Entre os doutrinadores nacionais merecem especial destaque José Aguiar Dias e Alvino Lima que com sua monografia “Culpa e Risco” e, ainda Wilson Melo da Silva e Sérgio Cavalieri Filho.
O direito pré-codificado brasileiro não delineou a teoria da responsabilidade civil[1]. Apesar de que na Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas identificava a figura do prejuízo causado a um delito, estabelecendo que a indenização seria pedida sempre em uma ação civil.
Desta forma tratou da indenização por ato próprio ou alheio em pessoas ou nas coisas, sendo sãos ou incapazes e, demais aspectos da reparabilidade.
Também merece atenção na trajetória evolutiva a Consolidação de Carlos Carvalho de 1899 que cogita da responsabilidade contratual, extracontratual e pelo fato das coisas, distinguido claramente dolo de culpa, com a exclusão de responsabilidade por caso fortuito e de força maior e, ainda, da constituição do devedor em mora.
Sem dúvida, a lei especial objetivando a responsabilidade das estradas de ferro, o Decreto- Lei 2.681, de 07/12/1912[2] foi a pioneira em disciplinar a responsabilidade objetiva, fugindo da regra até então vigente da responsabilidade calcada na culpa.
Já nosso Código Civil por influência do Código Napoleônico a teoria da responsabilidade civil focou-se na doutrina da culpa. Observamos que o art. 159 do Código Civil de 1916 é quase uma cópia literal dos arts. 1.382[3] e 1.383[4] do Código Civil francês 1804.
Culpa é o elemento é o elemento da teoria geral da responsabilidade civil, é a inexecução de dever que o agente podia conhecer e observar se a violação do dever for involuntária podendo conhecê-la e evita-la há culpa simples.
Culpa é o elemento da teoria geral da responsabilidade civil corresponde a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar. Se a violação do dever for involuntária, podendo conhecê-la e evita-la, haverá culpa simples.
Culpa é genericamente toda falta de um dever jurídico. Marcel Planiol conceituou a culpa como infração de um dever preexistente de que a lei ordena a reparação quando causou um dano a outrem. (Traité Elementaire de Droit Civil, vol.II, n.863).
A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra convencionada em contrato, ou por deixar certa pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida. Neste sentido, cogita-se, respectivamente, responsabilidade civil contratual ou negocial e em responsabilidade civil extracontratual, também chamada responsabilidade civil aquiliana (proveniente da Lex Aquilia de Damno, do fim do século III a.c.).
No fundo, o elemento culpa do Direito Romano é diferente do conceito atual, pois a última ao contrário da anterior traz em seu bojo a ideia de castigo, por forte influência da Igreja Católica.
Os romanos eram essencialmente pragmáticos, a culpa era um mero pressuposto do dever de indenizar. Portanto, conforme lecionou Giselda Hironaka é incorreto usar a expressão aquiliana.
Na doutrina francesa e ainda por força da tradução do art. 1.382 do Código Napoleônico[5] consagraram-se como elementos tradicionais da responsabilidade civil são a conduta do agente (comissiva ou omissiva), o nexo de causalidade e o dano causado. E, nossa sistemática jurídica seguiu essa construção e adotou como regra a responsabilidade subjetiva (com culpa).
Porém, afastando-se de tal regra, particularmente o direito francês (responsável em grande parte por ideais socializantes) passou a admitir outra modalidade de responsabilidade civil, aquela sem culpa, calcada na teoria do risco[6] que surgiram a partir de 1897 (responsabilidade civil objetiva).
Caio Mário da Silva Pereira lecionou a culpa é um erro de conduta, cometido pelo agente que, procedendo contra direito, causa dano a outrem, mas sem intenção de prejudicar e sem a consciência de que seu comportamento poderia causá-lo. Inspirou-se Caio Mário em Henri de Page que acentuou de erro de conduta com base na palavra francesa faute.
É fato que o legislador pátrio esposou a doutrina da culpa embora também tenha previsto a hipótese de responsabilidade nitidamente objetiva, impondo em seu art. 1.529 do Código Civil de 1916[7].
A responsabilidade objetiva já era conhecida no Direito Romano na actio de effusis et deiectis onde respondia o habitator, sem se cogitar de sua situação jurídica em relação à casa. Complica-se a perspectiva mediante edifícios coletivos, pois cada unidade habitacional deve ser tratada como propriedade autônoma, jamais cabendo condenar todo o condomínio.
Tínhamos que conciliar o art. 1.529 do C.C./1916 com o art. 2º da Lei 4.591/64 consagrando ainda assim a responsabilidade objetiva, em exceção à regra geral esposada.
Em outra disposição prevista no art. 1.528[8] prevê a responsabilidade do dono de edifício em construção, pelos danos que resultarem de sua ruína, por falta de reparos imprescindíveis. Clóvis Beviláqua considerou que o fundamento do preceito legal é a violação do dever de reparar o edifício ou a construção.
Diversas leis brasileiras foram editadas, atendendo situações especiais onde se consagrou a responsabilidade objetiva, a saber: Código Brasileiro do Ar (Decreto-Lei 483 de 08 de junho de 1938), atualmente o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986), o Código de Mineração (Dec -.Lei 277/1967) e toda legislação sobre acidentes no trabalho.
E, ainda o CDC (Lei 8.078/1990) integrou-se na doutrina objetiva da responsabilidade civil. Bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) igualmente legitima o Ministério Público para a defesa de interesses difusos.
O crescimento industrial ocorrido na Europa (com a segunda Revolução Industrial) precursora do modelo capitalista trouxe consequências jurídicas relevantes. A teoria do risco propõe que determinadas atividades em relação à coletividade assumem a responsabilidade pelo prejuízo causado.
Após o Decreto-lei 2.681/1912 tanto a doutrina e a jurisprudência passaram a aplicar na responsabilidade do transportador não seria subjetiva por culpa presumida, mas objetiva, ou seja, independente de culpa.
Destaque-se a importância da obra de Alvino Lima (“Culpa e Risco”) editada atualmente pela Revista dos Tribunais, tendo sido o principal doutrinador responsável pelo salto evolutivo da responsabilidade subjetiva para a objetiva.
O art. 15 do C.C. de 1916 também representou uma das primeiras tentativas em consagrar a nova vertente doutrinária, trazendo a responsabilidade do Estado pelos atos comissivos de seus agentes, conforme o art. 37, sexto parágrafo da Constituição Federal de 1988[9].
Justifica-se tal responsabilidade do poder público sem culpa em razão da amplitude de sua atuação diante dos cidadãos, tendo em vista a constatação de que prestação de serviços públicos cria riscos de eventuais prejuízos. Tal possibilidade sepulta de vez o conceito do “Estado Mal” da Idade Média, que era aquele que punia barbaramente o mau pagador de impostos, justamente pela sobreposição de um novo conceito de Estado Soberano, qual seja, o Estado Provedor, muitas vezes intervencionista, influenciado pelos ideais sociopolíticos decorrentes da Revolução Francesa em 1793.
Também não podemos esquecer que em 1981 no Brasil já havia a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) exaltando explicitamente a responsabilidade objetiva dos causadores de danos ao meio ambiente, consagrando do princípio do poluidor pagador.
A massificação dos contratos reforçou a validade da teoria do risco[10] que se disseminou no âmbito privado ao prever a responsabilidade civil objetiva dos prestadores de serviços e fornecedores de produtos por danos causados aos consumidores vulneráveis. Ao lado do dever de indenizar independente de culpa, a tutela coletiva dos direitos e a prevenção de danos ao meio social. Percebe-se assim uma nova visão das relações privadas, com surgimento de tendências socializantes, marcadas pelo reconhecimento dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Com o milagre brasileiro dos anos setenta, deu-se a massificação das atividades privadas e o crescimento do movimento consumerista. Em 1985, surge a Lei 7.373 que possibilita a defesa coletiva dos direitos a ser intentada por alguns órgãos intentados, como por exemplo, o Ministério Público.
A Constituição Federal brasileira de 1988 definitivou as tendências socializantes, tais como a defesa dos consumidores como norma principiológica (art. 5º, inciso XXXII), a reparação de danos imateriais ou morais, a função social da propriedade, a proteção do bem ambiental, a proteção da dignidade da pessoa humana (como direito fundamental), a solidariedade social como preceito máximo de justiça e a isonomia ou igualdade lato sensu.
O precursor da doutrina objetiva foi Gaston Morin que escreveu “A revolta do Direito contra o Código” em 1945 prevendo alguns casos onde a responsabilidade delitual fora substituída pela responsabilidade contratual.
Assim, o viajante não precisa provar a culpa da transportadora deslocando a questão para o direito à segurança. Foi Karl Binding o primeiro a transferir o fundamento teórico do princípio da responsabilidade criminal para a responsabilidade civil. Alude à reparação por efeitos de atos que não sejam delitos criminais. No âmbito civil, dispensaria a intenção para sujeitar-se o ofensor aos dever de repara o dano provocado.
Binding opondo-se à liberdade moral ou livre arbítrio passou a enforcar o dano como realidade objetiva não se precisando recorrer ao elemento vontade para se definir a responsabilização civil.
Com propriedade ressaltou Aguiar Dias que ocorre certa ironia o fato de ser exatamente um criminalista como Binding a ser o primeiro a se preocupar com exame científico das bases teóricas da responsabilidade civil.
Enfim, a teoria objetiva da responsabilidade encontrou na doutrina germânica vários adeptos tais como: Karl Larenz, Ennecerus, e ainda, na Itália doutrinadores como Coviello, De Cupis, Ruggiero e Emanuele Orlando.
A posição doutrinária de Ruggiero e Maroi merece especial destaque posto que sustentem como regra geral a teoria da culpa, excetuando situações especiais, onde se admite claramente a responsabilidade sem culpa.
A responsabilidade objetiva teve grande apoio de dois preciosos doutrinadores franceses Raymond Saleilles e Louis Josserand que concentraram suas análises na palavra “faute” contido no art. 1.384 do Código Napoleônico equivalendo à causa de qualquer dano.
A relação de causalidade geradora de reparação que alude o código francês é a culpa tomada na acepção vulgar de causa. E, assim surgirá o dever de ressarcimento independente de culpa. Defende Saleilles que a teoria objetiva é uma teoria social que considera “o homem como parte de uma coletividade” e trata a atividade em confronto com as individualidades que a cerca.
É verdade que a teoria de Saleilles não fora totalmente aceita e Demogue a recrimina por estar muito além das concepções positivadas pelo código francês. Mesmo Aguiar Dias que era objetivista o considerava muito radical. E, mais tarde, analisando amiúde a responsabilidade do fato das coisas, atingirá a unidade principalmente por influência do direito comparado.
Louis Josserand em conferência publicada sob o título de “Evoluções e Atualidade” traduzida por Raul Lima e transcrita na Revista Forense n.86, p.548 reproduz a tese da responsabilidade pelo fato das coisas.
Insurge-se contra a literalidade do dispositivo legal e procura propor a “evolução” mais coerente com a ordem social e com os fundamentos da república brasileira.
A profissão de acidentes cada vez mais perigosos e tão frequentes na dinâmica contemporânea faz com que se busque maior segurança jurídica. Passando-se da teoria do abuso do direito à culpa negativa.
Josserand ressalvou que as presunções legais contidas nos arts. 1.384[11], 1.385[12] e 1,386[13] do Código Napoleônico (moderna bíblia civil) tornam-se abundantes na matéria de responsabilidade civil.
E, aderindo à Saleilles aponta que a realidade encontrou apenas soluções parciais na lei desta forma a responsabilização civil ganhou amplitude vir em socorro das vítimas, opondo o risco à culpa.
Encerra Josserand em sua conferência atribuindo à história da responsabilidade civil é a história do triunfo da jurisprudência e, também, de alguma forma da doutrina.
Assim a ideia prosperou e veio Georges Ripert traçar a rota diversa, fora do inicial processo hermenêutico e buscando para a doutrina uma fundamentação autônoma para o risco.
Não se nega que a teoria da culpa fora adotada efetivamente pelo Código francês, mas a evolução do direito moderno já não visa tanto o ofensor, porém mais à vítima. De fato em regra geral, deverá a vítima comprovar a culpabilidade do agente bem como a causalidade entre a falta e dano.
A obra de Ripert intitulada “A regra moral dentro das obrigações civis” apontou que no fim do século XIX procurou-se alargar o campo da responsabilidade civil. Tendo a jurisprudência finalmente atendido às exigências doutrinárias e acolheu interpretação abrangente do art. 1.384 do Código civil francês de 1804.
Sem abandonou a ideia de culpa, os doutrinadores anunciaram um princípio novo a embasar o dever de reparação, é a noção de risco[14] que se desdobra em risco profissional, risco da propriedade e riso criado.
Redundando na fórmula que prevê: “todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou”. Transfere-se o problema para a causalidade. Assenta-se que o dever de reparação funda-se num fato em, não mais somente no nexo de causalidade entre o fato e o dano.
Jean Carbonnier lecionou que a responsabilidade objetiva não implica em nenhum julgamento de valor sobre os atos do responsável. Basta que o dano se relacione materialmente com esses atos, porque todo que exerce uma atividade deve-lhe assumir os riscos[15].
Já Marty e Raynaud posicionaram a questão em termos de causalidade material deduzindo que responsável é aquele que materialmente causou o dano.
Inicialmente o Código Civil Brasileiro de 1916 encontrou a responsabilização civil limitada à reparação do dano material. De Page com base no Código Napoleônico e recuando aos trabalhos preparatórios apontou que o art. 1.382 abrangia com facilidade todos os gêneros de danos (o que inclui os chamados danos extrapatrimoniais)[16].
Evidentemente que o Código de Clóvis de Beviláqua o art. 159 se referia aos danos materiais, porém havia como sustentar o cabimento para a reparação do dano moral (art.76).
Distingue-se o dano material do dano moral pois o primeiro causa a diminuição no patrimônio ou ofende interesse econômico, já o dano moral se refere aos bens de ordem puramente moral tais como a honra, a liberdade, a profissão e o respeito aos mortos.
Mas existia robusta resistência principalmente quando se analisa o art. 1.382 do Código Civil francês que quando cogita de “dano”, refere-se ao prejuízo sem qualificação restritiva não podendo apenas se entender o dano material.
Inicialmente, as oposições ao dano moral e sua consequente reparação encontrou três argumentos, a saber: o primeiro advoga que o sofrimento não pode ser indenizado, sob pena de se fixar o pretium doloris, o preço da dor, que seria imoral.
Mas somente se aceitava a reparação do dano moral quando se repercute no patrimônio (o que ratifica a negação ao dano moral). Mas somente se aceitava a reparação do dano moral quando este repercutia no patrimônio (o que ratifica a negação ao dano moral).
Os adeptos de tais entendimentos alegavam ainda a falta de um princípio geral que lhe desse acolhida. Portanto, somente nos casos previstos expressamente e estritos[17] consagravam em lei especial e ainda, em disposições isoladas do Código Civil (art. 1.538, segundo parágrafo, 1.547 e 1.548 do C.C. de 1916).
Prestigiaram a tese da reparação por dano moral temos Clóvis Beviláqua, José Aguiar Dias, Wilson Melo da Silva, Agostinho Alvim, Amílcar de Castro, Carvalho de Mendonça, Carvalho Santos, Serpa Lopes, Sílvio Rodrigues, Washington de Barros Monteiro, Moacir Amaral Porto, Carlos Alberto Bittar, Limongi França, Caio Mário, Flávio Tartuce, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho e Cristiano Chaves.
Sem dúvida numa panótica da responsabilidade civil desde 1916 e percebendo as inovações dos civilistas estrangeiros, principalmente os franceses, italianos e alemães.
Tivemos a partir de 1963 um fim de renovação de grande proporção, que pretendiam que pretendiam reformular o Direito Civil, Comercial, Tributário, Penal, do Trabalho, Processo Civil, Processo Penal, Processo do Trabalho e a Lei de Introdução ao Código Civil.
Especialmente três pontos que têm sido alvo de sérias polêmicas: a teoria da culpa, reparação do dano moral e abuso de direito[18]. Tendo o legislador brasileiro de 1916 nos legado a doutrina subjetiva de responsabilidade civil, assentada principalmente nos arts. 159 e 1.518 do Código Civil.
E no último quartel do século XIX vieram as teses de Saleilles, de Josserand e de Ripert. Vindo finalmente o Código Civil brasileiro de 2002 a superar alguns impasses fundamentais sobre a regra geral na culpa, prevendo o dever de indenizar sem culpa, a reparação do dano moral e o dano gerado pelo abuso de direito[19].
Assim, o Projeto de Código de Obrigações foi retirado do Congresso nacional, juntamente com o Projeto de Código Civil que apesar de expressiva modernidade, deixo de ser convertido em lei, seguindo o verso de Virgílio, cantando há mais de dois mil anos atrás “fata obstant” – os fados se opõem… E, os romanos retrucavam, tentando explicar, diziam “Jovis sinistra tonat” (ou seja, Júpiter troveja à esquerda) se bem que em relação à terra brasilis, e ao referido projeto de lei, em verdade, teria trovejado à direita ( a dextro).
O projeto de Código Civil de 1975 fora inicialmente encarregado por Caio Mário depois, o mesmo convite fora realizado ao Francisco de Campos. Depois mais tarde, interpelou-se o Procurador do Estado Joaquim Ferreira Gonçalves alegara que ocorrera uma falha no serviço administrativo do Ministério.
Não tardou muito e, nova comissão jurista fora então incumbida de compor um novo projeto de Código Civil. E, daí, se originou então o Anteprojeto de 1972 que veio então a se transformou no Projeto de 1975, que fora enviado à Câmara dos Deputados, no mesmo ano, onde tomou o número de 634-B, de 1975.
E o então “novo documento” fora totalmente fiel às teses do Anteprojeto de Código de Direitos das Obrigações e, consagrou no art. 186, ao definir o ato ilícito, incluindo, na sua qualificação o dano, ainda que exclusivamente moral.
Também houve espaço para a teoria do abuso de direito, quando o titular, no seu exercício, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (art. 187).
Adotou também o mesmo critério proposto no Anteprojeto de 1965 com relação à responsabilidade objetiva (independentemente de culpa) que mantém o dever indenizatório (art. 929, parágrafo único).
Aprovado em 1984, o Projeto de Código Civil brasileiro fora enviado para o Senado, onde recebeu nada menos de trezentas emendas, tendo sido finalmente aprovado em 10 de janeiro de 2002 e vindo a entrar em vigor em 12 de janeiro de 2003[20].
A reparação do dano moral mereceu expressiva chancela da Constituição Federal brasileira de 1988, em seu art. 5º, incisos V e X. Embora cogite no direito de resposta e de violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Estabeleceu-se com autonomia da reparação do dano moral em separado do dano material.
Cabe à lei ordinária, bem como à jurisprudência, na sua interpretação construtiva, ampliar o seu contexto, e estender sua abrangência aonde a levar, no seu entendimento.
Sem dúvida, o princípio da reparação do dano moral representa importante conquista do Direito Civil, no fim do século. E, com a consolidação na Lei 8.078/1990 que aprovou o Código de Defesa e Proteção do Consumidor, chamado de CDC assegurando efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais (art. 6º, VI) individuais, coletivos e difusos. Onde se deu a aceitação da doutrina objetiva da responsabilidade civil ou do risco criado.
O abuso de direito embora de construção mais moderna, veio da doutrina de Jean Carbonnier, Planiol, Philippe Malaurie, Ripert, Laurent Aynés, José Aguiar Dias e Caio Mário da Silva Pereira. Repercutiu a teoria do abuso de direito, nos Tribunais franceses, conforme identificou Capitant.
Mesmo no CPC de 1973, o Código Buzaid, ao definir em seu art. 17 litigante de má fé ou improbus litigator, a responsabilidade por perdas e danos, a revogada Lei de Falência (Dec.-Lei 7.661/1945) que erige o pedido abusivo de falência em ato que gera indenização. E, por fim, o CDC que considera um dos casos de se aplicar a disregard doctrine, ou seja, a desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica quando da prática de abuso de direito[21].
O Código Civil brasileiro de 2002 tratou especificamente da responsabilidade objetiva em seu art. 927, parágrafo único, sem prejuízo de outros comandos legais que trazem também a responsabilidade sem culpa.
Sem dúvida as próprias evoluções sociais e tecnológicas fizeram surgir novas modalidades de danos principalmente com a preocupação em proteger os interesses públicos, a dignidade humana e os interesses difusos.
Assim temos o dano em ricochete ou dano indireto que representa a situação de uma pessoa que sofre o reflexo de um dano causado a outrem, também é chamado de dano reflexo. Este dano fora reconhecido por Viney, Malaurie, Aynés, Mazeaud et Mazeaud e por fim Jean Carbonnier.
Dano coletivo que pode compreender danos a toda uma coletividade, ou aos indivíduos integrantes de uma comunidade, ou danos causados a uma pessoa jurídica com repercussão em seus membros componentes. Danos ecológicos que decorrem da poluição ambiental (nas suas múltiplas formas, ao ar, ao mar, a fauna e flora).
Há nova modalidade de responsabilização, é a responsabilidade pressuposta, o que confirma o fato de que poucos institutos jurídicos que mais evoluem que a responsabilidade civil. Essa fase evolutiva representa a realidade contemporânea e se preocupa em garantir o direito de alguém não ser mais vítima de danos. Este caráter preventivo de danos busca espaço no sistema jurídico, ao lado do espaço sempre existente pela reparação de danos.
Enfim, deve-se buscar num primeiro plano, reparar a vítima, para depois verificar-se de quem foi a culpa ou quem assumiu o risco. Desta forma, assume o dano o protagonismo no estudo da responsabilidade civil, deixando de lado a culpa.
Ademais, por essa tese, pressupõe-se a responsabilidade do agente pela exposição de outras pessoas a situações de risco ou de perigo, diante de sua atividade (mise em danger).
Importante doutrinador Anderson Schreiber destaca que vivemos o ocaso da culpa, ou melhor, a erosão da culpa como filtro da reparação, o que aconteceu em razão do aumento de fluxo de ações indenizatórias a exigir provimento jurisdicional favorável. As atenções se voltaram para o segundo obstáculo à reparação, ou seja, a demonstração do nexo de causalidade.
Concluiu sabiamente Hironaka que a noção de dano, efeito ou consequência danosa tornou-se muito fluida e dinâmica, conforme a evolução, sofisticando-se ao longo da trajetória histórica e na exata dimensão em que se amplia também a tutela dos direitos da pessoa.
Pretende-se ao estudar a responsabilidade civil apontar quais entre os inúmeros eventos danosos que se verificam cotidianamente, e que deve ser transferidos do lesado ao autor do dano, em atenção com os ideais de justiça e equidade na sociedade.
Enfim, a responsabilidade pressuposta refere-se a uma otimização do art. 927, parágrafo único, do Código Civil brasileiro vigente.
Assim, apesar de existir várias situações, onde o agente deve ressarcir a vítima, cabe ainda cogitar sobre a cláusula de não indenizar, que opera exoneração pactuada. Cumpre destacar que seu descabimento em alguns casos de culpa aquiliana, sendo permitida apenas nos casos de culpa contratual.
É sem dúvida, matéria controvertida principalmente porque sua aceitação está vinculada aos casos especiais. Historicamente, o Direito romano a vedava, entendendo-a como inidônea para eximir o devedor de seu comportamento doloso, como crassa afronta aos princípios de ordem pública, bons costumes e a boa-fé – contra bonam fidem, contraque bonos mores (Mazeaud et Mazeaud, Planiol, Ripert et Esmerin, Guiseppe Manca e Yves Chartier).
A cláusula de não indenizar pode ser estipulada bilateralmente ou vir até adjecta em contrato de adesão. Contudo, não poderá ser violadora da vontade do aceitante, pois que neste caso teria caráter de potestativa, nem sob escusativas de que o serviço fora livremente aceito. (Aguiar Dias, Cláusula de não Indenizar, nºs 20 e 21; Henri Lalou, Responsabilité Civile, nº 552).
Assim, representa a cláusula de não indeniza representa excludente de responsabilidade, e o Supremo Tribunal Federal declarou-a inadmissível no contrato de transporte (vide verbete 161).
Numa visão panorâmica, a obrigatoriedade ressarcitória assentava-se basicamente na ideia subjetiva da culpa, como erro de conduta do agente.
Para o legislador de 1916, a obrigação ressarcitória alicerçava-se num tripé: o dano, a culpa e a relação de causalidade entre dano e a culpa do agente. Acompanhei a penetração de outros fatores, ora paralelos e ora conflitantes, mostrando que dentro e fora dele, na legislação, na doutrina e na jurisprudência, foi ganhando corpo a teoria objetiva do “risco criado[22]”, deslocando a responsabilidade para a relação entre o fato e o dano.
Desta forma, com a doutrina objetiva, todo aquele que, por um ato seu, ou de algum preposto, no exercício de sua atividade normal, causa um prejuízo a outrem, tem de reparar o dano. Além da responsabilidade objetiva, este século assistiu à conquista da reparação do dano moral que os primeiros intérpretes rejeitavam, e que há muito custo veio a triunfar principalmente com a positivação da Constituição Federal brasileira 1988.
O desenvolvimento da teoria da responsabilidade civil consolidou também a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado, a do abuso de direito, a responsabilidade por dano ecológico, pelo dano atômico, pelo risco bancário, acompanhou de perto o progresso técnico para alcançar a informática e a responsabilidade consequente.
Enfim, essa nova teoria da responsabilidade civil ainda não rendeu o máximo de sua evolução, pois os progressos tecnológicos e científicos prometem maiores avanços que forçosamente exporão o ser humano a maiores riscos, requerendo, pois maior segurança.
Assim marchará a teoria da responsabilidade civil com a perspectiva de subverter seus próprios princípios originais, a fim de garantir no turbilhão evolutivo ao ser humano a maior segurança possível.
A ideia de socialização dos riscos em face do notório declínio da responsabilidade individual é notória quando cogitamos dos acidentes de trânsito, onde o dano que causa, é no fundo, reparado pela coletividade dos proprietários de veículos motorizados (é o caso do seguro obrigatório chamado de DPVAT).
O propósito ambicioso da evolução da responsabilidade civil como bem demonstrou Viney, rico de conceitos e análises realistas dos arrestos das cortes francesas é, em resumo, fortalecer a ideia de reparação dos danos, incentivando a indenização coletiva.
A socialização dos riscos numa visão otimista e contemporânea busca igualmente enfatizar a sanção e a prevenção de faltas. Vencido o velhusco axioma pas de responsabilité sans culpabilité, tantas vezes repetido, não passava de uma situação de fato.
A industrialização dos meios de produção, transportes, comunicação e a imensa maioria dos danos que a atividade dos homens causava aos outros homens eram resultado de uma culpa verdadeira, do desconhecimento das regras de prudência, diligência e da boa-fé. Afinal a seguridade material e moral do homem constitui um direito individual garantido pela lei, por influência de Starck[23] calca-se na ideia de garantia e da pena privada.
O risco, em verdade, se coletiviza e socializa-se a responsabilidade conforme disse Savatier e daí brota a seguridade social.
É pelo seguro que o agente compra a sua tranquilidade, e a vítima tem a certeza de que será sempre indenizada. Os irmãos Mazeaud já assinalavam que: “os seguros de responsabilidade têm lugar em todos os domínios”.
Desloca-se o busilis da remoção ou a atenuação dos inconvenientes dos seguros comuns. No fundo, as desvantagens práticas são grandes: o custo do seguro, a desigualdade na sua distribuição, sobretudo, a solvência do segurador.
E no afã entusiasta, sustenta Wilson Melo da Silva chega a aventar a ideia do Estado Segurador Universal que viesse assumir todos os riscos. E pontificou que o princípio da liberdade de contratar está cada vez mais mitigado, em face das desigualdades econômicas das partes e da expansão crescente do dirigismo contratual.
Assim, a mutualização dos riscos com possível multiplicação dos processos indenizatórios que não teria cabimento enjeitar um meio técnico de concretização da “justiça social” pelo receio de maiores trabalhos. Infelizmente a experiência tem revelado que os Institutos de Previdência Social são ineficientes, portanto, a utopia do Estado Segurador Universal não passa de pura falácia.
De fato, a mutualização dos riscos é recebida com muitas reservas seja pela doutrina ou pela jurisprudência e, a realidade prática nacional contrasta com o otimismo de suas perspectivas encorajadoras. A evolução da responsabilidade civil traz em seu bojo a concretização da justiça social seja pela minimização dos danos, seja pelo controle dos riscos.
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.