A entrega vigiada dos crimes previstos da na Lei 11.343/06

Resumo: A ação policial na repressão ao tráfico de entorpecentes conta com instrumentos jurídicos que podem servir aos agentes de segurança em suas atividades no desmantelamento de organizações criminosas complexas.

Palavras-Chave: tráfico de entorpecentes, crime organizado, repressão, inteligência policial.

Introdução

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O histórico da criminalidade no Brasil demonstra que locais antes tidos como pacatos e calmos, atualmente já apresentam pontos com altos índices de violência. Nas últimas décadas, é crescente a elevação da migração de massas populacionais em direção aos grandes centros urbanos.

Com o surgimento destes novos aglomerados, também foram criados pontos estratégicos para o enraizamento da criminalidade – sobretudo, nos crimes ligados ao tráfico de drogas.

Nestes locais nasceram facções criminosas que controlam determinadas área em prol da venda de entorpecentes e organização dos bandos criminosos que lá atuam. O tráfico de drogas se tornou um crime cometido por pessoas organizadas, altamente estruturado e com grande poder bélico e financeiro.

Para a repressão qualificada a estas novas associações criminosas, o Estado necessitou modificar sua legislação penal, visando o desmantelamento destes imensos conglomerados de criminosos.  

O Estado não deve ficar inerte e apenas observar o crescimento destas novas modalidades criminosas – é necessário, para o bem de todos, uma análise dos acontecimentos com respostas eficientes.

“Na última década de dados disponíveis, entre 2002 e 2012, o Brasil consegue estagnar o crescimento das taxas de homicídio que vinham crescendo rapidamente desde 1980. Efetivamente: a taxa total de 2003 foi de 28,9 homicídios em 100 habitantes; a de 2012 de 29,0 – praticamente idêntica. Na juvenil, o mesmo panorama: passa de 57,0 em 2003 para 57,6 em 2012. Surge aqui evidência, em uns poucos locais, de que a violência homicida não constitui um fenômeno natural, um tsunami perante o qual só resta se proteger da melhor forma possível. Que políticas públicas sistemáticas podem frear e fazer retroceder rapidamente os níveis de violência”. (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2014)

Com a publicação da Lei 11.343/06 (Drogas) e da Lei 12.850/13 (Crime Organizado) surgiram dois novos instrumentos no combate ao crime organizado: a ação controlada e a entrega vigiada.

Ação Controlada

A Lei 12.850/13 define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado. Esta Lei também revogou a antiga Lei do Crime Organizado – Lei 9.304/95.

Em seu artigo 3º, são citados os meios de obtenção de prova, tendo no inciso III o instrumento da ação controlada – que tem sua definição no artigo 8º da mesma lei:

“Ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.” (BRASIL, LEI 12.850/13)

Ainda sobre a ação controlada, o artigo 8º e 9º da Lei 12.850/13 trazem outros detalhes:

“Da Ação Controlada

§ 1o  O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público. § 2o  A comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada. § 3o  Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações. § 4o  Ao término da diligência, elaborar-se-á auto circunstanciado acerca da ação controlada. Art. 9o  Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime”. (BRASIL, LEI 12.850/13)

Entrega Vigiada

Já a entrega vigiada está prevista na Lei 11.343/06 que estabelece normas para repressão ao tráfico ilícito de drogas e define seus crimes.

“Art. 53.  Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios: [….] II – a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível. Parágrafo único.  Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores”. (BRASIL, LEI 11.343/06)

Assim como na ação controlada, a ação vigiada permite ao agente de segurança que ao perceber o cometimento do crime de tráfico de drogas, consiga acompanhar os criminosos sem que seja necessária sua atuação naquele momento através de prisões ou abordagens.

É possível perceber que a entrega vigiada, torna-se uma exceção aos casos de prisão em flagrante, uma vez que o agente de segurança – mesmo presenciando uma ação criminosa – não agirá, uma vez que busca a maior eficiência em sua ação policial.

O instrumento da entrega vigiada também encontra abrigo na Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, aprovada pelo Decreto nº. 154 de 26.06.1991. Em seu artigo 1º, alínea "l" e 11 é definida a entrega vigiada:

“l) Por "entrega vigiada" se entende a técnica de deixar que remessas ilícitas ou suspeitas de entorpecentes, substâncias psicotrópicas, substâncias que figuram no Quadro I e no Quadro II anexos nesta Convenção, ou substâncias que tenham substituído as anteriormente mencionadas, saiam do território de um ou mais países, que o atravessem ou que nele ingressem, com o conhecimento e sob a supervisão de suas autoridades competentes, com o fim de identificar as pessoas envolvidas em praticar delitos especificados no parágrafo 1º do Artigo 3º desta Convenção". (BRASIL, Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas)

A Convenção de Palermo[1] também traz um conceito de entrega vigiada muito semelhante:

“"Entrega vigiada" – a técnica que consiste em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática”; (CONVENÇÃO DE PALERMO)

A Convenção de Palermo, como forma de combate ao crime organizado transnacional, é um dos instrumentos atuais mais avançados existentes no mundo, com especial destaque para as medidas de cooperação jurídica ou assistência jurídica mútua e confisco de bens.

Recentemente, a importância da Convenção de Palermo foi ressaltada, em 29.06.2006, pela proposta do Ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, que, aprovada, alterou a Resolução nº. 314 do Conselho da Justiça Federal (CJF) para autorizar a especialização das varas criminais de lavagem de dinheiro também no processamento e julgamento de crimes praticados por organizações criminosas, adotando o conceito de crime organizado estabelecido na Convenção de Palermo.

Desta maneira, muitos entendem que a entrega vigiada pode ser definida como o princípio da ação controlada aplicada aos casos de tráfico de drogas. Existem também aqueles que entendem que, em muitos casos, aqueles que cometem os crimes de tráfico de drogas também incorrem nas tipificações previstas na Lei do Crime Organizado – podendo assim, o princípio da ação controlada ser perfeitamente aplicado nestes casos.

Formas de execução da entrega vigiada

A execução das operações que envolvam atos específicos de entrega vigiada devem ser realizadas buscando a prisão de toda a pirâmide de criminosos ou a apreensão de grandes remessas de entorpecentes – que podem ser feitos através de uma série de procedimentos operacionais, tais como acompanhamento e apreensões secundárias, entre outras.

No acompanhamento, a remessa de droga não é apreendida durante o andamento da operação, sendo monitorada para que sejam identificados todos os escalões responsáveis e criminosos envolvidos no tráfico de entorpecentes. Já as apreensões secundárias, podem ser feitas como forma dissimulada da ação policial – onde as drogas são interceptadas em locais distantes do seu ponto final de entrega, não fazendo os criminosos perceberem que estão sendo monitorados pelos órgãos de segurança

Apesar da existência do instrumento da entrega vigiada, o agente responsável pelo monitoramento das ações dos criminosos, deve tomar todas as providências necessárias para que não se perca o rumo desses entorpecentes. Assim, deverá durante todo o transcorrer de sua operação, anexar provas materiais para que sejam especificadas as condutas delituosas de todos os envolvidos.

Conclusão

A existência dos instrumentos da ação controlada e entrega vigiada na repressão aos crimes relacionados ao tráfico de entorpecentes e aos atos do crime organizado, trouxeram novas opções aos órgãos de segurança pública na busca de provas robustas e identificação do maior número possíveis de agentes envolvidos em toda a complexa ramificação criminosa que normalmente envolvem estes delitos.

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal,
1998.
_____. Convenção de Palermo ( Decreto nº 5.015) de 12 de março de 2004. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em 02 de abril de 2015.
_____. Lei de Drogas. Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em 02 de abril de 2015.
_____. Lei do Crime Organizado. Lei nº 12.850 de 02 de agosto de 2013. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em 02 de abril de 2015.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2014. Brasília: Flacso Brasil, 2014.
Nota:
[1] Através do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004 foi promulgada a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional.

Informações Sobre o Autor

Rafael Vicente

Capitão da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina – Pós Graduado no Curso de Especialização em Gestão e Políticas Públicas de Segurança: Universidade Estácio de Sá – Bacharel em Segurança Pública: Universidade do Vale do Itajaí – Bacharel Curso de Formação de Oficiais: Polícia Militar de Santa Catarina – Bacharel no Curso de Direito: Faculdade União Bandeirantes


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Equipe Âmbito Jurídico

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