A estabilidade acidentária do trabalhador aposentado


Com o valor dos benefícios de aposentadorias cada vez menores e insuficientes para prover as necessidades básicas e a subsistência do aposentado, tem sido usual a hipótese do trabalhador, mesmo após a aposentadoria espontânea, continuar trabalhando no mesmo emprego, a fim de complementar sua renda.


Com isso, a justiça do trabalho tem sido instada constantemente a lidar com temas polêmicos e controversos acerca do aposentado que continua laborando. O principal dissenso a respeito, deu-se com a discussão sobre os efeitos da aposentadoria no contrato de trabalho.


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Durante longo tempo, a redação do § 2º do art. 453 da CLT, expressamente determinava que o ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado importava na extinção do vínculo empregatício, determinação esta acatada pela jurisprudência e consubstanciada na antiga OJ n.º 177 da SDI-I do TST.


Contudo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN n.º 1.721-3, seguindo entendimento já adotado anteriormente quando do julgamento do RE n.º 449.425/PR, considerou inconstitucional o § 2º do art.453 da CLT, encerrando a controvérsia e forçando o Tribunal Superior do Trabalho a rever sua jurisprudência e cancelar a citada OJ n.º 177 da SDI – I.


Sanada a divergência quanto à extinção do pacto laboral em virtude da aposentadoria espontânea do empregado que permanece trabalhando no mesmo emprego, surge uma nova controvérsia envolvendo a questão.


Têm sido comum os casos em que o empregado aposentado que continua laborando na mesma atividade ou outra diversa, sofre acidente no trabalho, sendo obrigado a se afastar por mais de quinze dias de suas atividades.


É pacífico que o afastamento do trabalho por tempo maior do que quinze dias, em virtude de acidente de trabalho, gera ao acidentado o direito de perceber auxílio doença na forma do art. 15 da Lei n.º 8.213/91, a qual, por sua vez, pode ser convertida em auxílio doença acidentário nos moldes do § 2º do art. 86, também da Lei 8..213/91.


Ocorre que os arts. 86, § 2º, in fine e 124, I da Lei n.º 8.213/91, vedam a acumulação dos referidos benefícios com qualquer outra aposentadoria.


Tal proibição tem dado ensejo a que alguns empregadores de forma precipitada concluam que o fato do trabalhador aposentado não fazer jus ao auxílio doença e auxílio acidente, também não teria direito à estabilidade provisória e acidentária, valendo-se deste raciocínio para rescindir o contrato de trabalho.


Corrobora este entendimento o exposto no art. 118 da Lei n.º 8.213/91, que dispõe: 

“O segurado que sofreu acidente de trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio doença-acidentário, independentemente de percepção do auxílio acidente”. 

Sustentam os defensores da tese em comento que, a obtenção do direito à estabilidade provisória no emprego, sé dá com o preenchimento de dois requisitos: a ocorrência de acidente de trabalho, com a conseqüente concessão de auxílio-doença acidentário e a posterior cessação deste benefício. 

Para os defensores desta tese, sendo o marco inicial da garantia no emprego e da estabilidade provisória, o término do recebimento do auxilio doença acidentário pelo trabalhador, e o empregado aposentado por não poder acumular sua aposentadoria com qualquer outro benefício previdenciário, não poderia completar um dos principais requisitos da garantia de emprego, qual seja, o do término do recebimento do auxílio doença acidentário, marco inicial da estabilidade acidentária. 

Note-se que a princípio, parece que a jurisprudência dominante do TST também adotou esta exegese ao editar a Súmula 378, II do TST, assim redigida:

“São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.” (primeira parte – ex-OJ nº 230 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001)

Em que pese à interpretação ventilada, afigura-se precipitado o entendimento de que o empregado aposentado vítima de infortúnio no trabalho não teria direito à estabilidade provisória por não fazer jus ao auxílio doença acidentário. 

Prevalecendo a hermenêutica apontada, temos por configurada flagrante discriminação entre o trabalhador aposentado e o empregado comum, isto por que, em duas situações similares, teremos garantias diferentes, ou seja, o empregado comum não aposentado acometido por um acidente de trabalho e tendo preenchidos os requisitos da lei, teria direito à estabilidade provisória, enquanto o empregado aposentado nas mesmas condições, também vitima do mesmo infortúnio, não gozaria da estabilidade, ficando desprovido da tutela legal. 

Flagrante a inconstitucionalidade de tal situação por total afronta ao princípio da isonomia e ao inciso XXX do art. 7º da Constituição Federal, que proíbe qualquer discriminação no tocante a salário, exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor e estado civil. 

Ademais, é preciso ter em mente, que o escopo da lei previdenciária foi de proteger o empregado no caso de acidente grave, servindo o auxílio-doença como mero referencial dessa gravidade, e pelo que não pode o aposentado ficar a descoberto da estabilidade provisória, sob pena de discriminação.

O fato do empregado aposentado não receber o benefício de auxílio doença acidentária, por si só, não tem o condão de afastar deste, o direito à garantia de emprego estendida ao empregado não aposentado, uma vez que o objeto da estabilidade acidentária é o de proteger e prover o trabalhador acidentado, independentemente de quem seja ou da condição em que este se encontre. 

Não se pode ignorar ainda a realidade social que nos cerca e que por descaso dos governantes, desmandos e má gestão na administração dos recursos da previdência social obriga o aposentado que já trabalhou por décadas contribuindo com seu salário para o sistema da previdência social, a continuar trabalhando para poder suprir sua renda e manter sua subsistência. 

Pretender excluir o trabalhador aposentado de qualquer estabilidade decorrente de eventual infortúnio do trabalho, pelo simples fato deste não poder cumular sua aposentadoria com o benefício de auxilio doença acidentário, não contribui para a valorização social do trabalho e a dignidade da pessoa humana, preceitos estes estipulados como princípios fundamentais da nossa república nos incisos III e IV da Magna Carta. 

Tanto é assim, que o próprio TST tem flexibilizado o entendimento consubstanciado na Súmula 378, II, garantindo ao empregado aposentado, o direito à estabilidade provisória decorrente de acidente de trabalho. 

Neste sentido, é o entendimento dos seguintes arestos: 

“ESTABILIDADE PROVISÓRIA ACIDENTE DE TRABALHO EMPREGADO APOSENTADO. In casu , o percebimento do auxílio-doença acidentário não se verificou ante o óbice legal contido no artigo 124, inciso I, da Lei nº 8.213/91, que, salvo no caso de direito adquirido, veda o recebimento cumulado de aposentadoria com auxílio-doença, o que não afasta o direito à estabilidade decorrente do acidente de trabalho, tendo em vista o atual entendimento desta Corte, que, levando em consideração os princípios do Direito do Trabalho e a interpretação finalística ou teleológica da norma, vem mitigando a exigência de percepção do auxílio-doença acidentário para a concessão da estabilidade, o que se percebe da leitura do item II da Súmula/TST nº 378, e o fato de que o empregado, no presente caso, atendia aos pressupostos para o recebimento do referido auxílio, ou seja, sofreu acidente de trabalho, ficando afastado do trabalho por prazo superior a 15 dias. Recurso de revista conhecido e provido. Ac (unânime) TST 2ª T” (RR – 85444/2003-900-04-00) Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, julgado em 16/09/2009 e publicado no DEJT 09/10/2009.” 

“ESTABILIDADE. ACIDENTE DE TRABALHO. ARTIGO 118 DA LEI Nº 8.213/91. EMPREGADO APOSENTADO. AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO. 1. Em princípio, para o empregado beneficiar-se da estabilidade provisória do art. 118 da Lei nº 8.213/91 é necessário o atendimento a dois requisitos: o afastamento do empregado do trabalho por prazo superior a 15 dias e o recebimento de auxílio-doença acidentário (Orientação Jurisprudencial nº 230 da SBDI1 do TST).
2. Se, todavia, o empregado acidentado acha-se aposentado, resulta inviabilizada pela própria lei a percepção também de auxílio-doença, em virtude de óbice imposto pelo regulamento geral da Previdência Social à percepção cumulada de auxílio-doença e aposentadoria. Em casos que tais, cada vez mais comuns na atual conjuntura sócio-econômica, em que desafortunadamente se torna imperativo o reingresso do aposentado no mercado de trabalho a fim de suplementar os parcos ganhos advindos da aposentadoria, a circunstância de o empregado não poder auferir concomitantemente auxílio-doença acidentário não lhe retira o direito à estabilidade se o afastamento do serviço dá-se por período superior a 15 dias e há nexo causal com o labor prestado ao empregador. 3. Inexistência de afronta ao art. 118 da Lei nº 8.213/91. Recurso de revista não conhecido. Ac (unânime)TST 1ª T (RR-590.638/99.0) , Rel. Min. João Oreste Dalazen, publicado no DJ – 28/10/2004)”

E mais. 

Existem ainda, entendimentos na jurisprudência no sentido de que para a obtenção da estabilidade provisória, basta a comprovação do nexo de causalidade entre a doença profissional e a execução do contrato de trabalho.

Neste diapasão, cabe trazer à baila o seguinte julgado da SDI-1 do TST; 

“ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA. ARTIGO 118 DA LEI N.º 8.213/91. SÚMULA N.º 378, II, DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. Consoante a jurisprudência desta Corte uniformizadora, consagrada na Súmula n.º 378, II, comprovado o nexo de causalidade entre a doença profissional e a execução do contrato de trabalho, não se exige a percepção de auxílio-doença e o afastamento por mais de 15 dias para o reconhecimento da estabilidade de que trata o artigo 118 da Lei n.º 8.213/91. Recurso de embargos conhecido e provido parcialmente. Ac (unânime) TST SBDI-1 (E-RR 881/1996-0001-17-00.3) Rel. Min. Lélio Bentes, julgado em 01/10/09, divulgado no DEJT 08/10/09 e publicado no DEJT 09/10/09. 

Desta maneira, temos que a concessão de auxílio-doença acidentário e a posterior cessação do benefício, são tidos pela jurisprudência como prescindíveis para obtenção da garantia de emprego, sendo a principal exigência para a estabilidade provisória acidentária, a existência de nexo de causalidade entre o infortúnio do trabalho e a execução do contrato de trabalho. 

Isto posto, tendo em vista os argumentos ora aduzidos e ainda a jurisprudência da mais alta corte trabalhista, nos filiamos ao entendimento que garante ao empregado aposentado o direito a estabilidade provisória acidentária por estar esta exegese em maior conformidade com os princípios previstos na nossa Constituição Federal e no direito do trabalho, estando qualquer entendimento em contrário em evidente discriminação ao empregado aposentado e afronta ao princípio da isonomia. 

Por fim, é de se concluir que sendo o empregado aposentado detentor de estabilidade provisória, só poderá ter seu contrato de trabalho rescindido nas hipóteses de justa causa, ou então, pedindo demissão do emprego, com a devida a assistência do respectivo Sindicato, do Ministério do Trabalho ou judicialmente, nos termos do art. 500 da CLT.


Informações Sobre o Autor

Vinícius Neves Bomfim

Bacharel em direito pela Universidade Cândido Mendes; Pós Graduado em Direito e Processo do trabalho pelo Curso Metta-Universidade Gama Filho., advogado no Rio de Janeiro e sócio do escritório Calheiros Bomfim & Silvério dos Santos.


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