Resumo: Trata da execução da prestação de alimentos sob pena de prisão. Analisa, inicialmente, posto que de modo perfunctório, o direito aos alimentos, concedendo enfoque para o seu substrato constitucional. Em seguida, analisa, outrossim, o rito da execução da prestação de alimentos sob pena de prisão, com destaque para os títulos que dão suporte à referida execução, assim como para os tipos de alimentos que podem ser executados sob pena de prisão. Explica a inaplicabilidade da Lei n. 11.232/05 à execução dos alimentos. Aborda, ainda, a decretação da prisão ex officio e o requerimento de prisão pelo presentante do Ministério Público. Em seguida, analisa, de modo meticuloso, a prisão do devedor de alimentos e seus diversos aspectos, dentre eles o prazo, a natureza jurídica, os meios de impugnação e a prisão especial. Ao final, conclui de maneira circunstanciada.
Palavras-chave: alimentos – execução – prisão civil
Abstract: it deals with the execution of alimony under penalty of imprisonment. It analyzes, initially, although in a perfunctory manner, the right to alimony and its constitutional basis. Next, it analyzes, moreover, the proceedings of the execution of alimony under penalty of imprisonment, granting special attention to the titles that give support to the execution mentioned, as well as to the types of alimony that may be executed under penalty of imprisonment. It emphasizes, moreover, the inapplicability of Law n. 11.232/05 to the execution under penalty of imprisonment. It approaches, yet, the enactment of ex officio arrest and the motion for imprisonment by the representative of the Public Ministry. Next, it analyzes meticulously the imprisonment of the alimony debtor and its several aspects, among which the deadline, the legal nature, the means for objection and the special detention. At the end, it is concluded in a detailed manner.
Keywords: alimony – execution – civil imprisonment
Sumário: 1. Intróito; 2. Direito aos alimentos; 3. Execução dos alimentos sob pena de prisão; 3.1. Títulos que dão suporte à execução dos alimentos sob pena de prisão: judiciais e extrajudiciais; 3.2. Tipos de alimentos que comportam execução sob pena de prisão; 3.3. Prestações dos alimentos que são exigíveis na execução sob pena de prisão; 3.4. Rito; 3.4.1. Inaplicabilidade da Lei 11.232/05; 3.5. Decretação da prisão ex officio; 3.6. Requerimento de prisão pelo presentante do parquet; 3.7. Pagamento da dívida, alvará de soltura e oitiva do presentante do ministério público; 4. Prisão civil do devedor de alimentos; 4.1. Prazo da prisão do alimentante; 4.2. Natureza jurídica da prisão do devedor de alimentos; 4.3. Meios de impugnação da decisão que decreta a prisão do devedor de alimentos; 4.4. Prisão civil do devedor de alimentos e prisão especial; 4.5. Impossibilidade de decretação da prisão civil nos casos de alimentos oriundos de indenização civil e de inadimplementos de custas processuais e honorários de advogado. Considerações finais.
1 INTRÓITO
Os alimentos constituem matéria de grande relevância no Direito. Na verdade, os alimentos estão relacionados diretamente com o direito à vida das pessoas, com o direito à dignidade[1] e, também, com o direito à solidariedade familiar. Dessa forma, tutelando-se os alimentos, em última análise, o que se tutela é o direito à vida e à dignidade, ambos com assento no texto constitucional.
Pretende-se, neste ensejo, analisar alguns aspectos decorrentes da execução da prestação de alimentos, assim como da possibilidade de prisão civil do executado. Na verdade, a obrigação alimentar possibilita ao credor a utilização da técnica processual de execução do tipo coação, com a respectiva possibilidade de cerceamento do direito de liberdade do devedor dos alimentos.
É importante consignar, desde logo, que a prisão civil do devedor constitui regime de exceção, sendo, inclusive, limitada a sua aplicação pelo Supremo Tribunal Federal tão-somente aos casos de dívida de alimentos. Considerou-se, de fato, no julgamento do recurso extraordinário de n. 466.343-SP, a prisão do depositário infiel como sendo inconstitucional, por estar em contradição com os princípios preconizados nos tratados de direitos humanos subscritos pela República Federativa do Brasil, em particular, o pacto de São José da Costa Rica.
Nesse contexto de valorização e de realocação dos direitos humanos, queda claro que a prisão civil do devedor de alimentos também merece tratamento meticuloso. A despeito da inexistência de discussão sobre a sua constitucionalidade, é importante realizar, à luz dos direitos humanos, tanto sob a ótica do credor como do devedor, uma análise balizadora da possibilidade de prisão do alimentante.
2 DIREITO AOS ALIMENTOS
Os alimentos correspondem a uma prestação destinada a uma pessoa, sendo indispensável para a sua subsistência e para manutenção da sua condição social e moral.
A expressão “alimentos” apresenta uma acepção vulgar e outra técnica. No sentido vulgar, os alimentos representam o que é necessário à manutenção da vida de uma pessoa. Na acepção técnica, como destaca Cahali[2], basta acrescentar à citada noção, a idéia de obrigação que é imposta em função de uma causa jurídica prevista em lei.
É importante mencionar, ainda, que o termo “alimentos”, além de designar a obrigação de sustento de uma outra pessoa, também designa o próprio conteúdo da obrigação a ser prestada. Assim, o termo “alimentos” pode ser utilizado no sentido de obrigação alimentar, assim como o seu respectivo conteúdo.
O valor da prestação dos alimentos deverá ser fixado com base nas necessidades do alimentando e nas possibilidades do alimentante. Não pode o magistrado, outrossim, deixar de utilizar o critério de proporcionalidade. Reza, com efeito, o art. 1.694, § 1º, do Código Civil: “Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.”
De qualquer modo, cumpre registrar que o estudo daqueles que são obrigados a pagar alimentos deve ser realizado em outra seara, ou seja, no Direito de Família. Em rápida síntese, contudo, pode-se dizer que são obrigados ao pagamento de alimentos os parentes, os cônjuges e os companheiros (art. 1.694 do CC). O Código Civil de 2002 também inovou ao prever, no art. 1.700, que a obrigação de pagar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor.
A ordem de responsabilização pelo pagamento dos alimentos é a seguinte: ascendentes, descendentes e colaterais de segundo grau, o que inclui apenas os irmãos, sejam eles germanos ou unilaterais.
3 EXECUÇÃO DOS ALIMENTOS SOB PENA DE PRISÃO
Tecidas as considerações propedêuticas sobre os alimentos, cumpre, doravante, analisar alguns aspectos decorrentes da execução da prestação de alimentos sob pena de prisão. Enceta-se este estudo pela abordagem dos títulos que permitem a utilização da execução pelo rito do art. 733 do Código de Processo Civil.
3.1 TÍTULOS QUE DÃO SUPORTE À EXECUÇÃO DOS ALIMENTOS SOB PENA DE PRISÃO: JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS
Insta registrar, inicialmente, que o art. 733 do Código de Processo Civil, o qual dispõe sobre o rito da execução dos alimentos sob pena de prisão, faz referência à “execução de sentença ou de decisão”. Desse modo, não há qualquer dúvida quanto à possibilidade de um título judicial dar suporte à execução sob pena de prisão. Por outro lado, a questão da possibilidade de serem executados sob de prisão os alimentos contemplados em título extrajudicial não se mostra tão-simples assim.
De fato, como consignado, o art. 733 do CPC, que trata da execução sob pena de prisão, não faz referência a título extrajudicial, mas tão-somente à sentença ou decisão. O professor Alexandre Câmara, nesse contexto, não admite a execução dos alimentos que estão previstos em título extrajudicial pelo rito de prisão[3]. Por outro lado, Wambier, Talamini e Almeida admitem a execução dos alimentos que estão previstos em título extrajudicial sem qualquer restrição[4].
Parece-me que, à luz do princípio da efetividade do processo e das modernas tendências do direito processual civil, deve ser admitido o processamento da execução dos alimentos previstos em título extrajudicial na modalidade sob pena de penhora ou sob pena de prisão.
De fato, o art. 19 da Lei de Alimentos (Lei n. 5.478/68)[5], faz referência ao “cumprimento do julgado ou do acordo”. Desse modo, o preceptivo não limita a execução apenas aos títulos judiciais. Parece-me, então, perfeitamente admissível a execução dos alimentos previstos em título extrajudicial sob pena de prisão.
Nesse particular, deve-se mencionar que poderão ser executados sob pena de prisão os alimentos acordados em sede de escritura pública de separação ou de divórcio consensual, realizado com base na Lei n. 11.441/07. A referida lei, com efeito, implementou no CPC a possibilidade de serem realizados a separação e o divórcio pela via administrativa, isto é, por meio de escritura pública.
Eventual acordo de separação, realizado por escritura pública, que estabeleça o pagamento de pensão alimentícia, portanto, poderá ser executado tanto pelo rito da execução sob pena de penhora (art. 732 do CPC), como pelo rito da execução sob pena de prisão (art. 733 do CPC). Aplica-se, aqui, a mesma orientação antes expendida. Realmente, o art. 19 da Lei de Alimentos faz referência a julgado ou a acordo, incluindo-se, assim, o título extrajudicial que resultar da escritura de separação.
3.2 TIPOS DE ALIMENTOS QUE COMPORTAM EXECUÇÃO SOB PENA DE PRISÃO
A fim de dar maior efetividade à execução e de se tutelar os direitos aos alimentos numa perspectiva que a sua magnitude impõe, parece-me que o melhor entendimento é aquele que admite que sejam executados pelo rito do art. 733 do Código de Processo Civil os alimentos provisórios, os definitivos e os provisionais.
Não se pode mesmo estabelecer qualquer distinção entre os alimentos fixados em sede de ação cautelar ou em sede de qualquer outra ação que envolva o Direito de Família. Sejam os alimentos fixados liminarmente (alimentos provisórios) ou na sentença (alimentos definitivos) permitirão a utilização do rito da execução sob pena de prisão do art. 733 do Código de Processo Civil.
Da mesma forma, os alimentos gravídicos, cujo suporte encontra-se na recente lei n. 11.804/08, também permitem a utilização da execução sob pena de prisão do art. 733 do CPC. Tal se dá até mesmo em decorrência do que está previsto no art. 11 da referida lei, que esclarece serem aplicáveis aos alimentos gravídicos, supletivamente, as disposições da Lei de Alimentos e do Código de Processo Civil.
3.3 PRESTAÇÕES DOS ALIMENTOS QUE SÃO EXIGÍVEIS NA EXECUÇÃO SOB PENA DE PRISÃO
Insta registrar que a jurisprudência tem limitado as prestações que podem ser executadas sob pena de prisão. De fato, não se tem admitido que toda a dívida relativa aos alimentos seja cobrada com a utilização do meio de coerção do tipo prisão. Realmente, admitir-se isso implicaria violação ao princípio da menor sacrifício possível do devedor, previsto no art. 620 do Código de Processo Civil.
O Superior Tribunal de Justiça, a propósito, tem limitado a execução da prestação dos alimentos sob pena de prisão às últimas três prestações e às que se vencerem durante a tramitação da execução. A referida orientação já está cristalizada na súmula de n. 309 do STJ, in verbis: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.
Assim, se o devedor de alimentos estiver devendo dez prestações, não poderão todas elas serem objeto de execução sob pena de prisão (art. 733 do CPC). Apenas darão suporte à execução dos alimentos sob a modalidade coercitiva (art. 733 do CPC) as três últimas e as que vencerem durante a tramitação da execução. As demais prestações em aberto deverão ser cobradas por meio de execução por subrogação, ou seja, de acordo com o rito do art. 732.
3.4 RITO
O rito da execução dos alimentos sob pena de prisão está alinhavado no art. 733 do Código de Processo Civil e também na Lei n. 5.478/68, que é Lei de Alimentos. A execução dos alimentos é iniciada por meio de uma ação de execução[6], que deverá preencher os requisitos genéricos e específicos da exordial.
O magistrado deverá proferir despacho inaugural, no qual será, regra geral, determinada a citação do devedor. O executado, no procedimento da execução dos alimentos sob pena de prisão, não é citado para apresentar defesa. Na verdade, o executado é citado para realizar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo, sob pena de ser preso. Tal conclusão decorre do disposto no art. 733 do CPC.
Uma vez realizada a citação, basicamente, quatro situações poderão ocorrer. O devedor poderá: a) pagar; b) provar que pagou; c) apresentar justificação suscitando a impossibilidade de realizar o pagamento; d) manter-se inerte.
Se o devedor pagar a importância que é cobrada na actio judicati, o magistrado proferirá sentença de extinção da execução na forma dos art. 794, inc. I, c/c art. 795 do CPC. Ao exeqüente caberá requerer, então, a expedição do mandado de levantamento do dinheiro que foi depositado.
O executado poderá também, ao ser citado, provar que pagou. Com essa postura, o executado afastará eventual decretação da prisão. De qualquer sorte, uma vez provado o pagamento, o magistrado também proferirá sentença de extinção da execução na forma dos arts. 794, inc. I e 795 do CPC.
A terceira situação que poderá ocorrer é aquela em que o devedor apresenta defesa. A defesa é aviada mediante justificação, que deverá ser apresentada no prazo de três dias, contados da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido. Nessa peça de defesa, o executado, além de poder argüir as matérias de ordem pública (falta de pressupostos processuais ou de condições da ação), deverá aduzir os motivos para a não decretação da sua prisão.
Parece-me que, além do executado poder apresentar a justificação, poderá ele também apresentar os embargos do devedor, nos termos do art. 736 et seq. Essa orientação, na verdade, prima pela observância do princípio do contraditório substancial. De qualquer modo, o prazo para apresentação dessa modalidade de defesa será de quinze dias, contados a partir da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido, ex vi do disposto no art. 738 do Código de Processo Civil.
Registre-se, ainda, que, apresentada a justificação, o magistrado deverá proferir uma decisão interlocutória. Se rejeitar a justificação, decretará a prisão do devedor de alimentos; por outro lado, se o juiz acatar a justificação apresentada pelo devedor, ele deixará de decretar a prisão do executado, mas isso não eximirá o devedor de realizar o pagamento das prestações, devendo ser intimado o credor para que requeira o prosseguimento da execução, doravante, pelo rito sob pena de penhora.
A última situação que poderá ocorrer é aquela em que o executado, a despeito de ter sido citado para, em três dias, pagar, provar que pagou ou justificar a impossibilidade de fazê-lo, se queda inerte. Por outras palavras: deixa transcorrer in albis o prazo legal. Nesse caso, o juiz determinará a oitiva do credor, que poderá, então, requerer a prisão do executado. Requerida a prisão, o magistrado a decretará por meio de decisão interlocutória. Reza o art. 733, § 1º, do CPC, o seguinte: “Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de um (1) a três (3) meses”.
3.4.1 Inaplicabilidade da lei 11.232/05
A lei n. 11.232/05 institui uma nova forma de cumprimento das decisões judiciais que imponham obrigações de pagar importância em pecúnia. Na verdade, de acordo com o art. 475-J do CPC, sendo o devedor condenado a pagar importância em dinheiro, terá quinze dias para realizar o pagamento, sob pena de incidir multa de dez por cento do valor cobrado.
Tal rito não pode ser aplicado à execução da prestação de alimentos sob de prisão. Na verdade, essa modalidade de execução tem rito próprio, definido no art. 733 do CPC, não havendo por que aplicar-se o rito de cumprimento de sentença. Ademais, eventual aplicação do rito de cumprimento de sentença, previsto no art. 475-J do CPC, à execução da prestação de alimentos implicaria verdadeiro tumulto processual, com confusão no procedimento a ser adotado e possibilidade de diferenças de rito a ser aplicado por cada magistrado.
Basta imaginar o seguinte: o devedor terá o prazo de três dias para pagar (art. 733 do CPC) ou de quinze dias (art. 475-J do CPC)? A defesa seria aviada mediante justificação ou impugnação? No caso de não pagamento, a prisão poderá ser decretada juntamente com a imposição da multa de 10%? A cumulação das medidas não implicaria bis in idem, com a violação do princípio do menor sacrifício possível do devedor?
Reconhece-se, aqui, a existência de orientação em sentido diverso, mas, por questão de segurança jurídica e de observância ao princípio do devido processo legal, defende-se a inaplicabilidade do rito de cumprimento de sentença à execução da prestação dos alimentos sob pena de prisão.
3.5 DECRETAÇÃO DA PRISÃO EX OFFICIO
Aforada a ação de execução dos alimentos sob pena de prisão, poderá o juiz ex officio determinar a prisão do executado? A doutrina diverge a respeito.
José Carlos Barbosa Moreira, por exemplo, entende que o magistrado poderá decretar a prisão do devedor de alimentos sem haver necessidade de requerimento. Destaca que “omisso o executado em efetuar o pagamento, ou em oferecer escusa que pareça justa ao órgão judicial, este, sem necessidade de requerimento do credor, decretará a prisão do devedor”.[7] Ademais, dando suporte a essa orientação, tem-se também a redação imperativa do art. 733, § 1º, do CPC.
Em sentido contrário, ressalta Rios Gonçalves que não é possível o juiz decretar de ofício a prisão porquanto “o credor e o devedor são pessoas que têm entre si relação de direito de família; a conveniência e a oportunidade da medida coercitiva devem ficar a critério do credor”.[8]
Coaduno com a segunda vertente. É que a conveniência da prisão deve ser avaliada pelo próprio credor. Ademais, por se tratar de medida extremamente restritiva de direito, caberá à parte avaliar a sua necessidade ou não. Importante consignar, outrossim, que, quando o executado está preso, ele não pode exercer atividade laboral, o que pode dificultar ainda mais o adimplemento das prestações de alimentos. A conveniência deve, portanto, ser analisada pela parte exeqüente. E essa tem sido a orientação adotada nos Tribunais[9].
3.6 REQUERIMENTO DE PRISÃO PELO PRESENTANTE DO PARQUET
Segundo Theodoro Júnior[10], por ser a prisão civil uma medida de exclusivo interesse e iniciativa do credor, não poderá o Ministério Público requerê-la. Essa orientação alinha-se com a corrente que defende que a aferição da conveniência da prisão pertence ao credor.
Parece-me, de qualquer sorte, que, em casos excepcionais, é perfeitamente possível admitir-se o requerimento de prisão por parte do Ministério Público. Basta imaginar situação na qual o causídico que patrocina a causa, por desleixo ou desídia, deixe de requerer a decretação da prisão. Como há interesse público na demanda, nada obsta que, em situações desse naipe, o Parquet requeira ao magistrado a decretação da prisão civil.
3.7 PAGAMENTO DA DÍVIDA, ALVARÁ DE SOLTURA E OITIVA DO PRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público deve intervir nas ações de alimentos, por força do disposto no art. 9º da Lei de Alimentos, assim como do disposto no art. 82, inc. I ou II do CPC. Nas execuções de alimentos, por óbvio, o Ministério Público também deverá intervir, por aplicação subsidiária à execução das regras do processo de conhecimento, nos exatos termos do art. 598 do Código de Processo Civil.
Deve-se registrar, contudo, que, se o executado estiver preso e alguém realizar o pagamento da dívida, não deve o juiz determinar a prévia oitiva do Ministério Público. A providência imediata a ser adotada é a determinação da expedição do alvará de soltura, uma vez que o objetivo da medida coercitiva de prisão foi alcançado. Assim, não deve o juiz mandar ouvir o Ministério Público nesses casos, sob pena de causar indevida dilação da prisão do devedor.
4 PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS
Tecidas as considerações sobre o rito da execução sob pena de prisão, cumpre, agora, analisar os principais aspectos da prisão civil do devedor de alimentos. A primeira questão a ser enfrentada refere-se ao próprio prazo dessa modalidade de prisão.
4.1 PRAZO DA PRISÃO DO ALIMENTANTE
É importante registrar que em relação ao prazo da prisão civil do devedor de alimentos o ordenamento jurídico apresenta uma antinomia relativa. De fato, existem dois dispositivos que versam sobre o prazo da prisão do devedor de alimentos os quais são dissonantes. São eles:o art. 733, § 1º do CPC e o art. 19 da Lei n. 5.478/68.
O art. 733, § 1º, do CPC estabelece o prazo de 1 a 3 meses, enquanto o art. 19 da Lei de Alimentos dispõe que o prazo é de até 60 dias. A partir dessa incompatibilidade surgiram várias correntes na doutrina sobre o prazo da prisão civil do devedor de alimentos.
Sérgio Pereira[11], por exemplo, considera que o prazo da prisão do devedor de alimentos deve ser o fixado na Lei de Alimentos, isto é, não pode exceder sessenta dias. Essa orientação tem por base o princípio do menor sacrifício possível do devedor, previsto no art. 620 do Código de Processo Civil. Realmente, reza o mencionado dispositivo o seguinte: “Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.
Nelson Nery [12] e Humberto Theodoro Júnior[13], de outro vértice, defendem tese no sentido de que o prazo da prisão do devedor de alimentos será de até sessenta dias, se se tratar de alimentos definitivos ou provisórios, ou de até 3 meses, se se tratar de alimentos provisionais. Essa orientação diferencia os alimentos fixados em sede de ação cautelar (alimentos provisionais), dos alimentos fixados em sede de ação de conhecimento (alimentos provisórios, se fixados liminarmente, ou definitivos, se fixados na sentença).
Há, ainda, o entendimento de Barbosa Moreira[14] no sentido de que o prazo da prisão do devedor de alimentos é o previsto no CPC, não podendo, portanto, exceder três meses. Essa orientação tem por espeque o fato de que o CPC teria derrogado o art. 19 da Lei n. 5.478/68, que estabelece o prazo da prisão de até sessenta dias.
Parece-me que o prazo da prisão do devedor de alimentos deve ser analisado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Impende, aqui, destacar que essa modalidade de prisão tem finalidade coercitiva e não punitiva. Por isso mesmo, o seu prazo deve ser apenas o mínimo necessário para o fim de coagir o devedor a adimplir as prestações em atraso.
Realmente, de nada adianta a prisão do devedor de alimentos por longo prazo para forçá-lo ao adimplemento das prestações. O devedor de alimentos, com efeito, se estiver preso, não terá qualquer condições de exercer uma atividade laborativa para o fim de adimplir as prestações de alimentos vencidas!
O princípio da dignidade da pessoa humana, nesse particular, conduz à orientação exegética de que o prazo da prisão do devedor de alimentos deve ser o menor possível, isto é, de, no máximo, sessenta dias. Em síntese:à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, deve, pois, preponderar o disposto no art. 19 da Lei n. 5.478/68 em detrimento do previsto no art. 733, § 1º do CPC[15].
4.2 NATUREZA JURÍDICA DA PRISÃO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS
A prisão civil do devedor de alimentos não tem natureza punitiva, mas tão-somente coercitiva. De fato, por meio dessa técnica executiva visa-se a coagir o devedor ao adimplemento da obrigação. Trata-se, a rigor, de mecanismo de execução indireta.
Ademais, cumpre esclarecer que, por não se tratar de medida punitiva, mas sim coercitiva, o cumprimento da prisão não eximirá o devedor da responsabilidade pelo pagamento das prestações vencidas e das vincendas. Reza, a propósito, o art. 733, § 2º, do CPC: “O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas.”
4.3 MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO QUE DECRETA A PRISÃO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS
Registre-se, inicialmente, que a decisão que decreta a prisão do devedor de alimentos é interlocutória. Desse modo, pode ser impugnada por meio do recurso de agravo de instrumento, na forma do art. 524 do CPC, ou por meio de habeas corpus, na forma do art. 5º, inc. LXVIII da Constituição Federal.
De qualquer modo, é importante destacar que a mera interposição do recurso de agravo de instrumento não gerará qualquer efeito em relação à decisão que decretou a prisão do devedor de alimentos. É que o recurso de agravo de instrumento tem efeito somente devolutivo, ex vi do disposto no art. 497, in fine do CPC.
Incumbirá, então, ao agravante pleitear a concessão de efeito suspensivo ao Relator do agravo de instrumento – o chamado efeito suspensivo ope judicis – na forma dos arts. 527, inc. III e 558 do CPC.
Desse modo, resta claro, então, que poderá o executado interpor o recurso de agravo de instrumento e requerer ao Relator que seja concedido o efeito suspensivo ope judicis para que a decisão que decretou a prisão não seja cumprida. Poderá também o executado impetrar habeas corpus, direcionando-o à Câmara ou Turma competente do Tribunal. Registre-se, apenas, que o agravo de instrumento deve ser interposto no prazo de dez dias, enquanto o habeas corpus, por ser uma ação popular, não tem prazo.
4.4 PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS E PRISÃO ESPECIAL
Uma vez decretada a prisão civil do devedor de alimentos, poderá ele cumpri-la em prisão especial? A prisão civil tem finalidade coercitiva e deve o magistrado agir com muita cautela antes de autorizar que o devedor a cumpra em cela especial. Dependendo da situação, a eficácia da prisão pode esvaziar-se por completo.
Sobre a matéria, há dispositivo expresso que é o art. 201 da Lei n. 7.210/84.Do preceito mencionado é possível inferir-se, em princípio, que a prisão civil do devedor de alimentos deve ser cumprida em estabelecimento adequado. Não existindo este, a prisão do devedor de alimentos deverá ser cumprida em seção especial da cadeia pública.
4.5 IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL NOS CASOS DE ALIMENTOS ORIUNDOS DE INDENIZAÇÃO CIVIL E DE INADIMPLEMENTOS DE CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS DE ADVOGADO
É oportuno consignar que os alimentos que dão suporte à execução especial, ou seja, à execução sob pena de prisão são apenas os que decorrem do Direito de Família. Destaca Cândido Rangel Dinamarco[16], a propósito, que os alimentos para fins de execução especial são os que derivam apenas do direito de família, excluindo-se, desse modo, os que decorrem de responsabilidade civil por ato ilícito.
Da mesma forma, é oportuno consignar a prisão do devedor de alimentos somente poderá ser decretada pelo não pagamento da prestação de alimentos, incluindo-se, nesse particular, a atualização monetária e os juros de mora. Não há, com efeito, a possibilidade de ser decretada a prisão do devedor de alimentos pelo não-pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios. O mandado de citação deverá ser expedido com a distinção dos valores dos alimentos e das custas e honorários de advogado.
À guisa de exemplificação, basta imaginar situação na qual o devedor de alimentos, ao ser citado em uma execução de alimentos sob pena de prisão, realize o pagamento das prestações atrasadas, mas deixe de pagar as custas e os honorários de advogado que daquela demanda resultaram. Nesse caso, o magistrado não poderá decretar a prisão do executado, sob pena de causar constrangimento ilegal. A cobrança dos valores relativos às custas processuais e aos honorários de advogado deverão ser realizados por meio de execução sob pena de penhora.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os alimentos constituem meio de manutenção da vida e da dignidade de certas pessoas. A sua importância justifica a utilização de medidas coercitivas para sua cobrança, em particular, a decretação da prisão civil. Não há qualquer discussão quanto à constitucionalidade da prisão do devedor de alimentos.
De toda a sorte, a medida coercitiva deverá ser bem balizada pelo Magistrado, uma vez que o cerceamento do direito de liberdade constitui-se em medida de exceção e poderá até mesmo dificultar o recebimento das prestações em atraso. Nesse particular, o prazo da prisão não poderá ser superior a sessenta dias.
Ademais, os limites estabelecidos pela jurisprudência, como a limitação da execução da prestação dos alimentos sob pena de prisão somente às três últimas prestações e às que se vencerem durante a tramitação da ação, deverão ser rigorosamente observados. Entendimento contrário implicará em violação ao princípio do menor sacrifício possível do devedor, previsto no art. 620 do Código de Processo Civil.
Não se pode perder de vista, outrossim, a diretriz de que a conveniência da prisão civil deve ser realizada pelo próprio credor. Nesse particular, não deve o Magistrado decretar ex officio a prisão civil do devedor de alimentos. Da mesma forma, o requerimento aviado pelo presentante do Ministério Público deverá ser visto dentro dessa perspectiva.
Quanto ao rito da execução sob pena de prisão, não se pode utilizar a nova estrutura de cumprimento de sentença, estabelecida pela lei n. 11.232/05. É que, como registrado alhures, tal adoção implicaria verdadeiro tumulto processual, com a possibilidade de existência de ritos diferenciados em relação a cada julgador. A segurança jurídica e a observância ao princípio do devido processo legal conduzem a essa orientação.
Bacharel em Direito e em Administração pelo Centro Universitário Vila Velha – UVV. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória. Mestre em Direito Processual pela FDV – Faculdades Integradas de Vitória. Professor Convidado da Escola Superior de Advocacia do Espírito Santo. Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Direito da UNIG-RJ. Professor convidado da Pós-Graduação em Direito do UNESC. Professor Adjunto de Direito Processual Civil do Centro Universitário Vila Velha – UVV. Já integrou a Banca Examinadora do Concurso para Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, na condição de representante da OAB-ES. Coordenador do Núcleo de Pesquisas Jurídicas do Curso de Direito do Centro Universitário Vila Velha. Advogado militante. Autor de diversos artigos publicados em jornais e em revistas especializadas e do livro “Técnica processual e tutela jurisdicional: a instrumentalidade substancial das formas”, publicado pela SAFE. É também autor do livro Curso de Execução Civil pela Editora Lumen Juris.
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