisdição cautelar, sobre a qual nos debruçamos, é conservativa de bens ou de direitos, sendo servil ao processo principal, sem ser satisfativa (característica da antecipação de tutela).”
A tutela cautelar como parte da jurisdição serve, principalmente, para que não fracasse a missão do judiciário em pacificar, adequada e eficientemente, os litígios, de forma provisória e subsidiária[13]. Portanto, a medida cautelar tem sua importância pautada na possibilidade da proteção de um bem ou direito pelo judiciário, quando em regime de urgência, este bem ou direito encontra-se ameaçado, podendo perecer até a ação principal ser julgada.
Várias são as medidas cautelares e uma delas é a separação de corpos que é a medida cautelar que pretende o afastamento de um dos cônjuges do lar conjugal regulada pelo art. 888, VI do Código de Processo Civil.
“Art. 888 – O juiz poderá ordenar ou autorizar, na pendência da ação principal ou antes de sua propositura: (…)
VI – Afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal”;[14]
O afastamento do lar conjugal pretende resguardar a integridade, seja ela física ou moral, e a própria vida daquele cônjuge que está sendo direta ou indiretamente ameaçado. Pretende resguardar o bem vida e o proteger o direito a dignidade da pessoa humana.
Antes do advento da emenda constitucional nº 66/2010, esta medida cautelar, reconhecida como de cautela preventiva, servia para a aplicação do prazo decadencial, para a contagem dos prazos ao pedido de divórcio e, também, para a contagem de prazo para o pedido de separação, mesmo consensual, quando os cônjuges não tivessem um ano de casados, neste caso, o juiz decretaria a separação de corpos e suspenderia o processo até à concessão de separação[15].
Outro função, era a de ser utilizada para que o cônjuge que quisesse sair do lar sem que com isso configurasse o abandono do lar conjugal, utilizasse-o como mera comunicação feita a via judicial, a fim de não incorrer nas consequências geradas pela condição de culpado[16].
A separação de corpos também poderia ser utilizada para atingir o divórcio, assim, quando o casal queria por fim ao casamento, ao invés de aguardar o prazo de dois anos para o pedido de divórcio consensual (regulado no art. 1580, §2º do CC), bastava fazer o pedido de separação de corpos e aguardar um ano, assim esta seria convertida em divórcio de forma mais rápida, conforme o art. 1580 do CC[17].
4. O impacto da Emenda Constitucional nº 66/2010 na medida cautelar de separação de corpos
A Emenda Constitucional 66/2010 trouxe a tona o questionamento sobre o fim do instituto da separação judicial e com isso o fim da medida cautelar de separação de corpos. O entendimento majoritário exclui a separação judicial, assim, para parte da doutrina, sendo uma espécie de separação, teria sido extinta do nosso ordenamento daquela medida.
Acontece que o entendimento majoritário da doutrina é no sentido de sua subsistência, assim como leciona João Fernando Simão, com o fim do prazo de um ano para o pedido de separação, previsto no art. 1.574, a medida cautelar passou a ser inútil, na medida em que, podem os cônjuges propor o divórcio consensual a qualquer tempo.
Entretanto, esta medida pode ser utilizada de forma litigiosa, pois em caso de risco à segurança de um dos cônjuges ou dos filhos o juiz liminarmente afastará o outro do lar conjugal. Assim, em até 30 dias de concessão da liminar, o requerente poderá propor a ação de divórcio e não mais de separação, posto que este instituto desapareceu de nosso sistema jurídico.[18]
Outra parte, como Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, a separação de corpos subsiste, tanto na espécie consensual como litigiosa, na medida em que, a coabitação permanece em nosso sistema como um dos deveres do casamento (art. 1566, CC). Assim, logicamente, haverá casos em que um dos cônjuges precisará da tutela jurisdicional para sua proteção com a retirada do outro cônjuge do lar, ou para a própria saída. Entretanto, vale salientar que o descumprimento do dever de coabitação não justifica a ação de separação judicial como sendo a ação principal que deverá ser interposta, e sim a de divórcio, haja vista aqela ter sido extinta do ordenamento jurídico brasileiro.[19]
Para se chegar a uma conclusão correta sobre a subsistência da medida cautelar de separação de corpos no ordenamento, é importante observar que seu fim é mais amplo que a simples separação do casal. A proteção de um dos cônjuges e o afastamento do outro do lar comum, quando gerados por litígios resultante da convivência poderá resultar em lesão irreparável, física, psicológica ou moral.
Conclui-se que deverá continuar vigente, apenas perdendo a eficácia de fato a separação de corpos consensual, pois a medida mais eficaz passa a ser o divórcio direto, que após a Emenda Constitucional nº 66/2010, passou a não ter requisito tempo. Porém, a separação de corpos quando há litígios e perigo de lesão, iminente ou efetivo, poderá e deverá ser utilizada.
Informações Sobre os Autores
Clara Mariana de Oliveira Lima
Estudante de Direito.
Riquelma Maria de Medeiros Lima
Estudante de Direito.