Resumo: O presente artigo faz a análise do caso número 122540-27.2005.5.18.0009, do Tribunal Superior do Trabalho, à luz dos teóricos sociólogos Karl Marx, Michel Foucault, Gilles Deleuze e Émile Durkheim. O trabalho mostra como o caso pode ser relacionado a pontos importantes do pensamento de cada um destes autores, elucidando o que se mantém atual e o que mudou no Direito das relações de trabalho. Finalmente, é possível perceber no Direito uma evolução no sentido de proteger não apenas o interesse do empregador, mas também do empregado.[1]
Palavras-chave: Sociologia jurídica. Karl Marx. Michel Foucault. Gilles Deleuze. Émile Durkheim.
Abstract: The referent article makes an analysis of the case number 122540-27.2005.5.18.0009, from the Superior Labour Court, in the light of theoretical sociologists Karl Marx, Michel Foucault, Gilles Deleuze and Émile Durkheim. The work shows how the case can be related to important points of the thought of each of these authors, clarifying what remains and what has changed in the current law of labor relations. Finally, it is possible to notice a change in law to protect not only the interest of the employer but also the employee.
Keywords: Juridical sociology. Karl Marx. Michel Foucault. Gilles Deleuze. Émile Durkheim.
Sumário: Introdução. 1. A especialização do trabalho. 1.1. Durkheim e a formação da solidariedade orgânica. 1.2. O direito como ferramenta para impor limites ao individualismo e resolver os conflitos gerados pela sobreposição de interesses na divisão do trabalho. 1.3. Marx e a alienação resultante da divisão do trabalho. 2. Foucault e Deleuze: Evolução dos processos de controle, âmbito trabalhista. 2.1. Origem do termo e significação. 2.2. Sociedade de controle: evolução da sociedade disciplinar. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
De modo a entender a motivação para a construção desse artigo e sua relação com os autores citados se vê necessário a apresentação do caso. O caso tem origem pela ação movida por uma ex-funcionária do Banco do Brasil, Ana Maria Lorenzo de Oliveira, contra o próprio banco, aposentada por invalidez, após mais de treze anos do exercício de sua função, por ter adquirido LER (Lesão por Esforço Repetitivo) devido ao trabalho de datilografia/digitação, em condições impróprias para a saúde física e mental. O Banco do Brasil foi condenado no Tribunal Regional do Trabalho a pagar pensão vitalícia e indenização por danos morais a sua ex-funcionária. O banco recorreu da decisão e o caso chegou ao TST. Este tribunal indeferiu o pedido do Banco do Brasil de retirada dos benefícios que seriam concedidos à reclamante, e manteve o acórdão que foi estabelecido pelo TRT, resultando assim em uma decisão favorável a Ana Maria Lorenzo de Oliveira.
É a partir dessa decisão que será feita uma análise, à luz dos pensadores supracitados. Em Foucault e Deleuze compreende-se o porquê da funcionária ter acabado submetida a essa jornada estressante de trabalho, onde o conceito de panóptico, sociedade disciplinar e sociedade de controle auxiliam no embasamento de uma visão que traduz a realidade trabalhista na qual ela estava inserida. Já em Marx e Durkheim faz-se uma contraposição na concepção teórica de cada um deles, observando que o caso apresenta aspectos do estudo de ambos os autores.
1.A ESPECIALIZAÇÃO DO TRABALHO
Durkheim está de acordo com Marx quanto à necessidade da divisão do trabalho para continuidade da produção da vida em uma sociedade onde a complexidade é crescente. É a divisão do trabalho e a especialização cada vez mais minuciosa que permite a evolução da sociedade. No entanto, o pensamento destes autores difere no momento em que o segundo entende tal processo como responsável por grande parte dos males da sociedade enquanto que o primeiro enxerga nisso nada mais que um processo natural e até desejado, uma vez que cria um novo tipo de solidariedade entre as pessoas, o que garante e permite a coesão e a convivência social. No caso apresentado, é possível encontrar respaldo para ambas as teorias, o que mostra que apesar de contraditórias, elas não são totalmente excludentes.
1.1. Durkheim e a formação da solidariedade orgânica
Durkheim explica a divisão do trabalho através da substituição do sentimento de grupo pelo individualismo. Historicamente, a sociedade sempre caminhou para a valorização do indivíduo em detrimento do grupo. Essa mudança é consequência direta da maior complexidade social resultante do crescimento populacional. O processo é simples: se a sociedade cresce em número as necessidades e a complexidade das relações sociais também aumentam. Com isso a antiga organização familiar não mais supre todas as necessidades de produção da vida, surge assim, a divisão do trabalho e a especialização como forma de aumentar a produção. Ao se separar do grupo para realizar diferentes trabalhos, o indivíduo se torna mais livre, podendo se diferenciar. Em uma pequena sociedade, qualquer diferenciação é facilmente percebida. Quando o diferente é visto como perigoso, por ser contra a moral, a religião ou as regras legais daquela sociedade ele é prontamente repreendido. Já em uma sociedade complexa, onde ser diferente é a regra, o controle sobre os pormenores da vida de cada um é muito mais trabalhoso ou mesmo impossível. Desta forma, regras morais, jurídicas ou religiosas demasiado concretas não têm qualquer utilidade prática. Daí surge a necessidade de abstração, primeiro com um deus que não está personalizado em lugar nenhum, mas está ao mesmo tempo em todos os lugares. Do mesmo modo, a justiça e a moral se tornam gerais, a fim de abranger o máximo de singularidades possível.
Nesse panorama onde não mais há identificação entre os indivíduos como grupo, a antiga solidariedade mecânica, decorrente de tal identificação, não faz mais nenhum sentido e deixa de existir. No seu lugar surge uma solidariedade orgânica, fruto da divisão do trabalho, onde cada um espera dos demais unicamente a realização correta de suas funções. Com o trabalho dividido, é necessário que cada um faça o que lhe foi delegado para que todos os outros não sejam prejudicados. Isso cria um laço de dever e reciprocidade entre as pessoas e, para Durkheim, é justamente isso que permite a coesão da sociedade moderna. “Se, portanto, não se formassem outros laços além dos que derivam das semelhanças, o desaparecimento do tipo segmentar seria acompanhado de um abaixamento regular da moralidade. O homem deixaria de se sentir segmentado, deixaria de sentir em volta dele e acima dele essa pressão salutar da sociedade, que modera o seu egoísmo e que faz dele um ser moral. Eis aquilo que faz o valor moral da divisão do trabalho. É que, por ela, o indivíduo retorna a consciência do seu estado de dependência face a sociedade.” (DURKHEIM, Emile. 1984, p.198).
Nesse aspecto, é evidente que as funções de um grande banco, assim como de qualquer grande empresa, só podem ser realizadas satisfatoriamente mediante complexa divisão de tarefas entre seus funcionários, de modo que exista um trabalho fragmentado onde a função cada um depende do bom andamento das atividades dos demais. No caso analisado, com relação à função de caixa do banco, por exemplo, sua perfeita realização, com controle das entradas e saídas, é fundamental para o desenvolvimento posterior das funções de administração e contabilidade. Por outro lado, todas essas funções são prejudicadas se há algum problema com o sistema de comunicação ou abastecimento elétrico da empresa. Dessa forma, a divisão das funções é não apenas justificada, mas necessária, sem a qual nenhuma empresa poderia funcionar, além de bem vinda, pois cria vínculo entre os funcionários limitando seu individualismo. No entanto, mesmo em um ambiente de grande complexidade, Durkheim reconhece a existência de sentimentos comuns entre os indivíduos. Estes podem ser entendidos como os princípios universais do qual compartilham os seres humanos, princípios de integridade e dignidade humana, vistos aqui como resquícios de uma consciência coletiva outrora bastante evidente. Os conflitos surgem justamente quando tais sentimentos são violados, assim como quando a reciprocidade necessária nas relações entre os empregados e entre patrões e empregados não é observada.
No caso em análise tem-se a falta de ambos os requisitos, visto que as condições de trabalho da ex-funcionária feriam sua dignidade e integridade como pessoa e que tais condições são dever do empregador dentro das relações entre patrão e empregado. É neste ponto que o direito deve intervir, com o intuito de ser a pedra de torque capaz de garantir o justo equilíbrio de deveres e obrigações nas relações de trabalho. A solidariedade sem normas acaba por dar lugar ao individualismo, ao egoísmo, privilegiando sempre os interesses dos que mantém o poder.
1.2. O direito como ferramenta para impor limites ao individualismo e resolver os conflitos gerados pela sobreposição de interesses na divisão do trabalho
Foi preciso muito tempo para que o direito deixasse de ser uma ferramenta de proteção dos interesses da classe dominante para cumprir o papel de proteção da solidariedade orgânica elucidado por Durkheim. Marx estudou o direito em uma época em que o interesse coletivo era ditado pela classe dominante e disfarçado como interesse do Estado. Não havia qualquer equilíbrio nas relações de trabalho e o empregador dificilmente seria punido como o foi no caso em análise. O próprio Durkheim reconhece a exigência de normas justas para a garantia da solidariedade entre os indivíduos, uma vez que sem elas o interesse individual daquele que detém mais poder pode prevalecer em detrimento dos demais interesses. Foucault e Deleuze fazem uma abordagem de como os interesses da classe dominante encontram artifícios para exercer o controle sobre o restante da sociedade, inclusive com o auxílio do Direito. No caso estudado, o empregador se utiliza de uma série destes artifícios para extrair o máximo de trabalho de sua empregada, o que contribuiu para o desenvolvimento da doença decorrente das condições de trabalho. É essa consequência extrema que permite que a litigante se desprenda do controle da empresa. Após a declaração de incapacidade laboral dada pelo laudo da perícia médica do INSS, a ex-funcionária do banco se ver livre de tal controle, decorrente principalmente da necessidade do trabalho, e finalmente pode buscar a Justiça para garantir seus direitos. É quando o conflito vem à tona que o Direito pode cumprir seu papel previsto por Durkheim, não apenas de punir aquele que violou os princípios da consciência coletiva, mas também de restituir aquele que teve seus direitos violados. Tudo isso está bastante claro no caso escolhido para análise, onde se observa a preocupação da Justiça com o valor tanto da pensão quanto da indenização concedida à reclamante, no intuito que a sanção tenha função punitiva e restaurativa, observando ainda o princípio da equidade.
1.3. Marx e a alienação resultante da divisão do trabalho
Para Marx a divisão do trabalho é ao mesmo tempo necessária e contraditória. Primeiro porque sem ela a sociedade moderna não seria capaz de gerar seus meios de vida e segundo porque ela é causa da distribuição desigual entre produção e consumo, e ainda, implica conflito entre o interesse individual e o interesse coletivo. Nessa contradição, o Estado ao invés de resolver os conflitos como faria na teoria de Durkheim, defende o interesse da classe dominante que foi colocado pelos detentores do poder como se fosse o interesse coletivo. Tal divisão do trabalho, quando não é voluntária, mas imposta, torna-se um poder estranho ao homem que o condiciona e o subjuga. Desta forma, a divisão do trabalho não é dirigida pelo poder dos indivíduos, pelo contrário, “pois essa colaboração não é voluntária e sim natural, antes lhes surgindo como um poder estranho, situado fora deles e do qual não conhecem nem a origem nem o fim que se propõe, que não podem dominar e que de tal forma atravessa uma série particular de fases e estádios de desenvolvimento tão independente da vontade e da marcha da humanidade que é na verdade ela quem dirige essa vontade e essa marcha da humanidade”. (ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. 1924, P. 19).
Assim, a partir do momento que o homem vive em uma sociedade complexa e o interesse particular difere do comum, cria-se uma esfera de trabalho que lhe é imposta e não mais escolhida voluntariamente, da qual não pode sair, sob o risco de perder os meios de subsistência. É essa falta de controle do indivíduo quanto a próprio trabalho que realiza que Marx chama de alienação. No caso escolhido observa-se que a ex-funcionária do banco exercia um trabalho mecânico de forma dividida e repetitiva, sem o controle de seus resultados finais, além de realizá-lo em um ambiente estressante sob a pressão dos seus superiores além do risco constante da concorrência entre os próprios funcionários, típica desse tipo de trabalho rigidamente hierarquizado. O antigo chão de fábrica estudado por Marx foi trocado pelos gabinetes das empresas, mas a sua análise permanece atual em diversos aspectos. O interesse do empregador pelo lucro em nada difere do burguês do século XIX. As diferenças se encontram na substituição da massa trabalhadora pelo indivíduo e na concepção do direito frente aos conflitos de classe. Na sociedade atual, como já foi explicado anteriormente, houve um movimento de individualização em todas as relações humanas, inclusive no trabalho. Desta forma, novas formas de dominação se instauram, no lugar de combater os sindicatos e a greve o empregador precisa controlar cada empregado em particular. Para isso se utiliza de uma rígida estrutura hierárquica e da concorrência interna como forma de promoção individual e construção de carreira, o que leva a um distanciamento entre os empregados e impede a formação da noção de classe, uma vez que todos são vistos como concorrentes e não como companheiros. Disso decorre a pressão para se trabalhar cada vez mais, chegando ao esgotamento físico do indivíduo como no caso analisado.
Quanto à aplicação do direito, houve uma significativa melhora. O que antes foi posto por Marx como forma de proteger a propriedade privada dos meios de produção e os interesses da classe dominante, hoje se tornou mais justo e protege também os interesses da classe trabalhadora. A modernização leva a crescente humanização do Direito, resultado das lutas de classe citadas por Marx, mas que não foram capazes de acabar com o modo de produção capitalista, antes fazendo as alterações necessárias para torná-lo mais justo, processo este que não chegou ao fim e continua firme atualmente, agora com o auxílio do Direito.
2. Foucault e Deleuze: Evolução dos processos de controle, âmbito trabalhista.
Foucault publica Vigiar e Punir em 1975, uma obra se traduz em um exame dos mecanismos sociais e teóricos que motivaram as grandes mudanças que se produziram nos sistemas penais ocidentais durante a era moderna. Suas teorias abordam desde a evolução desses processos punitivos, até o mecanismo como os mesmos estão dispostos (física, cultura e socialmente) em uma sociedade. O ponto que será relevante aqui para a análise do caso abordado, que envolve de tal maneira certos conceitos produzidos na obra, é em destaque o conceito de panoptismo, sua evolução, como se dão os processos de disciplina e a teoria de Deleuze acerca da sociedade de controle.
2.1. Origem do termo e significação
O termo surge com o filósofo Jeremy Bentham, que cria o Pan-óptico, uma expressão utilizada para designar um centro penitenciário ideal desenhado em 1785. A estrutura do desenho permite a um vigilante observar todos os prisioneiros sem que estes possam saber se estão ou não sendo observados. O nome aplica-se também a uma torre de observação localizada no pátio central de uma prisão, manicômio, escola, hospital ou fábrica. Aquele que estivesse sobre esta torre poderia observar todos os presos da cadeia (ou os funcionários, loucos, estudantes, etc), tendo-os sob seu controle. Tomado por Foucault na obra Vigiar e Punir, o termo agora é utilizado na análise do sistema penal, não mais como a estrutura física desenhada por Bentham (Pan-Óptico), e sim como um processo social de uma sociedade disciplinar. Não cabe aqui para fins de próprio entendimento abordar todo o resto da teoria de Foucault trabalhada no livro, basta entender o que é esse termo (panóptico) e como ele evoluiu de significado e presença ao longo do tempo. Para Foucault foi a partir da observação que Bentham considerou "racional" para esse estilo de estrutura, que começaram a se espalhar sistematicamente diversos dispositivos disciplinares, a exemplo do pan-óptico. Um conjunto de dispositivos que permitiria uma vigilância e um controle social cada vez mais eficientes, porém, não necessariamente com os mesmos objetivos “racionais” desejados por Bentham.
Em Foucault temos o panóptico como exemplo da vigilância desigual, hierárquica, personificada na torre ao centro do presídio que pode estar observando a todos a seu redor. Ponderar acerca da situação de que ela pode estar observando é importante para o entendimento do termo. Como a estrutura desenhada por Bentham se utiliza de específicas condições de iluminação e design para impossibilitar que o preso soubesse era observado ou não, isso gerava uma interiorização da disciplina, dada a "vista superior desigual" sempre presente ali. Isso significava a menor tendência a um comportamento transgressor de regras ou condutas, visto que se acreditava estar sendo vigiado, mesmo que (momentaneamente) não estivesse. Prática semelhante se observa também no chão de fábrica, onde os funcionários trabalham no piso inferior e no piso superior se encontra o escritório do patrão, de forma que ele poderia sempre observar como se comportavam os funcionários e assim passar a ideia da vista superior desigual sempre ali presente. É isso a que se resume o panóptico, essa constante pressão de ter suas atitudes e condutas vigiadas, e punidas (quando transgridem alguma norma). O embasamento de tal teoria é válido, e sua funcionalidade se mostrou tão útil que a disciplina evoluiu junto com a sociedade e a tecnologia chegando a um novo patamar em Deleuze.
Deleuze não se separa da teoria de Foucault, ao contrário, ele faz uma evolução gradual de uma sociedade disciplinar que se estabeleceu em um período histórico diferente, e que se converte no que agora Deleuze chama de sociedade do controle.
2.2. Sociedade de controle: evolução da sociedade disciplinar
Deleuze discorre acerca de como agora a sociedade disciplinar evoluiu, e ponderamos aqui, portanto quais são essas diferenciações e onde se mostram perceptíveis nessa nova ordem. “Enquanto a sociedade disciplinar se constitui de poderes transversais que se dissimulam através das instituições modernas e de estratégias de disciplina e confinamento, a sociedade de controle é caracterizada pela invisibilidade e pelo nomadismo que se expande junto às redes de informação.
Se nas sociedades disciplinares o modelo Panóptico é dominante, implica o observador estar de corpo presente e em tempo real a observar e vigiar, nas sociedades de controle esta vigilância torna-se rarefeita e virtual. As sociedades disciplinares são essencialmente arquiteturais: a casa da família, o prédio da escola, o edifício do quartel, o edifício da fábrica. Por sua vez, as sociedades de controle apontam uma espécie de anti-arquitetura. A ausência da casa, do prédio, do edifício é fruto de um processo em que se caminha para um mundo virtual.” (Sociedade de controle. Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/sociedade%20disciplinar/Sociedade%20de%20controle.htm> Acesso em 15/04/2013)
A sociedade de controle redimensiona e amplifica as bases da sociedade disciplinar. Redimensiona porque sai daquele conceito do panóptico onde há uma visão superior observando eternamente, uma força disciplinar que condensa as atitudes erradas vigiando sempre e punindo, para um nível superior agora, onde as pessoas se observam mutuamente de modo a despersonificar de um corpo (a torre pan-óptica, por exemplo) a entidade repressora, e se mesclar a virtualidade, e a impessoalidade dos vários corpos. Exemplo claro disso se dá se observarmos como a indústria e a empresa (símbolos respectivos da sociedade de disciplina e da de controle) abrangem de maneiras diferentes o corpo de funcionários e o impulso trabalhista.
Para a fábrica a disciplina age como impulso trabalhista a favor do patrão, que busca renda máxima com um custo mínimo de salários, ou seja, visa o lucro mais alto possível, utilizando da disciplina como ferramenta para obrigar uma jornada intensa de trabalho compulsório com baixa remuneração. Aqui o salário é por categoria. Além disso, a fábrica trata o corpo de funcionários como uma massa, um único corpo, como forma de melhor manipulação daqueles ali inseridos, não era fomentado uma individualidade.
Já na empresa o impulso trabalhista advém de uma metaestabilidade de um emprego que possui uma modulação salarial (seja por fatores qualitativos ou quantitativos), a pessoa entra em uma falsa percepção de que a necessidade de trabalhar mais é pelo aumento de uma estabilidade empregatícia quando na verdade se resume a outra ferramenta para estimular o trabalho. Aqui o salário é por mérito. Tal qual a visão de corpo de funcionários, onde é estimulada a rivalidade entre os mesmos, como uma nova forma de disciplina, sai da figura de um patrão que supervisiona, para todo um grupo social que lhe é rival e vai controlar sua postura dentro de um ambiente de trabalho.
Entendendo que essa evolução foi crucial para que a disciplina/controle pudesse se manter ativo ao longo da história, visto que a sociedade evolui com o tempo, podemos agora colocar o caso abordado em congruência com as teorias apresentadas, de modo a entender como a situação da reclamante traduz essa situação de disciplina e controle, emoldurando uma situação que se faz reflexo do que foi levantado e questionado aqui.
No caso utilizado aqui os conceitos de disciplina e controle são perceptíveis, A funcionária que entrou com a ação adquiriu LER devido ao trabalho excessivo, trabalho esse que chegou a tal situação devido à disciplina e ao controle a ela impostos. Seu trabalho era por mérito, ou seja, quanto mais fizesse, e melhor fizesse, mais recebia, exemplificando o caso da empresa na sociedade de controle, que fomenta a produção trabalhista por meio desta competição entre os próprios funcionários. Eles buscam se tornar melhores e mais eficientes, e essa concorrência interna e impessoal (você não concorre com uma pessoa e sim com o grupo de funcionários da sua mesma atividade) levou a funcionária ao quadro médico debilitado pelo trabalho excessivo. Essa pressão e controle exemplifica o panóptico, o constante medo de ser observado e “julgado” (observado pelos outros funcionários, “julgado” pela empresa que poderia demiti-la, o controle). A disciplina que Foucault traz em seu livro, ao demonstrar o panoptismo, se encaixa aqui na condição de trabalho que a funcionária se encontrava na empresa. Controlada, com medo de como suas ações iriam interferir em seu salário e estabilidade empregatícia, “forçada” a um trabalho que desencadeou em uma LER.
CONCLUSÃO
Após a análise teórica de um caso concreto, é possível se aprofundar de forma prática na teoria dos autores estudados, compreendendo aspectos que possivelmente passariam despercebidos apenas com o estudo isolado de cada um deles. Por um lado, percebe-se certa atualidade nas teorias de Marx, Foucault e Deleuze, apesar dos anos passados e das mudanças que ocorreram desde sua publicação, principalmente no que se refere ao à mentalidade das relações de trabalho, do empregador em especial, que na maioria das vezes ainda busca o lucro em detrimento dos direitos dos empregados. Por outro lado, tem-se o Direito cumprindo o papel afirmado por Durkheim de ferramenta capaz de reestabelecer o equilíbrio da solidariedade orgânica, garantindo o cumprimento dos deveres que cada um tem com os demais. É evidente que apenas o direito não é capaz de garantir tal equilíbrio em toda a sociedade. Apesar de a decisão aqui analisada ser uma jurisprudência no sentido de ter reiteradas vezes o mesmo resultado em diferentes casos e tribunais, o Direito sozinho certamente será bastante moroso para mudar o espírito das relações de trabalho no sentido de torná-las mais justas. Tal conscientização deve ocorrer não apenas para os magistrados, mas também para o cidadão comum.
Acadêmico de direito da Universidade Federal do Piauí
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