Resumo: O presente trabalho dispõe acerca da Emenda Constitucional n. 66/2010 e seus efeitos no ordenamento jurídico brasileiro. O texto traça a evolução histórica dos institutos da separação e do divórcio, bem como os requisitos para suas concessões até o advento do novo texto constitucional. Além disso, apresenta as posições doutrinárias quanto à permanência ou não do instituto da separação como forma de dissolução da sociedade conjugal no sistema jurídico brasileiro. Ao final, discorre acerca do direito intertemporal no caso em tela, demonstrando os entendimentos existentes a respeito dos procedimentos de separação ajuizados a época da edição da nova norma.[1]
Palavras-chave: Divórcio, Separação, Emenda Constitucional n. 66/2010.
Abstract: This study aims on the Constitutional Amendment nº 66/2010 and its effects on the Brazilian legal system. The article traces the historical evolution of the institutes of separation and divorce, as well as the requirements for their concessions until the advent of the new constitutional text. In addition, it presents the doctrinal positions as to the permanence or not of the institute of separation as a mean of dissolution of marriage in the Brazilian legal system. In the end, it exposes the intertemporal law in these cases, showing the understandings about the separation procedures existing at the time of the edition of the new rule.
Keywords: Divorce, Separation, Constitutional Amendment nº 66/2010.
Sumário: 1. Introdução. 2. O divórcio e a separação: aspectos gerais e distintivos até a Emenda Constitucional n. 66/2010. 2.1. A separação e o divórcio no direito brasileiro. 2.2. Efeitos da separação e do divórcio no casamento antes da Emenda Constitucional n. 66/2010. 3. O divórcio e a separação após a Emenda Constitucional n. 66/2010. 3.1. A Emenda Constitucional n. 66/2010: o fim da separação? 3.2. Direito intertemporal. 4. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Com efeito, a Emenda Constitucional n. 66/2010 alterou a redação do §6º, do artigo 226, da Constituição Federal, retirando do texto a referência à separação judicial e aos requisitos temporais para a obtenção do divórcio.
Dessa forma, a presente monografia de conclusão de curso tem como escopo demonstrar a aplicabilidade da nova Emenda em nosso ordenamento jurídico e sua deficiência no caso do julgador entender pela extinção do instituto da separação.
Para tanto, será abordada, em um primeiro momento, a evolução histórica do divórcio e da separação no sistema normativo brasileiro, desde sua origem até o advento da referida emenda, apresentando as alterações dos seus requisitos e suas possibilidades no decorrer dos anos.
Da mesma forma, será tratada a questão da culpa, cuja comprovação consistia em requisito indispensável para a concessão da separação. Entretanto, com o Código Civil de 2002, o legislador agregou às hipóteses de separação culposa a possibilidade de o julgador “considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”, ampliando, assim, as possibilidades para o fim da sociedade matrimonial.
Feito isso, passarão as ser expostas as conseqüências do novo texto constitucional no sistema jurídico brasileiro. Nesse sentido, serão apresentadas as posições doutrinárias quanto à sobrevivência ou extinção da separação em nosso ordenamento, uma vez que a nova Emenda deixa de referir o instituto, bem como os prazos anteriormente exigidos para a concessão do divórcio.
Além disso, será analisado o direito intertemporal da questão, ou seja, como ficarão os casos de separação, judicial ou extrajudicial, já encaminhados na época da entrada em vigor do novo texto constitucional, uma vez que, diante da nova norma, deverão ser resguardados os princípios do direito adquirido e da coisa julgada, a fim de preservar o ato jurídico perfeito.
Para isso, além das posições dos doutrinadores, serão apresentadas decisões jurisprudenciais acerca do tema, que, apesar de recente, já desencadeou enorme divergência dentre os operadores do direito.
Enfim, através da interpretação da legislação existente acerca do divórcio e da separação judicial, o presente trabalho demonstrará os efeitos da alteração da redação constitucional originária e as correntes doutrinárias e jurisprudenciais oriundas dessa mudança.
2 O DIVÓRCIO E A SEPARAÇÃO: ASPECTOS GERAIS E DISTINTIVOS ATÉ A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 66/2010
Neste primeiro capítulo serão analisados os institutos da separação e do divórcio, com seus aspectos gerais e distintivos até o advento da Emenda Constitucional n. 66, de 2010.
Assim, será apresentada a evolução histórica dos institutos desde a origem até a promulgação da referida emenda, bem como os requisitos legais para suas concessões neste período.
Da mesma forma, serão verificadas as suas modalidades e os efeitos que estes produzem no casamento.
2.1 A SEPARAÇÃO E O DIVÓRCIO NO DIREITO BRASILEIRO
Como se sabe, a sociedade antiga era fortemente conservadora e totalmente influenciada pela Igreja que justificava, em longos relatos, a impossibilidade da dissolução do casamento. Da mesma forma, o Estado também possuía interesse na indissolubilidade deste, uma vez que o objetivo era preservar o patrimônio dos cônjuges e não as razões pelas quais resultaram no enlace destes.[2]
Inicialmente, o termo divórcio foi implantado em nosso país no século XVIII, no ano de 1890, através do Decreto 181. Entretanto, na época, não possuía o mesmo efeito que possui nos dias de hoje, uma vez que somente autorizava a separação de corpos e cessava o regime de bens, sem dissolver o vínculo conjugal. Por esta razão, era chamado de divórcio de cama e mesa[3].
Assim dispunha o artigo 88, da referida legislação:
“Art.88. O divórcio não dissolve o vínculo conjugal, mas autoriza a separação indefinida dos corpos e faz cessar o regime dos bens, como se o casamento fosse dissolvido.”
Nesse sentido, Arnoldo Wald leciona:
“Durante mais de três séculos ficou o Brasil sujeito, em matéria de casamento, às determinações do Concílio de Trento, e, portanto, somente a Igreja Católica tinha competência para celebrar casamento, que havia sido elevado à condição de sacramento.
A luta pela secularização do casamento foi iniciada ainda no Império, mas somente com a República foi instituído o casamento civil, no Brasil, pelo Decreto n. 181, de 24-1-1890. Até então só era válido, em princípio, o casamento católico no Brasil, tendo lei anterior estabelecido, no entanto, o casamento misto e o acatólico (Lei n. 1.144, de 11-9-1861)”.[4]
Através do Código Civil de 1916[5], o termo divórcio foi substituído por desquite, mantendo os mesmos efeitos instituídos pelo Decreto 181/1890. Da mesma forma, o desquite não dissolvia o vínculo conjugal, somente fazia cessar os deveres de fidelidade recíproca e de vida em comum, não sendo permitindo novo casamento pelos cônjuges.
Nesse ínterim, considerou Sílvio Rodrigues:
“A palavra “desquite” foi introduzida no direito brasileiro com o Código Civil de 1916. O Decreto n. 181/1890, que instituiu entre nós o casamento civil, ainda utilizava a expressão divórcio, embora não o admitisse com o efeito de romper o vínculo conjugal. De forma que o Código Civil, fora modificações menores, nada inovou ao direito anterior, a não ser o nome do instituto”.[6]
Da mesma forma entendeu Maria Berenice Dias:
“(…) Quando da edição do Código Civil de 1916, o enlace juramentado era indissolúvel. A única possibilidade legal de romper com o matrimônio era o desquite que, no entanto, não o dissolvia. Permanecia intacto o vínculo conjugal a impedir novo casamento, mas não novos vínculos afetivos, pois cessavam os deveres de fidelidade e de mantença da vida em comum sob o mesmo teto. Remanescia, no entanto, a obrigação de mútua assistência, a justificar a permanência do encargo alimentar.”[7]
Ainda quanto ao tema, em outra obra sua, Maria Berenice Dias asseverou:
“A possibilidade do desquite admitida pelo Código Civil, em 1916, nada mais foi do que uma tentativa de contornar a perpetuação de situações de fato insustentáveis frente à ordem jurídica. Como somente a morte de um dos cônjuges possuía o condão de “dissolver” o casamento, foi criada a possibilidade de a sociedade conjugal “terminar” pelo desquite, para evitar rotulações como bigamia, infidelidade e adultério a quem buscava outros vínculos afetivos”.[8]
Além disso, o desquite somente poderia se fundar nos motivos previstos em lei, quais sejam: adultério, tentativa de morte, sevícia ou injuria grave, abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos contínuos. Nesse sentido a legislação era clara:
“Art. 317. A ação de desquite só se pode fundar em algum dos seguintes motivos:
I. Adultério.
II. Tentativa de morte.
III. Sevicia, ou injuria grave.
IV. Abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos contínuos.”
Entretanto, até este momento, o tema da extinção da sociedade conjugal não tinha atingido a esfera constitucional. Somente com a Constituição de 1934, em seu art. 144[9], tornou-se princípio constitucional a indissolubilidade do vínculo matrimonial, a cujo parágrafo único foi acrescentado que “A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento”. Dessa forma, a introdução do divórcio, com rompimento do vínculo conjugal, em nosso país tornou-se ainda mais difícil.[10]
Por outro lado, a Constituição de 1937[11], assim como as outorgadas em 1946[12] e 1967[13], embora tenham mantido o princípio da indissolubilidade, calaram-se acerca do desquite, que permanecia previsto somente no Código Civil.
Com efeito, na época, ninguém sustentou a tese de que o desquite fora abolido, uma vez que não contemplado pela Constituição Federal, em seus dispositivos, pois o referido instituto continuava previsto no Código Civil.[14]
Em 1977, a Emenda Constitucional n. 09 retirou da Constituição o princípio da indissolubilidade do vínculo, reintroduzindo no direito brasileiro o termo divórcio, “desta vez como dissolução do casamento”[15].
Nesse sentido, asseverou Yussef Said Cahali:
“Com a Emenda Constitucional 9, de 1977, admitindo a dissolubilidade do vínculo matrimonial, o Brasil ingressou no rol dos países divorcistas, rompendo assim com uma tradição de vários séculos.
Anteriormente, nosso direito só admitia o chamado divórcio a thoro et mensa, o divórcio do Direito Canônico (Decreto 181, de 1890- Lei do Matrimônio Civil), sob a nomenclatura de desquite na sistemática do Código Civil de 1916; e correspondendo À separação pessoal ou de corpos, do direito alienígena, ou à separação judicial do nosso novo Direito de Família.”[16]
A referida norma alterou o § 1º do artigo 175[17], da Constituição Federal de 1967, estabelecendo que, para a obtenção do divórcio, seria necessária a existência de prévia separação judicial por, no mínimo, três anos. Sendo assim, o divórcio somente seria obtido pela conversão da separação judicial, respeitado o requisito temporal exigido. Assim, introduziu-se o instituto do divórcio, propriamente dito, em nosso País.
Com este marco na legislação, sobreveio, no mesmo ano, a Lei n. 6.515, conhecida como “lei do divórcio”. Tal norma alterou o Código Civil de 1916 e inseriu de vez no ordenamento jurídico brasileiro o referido instituto:
“Art. 2º. A Sociedade Conjugal termina:
I – pela morte de um dos cônjuges;
Il – pela nulidade ou anulação do casamento;
III – pela separação judicial;
IV- pelo divórcio.
Parágrafo único – O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.
Art. 24. O divórcio põe termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso.”
Entretanto, a referida legislação manteve o mesmo prazo de três anos para a conversão da separação judicial, até então chamada de desquite, em divórcio.
Sobre o tema, leciona Maria Berenice Dias:
“Para viabilizar a aprovação da lei regulamentadora do divórcio (Lei n. 6.515, de 26.12.1977), alguns abrandamentos precisaram ser instituídos e restrições acabaram por ser impostas. Assim, o que o Código Civil denominava de “desquite” (ou seja, não quite, alguém em débito para com a sociedade) passou a se chamar, na Lei do Divórcio, de “separação judicial”, autorizando a separação dos cônjuges sem romper nem dissolver os sagrados laços do matrimônio.”[18]
Em 1988, a nova Constituição Federal, embora com pequenas alterações, manteve a constitucionalidade da dissolução do vínculo conjugal.[19] Assim, além de reduzir o prazo para conversão da separação judicial em divórcio de três para um ano, instituiu no Brasil a modalidade do divórcio direto.
Nesse sentido, leciona Zeno Veloso:
“Depois de uma luta que perdurou por longos anos, e que teve como paladino o grande e saudoso Senador Nélson Carneiro, o divórcio, finalmente, havia sido introduzido, entre nós. Porém, como afirmou diversas vezes Nélson Carneiro, para que se atingisse o objetivo e a vitória, algumas concessões tiveram que ser feitas. Assim sendo, o divórcio, em regra, não podia ser requerido, diretamente, pelos interessados, que tinham antes, de passar, digamos, por um “estágio probatório”. Inicialmente, deviam os cônjuges, cujo casamento faliu ou acabou, que se separar de direito e, depois, passado um ano – que no caso deles era um tempo longuíssimo, que não acabava jamais -, de promover a conversão da separação em divórcio. A única hipótese para que o divórcio pudesse ser obtido, desde logo, era a comprovada separação de fato do casal por mais de dois anos”.[20]
No ano seguinte, a lei n. 7.841 alterou a lei do divórcio nos termos da nova Constituição Federal, passando a exigir o lapso temporal de somente um ano para a conversão da separação judicial em divórcio[21], bem como reduzindo o prazo para dois anos para a concessão do divórcio direto[22].
Após isso, em 1992, a lei 8.408 alterou os artigos 5º e 25 da mesma lei, passando a exigir o prazo de um ano, ao invés de cinco, da ruptura da vida em comum para o ingresso, por um dos cônjuges, com o pedido de separação judicial.
Além disso, modificou o artigo 25, nos seguintes termos:
Lei 6.515/77
Art. 25. A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges existente há mais de três anos, contada da data da decisão ou da que concedeu a medida cautelar correspondente (art. 8°), será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou.
Após o advento da lei 8.408/92
Art. 25. A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges existente há mais de um ano, contada da data da decisão ou da que concedeu a medida cautelar correspondente (art. 8°), será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou. (Redação dada pela Lei nº 8.408, de 13.2.1992).
Parágrafo único. A sentença de conversão determinará que a mulher volte a usar o nome que tinha antes de contrair matrimônio, só conservando o nome de família do ex-marido se alteração prevista neste artigo acarretar: (Parágrafo incluído pela Lei nº 8.408, de 13.2.1992)
I – evidente prejuízo para a sua identificação; (Inciso incluído pela Lei nº 8.408, de 13.2.1992)
II – manifesta distinção entre o seu nome de família e dos filhos havidos da união dissolvida; (Inciso incluído pela Lei nº 8.408, de 13.2.1992)
III – dano grave reconhecido em decisão judicial.” (Inciso incluído pela Lei nº 8.408, de 13.2.1992)”(grifos nossos))
Com o advento do Novo Código Civil, em 2002, o divórcio e a separação passaram a ser regidos pelo referido diploma, sendo tratado em um capítulo específico (capítulo X- Da Dissolução da Sociedade e do vínculo Conjugal), prevalecendo a lei do divórcio somente quanto a parte não mencionada nele, ou seja, as normas processuais.
Nesse sentido, manifestou-se Silvio de Salvo Venosa:
“Em princípio, há que se entender que a Lei n.º 6.515/77 está derrogada pelo vigente Código Civil em tudo que disser respeito ao direito material da separação e do divórcio, persistindo seus dispositivos de natureza processual, até que sejam devidamente adaptados ou substituídos por nova lei.”[23]
Da mesma forma é o entendimento de Maria Berenice Dias:
“Com a entrada em vigor do Código Civil, diante da concorrência normativa, a Lei do Divórcio está quase inteiramente derrogada. A separação e o divórcio estão regulados exclusivamente na lei civil. Mantêm-se, no panorama legal, poucos fragmentos de caráter processual.”[24]
Em 2007, foi promulgada a Lei n. 11.441, instituindo no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade da realização da separação e do divórcio consensuais pela via administrativa ou extrajudicial em tabelionatos, nos seguintes termos:
“Art. 3o A Lei no 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 1.124-A:
“Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.
§ 1o A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.
§ 2o O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
§ 3o A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.”
Sobre a referida mudança, manifestou-se Maria Luiza Póvoa Cruz:
“Que a inovação trazida pela Lei 11.441/2007, revela-se reformadora quanto à dinâmica a que se propõe para desafogar o judiciário e, inovadora, quanto aos meios de atingir seus objetivos, cravando-se na nossa jurisfera como um meteoro incandescente, provocando efeitos em cadeia, não imaginados pelo legislador.”[25]
Assim, a dissolução do vínculo matrimonial somente poderia ser obtida através da conversão da separação judicial ou extrajudicial em divórcio, ou através do divórcio direto, respeitados os prazos exigidos pela lei.
2.2 EFEITOS DA SEPARAÇÃO E DO DIVÓRCIO NO CASAMENTO ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 66/2010
Ainda que se encontrem no mesmo capítulo do Código Civil, o divórcio e a separação correspondem a institutos distintos, tendo em comum somente o fato de porem fim ao casamento (inc. III e IV do art. 1.571, do Código Civil[26]).
Com efeito, a separação somente põe termo às obrigações decorrentes do matrimônio entre dois cônjuges, sendo estes dispensados pela justiça de suas obrigações e deveres, tais como, coabitação, fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens (art. 3° da Lei 6.515/77[27]), ou seja, dissolve a sociedade conjugal. Enquanto que o divórcio extingue definitivamente o vínculo do matrimônio, liberando os cônjuges para novo enlace.
Nesse sentido, Yussef Said Cahali leciona:
“A distinção entre os dois institutos, contudo é elementar: o divórcio, como ruptura de um matrimonio válido em vida dos cônjuges, “põe termo ao casamento e aos efeitos do matrimônio religioso”, ensejando àqueles a convolação de novas núpcias.
Enquanto isso, a separação judicial é apenas o estado de dois cônjuges que são dispensados pela justiça dos deveres de coabitação e fidelidade recíproca (art. 3º, da Lei 6.515/77). Difere assim do divórcio, pois apenas relaxa os liames do matrimônio, liberando os cônjuges de certos deveres que dele resultam; mas, sem provocar o rompimento do vínculo conjugal, não lhes possibilita um novo casamento.”[28]
Da mesma forma, Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias lecionam:
“Na rota dessa dualidade de causas dissolutivas do casamento que o nosso sistema adotava, eram detectadas, no referido art. 1.571 da Codificação de 2002, quatro causas terminativas: i) a morte; ii) o divórcio; iii) a separação; e iv) a anulação ou nulidade do casamento. Destas quatro causas terminativas, somente duas delas também eram causas dissolutivas do casamento: i) a morte e ii) o divórcio, pois permitiam às pessoas contrair novas núpcias – o que não é possível nas demais hipóteses, que, repita-se, eram meramente extintivas da sociedade e, por conseguinte, dos deveres conjugais, sem desconstituir o vínculo matrimonial existente. Nessa ordem de idéias, através do instituto da separação, os consortes apenas colocavam fim aos deveres recíprocos conjugais e ao regime de bens, sem que estivessem libertos da relação jurídica formada pelo matrimônio, motivo pelo qual não poderiam contrair um novo casamento. Os cônjuges separados, portanto, não eram divorciados e não podiam casar novamente, pois ainda estavam vinculados.”[29]
Assim, a separação judicial poderá ser: litigiosa[30], baseada em grave violação dos deveres do casamento, tornando insuportável a vida em comum; consensual[31], por mútuo consentimento dos cônjuges; remédio[32], em virtude de doença mental grave acometida por um dos cônjuges após o casamento, cuja cura seja considerada improvável; ou falência[33], pela ruptura da vida em comum, sem a possibilidade de reconstituição.
A separação litigiosa poderá ser requerida a qualquer momento, por um dos cônjuges, desde que comprovada a culpa, pelo cônjuge ofendido, daquele que deixou de cumprir os deveres do casamento ou manteve conduta desonrosa, impossibilitando o convívio entre os cônjuges.
Dentre os motivos de impossibilidade da manutenção da vida em comum estão o adultério, a tentativa de morte, a sevícia ou injúria grave; abandono voluntário do lar durante um ano contínuo, condenação por crime infamante e a conduta desonrosa.
Além disso, inovou o legislador com o Código Civil de 2002, introduzindo no ordenamento jurídico, através do parágrafo único do artigo 1.573, a possibilidade de o juiz “considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”, admitindo, assim, a separação judicial sem a existência de culpa por qualquer um dos cônjuges.
Nesse sentido, manifestou-se Marco Túlio Murano Garcia:
“De fato, o art. 1573, parágrafo único, ao dispor que “o juiz poderá considerar outros fatos, que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”, passou a contemplar uma nova modalidade de separação no direito brasileiro, calcada na própria impossibilidade da manutenção da vida em comum, independente de qualquer causa, culposa ou objetiva, de tal sorte que um determinado cônjuge, para se separar, não precisa mais invocar uma causa, como por exemplo a grave violação dos deveres matrimoniais por parte do outro cônjuge, ou mesmo a grave doença mental, bastando simplesmente que alegue o seu desejo de não mais manter o laço matrimonial pelo fim da afeição conjugal, ou mesmo a tão comentada “incompatibilidade de gênios”.[34]
O referido texto legal desencadeou enorme discussão entre os doutrinadores, diante da incongruência constante no citado artigo. Por um lado, considerou a separação judicial pela comprovação da culpa de um dos cônjuges, e a seguir possibilitou o seu requerimento independente de qualquer causa culposa, conferindo ao juiz o poder de determinar quais situações tornam impossível a vida em comum para duas pessoas.
Com efeito, a doutrina e a jurisprudência foram favoráveis a liberação da culpa para concessão da separação judicial. Nesse sentido, leciona Sérgio Gischkow Pereira:
“O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem reagindo contra esta linha preponderante de pensamento, em julgamentos que colimam ou afastam a cogitação da culpa por inconstitucionalidade (fere o resguardo da dignidade humana), ou, pelo menos, elidam sua discussão, em casos concretos, tanto quanto possível (exemplos: a- desnecessidade de discutir a culpa porque já acertados alimentos e uso de sobrenome; b- a passagem do tempo, em separação judicial litigiosa sanção, permite saída através da separação judicial litigiosa remédio por separação de fato). Esta orientação tem sólido fundamento, pois se alicerça em dados psicológicos, que evidenciam a reciprocidade da culpa, e morais, que visam resguardar os cônjuges das desvantagens de uma separação judicial litigiosa com pesquisa de culpa, assim como na constatação de que o desamor deve acarretar o fim da sociedade conjugal, o que combina com o fato de a revalorização do aspecto afetivo ser uma das características principais do direito de família moderno.”[35]
Da mesma forma, César Leandro de Almeida Rabelo considerou:
“Melhor não poderia ser o entendimento afinal, diante da liberalidade da autonomia privada dos indivíduos, não é necessário invocar qualquer motivo ou causa para realização do casamento, da mesma forma não se deve exigir motivo ou causa para se separar.(…)”[36]
Nessa linha também é a critica de Lúcio Grassi de Gouveia:
“(…) na origem da consideração da culpa como fator preponderante para fixação dos efeitos do divórcio, deve ser considerada a influência da formação cultural judaico-cristã, que associa as atividades humanas à idéia de expiação dos pecados, em que o prazer não é facilmente absorvido desvinculado do elemento culpa (…). Tal forma de pensar influenciou o direito de família em diversos países, expressando-se essa noção de culpa na responsabilização de um cônjuge por não mais querer continuar casado com o outro. Exige-se sacrifício e dor em prol da ‘paz doméstica’, que se transforma gradativamente na mais terrível forma de sofrimento: a convivência forçada com alguém com quem não há mais qualquer vínculo afetivo. O direito à felicidade é colocado em último plano. O cônjuge deve sofrer, pois, já que assumiu o casamento, estará condenado perpetuamente a viver com outro pelo resto da vida. E se conseguir livrar-se do casamento, em um processo árduo, no qual será vasculhada sua vida e devastada sua intimidade (a investigação da culpa propicia isso) não poderá fazê-lo impunemente. Em alguns sistemas jurídicos terá que pagar perdas e danos, alimentos, perderá bens e direitos, em suma, será punido muitas vezes com a ruína econômica. Livra-se de uma pena perpétua, mas imediatamente tais sistemas jurídicos lhe asseguram eficazmente outra. Você jamais será feliz! É o que parece querer dizer o juiz que matematicamente calcula o grau de culpa de cada um dos desesperados cônjuges para fixação dos efeitos a serem suportados pelo único ou principal culpado.”[37]
Não obstante, a Constituição Federal de 1988, através dos princípios ali previstos, tais como o da privacidade e da dignidade humana, já havia praticamente afastado a necessidade da culpa para a concessão da separação litigiosa, uma vez que a investigação para prova desta (culpa), bem como os seus efeitos na dissolução da união consistiam em verdadeira afronta aos direitos fundamentais dos cônjuges.
Nesse sentido, através das palavras de Dimas Messias de Carvalho, Leonardo Barreto Moreira Alves leciona:
“(…)os princípios da Constituição Federal de 1988 e o moderno direito de família aboliram a perquirição de culpa e seus efeitos na separação judicial. Ressalta que, no Código Civil de 1916, a família era caracterizada pelo binômio casamento e indissolubilidade do vínculo conjugal. Assim, a separação (desquite) dependia de prova de culpa e impunha sanções severas ao cônjuge declarado culpado, privando-o de direitos fundamentais à sua própria dignidade humana, como alimentos, uso do nome e guarda dos filhos, com o propósito inequívoco de colocar um freio e desestimular o pedido de separação por apenas um dos consortes. Os princípios constitucionais da pluralidade de famílias e a facilitação do divórcio sepultaram as características da família no código anterior. O casamento, nos dias atuais, é tido como um dos meios de promoção da dignidade da pessoa humana, estabelecendo plena comunhão de vida, devendo ter vigência enquanto cumprir essa função. No momento em que tal função se encerra, devem ter os consortes plenos direitos de dissolver a sociedade conjugal, não existindo sentido em discutir a culpa, pois não é crível que alguém seja juridicamente punido pelo simples desamor. (…) o princípio da culpa passou a ser substituído pelo princípio da ruptura do casamento, exigindo-se, para decretação da separação judicial, apenas e tão-somente a prova da ruptura sadia da convivência do casal, a quebra da plena comunhão de vida, da mútua assistência, do afeto, resumindo, requer-se, unicamente, a prova do desamor.”[38]
Da mesma forma é o entendimento de Maria Berenice Dias:
“(…) É absolutamente indevida a intromissão do Estado na vontade das partes, impondo prazos ou identificação de “culpas” para desfazer o casamento. Evidente o desrespeito ao direito à liberdade, razão pela qual não há como deixar de reconhecer como inconstitucional a regra que impõe imitações à separação e ao divórcio, por afrontar o princípio maior que consagra a dignidade da pessoa humana como bem supremo. (…)
Vivendo a sociedade um novo momento histórico, tão bem apreendido pela Constituição, que assegurou a liberdade e o respeito à dignidade, imperioso questionar se o Estado dispõe de legitimidade para estabelecer restrições à vontade de romper o casamento. Nada mais justifica a permanência de modalidades diversas para ultimar período de vida em comum. (…) A separação é um direito constitucionalmente assegurado, pois livra os cônjuges da degradação de continuarem sendo infelizes.”[39]
Entretanto, a discussão girou em torno da manutenção da separação judicial culposa no texto da lei. Nesse sentido, a maioria dos doutrinadores posicionou-se pela conservação do princípio da culpa expresso, embora considerado incoerente:
“Não bastasse isso, o parágrafo único do art. 1.573, surpreendentemente, dispõe que “o juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”. Ou seja, introduz no sistema, de forma absolutamente incoerente com os dispositivos anteriores, uma hipótese de extremada abertura, ensejando, na linha do que já vinha sendo até agora decidido, especialmente pela jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a viabilidade de ser decretada a separação judicial com fundamento exclusivo na impossibilidade de continuação da vida em comum, pela ausência da “affectio” que constitui a própria razão de ser do relacionamento conjugal. Certamente por tal senda é que deverá enveredar a jurisprudência.
Melhor teria sido que, espelhando a evolução que se tem observado sobretudo na jurisprudência, o legislador houvesse se limitado a prever apenas a separação judicial fundada em quaisquer fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum, eliminando a necessidade de apuração de culpas.”[40]
Assim também se posicionou Dimas Messias de Carvalho:
“Novamente, o legislador perdeu no Código Civil grande oportunidade de excluir do direito brasileiro a imputação de culpa pela separação do casal, como já ocorre no divórcio, possibilitando, em processos desgastantes, a -exposição de intimidades do casal, causando desnecessário sofrimento aos cônjuges e aos filhos. Não raras vezes, a separação sanção possibilita ao cônjuge, insatisfeito com o fim do afeto do outro, utilizá-la como instrumento de vingança e castigo, devassando a vida do consorte, pessoal e patrimonial, e a intimidade do casal e dos filhos, desnecessariamente.
O Código Civil destoa da doutrina e jurisprudência moderna, que há muito tem se posicionado no sentido de não mais existir justificativa para atribuição da culpa a qualquer dos cônjuges, quando já ocorreu a falência da vida em comum e do vínculo afetivo que unia duas pessoas (…).”[41]
Da mesma forma, asseverou César Leandro de Almeida Rabelo:
“Cumpre esclarecer que apesar da facilitação da separação imotivada, o Código Civil não extinguiu o instituto, continuando possível o ajuizamento de procedimento de separação litigiosa por culpa, seja para efeito de guarda dos filhos, uso de nome, alimentos e até responsabilização civil por dano moral ou material.”[42]
Ainda neste contexto, importante transcrever as palavras de Arnoldo Wald:
“E, não obstante o novo Código Civil tenha reafirmado a necessidade da comprovação da culpa de um dos cônjuges pela falência do matrimônio como uma das premissas para o decreto da separação (caput do art. 1.572 do CC), os tribunais pátrios, com fulcro na disposição contida no §1º do art. 1.572 da Lei Civil combinada com aquela prevista no parágrafo único do art. 1.573 do mesmo Codex, continuam decretando a separação judicial do casal, independentemente da constatação da responsabilidade de um dos consortes pela ruína do casamento.”[43]
De outra banda, a separação consensual se dará pela manifestação de vontade mútua dos cônjuges e pela conveniência de ambos.
Assim, desde que casados há pelo menos um ano, o casal poderá requer judicialmente a homologação pelo juiz dessa modalidade de separação. A exigência desse período de estágio para o casal se justifica pela possibilidade de reconciliação entre eles, uma vez que o objetivo é incentivar a conservação do casamento.
Quanto ao prazo exigido, Maria Berenice Dias expressa sua opinião da seguinte forma:
“(…) Mesmo sendo mútuo o desejo dos cônjuges de romper o casamento, só podem buscar a separação após o decurso do prazo de um ano da celebração das núpcias, sem necessidade de apontar qualquer motivação para obterem a separação. No entanto, se antes desse prazo acabar o vínculo afetivo, embora não mais convivam os cônjuges sob o mesmo teto, o Estado, de forma aleatória e arbitrária, impõe a mantença de tal status, sem que se possa identificar o motivo dessa negativa ante um fato já consumado. Trata-se de verdadeira imposição de um “estágio probatório”, durante o qual o desejo dos cônjuges não possui o mínimo significado”.[44]
Além disso, após o advento da lei n. 11.411/2007, não havendo filhos menores ou incapazes, a separação consensual poderá ser obtida também, de forma mais célere, pela via administrativa, mediante escritura pública.
Ainda, existe a chamada “separação remédio”, na qual o requerimento se fundará em doença mental grave acometida por um dos cônjuges, desde que a enfermidade se manifeste após o casamento, torne insuportável a continuação da vida em comum e cuja cura seja improvável. Da mesma forma, deverá ser respeitado o prazo de dois anos do surgimento da doença para formular o requerimento.
A referida modalidade possui requisitos mais exigentes em razão da proteção que a lei confere ao cônjuge doente, preservando, assim, o dever de mútua assistência contraído pelo casamento.
Nesse sentido, leciona Dimas Messias Carvalho:
“É certo que a enfermidade mental de um dos cônjuges inviabiliza a manutenção do casamento, importando, em regra, desavenças matrimoniais. (…) Mas, é certo também que o casamento importa na plena comunhão da vida, assumindo o homem e a mulher a condição de consortes e companheiros para os bons momentos e as adversidades que o futuro lhes reserva.”
Ainda, quanto à separação remédio, João de Matos Antunes Varela manifestou-se da seguinte forma:
“Torna-se ainda indispensável que a grave anomalia psíquica imputada ao demandado se tenha manifestado só depois do casamento, embora a sua origem possa ser anterior ao matrimônio. Se a anomalia, embora grave, já se estivesse revelado anteriormente, o cônjuge não poderá invocá-la como fundamento da separação. Há, no entanto, que interpretar e aplicar a lei, neste ponto, em termos hábeis. Se a doença se tiver manifestado anteriormente, mas por forma que o outro cônjuge a não tivesse conhecimento, nem facilmente a pudesse conhecer, não deve negar-se-lhe a faculdade de invocá-la. O pensamento da lei é o de impedir apenas que o outro cônjuge se prevaleça de doença que já conhecia ou devia conhecer e não o de afastar peremptoriamente a superveniência subjetiva”.[45]
Por fim, a separação por falência do casamento poderá ser requerida quando da ruptura da vida em comum há mais de um ano, desde que comprovada a impossibilidade de sua reconstituição.
A separação judicial, independentemente da modalidade, produzirá seus efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão que a julgar procedente. Da mesma forma, a separação extrajudicial, introduzida no ordenamento jurídico pela lei n. 11.411/2007, gerará efeitos a partir da escritura pública. Entretanto, perante terceiros, assim como o divórcio, ambas dependeram de averbação perante o registro público.[46]
Todavia, cabe ressaltar que, tendo em vista que a separação judicial não extingue o vínculo matrimonial, os cônjuges poderão, a qualquer momento, restabelecer o casamento através de decisão judicial, entretanto, não poderão contrair novas núpcias. Nesse sentido, reza a legislação:
“Art. 1.577. Seja qual for a causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em juízo.
Parágrafo único. A reconciliação em nada prejudicará o direito de terceiros, adquirido antes e durante o estado de separado, seja qual for o regime de bens.”
Assim como o divórcio, a separação, seja ela judicial ou extrajudicial, cessa os deveres e direitos matrimoniais e sucessórios entre o casal. Entretanto, o cônjuge necessitado poderá requerer o pagamento de alimentos para o outro.
Da mesma forma, no caso da separação culposa, o requerimento poderá partir não somente do cônjuge inocente, mas também do culpado, limitando o valor da pensão ao indispensável à sua sobrevivência. Assim dispõe a norma:
“Art. 1.577. Seja qual for a causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em juízo.
Parágrafo único. A reconciliação em nada prejudicará o direito de terceiros, adquirido antes e durante o estado de separado, seja qual for o regime de bens.”
Nesse sentido, leciona Arnoldo Wald:
“O Código Civil de 2002 alterou radicalmente a matéria pertinente à outorga de alimentos na separação culposa. Malgrado tivesse mantido o princípio de que na separação judicial litigiosa “sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos (art. 1.702), prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar”, prevê a possibilidade de outorga dos alimentos ao cônjuge culpado, hipótese em que serão estes “apenas os indispensáveis à subsistência” (art. 1.694, §2º). Ademais, se, posteriormente à separação, o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, não tendo este parentes em condição de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los. Mas, nesse caso, a verba alimentar será apenas aquela “indispensável à sobrevivência” (art. 1.704, parágrafo único).”[47]
Ainda, nessa modalidade de separação, o cônjuge requerente poderá impedir o culpado de usar o seu nome, enquanto que nas demais modalidades o uso do nome será um questão decidida consensualmente. Nesse sentido, a legislação prevê:
“Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:
I – evidente prejuízo para a sua identificação;
II – manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;
III – dano grave reconhecido na decisão judicial.
§ 1o O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro.
§ 2o Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado.”
No que tange aos efeitos patrimoniais, com a separação, os bens serão partilhados conforme o regime matrimonial de bens adotado pelos cônjuges. Entretanto, caso a separação ocorra na modalidade remédio, os bens trazidos ao casamento pelo cônjuge enfermo retornarão a este, sem prejuízo da meação daqueles adquiridos na constância do casamento, de acordo com o regime escolhido.[48]Da mesma forma, caso o cônjuge doente não possua renda própria, o cônjuge sadio deverá lhe pagar alimentos.[49]
Quanto ao divórcio, este poderá ser concedido pela conversão da separação ou diretamente, respeitados os prazos previstos em lei. Para a sua obtenção pela modalidade conversão deverá ser respeitado o prazo de um ano a partir do trânsito em julgado da sentença que decretar a separação judicial ou da concessão da medida cautelar de separação de corpos[50].
Por outro lado, o divórcio direto poderá ser requerido por qualquer um dos cônjuges após dois anos, comprovados, da separação de fato.[51]
Da mesma forma, com o advento da lei 11.441/2007, o divórcio poderá ser obtido pela via administrativa, seja ele pela modalidade conversão ou direto, desde que respeitados os prazos previstos em lei.[52]
Assim, caso o divórcio se de por conversão, extingue-se somente o vínculo matrimonial, uma vez que a sociedade já se encontra dissolvida por advento da separação judicial, enquanto que o divórcio direto extingue a sociedade e o vínculo conjugal. Entretanto, em ambos os casos, o divórcio deverá ser decretado por sentença judicial ou por escritura pública.[53]
Com efeito, a conversão poderá ser consensual ou litigiosa, sendo que, no segundo caso, a contestação do pedido somente poderá versar sobre o descumprimento do lapso temporal exigido ou das obrigações assumidas pelo requerente na ação de separação[54].
Por outro lado, o divórcio poderá ser requerido diretamente desde que comprovada a separação de fato dos cônjuges pelo prazo de dois anos ininterruptos[55]. Da mesma forma, o divórcio direto poderá ser consensual ou litigioso.
De qualquer sorte, o divórcio poderá ser requerido por qualquer um dos cônjuges, ainda que a separação tenha se dado na modalidade culposa. Nesse sentido, Caio Mário manifestou-se:
“Diversamente da imputação de conduta desonrosa ou violação dos deveres conjugais, que são fatos que o cônjuge inocente irroga contra o outro, na ruptura da vida em comum é admissível a pretensão divorcista por aquele que deu a causa, pois bem pode acontecer que o outro cônjuge, por decoro ou pela esperança de um reatamento, ou mesmo por capricho, não tenha querido postular a separação judicial; daí dizer-se que o divórcio por esse motivo tanto pode ser postulado pelo cônjuge que é vitima da separação, como por aquele que é o responsável pelo rompimento.”[56]
Importante ressaltar que o divórcio, assim como a separação, somente produzirá seus efeitos após o trânsito em julgado da sentença que o tenha deferido ou da lavratura da escritura pública, no caso de requerimento administrativo, momento em que os cônjuges passarão a ser considerados divorciados. Dessa forma, caso um dos cônjuges venha a falecer no decorrer do processo, este perderá o objeto e o cônjuge sobrevivente passará ao status de viúvo.
No entanto, ao contrário do que ocorre com a separação, divorciados, os cônjuges não poderão se reconciliar, sendo que para restituírem o enlace deverão contrair novas núpcias. Da mesma forma, somente com o divórcio é que os cônjuges poderão casar-se novamente com terceiros, pois somente com este é que o vínculo matrimonial restará extinto.[57]
Quanto à obrigação de alimentos, no caso do divórcio pela conversão, serão mantidos os termos da separação, enquanto que, no divórcio direto, deverão ser estabelecidos neste momento.[58]
Da mesma forma, a nova legislação não exige que a partilha de bens seja realizada anteriormente ao requerimento do divórcio, podendo ser estabelecida nesta ocasião.[59]
Por fim, quanto ao aspecto religioso, a legislação é clara ao referir que o divórcio somente põe fim aos efeitos civis do matrimônio religioso. Com efeito, o casamento religioso somente passará a produzir efeitos a partir do seu registro, na forma da lei. Com o divórcio, somente estes efeitos civis é que serão desconstituídos.[60]
Sobre o tema, é a opinião de Orlando Gomes:
“Há um equívoco na redação da lei ao dispor que o divórcio põe termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso. Não é o divórcio que põe termo aos efeitos civis do casamento religioso. Este é indissolúvel, se canônico. Não há, desse modo, que falar em divórcio e, muito menos, que a cessação dos efeitos civis do casamento é conseqüência dele. Na sentença que proferir, o juiz não poderá decretar o divórcio, devendo cingir-se à pronúncia de que os efeitos civis do casamento religioso deixam de se produzir. A regulamentação é, entretanto, unitária. Também com a sentença que põe termo aos efeitos civis do matrimônio religioso ficam os cônjuges livres para contrair casamento civil com terceiro, e, se o contraem, estarão casados simultaneamente, por direito canônico e por direito civil, como duas pessoas distintas”.[61]
Dessa forma, conclui-se que o casamento religioso é indissolúvel e à cessação dos efeitos do casamento religioso não poderá ser atribuído o nome de divórcio.
Da mesma forma é o entendimento de Antunes Varela:
“Sendo certo, no entanto, que o art. 1º da Lei 6.515 distingue entre dissolução do casamento e cessação de efeitos civis do casamento religioso, e sendo igualmente certo que o divórcio é uma das formas de dissolução do casamento, nos termos do parágrafo único do art. 2º, a conclusão a extrais dessas duas premissas é a de que não deve chamar-se divórcio à cessação de efeitos civis do casamento religioso”.[62]
Lançados estes conceitos, impõe-se analisar a recente Emenda Constitucional e a subsistência do instituto da separação judicial.
3 O DIVÓRCIO E A SEPARAÇÃO APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 66/2010
Ao contrário do capítulo anterior, neste segundo capítulo serão tratados dos institutos da separação e do divórcio após o advento da Emenda Constitucional n. 66/2010.
Assim, serão analisadas as mudanças trazidas pela nova redação do artigo 226, §6º, da Constituição Federal e seus reflexos nos referidos institutos.
Além disso, verificaremos como ficarão os casos das separações e divórcios já em andamento, quando da entrada em vigor da nova emenda.
3.1 A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 66/2010: O FIM DA SEPARAÇÃO?
Com efeito, a Emenda 66, aprovada pelo Congresso Nacional em 13 de Julho de 2010, alterou a redação do § 6º, do artigo 226, da Constituição Federal, tornando o conteúdo de seu dispositivo mais objetivo e direto, passando a dispor da seguinte forma: “§6º. O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.
Assim, os cônjuges não precisam mais permanecer casados por questões meramente morais, religiosas ou sociais, muito menos que mantenham qualquer vínculo apenas para aguardar o transcurso do tempo necessário entre a separação e a possibilidade da conversão em divórcio, por simples exigência legal.
Nesse sentido, o magistério de Alexandre Rosa que, com fundamento no princípio da dignidade humana, defende a valorização da manifestação do individuo, que deve ser reconhecida a partir do desinteresse da convivência matrimonial, por qualquer um dos cônjuges:
“Direito constitucional de serem felizes e dar cabo aquilo que lhes aflige, sem inventário motivos. O casamento/união – como visto – é a confluência de interesses, inclusive erótico-afetivos. Não existindo esse elo, o melhor é terminar.”[63]
Na mesma linha, o mestre Rolf Madaleno comenta que a referida reforma “livra os cônjuges ou conviventes da degradação de continuarem sendo infelizes”.[64]
Da mesma forma, sobre a alteração constitucional, manifestaram-se Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
“Sobreleva reconhecer que é preciso permear toda a compreensão dogmática-juridica da dissolução do casamento a partir do direito de não permanecer casado, como expressão da materialização da dignidade humana em sede familiarista, implicando no redimensionamento das normas infraconstitucionais.
Registra-se, em arremate, que este direito fundamental a não permanecer casado já foi acolhido pelo avançado direito alemão, consubstanciado no Código Civil daquele país (BGB, § 1.565, al.1), reconhecido direito material ao divórcio, tendo como única causa o fracasso da união conjugal, independente de lapso temporal e indagações sobre outras causas”.[65]
Entretanto, após a promulgação da referida emenda, resultado de grande esforço intelectual e doutrinário, coube aos legisladores e operadores do direito acompanharem a evolução social do indivíduo e da sociedade, afim de que o direito atenda aos seus anseios sociais.
Inicialmente, cabe referir que no texto originário da proposta a emenda constava a expressão “na forma da lei”[66], o que exigia a edição de uma norma infraconstitucional para que o novo sistema produzisse efeitos. Entretanto, tal expressão foi suprimida do texto aprovado, o que significa dizer que a emenda 66/2010 possui eficácia imediata e direta, revogando as disposições contidas em normas infraconstitucionais a respeito da matéria.[67]
Sobre a questão, o doutrinador Pablo Stolze Gagliano manifestou-se:
“Aprovar uma emenda simplificadora do divórcio com o adendo “na forma da lei” poderia resultar em um indevido espaço de liberdade normativa infraconstitucional, permitindo interpretações equivocadas e retrógradas, justamente o que a proposta quer impedir. Melhor, portanto, a sintética redação atual.”[68]
Com o seu texto atual, a referida emenda possibilitou a dissolução do núcleo familiar de forma mais fácil e célere, já que a exigência de tempo e a imputação de culpa restaram suprimidas do ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse sentido:
“Com isso, nota-se que o constituinte facilitou a obtenção do divórcio lastreado na inocuidade da separação e na preservação da vida privada das partes envolvidas, o que, em última análise, diz respeito a proteção da dignidade humana.
É possível, então, extrair algumas conclusões lógicas e imperativas decorrentes da leitura do novo Texto Magno: i) a extinção da separação, judicial ou em cartório; ii) superação dos prazos estabelecidos para o divórcio (sendo possível o divórcio mesmo que o casamento tenha sido celebrado a pouquíssimo tempo); iii) impossibilidade de discussão da causa da dissolução nupcial (inclusive a culpa, que não mais pode ser debatida na ação de divórcio).”[69]
Como se sabe, antes mesmo da promulgação da emenda 66/2010, as únicas formas de extinção do vínculo conjugal existentes no ordenamento brasileiro eram a morte e o divórcio. Entretanto, adotava-se um sistema dualista, baseado na religião que preserva o instituto do casamento como um valioso sacramento, que instituiu a separação como forma de dissolução da sociedade conjugal.
O sistema binário (dualista) de dissolução do casamento traz consigo valores e justificativas em uma moral, religiosa e social da não facilitação da extinção do casamento e da preservação da família, o que não mais se justifica em um Estado laico e democrático.[70]
Nesse sentido, Rodrigo da Cunha Pereira:
“A moral condutora da manutenção deste arcaico sistema, assim como a da não facilitação do divórcio, é a preservação da família. Pensa-se que se o Estado dificultar ou colocar empecilhos, os cônjuges poderão repensar e não se divorciarem; ou, se apenas se separarem, poderão se arrepender e restabelecerem o vínculo conjugal.”[71]
Quanto ao assunto, doutrinadores, como Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias, ressaltam que não existe justificativa lógica em manter o caráter dualista para dissolver o casamento, restando injustificável e escapando à razoabilidade a manutenção da separação judicial no direito brasileiro. Consideram, com propriedade, restar incompreensível e ilógico terminar e não dissolver um casamento.[72]
Neste sentido, disserta Cesar Leandro de Almeida Rabelo:
“A evolução legislativa do ordenamento pátrio baseia-se no princípio da interferência mínima do Estado na autonomia privada, na intimidade e liberdade do indivíduo.
Em 1977, quando da promulgação da Lei do Divórcio, o argumento usado para o instituto da separação judicial era puramente religioso. Acreditava-se que a separação impediria os divórcios e, ainda, possibilitariam as reconciliações devido ao prazo de espera para conversão em divórcio. Entretanto, a evolução social e do direito demonstrou que esta realidade não mais ocorria. A autonomia da vontade proporcionou ao indivíduo o direito de não mais sustentar um relacionamento afetivo com interesse apenas moral, religioso ou social, tendo em vista que geravam maiores despesas, desgastes emocionais, bem como contribuía para o abarrotamento do Judiciário com número excessivo de procedimentos desnecessários.
Não sendo mais levado a discussões exacerbadas sobre a intimidade, na vida privada e familiar dos indivíduos. Tal discussão ocorra se uma das partes o desejar, em processo autônomo de alimentos ou em uma possível ação de reparação civil. Levando-se em conta a promoção da autonomia da vontade, cabendo somente às partes e não ao legislador determinar a necessidade de ser investigado o cônjuge sobre a culpa.”[73]
Na época, o referido sistema já sofria duras críticas, diante da sua incoerência. Nesse sentido, Maria Berenice Dias asseverou:
“É um instituto que traz em suas entranhas a marca de conservadorismo, atualmente injustificável. É quase um limbo: a pessoa não está mais casada, mas não pode casar de novo. Se, em um primeiro momento, para facilitar a aprovação da Lei do Divórcio, foi útil e, quiçá, necessária, hoje inexiste razão para mantê-la. A dispensabilidade da dupla via para por fim ao matrimônio é evidente: no momento em que se desmistificou o temor de que o divórcio acabaria com o casamento, tornou-se totalmente prescindível a prévia separação judicial e posterior conversão em divórcio. Portanto, de todo inútil, desgastante e oneroso, tanto para o casal, como para o próprio poder Judiciário, impor uma duplicidade de procedimentos para manter, durante o breve período de um ano, uma união que não mais existe, uma sociedade conjugal “finda”, mas não “extinta”.”[74]
Nessa linha, o mestre Rolf Madaleno considerou:
“É paradoxal constatar que pessoas separadas de fato e mesmo de direito, embora estejam impedidas de contraírem novas núpcias, não estão a contrario senso, proibidas de constituírem uma união estável, tanto que o parágrafo 1º do artigo 1.723[v] do Código Civil identifica uma entidade familiar na união de conviventes, onde um deles ou mesmo ambos se mantenha ainda formalmente casado, mas fática ou legalmente separados.
A simples dissimetria dos efeitos da separação judicial entre os civilmente casados em relação aos conviventes já convida a refletir melhor acerca da conveniência em ser mantida pela legislação brasileira a separação judicial, acrescida que foi da separação extrajudicial (Lei n.º 11.441/07), e com a possibilidade de ser discutida a culpa na separação judicial litigiosa.”[75]
Nesse mesmo sentido, Arnoldo Camanho de Assis manifestou-se:
“A separação judicial criava uma situação interessante: o casal, a rigor, já não era mais um casal, mas os cônjuges continuavam presos um ao outro pelo vínculo do casamento, que não se rompia com a sentença que decretasse a separação judicial. Isso exigia que, após a separação, e eventualmente superados possíveis dramas e traumas próprios do fim de um relacionamento, o casal se visse obrigado a se reencontrar para que fosse possível transformar o casamento em divórcio, reavivando, desnecessariamente, sofrimentos que já tinham sido vencidos.”[76]
Da mesma forma, quanto ao incoerente sistema, a lição de Rodrigo da Cunha Pereira:
“Desde a Lei nº 6.515/1977 tem sido feita a distinção entre “terminar” e “dissolver” o casamento. Foi necessário este “jogo” de palavras para dar alguma coerência ao incoerente e inútil instituto da separação judicial. Como já dito, ele veio substituir o desquite para satisfazer àqueles cuja religião não permite o divórcio. Dissolver ou terminar um casamento tem o mesmo sentido: o casamento acabou. A diferença essencial é que não se pode casar quem apenas se separou judicialmente, enquanto com o divórcio é possível casar novamente.”[77]
Efetivamente, a emenda 66/2010 desencadeou correntes diversas quanto a sua interpretação. Para grande parte dos doutrinadores, o divórcio passa ser a única forma de dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, e, por não ser mais necessária a separação prévia, o cumprimento de prazos, nem a atribuição de culpa a um dos cônjuges, o instituto da separação restaria extinto do ordenamento brasileiro.
Nesse sentido, o doutrinador José Fernando Simão menciona:
“Com a aprovação da PEC, fica definitivamente BANIDA DO SISTEMA A SEPARAÇÃO DE DIREITO, seja ela judicial (arts. 1571 e segs. do CC) ou extrajudicial (lei 11.441/07). (…)
Deve-se concluir a questão que a PEC aprovada não acabou com a noção de sociedade conjugal que permanece intacta no sistema. Ao se casar, surgem a sociedade conjugal e o vínculo. Contudo, se antes era possível terminar-se com a sociedade, mas manter-se o vínculo, atualmente, a sociedade conjugal e o vínculo terminam simultaneamente com o divórcio.
A PEC não altera o conceito ou a existência de uma sociedade conjugal, mas muda apenas a forma de sua extinção.”[78]
Na mesma linha, César Leandro de Almeida Rabelo assevera:
“Existe uma resistência em compreender e aceitar que a separação judicial foi revogada tacitamente de nosso ordenamento. Fazendo uma interpretação da norma constitucionalizada, concluiremos que o legislador baniu da Carta Magna a única referência à separação judicial, não havendo qualquer lógica para sua manutenção prática.
Juridicamente, a manutenção da separação judicial no ordenamento jurídico era, exclusivamente, para convertê-la em divórcio após o transcurso do prazo legal, o que não é mais possível de acordo com a nova redação trazida pela Emenda Constitucional nº 66/2010. Assim, incoerentemente, teriam os mesmos que ajuizar ação de divórcio direto para conseguir o divórcio, uma vez que a conversão não mais recebe a tutela constitucional. A incompatibilidade com a Constituição, se não pudermos falar em revogação tácita, faz com que entre em desuso qualquer norma infraconstitucional que trate da dissolução da sociedade conjugal(…).”[79]
Nesta esteira, brilhantemente Paulo Lôbo disserta:
“Em outras palavras, a Constituição deixou de tutelar a separação judicial. A conseqüência da extinção da separação judicial é que concomitantemente desapareceu a dissolução da sociedade conjugal que era a única possível, sem dissolução do vínculo conjugal, até 1977. Com o advento do divórcio, a partir dessa data e até 2009, a dissolução da sociedade conjugal passou a conviver com a dissolução do vínculo conjugal, porque ambas recebiam tutela constitucional explícita. Portanto, não sobrevive qualquer norma infraconstitucional que trate da dissolução da sociedade conjugal isoladamente, por absoluta incompatibilidade com a Constituição, de acordo com a redação atribuída pela PEC do Divórcio. A nova redação do § 6º do artigo 226 da Constituição apenas admite a dissolução do vínculo conjugal.”[80]
Do mesmo modo, o já referido autor, em outra obra, asseverou:
“Há grande consenso, no Brasil sobre a força normativa própria da Constituição, que não depende do legislador ordinário para produzir seus efeitos. As normas constitucionais não são meramente programáticas. A nova norma constitucional revoga a legislação ordinária anterior que seja com ela incompatível. A norma constitucional apenas precisa de lei para ser aplicável quando ela própria se limita na forma da lei.”[81]
De acordo com esta parte da doutrina, a emenda constitucional alterou as formas de dissolução do casamento, passando a existir somente o divórcio.
Entendendo assim, restaria revogado o instituto da separação judicial, que corresponde ao direito do cônjuge em não querer a extinção do vínculo, mas somente a dissolução da sociedade conjugal, com a possibilidade de reconciliação e reestruturação, sem as dificuldades burocráticas de um novo casamento.
Corrobora a este entendimento o Desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios Arnoldo Camanho de Assis:
“Nos tempos atuais, nada mais justifica, sob qualquer ponto de vista, a sobrevivência do instituto da separação judicial. (…)
A mudança na Constituição permitirá, assim, que os casais que desejem terminar seu casamento dirijam-se à Justiça uma única vez, com economia de tempo e de dinheiro, e peçam desde logo o divórcio, sem requisitos temporais nem, muito menos, sem a necessidade de experimentarem o estágio da separação judicial. A ninguém mais interessa a discussão acerca da culpa pelo insucesso do projeto de um casamento que vem a terminar. O pedido de divórcio passará a ser feito de forma consensual ou litigiosa – isto é, quando não houver acordo sobre guarda de filhos, regulamentação de direito de visitas, pensão de alimentos e partilha de bens, por exemplo, excluída em qualquer caso a discussão sobre possível culpa -, mas sem prévia necessidade de separação judicial ou da demonstração de que o casal esteja separado de fato há tantos anos. Basta ao casal que externe sua vontade de não mais permanecer casado e pronto.”[82]
Por sua vez, o professor Newton Teixeira Carvalho, membro do IBDFAM e Juiz de Direito da 1° Vara de Família de Belo Horizonte, se pronuncia em seu artigo onde aborda o fim da separação no ordenamento jurídico:
“Não há mais separação no direito brasileiro. Agora, de imediato, há que se decretar o divórcio do casal. Pela evolução histórica a separação deixa de ser um estagio necessário ao divórcio.
Insistir, numa leitura apressada e apenas literal do atual art. 226, § 6º, da Constituição Federal, na manutenção do instituto jurídico da separação no direito brasileiro, é revogar a própria Constituição que elegeu, como princípio maior das entidades familiares, o afeto.
Advogar a tese da permanecia da separação no direito brasileiro é também querer fomentar discussão acerca de quem é o culpado pela desunião. É exigir que a vida íntima do casal seja escancarada perante os Tribunais.”[83]
Ainda, quanto ao tema, cabe transcrever trecho do artigo escrito por Rodrigo da Cunha Pereira, no qual refere:
“É possível que haja resistência de alguns em entender que a separação judicial foi extinta de nossa organização jurídica. Mas, para estas possíveis resistências, basta lembrar os mais elementares preceitos que sustentam a ciência jurídica: a interpretação da norma deve estar contextualizada, inclusive historicamente. O argumento finalístico é que a Constituição da República extirpou totalmente de seu corpo normativo a única referência que se fazia à separação judicial. Portanto, ela não apenas retirou os prazos, mas também o requisito obrigatório ou voluntário da prévia separação judicial ao divórcio por conversão. Qual seria o objetivo de se manter vigente a separação judicial se ela não pode mais ser convertida em divórcio? Não há nenhuma razão prática e lógica para a sua manutenção. Se alguém insistir em se separar judicialmente, após a Emenda Constitucional nº 66/2010, não poderá transformar mais tal separação em divórcio, se o quiser, terá que propor o divórcio direto. Não podemos perder o contexto, a história e o fim social da anterior redação do § 6º do artigo 226: converter em divórcio a separação judicial. E, se não se pode mais convertê-la em divórcio, ela perde sua razão lógica de existência. O sentido jurídico da manutenção da separação judicial era convertê-la em divórcio, repita-se.”[84]
Desse modo, Thiago Felipe Vargas Simões também manifestou sua opinião:
“Em que pese a louvável (porém tardia) inovação legislativa, muitos ainda não parecem ter compreendido a real finalidade da Emenda. Ao dispor que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”, o novo texto do artigo 226, § 6º da CF/88 quer dizer: acabou a separação no Direito Civil brasileiro. O divórcio é, portanto, o único mecanismo volitivo para por fim ao casamento.
Ainda que se afigure clara a finalidade da EC n.º 66, muitos ainda insistem em querer manter vivo um instituto jurídico que não mais se justificava. É comum encontrar advogados, membros do Ministério Público, magistrados e registradores civis que ainda defendem a necessidade de se comprovar a prévia separação (judicial, extrajudicial ou de fato) para reconhecer o direito dos cônjuges ao divórcio.
Ora, se a finalidade da alteração constitucional foi a de facilitar a dissolução do casamento, porque não lhe dar a devida operabilidade? Ao possibilitar que o divórcio seja decretado de forma direta (judicial ou extrajudicialmente), o legislador atentou para três pontos importantíssimos, a saber: jurídico (o divórcio extingue tanto a sociedade quanto o vínculo matrimonial e permite novo casamento); psíquico (o divórcio direto põe fim à necessidade de dois momentos para a extinção do vínculo matrimonial) e; econômico (o divórcio direto acaba com gastos desnecessários).
Justificar a manutenção da separação judicial pela denominada (falsa) vantagem de se restabelecer a vida conjugal a qualquer tempo, não é suficiente para sua manutenção. Ademais, raros são os casos de casais que se reconciliavam perante o Estado-juiz após todo o desgaste emocional que o processo de separação trazia consigo.
Pois bem. Ante a não recepção do instituto da separação à luz do novo texto do artigo 226, § 6º da CF/88 temos que: a) não existe mais a separação judicial ou extrajudicial no Direito brasileiro; b) foram tacitamente revogados do Código Civil os artigos 1.572 a 1.578, bem como o artigo 1.571 no que se refere ao instituto da separação; c) acabou o divórcio por conversão (artigo 1.580 do CC), vez que não mais o que se converter; d) todas as modalidades de divórcio (judicial ou extrajudicial) agora são tidas por diretas.”[85]
Da mesma forma, para esta parte da doutrina, com a nova redação do art. 226 da Constituição brasileira, a discussão da culpa em sede de divórcio restou abolida. Nesse sentido, José Fernando Simão:
“Isso significa que a culpa não mais poderá ser debatida nas ações de direito de família?
Não. E ao leitor que não fique a impressão que a culpa desapareceu do sistema, ou que simplesmente se fará de conta (no melhor estilo dos contos de fada) que o cônjuge não praticou atos desonrosos contra o outro, que não quebrou seus deveres de mútua assistência e fidelidade, etc…
Não se trata de permitir irresponsabilidade do cônjuge. Só que a partir da emenda constitucional, a culpa será debatida no locus adequado em que surtirá efeitos: a ação autônoma de alimentos ou eventual ação de indenização promovida pelo cônjuge que sofreu danos morais, materiais ou estéticos.
O leitor pode estar se perguntando qual é a vantagem da mudança introduzida quando da aprovação da PEC. A mudança é evidente e espetacular. O divórcio se dará de maneira célere e com um único ato (seja uma decisão judicial ou escritura pública nos casos admitidos pela Lei 11.441/07) o casamento estará desfeito e os antigos cônjuges podem, agora, divorciados, buscar, em nova união ou casamento, a felicidade que buscaram outrora na relação que se dissolve.
Assim, livres para buscarem sua realização pessoal e felicidade, se necessário, que passem anos discutindo a CULPA em uma morosa ação de alimentos ou de indenização por danos morais.
Sim, discuta-se a culpa, mas não mais entre cônjuges (presos por um vínculo indesejado) e sim em ações autônomas, entre ex-cônjuges.”[86]
Da mesma forma, advoga Paula Maria Tecles Lara:
“Com a promulgação da Emenda |Constitucional nº 66/2010, em 13/07/2010, a culpa foi excluída do Direito de Família, mas persistirá para fins indenizatórios. Ocorre que a culpa, para gerar indenização, é compreendida de forma diversa daquela estipulada no artigo 1572 do Código Civil
Na separação a culpa poderia ocorrer quando do descumprimento de deveres conjugais, mas isto não é suficiente para caracterização do ato ilícito previsto nos artigos 186 e 187 do Código Civil.
Tendo a separação sido excluída de nossa Constituição, teremos como conseqüência o desaparecimento da culpa, mas esta tão somente caracterizada como grave violação dos deveres do casamento, que torne insuportável a vida em comum, referida no artigo 1572 do ordenamento civilista.
Assim, na ação única de extinção do vínculo conjugal, qual seja o divórcio, não haverá que se discutir culpa. No entanto, em ação indenizatória, separada da ação de divórcio, poderá ser analisado ato ilícito praticado por um dos cônjuges contra o outro, devendo-se provar o ato culposo ou doloso, o dano, e o nexo casal entre eles.”[87]
Para Paulo Lôbo, antes mesmo do surgimento da EC 66, a culpa já vinha perdendo espaço dentro do Direito Brasileiro. Corrobora a este entendimento o fato de que a guarda, antes mesmo da referida emenda, não mais podia ser negada ao cônjuge culpado pela separação, pois o que contava era o interesse da criança. Além disso, os alimentos, ainda que somente o indispensável à subsistência, poderiam ser requeridos também por este.[88]
Nesse mesmo sentido é o entendimento explanado na obra Direito das Famílias, por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
“O ordenamento jurídico brasileiro se conectou nessa compreensão contemporânea da dissolução nupcial, através da Emenda Constitucional 66/2010, que emprestou nova redação ao § 6° do art. 226 da Lex Fundamentallis, estabelecendo, com clareza solar que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. A nova redação constitucional coloca uma verdadeira pá de cal no sistema dualista de dissolução do casamento, estabelecendo o divórcio como seu único mecanismo dissolutório. Como conseqüência disso, não mais é admitida a discussão sobre a culpa na dissolução do casamento, impedindo uma afronta à privacidade dos cônjuges.
Outrossim, não há mais exigência de prazo mínimo para o divorcio, sendo possível casar e dissolver o matrimônio a qualquer tempo, como expressão da liberdade de casar e de não permanecer casado.”[89]
Por outro lado, apesar das inúmeras facilidades trazidas pela nova Emenda, parte da doutrina, em que pese minoritária, acredita que, embora a separação tenha perdido sua utilidade social, esta não foi extinta do ordenamento jurídico brasileiro. Mario Luiz Delgado corrobora este entendimento:
“A falta de utilidade social, portanto, não é causa de revogação da norma, mas motivação para que o legislador venha a fazê-lo, valendo do processo legislativo. (…)
Importante ressaltar que já existe proposta legislativa para revogação dos artigos do Código Civil referentes à separação legal. Trata-se do PL n° 7.661, de 2010, de autoria do Dep. Sergio Barradas Carneiro, e que revoga os artigos 1.571, 1.572, 1.573, 1.574, 1.575, 1.576, 1.578, 1.580, 1.702 e 1.704 do CC/02. Ao fundamentar a proposição, afirmar o autor que o projeto “visa adequar o ordenamento jurídico na área do Direito de Família a uma nova Ordem Constitucional vigente em todo território nacional” e que “se faz necessário a revogação desses dispositivos legais, com efeito ex tunc, do Código Civil Pátrio, colocando-o em perfeito alinhamento com nossa Carta Política”. Ora, pela própria justificativa, constata-se que o autor do projeto, o mesmo que subscreveu a PEC 28/2009, perfila o entendimento de que ainda não foram revogadas as disposições atinentes à separação legal.”[90]
Da mesma forma, apesar de considerar excluído da Constituição Federal o instituto da separação, Dimas Messias de Carvalho considerou:
“Conforme ressaltado, a Constituição Federal excluiu a separação jurídica do ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, não pode ser ignorado que a interpretação literal da EC 66/2010 possibilite entendimento diverso, sob o argumento de que ela não vedou expressamente a separação na legislação infraconstitucional, apenas a omitiu, podendo coexistir com o divórcio, de forma independente, como ocorre em outros países.”[91]
Diante do presente colóquio, existem boas argumentações jurídicas de que a separação judicial e extrajudicial, mesmo em desuso diante das vantagens do divórcio facilitado, possui guarida em nosso ordenamento jurídico, consistindo o presente instituto em uma faculdade para aqueles que desejam somente a dissolução da sociedade conjugal e não a extinção do casamento pelo divórcio direto.
Nesta esteira, uma das principais vozes desta parte da doutrina, com grande conhecimento e pioneiro no instituto familiar, o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Doutor Luiz Felipe Brasil Santos, membro da 8ª Câmara Cível, disserta da seguinte forma:
“(…) a eliminação da referência constitucional aos requisitos para a obtenção do divórcio não significa que aquelas condicionantes tenham sido automaticamente abolidas, mas apenas que, deixando de constar no texto da Constituição, e subsistindo exclusivamente na lei ordinária (Código Civil) – como permaneceram durante 40 anos, entre 1937 e 1977 -, está agora aberta a porta para que esta seja modificada.
Tal modificação é imprescindível e, enquanto não ocorrer, o instituto da separação judicial continua existente, bem como os requisitos para obtenção do divórcio. Tudo porque estão previstos em lei ordinária, que não deixou de ser constitucional. E isso basta!
Contenhamos um pouco, pois nosso entusiasmo com a Emenda Constitucional n° 66/2010. Ela é sem duvida, extremamente importante, mas um próximo e indispensável passo necessita ser dado para que se alcance o objetivo de eliminar os entraves legais ao exercício da liberdade no seio das famílias, extirpando institutos anacrônicos como a separação judicial.”[92]
Assim, tendo em conta que as disposições sobre a separação judicial no Código Civil não foram expressamente revogadas, sustenta-se, com bons fundamentos jurídicos, que o referido instituto, embora fadado a pouco uso diante das vantagens do divórcio facilitado, ainda encontra guarida no ordenamento jurídico brasileiro.
Na mesma linha de pensamento, manifestou-se em outro artigo de sua autoria:
“Neste passo, é necessário relembrar a distinção entre normas materialmente constitucionais e normas apenas formalmente constitucionais. As primeiras são aquelas que: (1) dispõem sobre a estrutura do Estado, definem a função de seus órgãos, o modo de aquisição e limitação do poder, e fixam o regime político; (2) estabelecem os direitos e garantias fundamentais da pessoa; (3) disciplinam os fins sócio-econômicos do Estado; (4) asseguram a estabilidade constitucional e (5) estatuem regras de aplicação da própria Constituição. A seu turno, as regras formalmente constitucionais são as que, embora não tenham esse conteúdo, são postas na Constituição por opção política circunstancial do Constituinte.
É este o caso das atinentes ao casamento e às formas de sua dissolução. Em dado momento da história, por motivos bem identificados, entendeu o legislador ser conveniente levar aqueles dispositivos para a Constituição, embora lá não necessitassem constar. Ultrapassada aquela circunstância histórica, desconstitucionalizou-se o tema. Tal não significa, porém, que tenha ficado “revogado o direito correspondente” (para usar a expressão de Pontes de Miranda), mas, simplesmente, que doravante será possível a supressão daqueles requisitos pelo legislador infraconstitucional, o que não seria viável sem a modificação ora operada no plano constitucional.
Revogação ocorreria se houvesse manifesta incompatibilidade entre o novo dispositivo constitucional e a legislação ordinária (arts. 1.571 a 1.580 do Código Civil). Não é o que ocorre, porém, como se verá.
Pertinente invocar aqui a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/42) que, em seu art. 2º, § 1º, dispõe:
A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria que tratava a lei anterior.
Por dois modos, pois, pode uma lei (ou dispositivo legal) ser revogada pela legislação posterior: (a) de forma expressa ou (b) tácita. Esta última modalidade, a seu turno, desdobra-se em outras duas: (b.1) incompatibilidade entre o dispositivo anterior e o novo e (b.2) quando o novo regramento regular inteiramente a matéria que tratava a lei anterior.
No caso em exame, não houve, por evidente, revogação expressa, nem inteira regulação da matéria tratada no Código Civil. Resta, portanto, verificar se há incompatibilidade manifesta entre ambos os regramentos.”[93]
Na mesma linha, Sérgio Gischkow Pereira sustenta:
“Os equívocos dos entusiastas são dois: a) entender que a separação judicial (e também a extrajudicial) desapareceu; b) afirmar peremptoriamente que as exigências anteriores para o divórcio já foram eliminadas.
(a) A Constituição Federal não tratava da separação judicial, mas somente do divórcio. A separação judicial apenas foi elidida como exigência para o divórcio, mas permanece no sistema brasileiro, enquanto não revogado o Código Civil. Muitos pensam assim. A Constituição fala que o casamento é dissolvido pelo divórcio; ora, a separação não dissolve casamento, mas sim a sociedade conjugal. Alguns asseveram que ela é inútil. Não é bem assim. Desde que não atrapalhe o divórcio, pode continuar no Código Civil. A verdade é que pode ser o único caminho para aqueles cuja religião não admite o divórcio.
(b) A Constituição, ao nela constar que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, não especifica requisitos, com o que sustentável que continuem regidos pelo Código Civil (não concordo, mas vários assim pensam). As dúvidas se multiplicam em um tema que atinge milhões de pessoas.
O mais recomendável é que de imediato se altere o Código Civil, retirando dele, se for o caso, a separação judicial (e, do Código de Processo, a extrajudicial), eliminando os requisitos de prazo para divórcio e definindo se a discussão de culpa permanece ou não. Não agir assim é provocar grande tumulto e divergências, tendo como resultado muito maior demora nos processos e o risco de futura epidemia de nulidades e carências de ação em milhares deles! O povo merece maior consideração!”[94]
Ainda, Euclides de Oliveira se manifesta simpatizando com esta parte da doutrina:
“Entendo apreciáveis os argumentos que justificam esse ponto de vista favorável à subsistência da separação judicial prevista no Código Civil e, pois, igualmente da separação extrajudicial, com ressalvas de não discussão da culpa no processo litigioso e dispensa de prazo do casamento para a separação consensual. Razões justificadoras desse entendimento:
Primeiro, o fato de o texto constitucional reescrito (art. 227, par. 6.) restringir-se à forma de dissolução do casamento, que é o divórcio, sem trazer, sob esse aspecto, maior novidade, pois o texto antigo dizia a mesma coisa, apenas com acréscimos das formas de divórcio e dos prazos necessários (exigências que foram abolidas).
Segundo, porque uma coisa é a dissolução do casamento, outra a dissolução da sociedade conjugal, esta sim determinada pela separação legal; e a Constituição Federal nada refere sobre a dissolução só da sociedade conjugal, regrada no Código Civil, pois limita-se a estabelecer a forma de dissolução do casamento pelo divórcio.
Terceiro argumento, a favor da mantença da separação judicial, é o direito do cônjuge em não querer a extinção do vínculo, não desejar o divórcio e sim, tão somente, uma providência menor, que seria a dissolução da sociedade conjugal pela separação, com a possibilidade adicional de reconciliação e refazimento da mesma sociedade sem as dificuldades rituais de um novo casamento que essa “volta” exige nos casos do divórcio.
(…)Não se nega que o inovador preceito constitucional, ao mencionar a dissolução do casamento pelo divórcio, é autoexecutável e sobrepõe-se ao regramento ordinário das formas de dissolução conjugal, de sorte que facilita a concessão de divórcio independente de conversão de prévia separação das partes ou de prazos certos previstos na lei. Sob esse foco, tem primazia o regramento novo, da norma constitucional, pela supremacia que lhe é inerente no plano jurídico, o que não significa, porém, a revogação tácita de dispositivos outros, que não dizem respeito ao divórcio, mas, somente, à separação como forma de dissolução da sociedade conjugal.”[95]
Nessa linha, Romualdo Baptista dos Santos também é partidário deste entendimento:
“Todavia, nem todo direito tem que estar estampado na Constituição, de modo que o simples fato de a separação judicial ser retirada do texto constitucional não a extirpa do ordenamento jurídico, assim como a circunstância de a Constituição deixar de enumerar os requisitos para a obtenção do divórcio não quer dizer que tais requisitos, previstos em lei, não tenham mais que ser cumpridos. Apenas para citar um exemplo, o próprio art. 226 da Constituição refere-se ao casamento civil, mas não fixa seus requisitos. Nem por isso deixamos de cumprir as exigências contidas nos arts. 1.511 e seguintes do Código Civil; nem por isso diremos que as disposições do Código, relativas ao casamento, são inconstitucionais.”[96]
Conforme citado, da mesma forma que as disposições relativas aos requisitos do casamento civil encontram guarida somente no Código Civil e estas são observadas, o instituto da separação judicial não pode ser banido do ordenamento jurídico pelo simples fato de não constar mais expressamente na Constituição Federal.
Nesse ínterim, o também Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, da 7ª Câmara Cível, Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, em julgamento ao Agravo de Instrumento n. 70039285457, assim decidiu:
“Com efeito, a Emenda Constitucional nº 66 limitou-se a admitir a possibilidade de concessão de divórcio direto para dissolver o casamento, afastando a exigência, no plano constitucional, da prévia separação judicial e do requisito temporal de separação fática. E não foi além disso.
Portanto, é forçoso convir que essa disposição constitucional evidentemente não retirou do ordenamento jurídico a legislação infraconstitucional que continua regulando tanto a dissolução do casamento como da sociedade conjugal e estabelecendo limites e condições, permanecendo em vigor todas as disposições legais que regulamentam a separação judicial, como sendo a única modalidade legal de extinção da sociedade conjugal, que não afeta o vínculo matrimonial.”
Assim, de acordo com esta parte da doutrina, entendimento também adotado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a Emenda Constitucional n. 66/2010 em nada alterou a legislação infraconstitucional, ou seja, as disposições contidas no Código Civil referentes ao instituto da separação, limitando-se a retirar do texto constitucional o requisito do lapso temporal para a concessão do divórcio.
Cumpre ressaltar que, sem adentrar na discussão sobre a sobrevivência ou não do instituto da separação no ordenamento jurídico brasileiro, o 4º Grupo Cível pacificou o entendimento no Rio Grande do Sul, através do incidente de prevenção/composição de divergência n. 70044573848, quanto à supressão dos requisitos para a decretação do divórcio. Nesse sentido, versou a referida decisão:
“Pela entrada em vigor da Emenda Constitucional n.º 66, não há mais necessidade de prévia separação ou decurso de prazo para a decretação do divórcio direto. Precedentes jurisprudenciais da 7ª e da 8ª Câmaras Cíveis deste TJRS.” (Uniformização de jurisprudência n. 70044573848, Relator Desembargador Rui Portanova, julgado em 16/09/2011)
Diante disso, embora não haja consenso quanto à permanência ou não da separação no sistema jurídico brasileiro, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manifestou-se pacificamente, através do referido incidente, afastando os requisitos da necessidade de separação prévia e decurso de prazo para a decretação do divórcio.
Por fim, João Pedro Paiva e Ana Paula Bittencourt acreditam em uma solução menos radical e mais harmônica, onde o instituto da separação subsiste no ordenamento jurídico como um instrumento favorável aos cônjuges inseguros. Nesse sentido, os referidos autores manifestaram-se:
“Afinal de contas, é sabido que no calor da discussão, muitos cônjuges apelam para coação moral, recusando-se a fornecer ao outro o divórcio, ou o privam da assistência material ou, até mesmo, do direito de visitar os filhos em comum. Conseqüentemente, estabelecido o direito de visita, o direito de propriedade sobre determinados bens e o direito de pensão alimentícia, os cônjuges ficam mais livres para decidir sobre sua vida conjugal, além de terem, em contrapartida, um prazo para conciliação ou para convencer o outro consorte dos benefícios de um divórcio consensual, aumentando as chances de uma dissolução amistosa.”[97]
De acordo com este entendimento, o instituto da separação sobrevive como uma faculdade aos que desejam apenas a dissolução da sociedade conjugal e não a extinção do casamento pelo divórcio, ou àqueles que ainda não tenham certeza de que a relação chegou ao fim.
3.2 DIREITO INTERTEMPORAL
Com o advento da Emenda Constitucional n. 66/2010, especialmente para a parte da doutrina que defende a idéia da extinção da separação do ordenamento jurídico brasileiro, surgem situações de direito intertemporal, levando a divergências jurídicas quanto ao tema.
Nesse sentido, Dimas Messias de Carvalho leciona acerca do direito intertemporal:
“O direito intertemporal disciplina as relações jurídicas surgidas em um período, sob a vigência de uma lei, e as conseqüências sob o domínio de uma norma subseqüente em conflito com a anterior estabelecendo princípios reguladores, entre eles o da irretroatividade da lei para preservar os também princípios do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito.”[98]
Como se sabe, a referida alteração constitucional possuiu eficácia imediata, passando a vigorar a partir de sua publicação[99]. Dessa forma, as situações jurídicas existentes à época da mudança merecem ser analisadas para que haja uma readequação de conduta neste período de transitoriedade da norma.
Nesse sentido são as considerações de Rodrigo da Cunha Pereira:
“O artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição da República assegura e preserva o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Portanto, as novas disposições sobre o divórcio têm sua força e eficácia a partir da entrada em vigor do novo texto constitucional. Como já se disse, a Emenda Constitucional nº 66/2010, ao revogar a maior parte da redação do parágrafo 6º do artigo 226, alterou não apenas as regras, mas, principalmente, os princípios constitucionais sobre o divórcio no Brasil.”[100]
Para o referido autor, “os processos judiciais em andamento, sejam os consensuais ou litigiosos, ou os extrajudiciais, isto é, os administrativos (Lei nº 11.441/2007) deverão readequar seu objeto e objetivos às novas disposições legais vigentes, sob pena de arquivamento”[101].
Da mesma forma, quanto ao estado civil dos cônjuges, manifestou-se:
“O estado civil daqueles que já eram separados judicialmente continua sendo o mesmo, pois não é possível simplesmente transformá-los em divorciados. Portanto, o estado civil “separado judicialmente/administrativamente” continua existindo para aqueles que já o detinham quando o novo texto constitucional entrou em vigor. É uma situação transitória, pois, com o passar do tempo, naturalmente, deixará de existir. Caso queiram transformá-lo em estado civil de divorciado poderão, excepcionalmente, converter tal separação em divórcio ou simplesmente propor Ação de Divórcio, o que na prática tem o mesmo resultado. São exceções, necessárias e justificáveis, para compatibilizar com o respeito aos princípios constitucionais da coisa julgada e do ato jurídico perfeito. Neste mesmo raciocínio poderão ainda usar a faculdade que lhes oferecia o artigo 1.577 e a Lei nº 11.441/2007: restabelecerem a sociedade conjugal. Obviamente que a partir daí já estarão submetidos às novas regras e princípios decorrentes da instalação da Emenda Constitucional nº 66/2010.”[102]
Nessa mesma linha, Dimas Messias de Carvalho entende que “os separados de direito continuam a ostentar o mesmo estado civil, até decidirem reconciliar, divorciar, ou, ainda, um deles falecer, ocasião em que o sobrevivente passa ao estado civil de viúvo, já que o vínculo do casamento não foi dissolvido com a separação”.[103]
Assim, as ações judiciais de separação, bem como os procedimentos extrajudiciais em andamento, deverão ter os seus requerimentos retificados, sob pena de perderem o objeto, levando ao arquivamento dos processos, posição defendida, é claro, pelos adeptos da extinção da separação judicial. Entretanto, no caso de cônjuges já separados, estes, caso não haja reconciliação, poderão requerer o divórcio a qualquer tempo, uma vez que o requisito temporal foi suprimido pela nova redação constitucional.
Neste último caso, o estado civil dos cônjuges permanecerá como “separados” até que estes requeiram o divórcio, que já tramitará de acordo com a nova redação da legislação constitucional.
Coadunam com este entendimento os autores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
“(…) é relevante realçar a preservação do estado civil das pessoas que já estão separadas, em juízo ou em cartório. É que a vigência e eficácia irradiante do novo Texto Constitucional não possuem o condão de afetar o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido, como ressalvado pelo inciso XXXVI do art. 5º da própria Lex Mater. E, nesse passo, a separação obtida antes da vigência da Emenda Constitucional 66/2010 é um ato jurídico perfeito, não podendo ser atingida pela nova normatividade. Com isso, as pessoas que estavam separadas, por decisão judicial ou por escritura pública, permanecerão com o estado civil de separadas, submetidas às obrigações pactuadas ou impostas quando da dissolução do casamento. Aé mesmo porque não seria possível simplesmente transformar as pessoas que estão separadas em divorciadas sem decisão judicial ou escritura pública. (…)
(…) merece referência a situação dos processos de separação em andamento, sem prolação de sentença, quando do advento da nova redação constitucional. Tais procedimentos, sejam litigiosos ou consensuais, não mais podem continuar em face da impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que o ordenamento não mais autoriza a concessão de separação. Será impossível juridicamente o pedido cuja correlação jurídico-legal inexista no ordenamento positivo. (…) Não se nos afigura possível que o próprio magistrado altere o pedido de ofício em razão da impossibilidade natural de obrigar as partes a se divorciar. Assim, precisará intimar o Acionante para que, em prazo assinalado para tanto, emende a petição inicial. (…)”[104]
Da mesma forma, Dimas Messias de Carvalho opina pela concessão de prazo as partes para alteração do pedido, lecionando da seguinte forma:
“A melhor solução nas ações de separação em andamento, em razão da norma constitucional modificadora, é intimar as partes, concedendo prazo para adequarem o pedido com o requerimento de divórcio, conduta que vem sendo adotada em diversas varas de família, até mesmo por economia processual, evitando-se o ajuizamento de novas ações de divórcio. A adequação do pedido, em razão da nova disposição constitucional abolindo a separação judicial e os prazos do divórcio, não importa inovação no processo, bastando apenas que a parte autora, não se exigindo concordância da parte ré, manifeste pelo prosseguimento na forma da EC n. 66/2010. tratando-se de separação consensual é necessária a concordância dos interessados.”[105]
Por outro lado, o magistério de Maria Berenice Dias que, ao contrário dos autores acima citados, defende a possibilidade de reconhecimento do divórcio de oficio pelo juiz, em ação de separação judicial em andamento:
“Como o pedido de separação tornou-se juridicamente impossível, ocorreu a superveniência de fato extintivo ao direito objeto da ação, o que precisa ser reconhecido de ofício pelo juiz (CPC 462). Deste modo sequer há a necessidade de a alteração ser requerida pelas partes. Somente na hipótese de haver expressa oposição de ambos os separandos à concessão divórcio deve o juiz decretar a extinção do processo.
Do mesmo modo, encontrando-se o processo de separação em grau de recurso, descabe ser julgado. Sequer é necessário o retorno dos autos à origem, para que o divórcio seja decretado pelo juízo singular. Deve o relator decretar o divórcio, o que não fere o princípio do grupo grau de jurisdição.”[106]
Nessa linha, segunda a autora, o juiz deverá dar ciência aos cônjuges da decisão que decretar o divórcio de ofício, deferindo um prazo para manifestação caso discordem desta. Caso silenciem a respeito, o juiz interpretará como concordância. Entretanto, somente na hipótese dos dois cônjuges discordarem da decisão é que o processo será extinto diante da impossibilidade jurídica do pedido.[107]
Em contrapartida, Luiz Felipe Brasil Santos, no julgamento da Apelação Cível n. 70040844375, em 07/04/2011, manifestou-se contrário a este entendimento:
“apelação cível. SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA. DIVÓRCIO DECRETADO. AUSÊNCIA DE PEDIDO PARA TANTO. nulidade por infração aos arts. 128 e 460 do cpc. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA, DE OFÍCIO. INTERPRETAÇÃO DO MAGISTRADO SENTENCIANTE NO SENTIDO DE REVOGAÇÃO DE ARTIGOS DO CÓDIGO CIVIL PELO advento da ec 66/2010 (NOVA REDAÇÃO AO § 6º do art. 226 da CF). preservada a vigência da LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.
1. Fere as normas de direito processual (arts. 128 e 460 do CPC) a decisão que, de ofício, decreta o divórcio das partes, sem pedido neste sentido e sem que tenha sido oportunizado que os litigantes se manifestassem a respeito. Sentença caracteristicamente extra petita, e, por isso, nula.
2. São muito graves as conseqüências de tal proceder (especialmente em tema tão relevante, que, mais do que questões meramente patrimoniais, dispõe quanto ao próprio estado da pessoa), pois o divórcio rompe, em definitivo, o vínculo e direitos gerados pelo casamento – vale como exemplo, o tema dos alimentos, que, obtido o divórcio, não mais poderão ser postulados.
3. Em que pese a ausência de inconformidade de qualquer das partes, trata-se de nulidade absoluta, para a qual não há preclusão, podendo ser conhecida e decidida de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição.
4. A aprovação da Emenda Constitucional nº 66/2010, ao dar nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, não enseja automática revogação da legislação infraconstitucional que disciplina a dissolução da sociedade e do vínculo conjugal. Para que isso ocorra, indispensável seja modificado o Código Civil, que, por ora, preserva em pleno vigor os dispositivos atinentes à separação judicial e ao divórcio. Inteligência do art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil” (Decreto-Lei nº 4.657/42). Precedente deste colegiado no julgamento da AC nº 70039476221.
DESCONSTITUIRAM A SENTENÇA, DE OFÍCIO. UNÂNIME.
Nesse sentido, importante destacar trecho do voto proferido no referido julgamento:
“Compulsando folha a folha do processo se verifica, ao contrário do que afirma o magistrado, que nenhum pedido dos litigantes houve neste sentido, bem como sequer o em sentenciante oportunizou que manifestassem se tinham interesse na decretação do divórcio ou não.”
De acordo com o Ilustre Desembargador, as partes devem ser ouvidas antes da conversão da ação de separação em divórcio, para que esta não ocorra de ofício. Dessa forma, nas ações de separação judicial em andamento, as partes deverão ter a oportunidade de manifestarem-se quanto o interesse na decretação do divórcio.
E nessa linha de raciocínio prossegue:
“Nitidamente, esta opção do julgador não só abalroa as normas de direito processual, como fere o direito material, aproximando-se de conduta arbitrária – que não se coaduna com a adequada prestação da tutela jurisdicional. Trata-se de sentença claramente extra petita, padecendo, por isso, de nulidade absoluta, por ofensa ao art. 460 do CPC.
São muito graves as conseqüências de tal proceder (especialmente em tema tão relevante, que, mais do que questões meramente patrimoniais, dispõe sobre o próprio estado da pessoa), pois o divórcio rompe, em definitivo, vínculos e direitos gerados pelo casamento – cito, como exemplo, o tema dos alimentos, que, obtido o divórcio, não mais poderão ser postulados.”
Com efeito, a decretação do divórcio sem a oitiva das partes envolvidas no processo de separação judicial, seja ela consensual ou litigiosa, corresponde a julgamento além do pedido, afrontando o artigo 460, do Código de Processo Civil, que assim dispõe:
“Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.”
Tal conduta, conforme referido pelo Ilustre Julgador, acarreta graves conseqüências, uma vez que o divórcio rompe o vínculo matrimonial, não possibilitando às partes uma futura reconciliação. Além disso, como bem lembrado pelo brilhante Desembargador, uma conseqüência mais grave ainda seria a questão dos alimentos, uma vez que se não fixados naquele processo, não poderão mais ser requeridos, o que acarretaria grave prejuízo a parte necessitada.
Não obstante, no entendimento do Ínclito Magistrado, a questão do requisito temporal para a concessão do divórcio é matéria ainda não pacificada entre os doutrinadores e operadores do direito. Para este, mais uma razão para que o divórcio não seja decretado sem a manifestação das partes na ação de separação judicial. Nesse sentido, asseverou:
“E se não bastassem tais ponderações, esbarraria esta questão em outro óbice, qual seja o desatendimento dos requisitos temporais postos na lei civil. Não há consenso jurídico, no momento atual do Direito de Família brasileiro, acerca da possibilidade de ser decretado o divórcio sem que se cumpra, primeiramente, com o requisito da existência de prévia separação judicial ou de decreto de separação de corpos e do prazo posto no art. 1.580 do CCB.
Estou convencido, porém, como tenho reiteradamente manifestado no julgamento de diversos recursos, que o advento da Emenda Constitucional não suprimiu do direito positivo brasileiro a separação judicial, seja quanto à existência desta figura jurídica ou quanto à preservação dos requisitos para ser decretado o divórcio.”
Uma terceira hipótese, conforme José Fernando Simão, seria a extinção da ação sem o julgamento do mérito, diante da impossibilidade jurídica do pedido. Nesse sentido, asseverou:
“Assim as ações em curso de separação judicial (seja consensual ou litigiosa) devem ser extintas SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, por impossibilidade jurídica superveniente do pedido, salvo se já houver sentença prolatada. Excepcionalmente, se houver medida cautelar de separação de corpos em que houve concessão de liminar, permite-se a aplicação do princípio da fungibilidade podendo tais ações serem convertidas em ações de divórcio, já que sua simples extinção pode trazer prejuízos irremediáveis às partes.”[108]
Outrossim, importante ressaltar que as pessoas que já se encontravam separadas anteriormente à Emenda Constitucional 66/2010 deverão averbar a referida situação no registro de casamento ou em escritura pública antes de requerer o divórcio. Tal exigência se justifica pelo princípio da continuidade registral, onde todos os atos da pessoa referentes aquele registro deverão ser de conhecimento público.[109]
Entretanto, para aqueles que defendem a idéia de extinção da separação judicial do ordenamento jurídico, caso a ação de separação judicial seja interposta após o advento da Emenda Constitucional 66/2010, esta deverá ser julgada extinta e, conseqüentemente, o processo deverá ser arquivado, diante da impossibilidade jurídica do pedido.[110]
Da mesma forma, “a partir da aprovação da PEC, os Tabelionatos de Notas não podem mais lavrar Escrituras Públicas de Separação Consensual, pois estas padecerão de vício de nulidade absoluta, por infração ao texto constitucional”[111].
Em que pese às correntes doutrinárias diversas, na prática, a maioria dos Magistrados têm entendido pela oitiva das partes litigantes do processo, para que estas se manifestem quanto ao seu interesse em transformar a ação de separação judicial em divórcio. Dessa forma, evita-se a nulidade do procedimento sob a alegação de julgamento extra petita.
Controvertida revela-se, pois, a questão apresentada, pois não há ainda consenso, apresentando-se ponderadas as manifestações daqueles que defendem a faculdade dos demandantes de transformar a ação de separação em divórcio ou dos julgadores de extinguir de imediato o processo pela impossibilidade jurídica do pedido. De qualquer forma, se faz necessária a intervenção do legislador para adequação dos procedimentos a serem adotados quanto ao novo texto constitucional e suas conseqüências na legislação existente a época.
CONCLUSÃO
Como visto, o advento do novo texto constitucional ocasionou enorme divergência entre os doutrinadores, especialmente quanto à extinção ou manutenção do instituto da separação no ordenamento jurídico brasileiro.
Com efeito, após o surgimento do divórcio propriamente dito no Brasil, inúmeras foram as alterações neste instituto até o advento do atual texto constitucional. No decorrer desta evolução histórica, a dissolução do vínculo matrimonial, abominado pela Igreja Católica em um primeiro momento, foi, aos poucos, sendo admitida na legislação brasileira.
Com a Constituição Federal de 1988, a extinção do vínculo matrimonial foi constitucionalmente inserida no Brasil, passando a ser permitida desde que respeitados os requisitos exigidos: a separação prévia e o lapso temporal.
A partir da Emenda Constitucional n. 66/2010, as exigências para a concessão do divórcio foram retiradas do texto constitucional, desencadeando divergência entre os doutrinadores em relação a sobrevivência ou não da separação no sistema jurídico brasileiro.
De um lado, parte da doutrina defende a extinção do instituto da separação, uma vez que a Constituição Federal passou a admitir o divórcio sem a exigência da separação prévia, abolindo o sistema dualista do ordenamento jurídico brasileiro.
Por outro lado, há doutrinadores cujo entendimento é de que a separação não fora abolida do ordenamento, uma vez que não foi expressamente revogada pela emenda constitucional atualmente em vigor, sobrevivendo prevista pelo Código Civil. Para tanto, utilizando-se do exemplo do casamento civil, que, embora não esteja previsto na Constituição Federal, suas regras são observadas conforme o disposto no Código Civil.
Assim, defendem a idéia de que apenas o não constar na Constituição Federal não torna o instituto da separação inconstitucional, mantendo vigentes as disposições contidas no Código Civil sobre a matéria.
Outrossim, tendo em vista a eficácia imediata do novo texto legal, a problemática que se impõe diz respeito às ações de separação em andamento à época da alteração. Nesse ínterim, parte da doutrina acredita que as partes deverão ter a oportunidade de manifestar o seu interesse na transformação da ação em divórcio, devendo ser intimadas para adequar o pedido.
Por outro lado, alguns doutrinadores defendem a idéia de que o processo de separação deve ser julgado extinto sem o julgamento do mérito, diante da impossibilidade jurídica do pedido, na hipótese de o instituto ter sido abolido do sistema.
Entretanto, uma terceira corrente, encabeçada pela Desembargadora Maria Berenice Dias, acredita que o divórcio nestes casos deverá ser decretado de ofício, e somente no caso de resistência por qualquer uma das partes é que o processo deverá ser julgado extinto.
Enfim, irrefutavelmente, a partir do advento da emenda constitucional n. 66/2010, o divórcio passou a ser concedido de forma mais célere, uma vez que os requisitos da separação prévia e lapso temporal não são mais exigidos pela Constituição Federal.
Entretanto, tendo em vista que a nova norma, assim como a questão do direito intertemporal são passíveis de mais de uma interpretação, necessário se faz a intervenção do legislador para adequação dos procedimentos a serem adotados quanto ao novo texto constitucional e suas conseqüências na legislação existente a época.
Informações Sobre o Autor
Leonardo Charão de Oliveira
Acadêmico de Direito