A exigência de 3 (três) anos de “atividade jurídica” nos concursos públicos para o ingresso na magistratura e ministério público e a Resolução do Tribunal Superior do Trabalho

A Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional nº 45) tem sido o assunto mais discutido no meio jurídico ultimamente. Torna-se, infelizmente, cada vez mais comum os textos legais não respeitarem as boas técnicas legislativas, gerando uma insegurança jurídica e uma celeuma acadêmica, o que nos força a criticar e a cobrar dos representantes zelo com o destinatário final das normas – o povo. O texto da emenda publicado e em vigência tem inúmeras lacunas, expressões vagas, e cria uma situação jurídica de caos, principalmente na Justiça do Trabalho. Tanto é verdade, que já existe Argüição de Inconstitucionalidade e muito lobby para que a Justiça Federal não seja esvaziada em sua competência e não perca uma parcela tão grande de poder.


A temática escolhida para este artigo se justifica pela temeridade da expressão “atividade jurídica” contida na EC 45, uma vez que se trata de um conceito juridicamente indeterminado. Os três anos de atividade jurídica são exigidos, segundo o próprio texto da reforma para o ingresso na Magistratura e no Ministério Público (MP). Vejamos o texto que foi publicado para melhor entendimento:


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Art. 93, I da CF/88: ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação; […]


Art. 129, § 3º da CF/88: O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação.”


Para o melhor entendimento, achamos prudente trazer o que o Dicionário Aurélio Buarque (1975, p. 155 e 853) elenca como definição dos vocábulos “atividade” e “jurídica” o seguinte:


Atividade [Do lat. activitate.] 1. Qualidade ou estado de ativo; ação: Encontrei-o às seis da manhã já em plena atividade. 2. Diligência, afã: Para quê toda essa atividade? 3. Qualquer ação ou trabalho específico: atividades agrícolas. 4. Modo de vida; profissão, indústria: Sua principal atividade é ensinar.


Jurídico [Do lat. juridicu.] Adj. 1. Relativo ou pertencente ao direito. 2. Conforme aos princípios do direito; lícito, legal.”


Com a imensa procura pelos concursos públicos e o vertiginoso aumento de cursos jurídicos no país, o tema torna-se muito relevante porque afeta os concurseiros (estudantes que se dedicam exclusivamente ao estudo e preparação para provas de concurso público) e interessa a toda a sociedade, destinatária dos serviços jurisdicionais lhes serão prestados futuramente. Neste contexto, a omissão da emenda em elucidar o que significa “atividade jurídica” e como são auferidos os três anos exigidos, torna-se um assunto de primeira ordem, pois existem duas interpretações possíveis a priori: uma ampliativa e uma restritiva.


A expressão prática forense é, em si, restritiva porque se refere à prática do foro, dos tribunais. Ao passo que a expressão atividade jurídica (trazida pela EC 45) é essencialmente ampla, uma vez que reputa a toda e qualquer ação vinculada ao direito, ao jurídico. Se aquela é interpretada pelo STJ de maneira ampla, esta por maior acuidade deveria ser interpretada mais ampliativamente. Portanto, conclui-se que atividade jurídica é gênero da espécie prática forense, o que gera o entendimento lógico que atividade jurídica é prática forense e abrange algo mais, obviamente dentro do ramo jurídico.


E vale mencionarmos que se o legislador achou por bem na reforma do judiciário mudar o vocábulo utilizado isto significa que quis conferir ao conceito jurídico impresso na EC 45 um conteúdo mais democrático e pluralista. Luiz Flávio Gomes (2005) também defende a mesma posição nos seguintes dizeres: “cabe prontamente observar que o novo texto constitucional não fala em prática forense, sim, em atividade jurídica, que é conceito muito mais amplo que o primeiro”.


O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem indicando em suas decisões que o conceito jurídico indeterminado “prática forense” deve ser amplamente compreendido, inclusive abarcando a prática forense de estagiários. Entretanto, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) no dia 07 de abril de 2005 editou a resolução administrativa nº 1046/2005 com a finalidade de definir o conteúdo de atividade jurídica trazido pela EC 45 de forma restritiva. Acreditamos que o TST quis definir a situação dos concurseiros, mas em nossa opinião o fez de forma equivocada e adotou uma solução jurídica absolutamente ilegítima e inconstitucional porque não lhe cabe fazer as vezes de legislador. Esta interpretação do TST está gerando muita discussão porque ao contrário da orientação do STJ, impede que muitos bacharéis possam ingressar nas carreiras da magistratura e do MP, as meninas dos olhos dos concursandos.


Tribunal Superior do Trabalho (2005) após editar a resolução citada, postou a seguinte notícia em seu site explicando o conteúdo da resolução:


De acordo com a resolução, o período de três anos de atividade será exigido no momento da nomeação do candidato aprovado. Caso o candidato não tenha implementado a condição exigida no momento da primeira nomeação, não será desclassificado imediatamente. Ele poderá ser nomeado para vagas que surgirem durante o prazo de validade do concurso público, desde que, nesse período, complete os três anos de atividade jurídica. A instrução do TST também esclarece o que caracteriza “atividade jurídica”.


Considera-se “atividade jurídica” o efetivo exercício da advocacia, sob inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); o desempenho de cargo, emprego ou função pública, ou magistério público, privativos de bacharel em Direito, sejam efetivos, permanentes ou de confiança e, por fim, o desempenho de cargo, emprego ou função pública de nível superior, com atividades eminentemente jurídicas, na condição de bacharel em Direito. A resolução deixa claro que o tempo de estágio não será computado.


A exigência dos três anos de atividade jurídica para ingresso na magistratura do Trabalho aplica-se a partir da data da publicação da Reforma do Judiciário (31/12/2004), inclusive quanto aos concursos realizados antes dessa data e aqueles iniciados anteriormente e ainda não encerrados. A resolução aprovada pelo Pleno do TST altera a Resolução TST nº 907/2002, que será republicada no Diário da Justiça, com as modificações aprovadas.”


O mais gritante, além da usurpação de função é o fato de que o TST por meio de resolução fere o ato jurídico perfeito, uma vez que para os concursos já iniciados (em andamento) é completamente descabido alterar as normas, exigindo além do edital. E ainda dá vazão à pergunta: Se nem o TST respeita os editais dos concursos dos Tribunais Regionais Trabalhistas porque o candidato deve-lhes respeito e observância? O mínimo de política de boa vizinhança seria, ao menos, não mexer nos concursos em andamento. Tudo isto, óbvio, sem prejuízo da discussão via mandado de segurança e até mesmo argüição de inconstitucionalidade.


No plano constitucional-normativo cumpre-nos observar qual q tipologia normativa de que fazem parte os Arts. 93, I e 129, § 3º da Constituição Federal de 1988. Em nosso entendimento trata-se de norma de eficácia limitada, uma vez que se constitue num mero enunciado do que o legislador quer que seja exigido. A incompletude dos artigos citados é flagrante. Tanto o é que o TST apressou-se em editar resolução, reconhecendo claramente que o que está descrito não basta para que a aplicação seja possível.


A emenda constitucional no tocante à exigência de 3 (três) anos de atividade jurídica é claramente uma norma de eficácia limitada, uma vez que é necessária lei posterior para regulamentar o que foi apenas enunciado como requisito. Alexandre de Morais (2004, p. 43) afirma com propriedade que as normas de eficácia limitada só adquirem aplicabilidade plena “após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade”. E José Afonso da Silva (1998, p. 116) define normas de aplicabilidade ou eficácia limitada como sendo “as que não receberam do constituinte suficiente normatividade para que possam ser aplicadas, quando se faz necessário que a produção ordinária complete as matérias nelas traçadas”. A par disto, rechaça-se quaisquer iniciativas de regulamentação via resolução administrativa, uma vez que não é de competência dos tribunais legislar, o que seria um descalabro e usurpação de um poder constitucional outorgado ao Legislativo. O que seria mais coerente, caso os tribunais desejem nortear a regulamentação é propor uma adequação das Leis Orgânicas da Magistratura e do Ministério Público (LOMAN e LOMP, respectivamente), ou então aguardar a vinda de uma legislação infraconstitucional tratando sobre o assunto para efetivar a exigência. Na inobservância da cautela de não exigência do requisito enquanto não regulamentado, cabe mandado de segurança para garantir o direito líquido e certo de participar do certame, uma vez ao cidadão tudo é permitido fazer desde que não proibido ou vedado em lei.


Celso Spitzcovsky (2004) alerta que a introdução do requisito de 3 (três) anos de prática jurídica “revela-se inconstitucional, além de não atingir os objetivos para os quais foi apresentado, vale dizer, a busca por maior eficiência entre os integrantes da carreira”. O referido autor faz esta afirmação justificando que a Administração Pública por estar adstrita ao cumprimento do art. 37 da CF/88, no tocante aos princípios da razoabilidade e eficiência, recorre em infração aos mesmos acata leis não razoáveis e que não surtirão efeito algum prático. Ademais, a simples prática temporal de atividade jurídica não é elemento de aferição de qualidade, uma vez que cotidianamente observamos as “hilárias” histórias de advogados com petições ridículas, mal feitas, completamente sem nexo e coerência lógica. Neste aspecto creditamos razão ao autor, principalmente porque acreditamos que a alteração tem cunho discriminatório, uma vez que despreza atividades jurídicas que constituem experiência profissional e de vida (a exemplo estágios, especializações, mestrado e doutorado, por exemplo) para a formação de um bom juiz e promotor.


O argumento de que a emenda neste tocante teve como finalidade captar juízes e promotores mais experientes parece não ter sustentação, uma vez que muitas vezes, um estagiário elabora mais peças e tem uma relação com casos, clientes e tribunais muito maior que alguns advogados em anos. Além do que, experiência de vida é impossível de se determinar, quer seja com idade, quer seja com análise de vida de cada um. Critérios eminentemente subjetivos devem ser afastados do Poder Público, principalmente pelo seu dever de tratamento isonômico a todos os administrados e pelo princípio da impessoalidade.


Rogério Wanderley Guasti (2005) foi feliz ao utilizar a expressão naufrágio hermenêutico ao tratar do tema, uma vez que estamos num oceano de incertezas e imersos em águas escuras e perigosas. O legislador, mais uma vez, entrega o cidadão ao acaso, jogando com seu destino sem importar-se com as conseqüências de seus atos, mais uma matiz da crise de representatividade, basta observar que o próprio Presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, foi a tribuna e defendeu publicamente o nepotismo. E justo neste momento onde o nepotismo da ocupação de cargo de confiança é escancarado pela mídia, o TST insere em sua resolução administrativa que “Considera-se atividade jurídica o efetivo exercício, por prazo não inferior a 3 (três) anos, ainda que não consecutivos de cargo, emprego ou função pública, ou magistério jurídico, privativos de bacharel em Direito, sejam efetivos, permanentes ou de confiança”. A sensação que fica é que os privilégios não têm fim, ainda mais os da classe política.


Quando se imaginava que no Brasil a monarquia havia acabado e o conceito de “amigo do rei” tinha ruído frente à necessidade e imperatividade do concurso público, surgem novamente déspotas e pseudo-monarcas que se acham acima da lei e da ética. Por estas razões temos que defender o controle do poder e nos colocarmos como barreira para que a demagogia não prospere. Como depende de regulamentação posterior, não podemos aqui pretender explicar o que “atividade jurídica” significa, mas certamente a EC 45 não estabeleceu os critérios que o TST adotou e  o tribunal competente para analisar e interpretar a Carta Magna e suas emendas o é o Supremo Tribunal Federal – função constitucionalmente estabelecida, que certamente irá dissuadir as dúvidas quando provocado.


 


Referências Bibliográficas:

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.

GOMES, Luiz Flávio. Ingresso na Magistratura e no MP: 3 anos de atividade jurídica garantem profissionais experientes? Última Instância, São Paulo/SP, 2005. Disponível em: <http://ultimainstancia.ig.com.br/colunas/ler_noticia.php?idNoticia=9150.>. Acesso em 09 de abril de 2005.

GUASTI, Rogério Wanderley. O significado de atividade jurídica sob a ótica da Emenda Constitucional nº 45/2004. Breves relatos. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 614, 14 mar. 2005. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6394>. Acesso em: 09 abr. 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª ed., São Paulo: Atlas, 2004.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais.3. ed., São Paulo: RT, 1998.

SPITZCOVSKY, Celso. A inconstitucionalidade do critério de prática de atividade jurídica para concurso público. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jun. 2004. Disponível em: <www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm>. Acesso em 09 de abril de 2004.

Tribunal Superior do Trabalho. TST aprova resolução sobre concurso público para juiz. Site do TST. 08/04/2005. Disponível em: < http://ext02.tst.gov.br/pls/no01/no_noticias.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=5191&p_cod_area_noticia=ASCS.>. Acesso em 09 de abril de 2005.


Informações Sobre o Autor

Dayse Coelho De Almeida

Professora do Curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe – UFS e do Curso de Direito da Faculdade de Sergipe – FaSe, advogada cível e trabalhista do escritório Almeida, Araújo e Menezes Advogados Associados – ALMARME, Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ. Co-autora dos livros: Relação de Trabalho: Fundamentos Interpretativos para a Nova Competência da Justiça do Trabalho, LTr, 2005 e 2006; Direito Público: Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Tributário, PUC Minas, 2006 e Roda Mundo 2006, Editora Ottoni, 2006. Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica – IHJ, da Associação Brasileira de Advogados – ABA e do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos – INEJUR.


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