INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda a execução de sentenças estrangeiras, analisando a forma específica de homologação das sentenças exaradas em países do MERCOSUL. Trata-se de tema relevante pois, em razão da proximidade dos países, estes podem proferir decisões cuja execução possa se dar nos países vizinhos.
Para atingir o objetivo proposto, o trabalho divide-se em duas partes. Na primeira, são abordadas regras gerais sobre a execução de sentença estrangeira. Na segunda, é analisada a questão especial do MERCOSUL. Por fim, são apontados os resultados finais do trabalho.
A EXECUÇÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS NO BRASIL
O rol dos títulos executivos judiciais vem previsto no art. 475-N, cujo inciso VI refere-se à sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. Assim, está sujeita ao cumprimento de sentença em nosso país a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça.
A homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ocorre em razão da mudança de competência empreendida pela Emenda Constitucional n ° 45, uma vez que anteriormente a competência era do Supremo Tribunal Federal. Mediante a homologação, a sentença estrangeira adquire idoneidade para surtir no Brasil os efeitos que lhe são característicos. Assim, se a sentença, de acordo com o ordenamento de origem, tem efeito executivo, uma vez homologada torna-se exeqüível também no Brasil.
A competência para o cumprimento da sentença estrangeira vem disciplinada no art. 475-P, inciso III, que se refere ao “juízo cível competente”, que de acordo com o art. 109, inciso X, é da Justiça Federal de primeiro grau.
De acordo com o art. 484 do Código de Processo Civil, a execução far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da homologação. A carta será extraída dos autos da homologação, a requerimento do interessado.
Ainda a teor do art. 484, segunda parte, do Código de Processo Civil, a execução da sentença estrangeira “obedecerá às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da mesma natureza”.
Desta forma, a execução se dá através de cumprimento de sentença, sendo submetida, se for o caso, a prévia liquidação de sentença. Em qualquer hipótese, porém, ressalte-se que a execução não ocorre nos mesmos autos, até porque efetivada, como já ressaltado, através de carta de sentença.
O PROTOCOLO DE LAS LENAS: O CASO ESPECIAL DO MERCOSUL
O Mercado Comum do Sul – MERCOSUL – é composto por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Criado em 1991, tem como objetivos a adoção de políticas de integração econômica e comercial, a instalação de uma zona de livre comércio, a eliminação de barreiras alfandegárias e a união aduaneira (TERRA; COELHO, 2005, p. 98).
Segundo Rechsteiner ( 1996, p. 164) o princípio fundamental do direito processual civil internacional é a aplicação da lex fori, ou seja, a lei do local em que se desenvolve o processo. Em relação às regras de direito material, as normas a serem aplicadas são apontadas pelo direito internacional privado, o qual pode indicar tanto o direito interno quanto o estrangeiro.
As fontes de direito processual internacional são basicamente normas internas. No Brasil podemos citar a Constituição Federal, a Lei de Introdução ao Código Civil, o Código de Processo Civil, o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e outras leis processuais esparsas.
Existem também normas provenientes de tratados internacionais multilaterais e bilaterais. No âmbito do Mercosul, foi firmado o “Protocolo de Las Leñas” – de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, concluído pelos governos da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai, em 27 de junho de 1992, promulgado pelo Decreto nº. 2.067, de 12 de novembro de 1996, publicado no DOU de 13.11.96
De acordo com o art. 18 do Protocolo, as suas disposições são aplicáveis ao reconhecimento e à execução das sentenças e dos laudos arbitrais pronunciados nas jurisdições dos Estados Partes em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa, e serão igualmente aplicáveis às sentenças em matéria de reparação de danos e restituição de bens pronunciadas na esfera penal.
Ainda de acordo com o art. 19, determina o protocolo que o pedido de reconhecimento e execução de sentenças e de laudos arbitrais por parte das autoridades jurisdicionais será tramitado por via de cartas rogatórias e por intermédio da Autoridade Central.”
Assim, há que prevalecer o entendimento no sentido de que a homologação de sentença estrangeira proveniente do Mercosul tem procedimento facilitado, o que, entretanto, não elide a necessidade de procedimento próprio perante o Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido o trecho a seguir transcrito, de decisão do STF, na Carta Rogatória n. 7618 da República da Argentina :
“O Protocolo de Las Leñas (“Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista, Administrativa” entre os países do Mercosul) não afetou a exigência de que qualquer sentença estrangeira – à qual é de equiparar-se a decisão interlocutória concessiva de medida cautelar – para tornar-se exeqüível no Brasil, há de ser previamente submetida à homologação do Supremo Tribunal Federal, o que obsta a admissão de seu reconhecimento incidente, no foro brasileiro, pelo juízo a que se requeira a execução; inovou, entretanto, a convenção internacional referida, ao prescrever, no art. 19, que a homologação (dita reconhecimento) de sentença provinda dos Estados partes se faça mediante rogatória, o que importa admitir a iniciativa da autoridade judiciária competente do foro de origem e que o exequatur se defira independentemente da citação do requerido, sem prejuízo da posterior manifestação do requerido, por meio de agravo à decisão concessiva ou de embargos ao seu cumprimento (CR-AgR 7613 / AT – ARGENTINA AG.REG.NA CARTA ROGATÓRIA Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 03/04/1997 Órgão Julgador: Tribunal Pleno.).”
Não se trata, contudo, de entendimento unânime na doutrina, conforme ressalta José Carlos de Magalhães (1999, p. 8) que entende que o protocolo de Las Lemas autorizou a eficácia extraterritorial das sentenças e laudos arbitrais estrangeiros proferidos no âmbito do Mercosul.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
À vista do quanto exposto, verifica-se que o processo de execução das sentenças estrangeiras no Brasil é apenas empreendido após prévia homologação efetivada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
Tal exigência não é excluída pelo Protocolo de Las Lemas em relação às sentenças proferidas nos demais países do Mercosul, mas em razão do citado protocolo é formulado um processo simplificado, idêntico ao das cartas rogatórias, para que tais decisões possam ser cumpridas dentro do nosso país.
Informações Sobre o Autor
Flávia Moreira Guimarães Pessoa
Juíza do Trabalho Substituta (TRT 20ª Região), Professora Assistente da UFS, Coordenadora e Professora da Pós-Graduação em Direito do Trabalho (TRT 20ª Região/UFS), Especialista em Direito Processual pela UFSC, Mestre em Direito, Estado e Cidadania pela UGF, Doutora em Direito Público pela UFBA.