Resumo: O presente artigo tem por finalidade dissertar sobre a amplitude e previsão legal, constitucional e convencional do direito ao silêncio, bem como, seus efeitos quando desrespeitos no âmbito do Processo Penal Brasileiro.
Palavra-Chave: Direito ao silencio. Garantia Constitucional. Devido processo Legal.
Abstract: This article aims to elaborate on the scope and legal provisions , constitutional and conventional right to silence, as well as its effects when disrespect under the Brazilian Criminal Procedure.
Keyword: Right to silence. Constitutional guarantee. Due legal process.
O direito ao silêncio ou da não autoincriminação, denominado de “Nemo tenetur se detegere”, insculpido no artigo 5º, LXIII da Constituição da República de 1988[1], é considerado garantia fundamental do cidadão, ou seja, cláusula pétrea por excelência, como também, peça fundamental no exercício ao direito a ampla defesa e contraditório e do devido processo legal daquele que é acusado em processo penal.
Prevista também no corpo do Artigo 8º, 1, “g” da Convenção Americana de Direitos Humanos, hoje com força normativa supralegal[2], onde preconiza que toda pessoa acusada de um delito tem o direito de não depor contra si e nem se considerar culpada, cujo arrimo está dentro do princípio da não culpabilidade do artigo 2º do mesmo diploma internacional, posto que é direito do acusado em não ser considerado culpado até que se comprove legalmente sua culpa, que no ordenamento jurídico brasileiro se estende até o trânsito em julgado da sentença condenatória, por força do artigo 5º, LVII da Constituição da República de 1988.
Cabe trazer a colação o direito ao silêncio ganhou força do direito estadunidense para o mundo democrático através de julgamento da Suprema Corte Americana do caso Miranda vs. Arizona de 1966, em que Ernesto Arthuro Miranda teve sua sentença condenatória anulada por sido detido por policiais sem que fosse cientificado de seus direitos de não depor contra si onde ocasionou em uma confissão por escrito acerca da prática dos crimes de rapto e estupro, figuras típicas daquele país, de duas jovens de 18 (dezoito) anos.
A partir daí, criou-se a necessidade de sempre observar o “Miranda Rules”, ou seja, “direitos de Miranda”, também cognimado de “privilege against self incrimination” (Direito de não produzir sua própria incriminação) que constitui o dever do agente policial ao deter qualquer pessoa cientifica-la que tem o direito de permanecer em silêncio, bem como, de consultar e ostentar a presença de um advogado durante fase pre-processual e processual da persecução penal.
Neste diapasão, havendo desrespeito da observação deste direito, segundo as normas processuais anglo-saxônicas, deve haver o reconhecimento da nulidade de qualquer prova que advenha do desrespeito desta garantia fundamental, em razão da norma jurisprudencial do Exclusinary Rules, consagrada como “regras de exclusão da prova” que, segundo a Professora TERESA ARMENTA DEU[3], consiste na proteção dos comandos constitucionais da 4ª Emenda (não sofrer buscas e apreensões indevidas), 5ª Emenda (Direito a não declarar contra si mesmo), 6ª Emenda (Direito a ser assistido por um advogado) e 14ª Emenda (Direito ao devido processo legal) da Constituição dos Estados Unidos da América, impedindo, assim, o juiz de valorar a referida prova em fase decisória.
Completa o Professor GERALDO PRADO[4] que o sistema de exclusão de prova serve como instrumento de controle de legalidade da prova a fim de assegurar o devido processo legal, onde é iniciado a busca pela origem da prova através da fase processual Discovery e Discovery Device, consistindo, num momento em que as partes antes de irem a julgamento devem apresentar todas as provas a serem colacionadas no processo, objetivando, evitar surpresas probatórias no curso do processo, denominadas de carried in the dark.
O Professor NEREU GIACOMOLLI[5] diz que, à luz do processo penal brasileiro, a obrigatoriedade do acusado ou do indiciado colaborar com o órgão de acusação afetaria a ampla defesa, trazendo prejuízos ao estado inocência daquele e ao devido processo legal, até por que o encargo probatório no processo penal é exclusivo do Parquet¸ não havendo assim, qualquer distribuição de ônus probatórios como há no processo civil brasileiro.
No ordenamento jurídico brasileiro, além da previsão constitucional sobre o direito ao silêncio, há sua previsão em norma infraconstitucional, mais especificamente no artigo 186 do Código de Processo Penal[6] onde leciona que o exercício do silêncio em hipótese nenhuma irá importar confissão e muito menos trazer prejuízos a defesa técnica no processo penal e o seu desrespeito pela autoridade judicial gera nulidade de todos os atos realizados posteriormente, sendo, inexorável a repetição do interrogatório do acusado.
No que tange a apreciação da legalidade da prova penal, o Código de Processo Penal com a reforma da Lei Federal nº.11.690/2008 trouxe ao arcabouço processual novo texto ao artigo 157 que prevê que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”, compreendendo a doutrina que será prova ilícita aquela que desrespeitar norma de direito material e ilegítima aquela que descumprir norma processual, inclusive as derivadas delas, concluindo-se, que trata de um sistema de exclusão de prova idêntico ao Exclusionary Rules do direito processual penal estadunidense.
Oferecida à ação penal, o controle da legalidade da prova inicialmente se dará na fase de admissão da acusação, nos moldes do artigo 395 do Código de Processo Penal, já que hodiernamente, o processo penal se divide em acusação, admissão e instrução, podendo sua legalidade ser também valorada em qualquer outra fase processual, pois a prova ilícita é prejudicial ao processo, causa prejuízo à defesa e viola o direito ao devido processo legal, podendo ser ceifada a qualquer momento pelo instrumento de Habeas Corpus ou outro instrumento previstos na lei processual.
Neste contexto, o Egrégio Supremo Tribunal Federal conceitua o direito ao silêncio com direito público subjetivo[7] daquele que é imputado de ilícito penal no sentido de que ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal e o direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal.[8] E nesse direito ao silêncio inclui-se, até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal, dar-se ao acusado a faculdade de mentir para se defender, inclusive imputar a prática criminosa a outra pessoa cuja punibilidade esteja extinta[9], todavia, não permite ao acusado falsear a verdade sobre sua identidade com objetivo de ocultar seus maus antecedentes[10].
Assevera também o Pretório Excelso, o exercício deste direito também está inserido o direito de renegar assinatura verdadeira aposta em documento[11], utilizar-se de malícia ao fornecer material gráfico visando a prejudicar as conclusões do exame pericial[12], até mesmo por ser seu direito recusá-lo a fornecer, bem como, não fornecer padrão de voz para perícia em áudios colhidos em interceptação telefônica[13].
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por sua vez, entendem que tal garantia tem por finalidade assegurar aquele sofrendo possível e iminente constrição ao seu direito de locomoção a faculdade de não produzir prova contra si, além do direito de permanecer em silêncio[14], de não fornecer qualquer material a persecução penal[15], mais especificamente nas questões na formação de prova que exija uma conduta ativa do acusado.
Ressalta-se que o direito ao silêncio pode ser invocado, além dos órgãos judiciários e persecutórios do Estado, também aqueles estão investidos no poder de punir do Estado, mesmo que forma anômala, que é caso das Comissões Permanentes de Inquérito (CPI), neste sentido, o Ministro Celso de Melo no julgamento do HC nº. 79.812[16] asseverou que “o privilégio contra a autoincriminação é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito em que se traduz como direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.”
Na esteira deste entendimento, o Ministro Luiz Fux no HC nº. 113.881/DF[17] concedeu a ordem liminarmente à uma testemunha convocada a prestar depoimento perante numa Comissão Parlamentar de Inquérito a fim de que fossem respeitados os seguintes direitos: i) permanecer em silêncio sobre o conteúdo das perguntas formuladas; ii) não ser obrigada a assinar termo de compromisso de dizer a verdade; iii) de ser assistida por advogado e de se comunicar, livremente e em particular, com o mesmo, garantindo-se o direito contra a autoincriminação (art. 5º, inciso LXIII, da CRFB), excluída possibilidade de ser submetida a qualquer medida privativa de liberdade ou restritiva de direitos em razão do exercício dessas prerrogativas constitucionais.
Nesta questão, finaliza o Professor NEREU GIACOMOLLI[18] que a prova produzida em desrespeito a garantia da não autoincriminação é inválida, não podendo ingressar ao processo e, uma vez incorporada deverá ser desentranhada, excluída e destruída, por ser um nada jurídico e desprezível no ponto de vista ético e jurídico, até porque é dever dos órgãos de persecução penal cientificar tal direito ao acusado antes da produção de qualquer prova em que ele possa se auto incriminar, como determina diversos julgado do Supremo Tribunal Federal[19].
É de argumentar também que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça[20] anulou um depoimento de uma testemunha que foi chamada para depor sobre fatos que estava sendo investigada sem houvesse ciência de tal investigação deflagrada e naquele momento as autoridades que colheram aquele depoimento não advertiram da condição de investigada.
Por tais razões, a obtenção de prova por desrespeito ao direito ao silêncio do acusado de um ilícito penal traduz de imediato em uma violação de normas constitucionais, convencionais e infraconstitucionais do ordenamento jurídico brasileiro, devendo inexoravelmente ser reconhecida sua nulidade pelo órgão julgador, gerando, por consequência, seu desentranhamento do processo, eis que fora obtida em violação a garantia fundamental do acusado, incidindo, nestes termos, o teor do artigo 157 do Código de Processo Penal.
Informações Sobre o Autor
Filipe Roulien Azeredo Guedes Camillo
Advogado Criminalista no RJ. Graduado pela Universidade Estácio de Sá. Especializado em Direito Políticas Públicas e Cidadania pela PUC/Rio