A executividade dos títulos de crédito eletrônicos

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Resumo: A influência da informática sobre os mais variados ramos do conhecimento tem gerado desafios para os respectivos profissionais, que têm que se adaptar a essa nova realidade marcada pela constante e veloz mudança que a tecnologia da informação vem imprimindo. Na ciência do direito não é diferente. O direito processual, principalmente, tem sofrido mudanças largas para se adaptar ao mundo da tecnologia digital. Por conseqüência, o processo também deve seguir novos rumos: o processo eletrônico já é realidade na maioria dos Tribunais. No entanto, esse impacto tecnológico tem sido mais acentuado nas relações comerciais, sendo os bancos os pioneiros nessa revolução. E nesse contexto, num dos elementos principais das transações comerciais reside o objeto do presente trabalho: os títulos de crédito. Tratados pelo direito cambiário, os títulos de crédito foram atingidos de cheio pela nova realidade tecnológica com a possibilidade de emissão de títulos virtuais ou eletrônicos. O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 889, § 3º, agasalhou tais instrumentos que na prática já vinham sendo  utilizados. No entanto, alguma dificuldade prática, e considerável, tem surgido quando o devedor não paga voluntariamente o título, sendo necessária a execução. Nesse ponto o credor se vê diante de um complicador que entrava a satisfação do seu direito: como executar um título gerado em meio magnético utilizando-se de um processo materializado totalmente em uma plataforma de papel, como ainda é na maioria das comarcas da justiça estadual? Tal dilema conduz a um outro questionamento: o direito brasileiro comporta a execução de tais títulos eletrônicos? No presente trabalho, após breve revisão acerca da teoria geral dos títulos de crédito e do atual estágio do desenvolvimento do processo eletrônico em nossos Tribunais, conclui-se que a criação do título em meio eletrônico já é acobertada pelo direito brasileiro, conforme se pode observar do §3º do artigo 889 do Código Civil. No entanto, em relação à executividade desse título, o direito processual ainda não alcançou o estágio do direito material.  Para viabilizar completamente a execução, devem ser processadas alterações legislativas a fim de estender a  todos os títulos de crédito a facilidade do protesto por indicações, conferida às duplicatas pela lei 5.478/68, e por outro lado, a relativização do princípio da cartularidade, para autorizar que a execução seja proposta à vista de boleto ou outro documento similar, emitido pelo credor a partir de informações relativas ao título obtidas em seu livro de registro.


Palavras-chave: títulos de crédito; eletrônicos; informática; processo; executividade; execução.


Abstract: The influence of information on various branches of knowledge has led to challenges to their professional, who must adapt to this new reality marked by constant and rapid change that information technology has been printing. In the science of law is no different. The procedural law, especially, has changed to adapt to the wide world of digital technology. Consequently, the process must also follow new directions: the electronic process is already a reality in most courts. However, this technological impact has been more pronounced in trade relations, the banks being the pioneers in this revolution. And in this context, one of the main elements of business transactions lies the object of the present work: the bonds. Cambiário treated by the law, the securities have been hit by the new technological reality filled with the possibility of issuing bonds or virtual machines. The Brazilian Civil Code, article 889, § 3, bundled in practice these instruments were already being used. However, some practical difficulty, and considerable, has emerged as the debtor does not pay voluntarily basis, requiring the execution. At this point the lender is faced with a complication that hinders the satisfaction of their right: how to run a title in a computer generated using a process fully materialized on a platform of paper, and still is in most counties of the state court ? This dilemma leads to another question: Brazilian law involves the implementation of these electronic titles? In this paper, after a brief review on the general theory of bonds and the current state of development of the electronic process in our courts, concludes that the creation of the title is already in electronic media covered up by Brazilian law, as can be seen in § 3 of Article 889 of the Civil Code. However, in relation to executividade this title, the procedural law has not yet reached the stage of substantive law. To enable full implementation, legislative changes must be processed so as to extend to all securities ease of protest signs, given the duplicates by law 5.478/68, and on the other hand, the principle of relativity cartularidade to authorize the execution is proposed in view of a bill or other similar document issued by the lender based on information obtained relating to the title in his record book.


Keywords: securities, electronics, information technology, process, executividade; execution.


Sumário: 1 Teoria geral dos títulos de crédito. 1.1 Conceito. 1.2 Princípios dos títulos de crédito. 1.2.1 O princípio da cartularidade. 1.2.2 O princípio da literalidade. 1.2.3 O princípio da autonomia. 1.3 Classificações dos títulos de crédito. 1.4 Endosso. 1.5 O aval. 1.6 O protesto. 1.7 Principais títulos de crédito. 1.7.1 A letra de câmbio. 1.7.2 A nota promissória. 1.7.3 O cheque. 1.7.4 A duplicata. 2 O processo de execução dos títulos de crédito. 2.1 Considerações preliminares. 2.2 A proposição da ação de execução. 2.3 A apreensão de bens. 2.4 A expropriação. 2.5 O pagamento do credor. 3 A influência da tecnologia da informação sobre o direito processual. 4 O registro de crédito em meio magnético. 5 A executividade dos títulos de crédito eletrônicos. Conclusão. Referências bibliográficas


1. TEORIA GERAL DOS TÍTULOS DE CRÉDITO


1.1. CONCEITO


É conhecido e aceito por toda a doutrina comercialista nacional e estrangeira o conceito estabelecido por Vivante, segundo o qual o título de crédito “é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo nele mencionado.”[1]  É necessário porque o título se exterioriza por meio de um documento . A exibição deste documento é imprescindível para o exercício do direito de crédito nele mencionado.  O título é literal, isto é, obedece ao que está rigorosamente escrito. Dessa maneira, o conteúdo do direito que o título confere a seu portador limita-se ao que nele estiver formalmente escrito. É ele, ainda, um documento autônomo, isto é, independente de outras obrigações. Cada título vale por si mesmo. O direito de seu beneficiário atual não pode ser anulado em virtude das relações existente entre os seus antigos titulares e o devedor da obrigação.


Desse conceito já se visualizam algumas características peculiares aos títulos de crédito que a doutrina comercialista convencionou chamar de princípios dos títulos de crédito ou princípios do direito cambiário. São eles: a autonomia, a literalidade e a cartularidade, que serão melhor explicados no tópico seguinte.


1.2. PRINCÍPIOS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO


1.2.1. O princípio da cartularidade


O primeiro dos princípios que aparece no conceito de Vivante é o da cartularidade. Quando se diz que o título é um documento necessário para o exercício do direito nele mencionado, está se dizendo que o credor do título deve estar na posse do mesmo, deve exibir o título caso queira fazer valer o direito nele mencionado. É por isso que o título deve, obrigatoriamente, instruir a petição inicial do processo executivo. Para Fábio Ulhoa Coelho


é a garantia de que o sujeito que postula a satisfação do direito é mesmo o seu titular, sendo, desse modo, o postulado que evita o enriquecimento indevido de quem , tenha sido credor de um título de crédito , o negociou com terceiros ( descontou num banco , por exemplo.[2]


1.2.2. O PRINCÍPIO DA LITERALIDADE


Pelo conceito de Vivante se extrai, ainda, que o título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito literal nele mencionado, ou seja, o título vale pelo que nele está escrito. Para o direito cambial somente produzirão efeitos jurídicos os atos lançados na cártula; eventuais convenções celebradas em documento apartado não poderão ser opostas ao portador do título. O devedor que paga o título parcialmente deve exigir que seja dada quitação no mesmo, pois caso contrário, pode ser obrigado a pagar novamente dado que, se não consta no título o abatimento, este continua subsistente pelo seu valor integral.


1.2.3. O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA


Segundo a doutrina, esse é o princípio mais importante do direito cambial. Pelo título de crédito se exercita um direito autônomo nele mencionado. Daí que uma eventual nulidade de uma obrigação nele contida, quando contemplar mais de uma, não invalidada qualquer das outras.


As implicações do princípio da autonomia representam a garantia efetiva de circulabilidade do título de crédito. O terceiro descontador não precisa investigar as condições em que o crédito transacionado teve origem, pois ainda que haja irregularidade, invalidade ou ineficácia na relação fundamental, ele não terá o seu crédito maculado.[3]


 Esse princípio de desdobra em outros dois subprincípios: a abstração e a inoponibilidade das exceções aos terceiros de boa-fé.


 Pelo subprincípio da abstração, verifica-se que as obrigações constantes dos títulos de crédito terão que ser cumpridas, não se admitindo qualquer recusa baseada na causa que originou o título. A abstração do direito emergente do título significa que esse direito, ao ser formalizado o título, se desprende de sua causa, dela ficando inteiramente separado. Se o título é um documento, portanto concreto, real, o direito que ele encerra é considerado abstrato, tendo validade, assim, independentemente de sua causa.


Quanto à inoponibilidade das exceções aos terceiros de boa-fé, está expresso no artigo 17 da Lei Uniforme de Genebra, segundo a qual as pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.[4]


 Isso significa que o sujeito executado em virtude de uma obrigação assumida e corporificada em um título de crédito não pode se valer, em sua defesa, de matéria constante de relação estranha à sua ligação direta com o credor.


No entanto, o princípio comporta uma exceção. Esta ocorre quando se verificar a má-fé. Segundo ensinam os mestres do assunto, até mesmo o simples conhecimento pelo terceiro de fato oponível ao credor anterior já é suficiente para caracterizar a má-fé. Assim, basta a ciência do fato oponível, previamente à circulação do título.


1.3. CLASSIFICAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO


Os títulos de crédito podem ser classificados de diversas formas, não há um consenso na doutrina sobre a matéria. No entanto, pode se agrupar a classificação dos títulos da seguinte forma: quanto ao modelo, quanto à estrutura, quanto às hipóteses de emissão e quanto à circulação.


Pela primeira, os títulos podem ser de forma livre ou vinculada. É vinculada quando a forma do título deve, necessariamente, obedecer a determinados padrões estabelecidos pela legislação, é o caso do cheque, no qual o emitente não pode escolher a forma com que disporá os elementos gráficos essenciais à sua formação. Deve obedecer as determinações do Banco Central, do contrário o documento não será reconhecido como cheque.


Sendo o documento de forma livre, o emitente tem liberdade para dispor dos elementos essenciais do mesmo. Não há um padrão pré-estabelecido. Assim, qualquer papel escrito com qualquer forma de letra valerá como título, desde que obedecidas apenas os requisitos mínimos estabelecidos pela legislação cambial. Pertencem a essa categoria as notas promissórias e as letras de câmbio.


Quanto à estrutura, os títulos de crédito se classificam como ordens de pagamento e promessas de pagamento. Pela ordem de pagamento aparecem na relação cambiária três figuras distintas: a do sacador, que ordenou a realização do pagamento; a do sacado, contra quem a ordem foi emitida e que deverá cumpri-la, se atendidas as condições para tanto, e a do tomador que é a pessoa beneficiada pela ordem.


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A promessa de pagamento faz surgir apenas dois sujeitos na relação jurídica cambial: o promitente, que assume a obrigação de pagar, e o beneficiário da promessa.


 Pelo critério das hipóteses de emissão, os títulos podem ser causais, quando somente poderá ser emitido nas hipóteses autorizadas por lei. Poderá ser limitado, quando não puderem ser emitidos em algumas hipóteses determinadas pela lei, e serão não causais quando puderem ser emitidos em qualquer hipótese.


Por fim, o critério mais importante, aquele que leva em conta a circulação do título. Nesse aspecto eles são classificados em títulos ao portador, nominativos à ordem e nominativos não à ordem. 


Os títulos ao portador circulam mediante mera tradição, não ostentam o nome do credor; os títulos nominativos à ordem identificam o credor e se transferem por endosso, enquanto os nominativos não à ordem circulam mediante cessão civil de crédito. Essa é a única diferença entre essas duas últimas formas de circulação.


1.4. O ENDOSSO


O endosso é o ato unilateral pelo qual se autoriza a circulação do título. Na prática, ocorre com simples assinatura do portador no verso do título seguida da expressão “pague-se”. As principais conseqüências do endosso são a transferência do título ao endossatário e vinculação do endossante ao seu pagamento, ou seja, este torna-se um co-devedor do título.


 Quando o endosso identificar o novo credor fala-se em endosso em preto, caso contrário, ter-se-á o endosso em branco. Nesse caso, o título torna-se título ao portador e passa a circular por simples tradição, além do que, o endossante não será coobrigado pelo pagamento.


 Há, porém, um caso em que a transferência da titularidade do crédito não se opera, é o endosso impróprio. Nesse caso, a posse do endossatário é legítima, no entanto, ele não é o credor. Ocorre de duas formas; pelo endosso-mandato, no qual o endossatário é investido na condição de mandatário do endossante e o endosso-caução, pelo qual o endossatário é investido na condição de credor pignoratício do endossante.


O endosso, em qualquer de suas modalidades, difere da cessão de crédito. Em primeiro lugar, porque aquele é um instituto tipicamente do direito cambiário, enquanto este é um instituto do direito civil. No endosso, o endossante, em regra, responde pela solvência do devedor do título, o cedente, segundo a legislação civil, somente responde pela existência do crédito; por último, o devedor não pode alegar contra o endossatário de boa-fé as exceções pessoais, mas pode contra o cessionário.


1.5. O AVAL


O aval é uma obrigação regida pelo direito cambiário através da qual uma pessoa emite uma declaração de vontade se obrigando pelo pagamento de um título de crédito, caso o devedor principal não o faça. Quem se obriga ao pagamento é chamado de avalista e o portador do título, avalizado.


Em relação à obrigação avalizada, o aval é autônomo e equivalente. Pela primeira característica, a autonomia, o avalista não se exime da obrigação pela nulidade da obrigação principal. Se por qualquer motivo a obrigação principal não subsistir, o credor pode executar o avalista, pois esta obrigação, o aval, continua subsistente independentemente dos vícios da obrigação consubstanciada no título. Já pela equivalência, mencionada no art. 32 da Lei Uniforme, o avalista assume a obrigação da mesma maneira e nas mesmas proporções da pessoa por ele avalizada.


Não há exclusividade para o aval, ou seja, o devedor do título pode ser avalizado por mais de uma pessoa. Dessa forma, o aval pode ser simultâneo ou sucessivo. No primeiro caso os diversos avalistas garantem, de maneira solidária, o adimplemento da obrigação por eles avalizada; no segundo, o avalista tem a sua própria obrigação garantida por outro aval.


O Código Civil, em seus artigos 897 e 900, trata do aval, o artigo 898, “caput” do Diploma Civil preceitua que “o aval deve ser dado no verso ou anverso do próprio título”, ou seja, na frente ou nas costas, quando o aval for dado no anverso (parte da frente) é suficiente a simples assinatura do avalista.


Segundo o artigo 1647, inciso III do Código Civil, exceto no regime de separação absoluta, nenhum dos cônjuges poderá sem autorização do outro, prestar aval.


Em relação à fiança, o aval se diferencia por três características principais. A princípio, deve se ter em vista que são institutos de ramos diferentes do direito, tal qual ocorre com o endosso e a cessão de crédito, o aval é instituto de direito cambiário e a fiança de direito civil. Por isso, o aval, como regra geral, deve ser lançado diretamente no título, e continua valendo mesmo sendo nula a obrigação do avalizado, exceto se houver vício de forma; já a fiança é um contrato acessório que depende do contrato principal para a sua existência, desse modo, sendo nula a obrigação do afiançado, se extingue também a obrigação do fiador.


Na fiança há o benefício de ordem, pelo qual o fiador pode exigir que primeiro sejam executados os bens do afiançado; no aval o avalista se equipara ao avalizado, assim sendo, o credor tem a opção de cobrar a dívida diretamente do avalista.


1.6. O PROTESTO


Segundo define o art. 1º da lei 9.492/97, o protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.  Para Fábio Ulhoa Coelho “o protesto deve-se definir como ato praticado pelo credor, perante o competente cartório para fins de incorporar ao título a prova de fato relevante para as relações cambiais.”[5]


Pelo protesto se prova a inadimplência do devedor do título; e é ele também elemento essencial pra o exercício do direito de regresso contra os coobrigados. Sem o protesto o credor decai desse direito, por mais que de outra forma tenha apresentado o título.


O protesto serve de prova da apresentação do título no tempo devido para aceite ou para pagamento, não tendo o portador, apesar de ter cobrado, obtido sucesso, serve, ainda, de prova de insolvência do aceitante.


Nesse caso o protesto é sempre obrigatório, pois tem a função de conservar o direito; por outro lado, temos o protesto extracambiário, cuja função é simplesmente probatória e constitui em mora o devedor.


A finalidade do protesto obrigatório está expressa na lei e é facilmente verificada, já que sem ele o portador do título não pode exercer o direito de regresso contra alguns dos signatários do título. Por outro lado, a não efetivação do protesto facultativo não impede o exercício do direito de ação, sendo sua finalidade precípua a prova do descumprimento da obrigação contida no título. A prova do descumprimento, ressalte-se, é o principal objetivo do protesto.


A prova do não pagamento através do protesto facultativo, por si só, nada acrescenta ao título de crédito, a não ser em casos de protestos especiais como aquele tirado para requerer falência. Na prática, o título de crédito tem força executiva e é considerado título executivo extrajudicial, independentemente de ter sido ou não protestado (isso, repita-se, no caso de protesto facultativo). Por exemplo, para a ação contra o emitente da nota promissória, o portador não necessita do protesto (ou seja, da prova pré-constituída do não pagamento do título).


No entanto, mesmo sendo facultativo o protesto, o seu registro tornou-se comum em razão da publicidade que é dada à inadimplência. Apesar de nada acrescentar ao título, o protesto facultativo impõe ao devedor ônus tanto morais quanto sociais, além de acarretar, via de regra, restrição imediata ao crédito. O protesto passou, então, a ser importante instrumento para coibir a inadimplência, e dessa forma vem sendo utilizado mesmo antes da edição da Lei n. 9.492/97.


1.7. PRINCIPAIS TÍTULOS DE CRÉDITO


1.7.1 A LETRA DE CÂMBIO


A letra de câmbio é uma ordem de pagamento à vista ou a prazo. Assim, verifica-se uma relação entre pessoas que ocupam três posições diferentes: o sacador, que é quem emite o título; o sacado, que é aquele contra quem é emitido o título e deve efetuar  o pagamento, caso o aceite, e por último, o beneficiário ou tomador do título.


A letra de câmbio, como a maioria dos títulos de crédito, deve obedecer, rigorosamente, ao formalismo imposto pela lei uniforme de Genebra, sob pena de não ser considerada título de crédito. Assim, deve obedecer requisitos intrínsecos e extrínsecos, sendo os primeiros relativos à própria letra e os segundos à obrigação nela contida.


Os requisitos intrínsecos são os constantes da legislação civil e exigido para qualquer relação jurídica, e por conseqüência, nas relações cambiárias; são exemplos a capacidade e o consentimento. Os requisitos extrínsecos são aqueles impostos pela legislação cambial e peculiar a cada título, são indispensáveis para formalizar a validade do mesmo, por isso são chamados de requisitos essenciais.


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Os requisitos essenciais da letra de câmbio são os seguintes: a palavra “letra” inserida no próprio título, o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada, o nome daquele que deve pagar (sacado), o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, a data e o lugar onde a letra é sacada, a assinatura de quem emite a letra (sacador) e o lugar do pagamento.


Na data do vencimento do título, o portador deve apresentá-lo ao sacado para o aceite. Caso este concorde com o pagamento, o aceite deve ser concedido na própria letra de câmbio, sob pena de não valer contra terceiros. Aceitando o título o sacado vincula-se ao mesmo e fica obrigado ao pagamento. Caso contrário, a recusa total ou parcial do aceite acarreta como conseqüência o vencimento antecipado da letra, que deve ser provado pelo protesto. Ressalte-se, entretanto, que o aceite na letra de câmbio não é obrigatório, mesmo que o sacado seja devedor do sacador ou do tomador.


O vencimento da letra de câmbio é o fato que torna exigível o crédito nela representado. Pode ser ordinário ou extraordinário. No primeiro caso, o título vence-se com o decurso do tempo ou quando ele é sacado à vista.  O vencimento extraordinário ocorre em duas hipóteses: a primeira mencionada pelo artigo 43 da Lei Uniforme que é quando houver recusa de aceite pelo sacado; a segunda encontra-se no artigo 19, inciso II do decreto 2.044/08, que ocorre quando da falência do aceitante.


Quanto ao vencimento, as letras de câmbio podem se classificar de diversas formas: letra com vencimento em dia certo, letra à vista, letra a certo termo da vista, letra a certo temo da data.


 A letra em dia certo é aquela em que o próprio sacador escolhe a data do vencimento. A letra à vista vence na data da apresentação. A letra a certo termo de vista vence a partir do transcurso de certo prazo mencionado pelo sacador a partir da data da apresentação ao sacado. A letra a certo termo de data vence-se com o transcurso do prazo fixado pelo sacador a partir da data do saque.


 Os efeitos do pagamento da letra de câmbio devem ser analisados a partir da pessoa que o faz, pois há casos em que se extinguem todas as obrigações representadas no título e casos em que se extinguem tão somente algumas das obrigações. Se é o devedor principal quem paga, extinguem-se todas as obrigações, igual efeito ocorre quando é o aceitante quem paga o título. No entanto, sendo este pago pelo co-devedor, serão extintas apenas as obrigações de quem pagou e dos devedores posteriores, além do que,  o co-devedor pode exercer o direito de regresso contra os devedores anteriores.


1.7.2. A NOTA PROMISSÓRIA


Ao contrário da letra de câmbio, a nota promissória é uma promessa de pagamento. Quem saca uma nota promissória está prometendo pagar e é chamado pela Lei Uniforme de subscritor, é o devedor principal do título. Do outro lado encontramos o beneficiário da promessa, tomador, e por vezes também chamado de sacado.


 Os requisitos essenciais da nota promissória são: a denominação “nota promissória” inserida no próprio texto e expressa na língua empregada na redação do título, a promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, a indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento; a indicação do lugar em que a nota promissória é emitida e a assinatura de quem a emite.


 Aplica-se à nota promissória todos os preceitos relativos à letra de câmbio, exceto aquilo que não for compatível com sua natureza de promessa de pagamento.


1.7.3. O CHEQUE


O cheque é o título de crédito mais utilizado no mercado. É uma ordem de pagamento à vista emitida contra um banco, tendo em vista a provisão de fundos que o emitente possui junto ao mesmo. É um título de forma vinculada, só pode ser emitido em papel fornecido pelos bancos.


 Os requisitos do cheque são os seguintes: a palavra “cheque” escrita no texto do título na língua empregada para a sua redação, a ordem incondicional de pagar quantia determinada, o nome do sacado (banco); a data do saque, o lugar do saque ou a indicação de um lugar junto ao nome do emitente e a assinatura do emitente.


 Em relação à quantia a ser determinada para pagamento, caso haja divergência entre o valor indicado por extenso e em algarismos, prevalece o primeiro.


 Também é proibida a provisão juros tendo em vista a data do saque e o dia da liquidação pelo sacado. Estes somente poderão ser exigidos na cobrança judicial do cheque não  liquidado, quando incidem a partir da data da entrega do título ao banco sacado.


No direito brasileiro há um requisito peculiar que é a obrigatoriedade de identificação da pessoa em favor de quem foi pago o título nos cheques acima de determinado valor, conforme a lei 9.069/95.


Há quatro modalidades de cheques: o cheque cruzado, o visado, o administrativo e o cheque para se levar em conta.


O cheque cruzado se caracteriza pela aposição de dois traços paralelos e transversais no anverso do titulo. Existem duas espécies de cheque cruzado: o geral ou “em branco” que não identifica nenhum banco entre os dois traços paralelos e o cruzamento especial ou “em preto”, em que um banco é identificado. O cheque cruzado “em branco” pode ser pago a qualquer banco; já o cheque cruzado “em preto” somente pode ser apresentado para pagamento àquele banco indicado no interior dos traços. O objetivo prático do cruzamento do cheque é tornar segura a liquidação, uma vez que sempre será possível saber em favor de quem ele foi liquidado.


O prazo para apresentação do cheque ao banco sacado é de 30 (trinta) dias, se for da mesma praça, e de 60 (sessenta) dias se for de praça diferente. No entanto, mesmo que o credor perca o prazo mencionado, ainda assim poderá executar o emitente, perde ele tão somente o direito de executar os endossantes do cheque e seus avalistas, caso o cheque seja devolvido pelo sacado por insuficiência de fundos. É nesse sentido a súmula 600 do STF: “cabe ação executiva contra o emitente e seus avalistas, ainda que não apresentado o cheque ao sacado no prazo legal, desde que não prescrita a ação cambiária.”[6]


 Quanto à liquidação do cheque, a perda do prazo de apresentação não a impede, apenas depois de transcorrido o período de prescrição (seis meses após o fim do prazo de apresentação)  é que o sacado não poderá mais receber e processar o cheque.


1.7.4. A DUPLICATA


A duplicata é um título de crédito genuinamente brasileiro. Sua origem remonta ao Código Comercial de 1850 que impôs aos comerciantes atacadistas, nas vendas aos retalhistas, a emissão da fatura ou conta, consistente na relação, por escrito, das mercadorias entregues, que devia ser feito em duas vias. Mais tarde, já na década de 20, passou a ser um instrumento de controle de incidência de tributos. Por sugestão do I Congresso de Associações Comerciais criou-se por lei a “duplicata de fatura.”[7]


Alguns anos mais tarde, com edição da lei 5.474/68, conhecida com Lei das Duplicatas (LD) e do Dec.-lei 436/69 que alterou parcialmente a lei, o regime da duplicata passa por nova alteração. O título deixa de ter aspectos e funções fiscais e passa a ter natureza comercial relacionando-se com a constituição, circulação e cobrança do crédito oriundo de operações comerciais e contratos de prestação de serviços.


 A duplicata é um título causal, somente pode ser emitido para documentar a realização de uma compra e venda mercantil. É insubsistente a duplicata que tem sua origem em transação diversa. Por outro lado, o comerciante somente pode emitir a duplicata para documentar a transação de compra e venda.


 Caso o devedor perda a duplicata a lei autoriza o saque da triplicata.


 Quanto ao aceite da duplicata, ao contrário do que ocorre com a letra de câmbio, ele é obrigatório, somente pode ser recusado nos casos expressos em lei. Tais casos estão relacionados no artigo 8º da Lei das Duplicatas, que estabelece:


Art. 8º. O comprador só poderá deixar de aceitar a duplicata por motivo de:


I – avaria ou não recebimento das mercadorias, quando transportadas por conta e risco do vendedor;


II – vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade;


III – divergência nos prazos ou preços combinados”.[8]


O protesto da duplicata pode ocorrer por três motivos: por falta de aceite, por falta de devolução e por falta de pagamento. Deve ser providenciado pelo credor no prazo de trinta dias seguintes ao vencimento da duplicata, sob pena de perda do direito creditício contra os co-devedores do título e seus avalistas.


 Há ainda uma outra forma de protesto que é o protesto por indicações. Esse caso ocorre quando o devedor retém o título impedindo, assim, a apresentação do mesmo pelo credor ao cartório.  Nesse caso a lei permite que o credor indique ao cartório os dados que individualizam a duplicata a partir dos dados escriturados no Livro de Registro de Duplicatas. Desse livro, extrai-se um boleto com todas as informações necessárias ao protesto, sendo o mesmo enviado ao cartório para efetivação. 


 Também no regime da lei 5.474/68 encontramos os títulos destinados à documentação do crédito do prestador de serviços. São eles: a duplicata de prestação de serviço e a conta de serviços.


 A duplicata de prestação de serviços segue o mesmo regime da duplicata mercantil com apenas duas diferenças básicas. A primeira, e óbvia, é quanto à causa que autoriza a sua emissão, que não á a compra e venda mercantil e sim a prestação de serviços; a segunda é quanto ao protesto por indicações, que depende da apresentação, pelo credor, de documento comprobatório da existência de vínculo contratual e da efetiva prestação dos serviços.


 A conta de serviços é o título que deve ser emitido pelo profissional liberal ou pelo prestador de serviços de natureza eventual. Seu procedimento é muito simples e não exige escrituração, devendo ser mencionados apenas a natureza e o valor dos serviços prestados, o vínculo que originou o crédito e a data e o local do pagamento.


2. O PROCESSO DE EXECUÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO


2.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES


Sendo o título de crédito um título executivo extrajudicial, e sendo o seu objeto, geralmente, a entrega ao credor de uma determinada quantia em dinheiro, a sua execução se faz conforme o rito da execução por quantia certa contra devedor solvente, estabelecido pelos artigos 646 a 729 do Código de Processo Civil, com as alterações introduzidas pela reforma implementada pela Lei 11.232/2005.


 O procedimento desse processo executivo se desenvolve em quatro fases: a proposição, a apreensão de bens, a expropriação e, finalmente, o pagamento ao credor.


2.2. A PROPOSIÇÃO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO


Tal qual no processo de conhecimento, o processo executivo também é informado pelo princípio da inércia da jurisdição, consubstanciado no art. 2º do Código de Processo Civil, segundo o qual “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais”.[9] Assim, o credor deve requerer a execução do título, deflagrando o processo judicial executivo. A peça processual principal dessa fase é a petição inicial, que deve obedecer aos requisitos do art. 282 do Código de Processo Civil e estar, impreterivelmente, acompanhada do título de crédito original. caso a petição não esteja acompanhada do título de crédito será considerada inepta, pois se trata de documento imprescindível para a propositura da ação.


Preenchidas as condições da ação de execução, o juiz recebe a inicial e determina a citação do devedor. Observe-se que aqui a citação não é para que o devedor se defenda, tal qual ocorre no processo de conhecimento, e sim para que pague a quantia executada no prazo de três dias. Não se discute o mérito no processo executivo, a citação é tão somente para se garantir o contraditório. Os embargos do devedor, nos quais se busca a desconstituição do direito consubstanciado no título, é uma ação autônoma, que não se confunde com qualquer das formas de impugnação do processo de conhecimento (contestação, reconvenção ou exceção).


A citação do devedor deve ser feita, via de regra, por oficial de justiça. No entanto, caso o meeirinho não encontre o devedor deverá arrestar-lhe tantos bens quantos bastem para garantir a execução, conforme determinado pelo artigo 653 do Código de Processo Civil. Efetuado o arresto, nos dez dias seguintes o oficial de justiça procurará pelo devedor para citá-lo, não o encontrando certificará o ocorrido e somente após essa providência é que será possível a citação por edital, com prazo de dez dias, a cargo do credor. Nesse caso, os bens arrestados converter-se-ão em penhora.


 Caso o devedor pague o débito, extingue-se a execução, liberando-se os bens eventualmente arrestados.


2.3. A APREENSÃO DE BENS


Nessa fase do processo executivo o ato mais importante é a penhora. O professor mineiro Elpídio Donizete Nunes o conceitua como sendo “o ato pelo qual se apreendem bens para empregá-los, de maneira direta ou indireta, na satisfação do crédito exeqüendo.”[10] O bem é empregado de maneira direta na satisfação do crédito quando o credor dele usufrui ou quando o adjudica; será empregado de maneira indireta quando for alienado em hasta pública e com produto da alienação pago o credor.


 No entanto, nem todos os bens pertencentes ao devedor podem sem objetos de penhora. Alguns bens em hipótese nenhuma podem ser penhorados, outros podem apenas em determinadas situações. No primeiro caso, fala-se em bens absolutamente impenhoráveis, no segundo, em bens relativamente impenhoráveis.


 Ressalte-se que penhora não é um direito real, pois o executado continua sendo proprietário do bem penhorado, no entanto, sendo um ato do processo executivo, com o fim de satisfazer o direito do credor, gera efeitos materiais e processuais.


 São efeitos processuais da penhora: individualizar o bem ou bens que vão ser destinados à satisfação do crédito, garantir o juízo da execução e criar preferência para o exeqüente.


 São efeitos materiais da penhora: privar o devedor da posse direita (não da propriedade) e induzir a ineficácia das alienações.


2.4. A EXPROPRIAÇÃO


Citado o devedor e realizada a penhora, passa-se à fase seguinte do processo de execução, que é a expropriação dos bens do devedor. Observe-se que não haverá essa fase caso a penhora recaia sobre dinheiro, nesse caso, não havendo embargos ou após eles serem julgados improcedentes, faz-se imediatamente o pagamento ao credor.


 A expropriação é composta por dois momentos principais: a avaliação e a expropriação propriamente dita.


 A avaliação tem por objetivo verificar se os bens penhorados são suficientes para o pagamento do credor e para estabelecer um valor de referência pelo qual serão expropriados.


 A expropriação pode ser feita por três formas: a adjudicação, a alienação por iniciativa particular e a alienação em hasta pública.


2.5. O PAGAMENTO DO CREDOR


Realizada a expropriação dos bens penhorados, passa-se ao pagamento, última fase do processo executivo.


 O pagamento pode ocorrer de três formas. A primeira e mais usual é o pagamento pela entrega do dinheiro, seja ele produto direto da penhora ou da arrematação dos bens. A outra forma é a adjudicação, pelo credor, dos bens penhorados. Esta forma de pagamento consiste na transferência direta dos bens ao credor. Por último, faz-se o pagamento por meio do usufruto de imóvel ou de empresa, cujo procedimento, um pouco mais complexo, encontra-se regulado pelos artigos 716 a 724 do Código de Processo Civil.  


3. A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO SOBRE O DIREITO PROCESSUAL


Desde que a informática se tornou conhecimento obrigatório para o bom desempenho de quase totalidade das profissões, principalmente após a criação da internet, os profissionais do direito tiveram que se adaptar a essa nova realidade, sob pena de ficarem à margem do sistema.


 O processo judicial, na sua grande parte, ainda desenvolve-se apenas em suporte de papel, principalmente em comercas da maioria dos tribunais estaduais. Uma série de documentos produzidos pelos sujeitos processuais é organizada de maneira sistemática registrando todos os acontecimentos até a decisão final. No entanto, essa realidade vem mudando já há algum tempo.


Inicialmente, cite-se a edição da lei 9.800 de 26 de maio de 1999 que permitiu às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar, para a prática de atos processuais que dependam de petição escrita. A partir dessa lei vários tribunais começaram a utilizar sistemas eletrônicos para a prática de atos processuais no âmbito de suas competências.


O Supremo Tribunal Federal editou a  resolução nº 287 de 14 de abril de 2004[11] que institui o e-STF, sistema que permite o uso de correio eletrônico para a prática de atos processuais, no âmbito do daquele Tribunal. Por esse sistema o acesso ao e-STF dá-se por meio da página do Supremo Tribunal Federal na internet, endereço eletrônico www.stf.gov.br, com utilização facultada aos advogados previamente cadastrados e sujeita às regras e condições dos serviços constantes do manual do usuário, também disponível nesse sítio. O interessado deverá cadastrar-se no e-STF e, em seguida, registrar sua senha de segurança, que deverá ser pessoal e sigilosa, assegurando a remessa identificada das petições e dos documentos. As petições e os documentos enviados serão impressos e protocolados de forma digital pela Coordenadoria de Registros e Informações Processuais durante o horário de atendimento ao público. Hoje o STF já possui tramitação processual totalmente eletrônica, desde a petição inicial até o julgamento final da causa.


Consolidando esse caminho sem volta, a Lei 11.419/2006 introduziu, de vez, em nosso ordenamento, o processo eletrônico. Estabeleceu que “os órgãos do Poder Judiciário poderão desenvolver sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais, utilizando, preferencialmente, a rede mundial de computadores e acesso por meio de redes internas e externas”.


4. O REGISTRO DO CRÉDITO EM MEIO MAGNÉTICO


O registro do crédito em meio magnético, dia-a-dia, ocupa mais espaço nas transações comerciais, num processo ascendente que se convencionou denominar de desmaterialização dos títulos de crédito, em referência ao abandono do papel como suporte. Esse fenômeno tem gerado certas preocupações para os operadores do direito, em especial daqueles que lidam no âmbito do direito cambial. Alguns princípios do direito cambiário têm sido questionados e, principalmente, algumas dificuldades práticas, principalmente na seara processual, têm surgido.


A tecnologia da informação trouxe ao comércio mecanismos possibilitadores de crescimento, aperfeiçoando as formas de pagamento e de obtenção de crédito para alimentar a implementação do mercado de consumo de massa. A convergência de métodos produtivos e empresariais ocorreu de maneira eficaz no segmento bancário.


A informatização dos registros de crédito mercantil é um fato, e esta convergência digital deu origem ao fenômeno acima mencionado de desmaterialização dos títulos de crédito. Fábio Ulhoa Coelho[12] informa que este movimento teve início na França, onde se procurou minimizar a necessidade de entrega de documentos nos negócios bancários pela criação, por exemplo, com a implantação em 1967, e aperfeiçoado em 1973, da lettre de change-relevé, uma letra de câmbio que não circula materialmente: o cliente já remete ao banco os seus créditos sob forma de fitas magnéticas, acompanhadas de um borderô de cobrança, inexistindo a circulação do título. Já na década de 70, a França substituiu por completo o papel na emissão e circulação de títulos representativos de crédito. Iniciava-se, assim, um processo sem volta de união entre a agilidade do processamento eletrônico de dados e a segurança do direito cambiário.


Hoje, qualquer comerciante possuidor de uma conta corrente bancária está apto a promover o registro e cobrança de seus créditos de maneira digital. Esse afastamento do suporte físico em documentos representativos de crédito veio antes de regulamentação ordinária.


Não se pode negar a  larga influência da informática sobre o direito cambiário. É certo que tal fenômeno facilita sobremaneira as transações empresarias, no entanto, sob o ponto de vista legal alguns questionamentos ganham espaço quando se tem em vista os requisitos para a  formação e validade dos títulos de crédito.


Um título de crédito para valer como tal, deve obedecer a determinadas formalidades previstas na legislação, e a esse conjunto de regras legais denominamos de rigor cambiário. Conforme ensinamentos de Pontes de Miranda o direito cambiário chegou a tão grande harmonia de técnicas e a técnica tão longe levou o seu intuito de harmonizar interesses particulares e do público, que o sacrifício de qualquer elemento significa, sempre, erro de justiça. [13]


 Por óbvio, algumas características dos títulos de crédito hão que ser abandonadas para dar lugar ao documento eletrônico. Não se pode, assim, falar em cártula, e em alguns casos, também, no princípio da literalidade tal qual se conhece na doutrina tradicional, haja vista que, em se tratando de informática, as informações muitas vezes consistem apenas em caracteres gráficos.


No entanto, no que se refere à legislação, grande passo foi dado com o  Código Civil Brasileiro, que no § 3º do artigo 889 contempla os títulos eletrônicos ou escriturais, estabelecendo que são aqueles criados a partir dos caracteres em computador ou outro meio técnico equivalente e que constem de escrituração do emitente.[14]


 Trata-se de notável inovação que poderá ajudar a resolver os problemas jurídicos relativos ao título virtual, decorrente da evolução tecnológica, que é escriturado e reduz a importância do dogma da cartularidade, como se disse linhas atrás.


Nessa mesma linha, o mesmo código em seu art. 212, II, c/c art. 225, prevê a juridicidade desses documentos mecânicos e eletrônicos,[15] ao referir-se a reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas, aceitando-os como meio para se fazer prova plena de fatos, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão. Tais disposições por certo servirão para acolher e resolver parte dos conflitos instaurados com a multiplicação de relações que se ocorrem no mundo eletrônico.


5. A EXECUTIVIDADE DOS TÍTULOS DE CRÉDITO ELETRÔNICOS


O título de crédito tradicional não pode ser executado se não for exibido em juízo. A posse do documento, em princípio, é a prova o crédito. Nem a fotocópia autenticada do título serve para instruir a petição inicial do processo executivo.


 Nesse particular aparece o primeiro complicador para a execução do título eletrônico. Como dito alhures, neste o crédito materializado no documento não existe. Impõe-se, então, a relativização do princípio da cartularidade ou o seu abandono por completo.


Assim, para que seja possibilitada a execução de qualquer título de crédito eletrônico, é necessário que sejam implementadas alterações legislativas a fim de conferir aos demais títulos de crédito a facilidade conferida ao credor da duplicata pelo art. 15, § 2º da lei das duplicatas, o protesto por indicações. Segundo estabelece o dispositivo, é inteiramente dispensável a exibição da duplicata, para possibilitar a execução, quando o protesto é feito por indicação do credor.


 Esclarece o professor Fábio Ulhoa Coelho que


“com a desmaterialização do título de crédito, tornaram-se as indicações a forma mais comum de protesto. Hoje, a duplicata, não é documentada em meio papel. O registro dos elementos que a caracterizam é feito exclusivamente em meio magnético e assim são enviados ao banco, para fins de desconto, caução ou cobrança. (duplicata escritural)”[16]


Para resolvermos o problema da executividade da duplicata gerada em meio magnético podemos nos socorrer do instituto do protesto por indicações. Como dito acima, o instrumento de protesto da duplicata, realizado por indicações, estando ele acompanhado pelo comprovante de entrega das mercadorias, é título executivo extrajudicial. Dessa forma, o artigo 15, § 2º da Lei das Duplicatas ampara explicitamente a executividade desse título em sua versão eletrônica. Dispensa-se a exibição da duplicata para instruir a petição inicial da execução quando o protesto é feito por indicações, excetuando-se a regra geral.


 Mediante simples adequação da nossa legislação esse procedimento pode ser estendido aos demais títulos de crédito, conferindo, dessa forma, legítima executividade a todos os títulos de crédito gerados por meio eletrônico.


No entanto, a doutrina levanta um problema. O comprovante de recebimento das mercadorias ainda continua em suporte de papel. Pois bem, esse complicador pode ser facilmente eliminado por meio da “assinatura eletrônica”. Essa técnica consiste em um complexo de caracteres gráficos que garantem a autenticidade de determinada operação. É como se fosse uma senha que identifica a pessoa que emitiu determinada informação, é a criptografia assimétrica. Trata-se um método de cifragem que utiliza duas chaves, uma privada e outra pública. A chave privada, a qual é de responsabilidade exclusiva de seu titular tem a função de codificar (encriptar) a mensagem original, enquanto a chave pública, a de decodificá-la (decriptar). Então a mensagem decifrada é comparada ao documento enviado, garantindo a sua segurança e integridade. A tecnologia da certificação digital, a qual utiliza a criptografia assimétrica, tem sido amplamente disseminada na sociedade, assegurando a essa modalidade de contratação mais segurança, privacidade e confidencialidade e, ainda, a integridade do conteúdo do contrato e a autenticidade das assinaturas digitais.


 A assinatura digital, associada a um certificado digital, gerado dentro dos parâmetros da ICP-Brasil, confere ao documento eletrônico a presunção jurídica e técnica de autenticidade e integridade, caracterizando-o como prova legal, circunstância esta que o juiz não pode desconsiderar na valoração da prova[17]


 O certificado digital, por conter informações sobre o titular da assinatura digital, é um instrumento hábil a comprovar a identidade física dos contratantes, uma vez que vincula a chave pública ao detentor de determinada chave privada. Por conseguinte, os contratos eletrônicos celebrados com assinatura digital permitem a identificação das partes contratantes; a autenticação, a qual confirma a identidade das partes; o impedimento de rejeição (“não-repúdio”), impossibilitando às partes alegar a invalidade do contrato celebrado por meios eletrônicos; a verificação, uma vez que os contratos eletrônicos são armazenados, permanecendo disponíveis e acessíveis para consulta futura; a garantia da integridade do documento, ao possibilitar que o destinatário reconheça qualquer alteração nele produzida; e a privacidade, ao garantir uma comunicação sigilosa.


 Da mesma forma, o título de crédito pode ser emitido eletronicamente e assinado digitalmente, visto que as novas tecnologias de certificação digital garantem as funcionalidades do princípio da cartularidade, assegurando a identidade do emitente, bem como a integridade e a perenidade do conteúdo do negócio jurídico que lhe dá origem.


 Os fornecedores podem combinar com seus clientes que o recebimento das mercadorias será atestado mediante o processo criptográfico da “assinatura eletrônica”, assim, completa-se o ciclo de formação do título de crédito eletrônico.


CONCLUSÃO


É inegável a influência que informática vem exercendo sobre o direito. Esse fenômeno permitiu o surgimento, no âmbito do direito cambiário, do título de crédito eletrônico, emitido por meio de caracteres magnéticos e registrado em livro próprio do credor.  


 A criação do título em meio eletrônico já é acobertada pelo direito brasileiro, conforme se pode observar do §3º do artigo 889 do Código Civil.


 No entanto, em relação à executividade desse título, o direito processual ainda não alcançou o estágio do direito material.  Para viabilizar completamente a execução, devem ser processadas alterações legislativas a fim de estender a  todos os títulos de crédito a facilidade do protesto por indicações, conferida às duplicatas pela lei 5.478/68, e por outro lado, a relativização do princípio da cartularidade, para autorizar que a execução seja proposta à vista de boleto ou outro documento similar, emitido pelo credor a partir de informações relativas ao título obtidas em seu livro de registro.


 Apesar de ainda ser desenvolvido em suporte de papel, o direito processual vem dando mostras de que tende a seguir essa linha evolutiva, pois já se permite que vários atos processuais sejam realizados utilizando-se a tecnologia de informação.


Dessa forma, está aberto o caminho para a adaptação do direito processual brasileiro à possibilidade completa de execução dos títulos de crédito eletrônicos. As alterações legislativas mencionadas alhures são necessárias para que o direito, em especial o  processual e cambiário, assim como os demais ramos do conhecimento humano, trilhem o caminho da evolução traçado pela tecnologia da informação.


 


Referências bibliográficas

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DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 4 ed. vol. II. São Paulo: Malheiros, 2004.

D’URSO, Luiz Flávio Borges. O interrogatório por teleconferência: uma desagradável Justiça virtual. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/3471/o-interrogatorio-por-teleconferencia>. Acesso em: 10 fev. 2012.

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REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1981.

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Silvânio Covas. Prova Eletrônica. 2002. 256f. Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002.







 

Notas:

[1] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 295

[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8 ed.  vol. I. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 369

[3]  COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. . p. 376

[4]  Convenção para a adoção de uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/leisedecretos/Port/dec57663.pdf.> Acesso em: 02 fev. 2012

[5] COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 422

[6] Disponível em: <http://www.stf.gov.br.> Acesso em: 17 fev. 2012

[7] COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 453

[8] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5474.htm> Acesso em: 16 fev. 2012

[9] Código de Processo Civil, art. 2º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm> Acesso em: 18 fev. 2012

[10] NUNES. Elpídiio Donizetti. Curso Didático de Direito Processual Civil. 5 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 392

[11] Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoPeticaoEletronicaAjuda> Acesso em 24 fev. 2012 

[12] COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 464 

[13] Miranda, Pontes de. Tratado de Direito Cambiário. Rio de Janeiro. Max Limonad: 1954. p.11

[14] Código Civil Brasileiro, art. 889, parágrafo 3º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm.> Acesso em: 19 fev. 2012

[15] Código Civil Brasileiro, art. 212, inciso II e art. 225. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm.> Acesso em: 19 fev. 2012

[16] COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 465

[17] Silvânio Covas. Prova Eletrônica. 2002. 256f. Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002, p. 177


Informações Sobre o Autor

Gilvan Nogueira Carvalho

Procurador Federal – Membro da AGU; Professor Universitário do Curso de Direito da FIP-MOC


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