Resumo: Este artigo trata da escassez de recursos frente à sociedade contemporânea, âmbito do Direito Econômico, visa mostrar que a economia e o direito são áreas distintas, porém, interligadas, sendo consideradas de forma conjunta na hora da tomada de decisão de um julgador. Outrossim, este artigo também aborda a teoria do Mínimo Existencial em confronto com a teoria da Reserva do Possível, uma vez que, não há como contemplar um indivíduo no que concerne aos seus Direitos Fundamentais quando a teoria da Reserva do Possível é invocada indiscriminadamente.*
Palavras-chave: Artigo Científico. Escassez de Recursos. Mínimo Existencial. Reserva do Possível.
1 INTRODUÇÃO
A escassez de recursos acompanha a sociedade desde os primórdios, sendo que, com o decorrer da “evolução”, vem se tornando um fato gerador de conflitos e preocupações exarcebadas.
Frente à escassez de recursos, a qual é vislumbrada em vários âmbitos, é possível exemplificar com clareza a escassez na esfera da saúde, a qual, diante da não abrangência do Estado, assolam os indivíduos, tornado-os desassistidos e desprovidos desse bem jurídico essencial.
A teoria do Mínimo Existencial tem sido invocada com o intuito de mostrar que, os Direitos Fundamentais devem ser respeitados, pois para sobreviver o ser humano necessita do mínimo para continuar existindo, ou seja, sem o mínimo não há vida, destarte, a teoria da Reserva do Possível deverá ser analisada sob o prisma de reservar o que realmente é possível, não aquele bem jurídico essencial para a vida.
2 A PERCEPÇÃO DA ESCASSEZ DE RECURSOS
Na contemporaneidade, a escassez de recursos fica mais evidente e perceptível a cada dia que passa, mas, é quando os indivíduos necessitam satisfazer suas necessidades básica, que essa realidade se torna ainda mais elucidada, pois na busca pelo reconhecimento de seus Direitos Fundamentais, percebem o quanto falta recursos, e que essa escassez faz com que o Estado não os atenda da forma desejada, haja vista que, muitas vezes, seu pedido não possui a mesma gravidade do que o pleiteado por outro cidadão. Enquadrando-se como exemplo um pedido de tratamento de um câncer e o de uma cirurgia plástica reparatória, não se trata do segundo pedido significar menos do que o primeiro, mas, como não há bens jurídicos suficientes para todos, haverá de ser tomada uma decisão no âmbito do direito, visando atender a prioridade daquele momento, daquele caso concreto.
3 DECISÃO FRENTE AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os Direitos Fundamentais, preconizados na Carta Magna de 1988, muitas vezes são violados quando, em sua busca, não há resposta, tampouco ocorre o sanar das necessidades buscadas.
O conflito gerado pela não efetividade desses direitos, torna a economia e o direito cúmplices na hora de uma decisão judicial. Como menciona José Reinaldo de Lima Lopes (2006, p. 272):
“O preço é o valor das coisas que se trocam, a dignidade é o valor das coisas que não se trocam. Há no direito tantas regras a respeito dos preços quanto da dignidade. Conforme o caso, o direito (o sistema normativo) determina possibilidades diferentes. Se tudo puder converter-se em preço, desaparece a noção de direito fundamental.”[1]
O fator econômico traz a inalcançabilidade desses direitos, sendo necessário um sopesamento por parte do direito, visando à abrangência e a efetividade dos Direitos Fundamentais e Sociais dos indivíduos, buscando, da forma mais adequada, suprir o que o Estado deveria proporcionar-lhes. Tendo como exemplo o orçamento público, o qual foi criado com o objetivo de prever os gastos do Estado (receitas), bem como autorizar suas despesas, ou seja, manter um controle econômico. Sendo que, o que ocorre na atualidade é um descontrole, não há recursos suficientes, ocasionando, desta forma, certa discricionariedade no momento da distribuição desses bens escassos.
Neste sentido, vejamos as palavras do autor MÂNICA: “No Estado Social e Democrático de Direto, o orçamento instrumentaliza as políticas públicas e define o grau de concretização dos valores fundamentais constantes do texto constitucional. Dele depende a concretização dos direitos fundamentais”. [2]
4 A TEORIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL EM CONFRONTO COM A TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL
A teoria do Mínimo Existencial visa aclarar a necessidade e a busca do ser humano pela sobrevivência, declara o mínimo que se há de ter para uma vida digna, é a teoria intrínseca no rol dos Direitos Fundamentais, preconizados pela Carta Magna de 1988.
Neste diapasão, versa com sábias palavras o autor Ingo Wolfgang Sarlet sobre o tema:
“O direito à garantia de uma existência digna: a problemática do salário mínimo, da assistência social, do direito à previdência social, do direito à saúde e à moradia. Inobstante possamos, desde já, constatar que a formulação do enunciado abrange, especialmente após a incorporação expressa de um direito à moradia ao artigo 6º da nossa Constituição, pelo menos cinco direitos fundamentais sociais expressa e distintamente consagrados em nossa Constituição (salário mínimo, assistência social, previdência social, saúde e moradia), verificar-se-á também que, além de suma abordagem conjunta não nos parece descabida, já que, além de servir a propósitos didáticos, encontra sua justificativa na finalidade comum […] destes direitos, qual seja, a de assegurar ao indivíduo, mediante a prestação de recursos materiais essenciais, uma existência digna, sem que, como pretendemos aprofundar, mais adiante, se esteja a sustentar que a garantia do mínimo existencial possa ser restringida aos direitos aqui mencionados. É, contudo, no âmbito do direito à saúde que talvez encontremos a maior gama de questionamentos, bem como a produção mais relevante na seara doutrinária e jurisprudencial, especialmente no que concerne à possibilidade de se reconhecerem direitos subjetivos diretamente embasados na Constituição. Além disso, é nesta seara que os problemas de efetivação assumem dimensão muitas vezes trágica, não sendo raros os casos em que a falta das prestações materiais ceifou a vida dos titulares do Direito. Com efeito, não foi sem razão que, recentemente, houve até mesmo quem apontasse para a necessidade de escolhas “trágicas”, especialmente (mas não exclusivamente) na esfera da saúde, tendo em conta o permanente conflito entre a inevitável escassez de recursos e o desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais.”[3]
Isto posto, pode-se compreender onde existe o confronto das teorias do Mínimo Existencial e da Reserva do Possível, sendo que, a primeira expõe o mínimo exigível para a sobrevivência do indivíduo, mínimo este, garantido pela Constituição Federal, a segunda, engloba o fator econômico e político, determinando a forma com que o Estado deve e pode prestar os serviços essenciais.
Vejamos a oportuna lição de Ingo Wolfgang Sarlet sobre a Reserva do Possível:
“Se a regra da relevância econômica dos direitos sociais prestacionais pode ser aceita sem maiores reservas, há que questionar, todavia, se efetivamente todos os direitos desta natureza apresentam dimensão econômica, havendo, neste contexto, quem sustente a existência de exceções, apontando para direitos sociais a prestações economicamente neutros (não implicam a alocação de recursos para sua implementação), no sentido de que há prestações materiais condicionadas ao pagamento de taxas e tarifas públicas, além de outras que se restringem ao acesso aos recursos já disponíveis. É preciso observar, contudo, que, mesmo nas situações apontadas, ressalta uma repercussão econômica ao menos indireta, uma vez que até o já disponível resultou da alocação e aplicação de recursos, sejam materiais, humanos ou financeiros em geral, oriundos, em regra, da receita tributária e outras formas de arrecadação do Estado.
Por outro lado, não nos parece correta a afirmação de que a reserva do possível seja elemento integrante dos direitos fundamentais, como se fosse parte do seu núcleo essencial ou mesmo se estive enquadrada no âmbito do que se convencionou denominar de limites imanentes dos direitos fundamentais. A reserva do possível constitui, em verdade (considerada toda a sua complexidade), espécie de limite jurídico e fático dos direitos fundamentais, mas também poderá atuar, em determinadas circunstâncias, como garantia dos direitos fundamentais, por exemplo, na hipótese de conflitos de direitos, quando se cuidar da invocação – observados sempre os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os direitos – da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental.”[4]
5 JURISPRUDÊNCIA – ESCASSEZ DE RECURSOS
“EMENTA: MEDICAMENTO. LISTAS PÚBLICAS. IRREVERSIBILIDADE DA TUTELA. CUSTAS PROCESSUAIS. 1. Segundo a Constituição da República, o direito à saúde efetiva-se (I) pela implantação de políticas sociais e econômicas que visam à redução do risco de doenças e (II) pelo acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, assegurada prioridade para as atividades preventivas. 2. O direito social à saúde, a exemplo de todos os direitos (de liberdade ou não) não é absoluto, estando o seu conteúdo vinculado ao bem de todos os membros da comunidade e não apenas do indivíduo isoladamente. Trata-se de direito limitado à regulamentação legal e administrativa diante da escassez de recursos, cuja alocação exige escolhas trágicas pela impossibilidade de atendimento integral a todos, ao mesmo tempo, no mais elevado standard permitido pela ciência e tecnologia médicas. Cabe à lei e à direção do SUS definir seu conteúdo em obediência aos princípios constitucionais. 3. O serviço público de saúde está sujeito a apenas um regime jurídico descentralizado no qual as ações e as atividades são repartidas entre os entes da Federação. 4. A assistência farmacêutica por meio do SUS compreende os medicamentos essenciais (RENAME) e os medicamentos excepcionais constantes das listas elaboradas pelo Ministério da Saúde. Em princípio, não tem a pessoa direito de exigir do Poder Público medicamento que não consta do rol das listas elaboradas pelo SUS, balizadas pelas necessidades e disponibilidades orçamentárias. Contudo, o insumo já fora entregue, tornando a tutela irreversível. 5. Na forma do parágrafo único do art. 11 do Regimento de Custas (Lei nº 8.121/85), o Estado não pagará emolumentos aos servidores que dele percebam vencimentos. Hipótese em que o cartório está sujeito ao regime oficializado de remuneração. Recurso provido em parte. (Apelação Cível Nº 70036452043, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 21/05/2010).”[5]
O constante da ementa da jurisprudência acima relata parte do que já foi abordado até o momento, podendo-se constatar que a escassez de recursos tem se efetivado como a principal vilã da não abrangência necessária à saúde, por exemplo, vigindo, desta forma, o poder discricionário, pois há casos em que não existe na regulamentação a descrição de determinados medicamentos ou aparelhos, não fazendo parte do rol daqueles que devem ser fornecidos pelo Estado e, diante disso, o julgador acaba adotando em sua decisão um caráter discricionário e calcado na analogia, uma vez que, o que compõe aquele pedido é essencial para a sobrevivência de quem está pedindo.
5 CONCLUSÃO
O tema deste artigo abrange o meio econômico e o meio jurídico, uma vez que, o Estado frente à escassez de recursos, deixa de fornecer os bens jurídicos indispensáveis para atender as necessidades dos indivíduos, violando, desta forma, os Direitos Fundamentais e Sociais, preconizados pela Constituição Federal de 1988.
A não efetivação desses direitos gera a busca no judiciário, sendo que, muitas vezes são negados, pois a decisão é discricionária e debruça-se em cada caso em concreto, decisão esta calcada na escolha racional.
Isto posto, ressalta-se que, todos os Direitos Fundamentais deveriam ser alcançados, porém, diante de tal escassez, o Estado alega falta de recursos financeiros para atender todas as demandas, destarte, faz-se necessária uma tomada de decisão por parte do Poder Judiciário acerca das prioridades trazidas, com aplicação de critérios, como ponderação e proporcionalidade, visando atender o que está constitucionalmente previsto, uma vez que o fim último do Estado é o cidadão.
* Orientadora a professora Carolina Machado Cyrillo da Silva, da disciplina de Direito Econômico.
Informações Sobre o Autor
Ana Cardoso de Fraga
Acadêmica do Curso de Direito – Centro Universitário Metodista – IPA – Porto Alegre/RS