A extrafiscalidade dos tributos e sua estruturação nas concepções do neoliberalismo

Resumo: Este estudo evidencia a inegável influência das teorias neoliberais para com o sistema jurídico tributário brasileiro, com maior ênfase na função extrafiscal dos tributos. No discorrer do texto buscou-se traçar uma breve história sobre alguns dos últimos movimentos econômicos mundiais que estruturaram a economia contemporânea, a saber: a ideia de Estado-mínimo, de Estado interventor e, em seguida, o ressurgimento de algumas ideias liberais no contexto atual, denominadas de neoliberais. Consequentemente, o leitor é endereçado a uma maior compreensão da extrafiscalidade tributária, em seus diversos aspectos no ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista, seus fundamentos constitucionais e reflexos na legislação infraconstitucional. Por fim, uma comparação entre as ideias neoliberais são confrontadas com a grande evidência hodierna da função extrafiscal dos tributos, função esta de importância inconteste na atual ordem econômica e jurídica brasileira.[1]

Palavras-chave: Neoliberalismo. Tributação. Extrafiscalidade tributária.

Resumen: Este estudio pone de manifiesto la innegable influencia de las teorías neoliberales para el sistema legal tributario brasileño, con mayor énfasis en los impuestos función extrafiscal. En el discurso del texto tratado de trazar una breve historia de algunos de los últimos movimientos económicos globales que dieron forma a la economía contemporánea, a saber, la idea de estado-estado mínimo la intervención y luego el resurgimiento de las ideas liberales en el contexto neoliberales actuales, llamado. En consecuencia, el lector se dirige a una mayor comprensión de impuesto extrafiscalidade, en sus diversos aspectos de las leyes nacionales, en orden, sus fundamentos constitucionales y reflexiones sobre la legislación constitucional. Por último, una comparación entre las ideas neoliberales se enfrentan a gran función hoy evidencia extrafiscal de los impuestos, esta función de la importancia indiscutible en el actual orden económico y jurídico brasileño.

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Palabras clave: Neoliberalismo. Impuestos. Extrafiscalidade impuestos.

Sumário: Introdução. 1. A Extrafiscalidade e as Doutrinas Econômicas Modernas. 2. O Neoliberalismo como Movimento Propulsor na Função Extrafiscal dos Tributos. Conclusão.

INTRODUÇÃO

Hodiernamente, busca-se um Estado em que sua atuação seja estritamente norteada pela supremacia do interesse público em detrimento do particular, princípio máximo, ao lado da dignidade da pessoa humana, nos Estados, ditos, Democráticos de Direito. Tal princípio, caracterizado pelo insigne Bandeira de Melo (2009, p. 96) como inerente a qualquer sociedade e condição para sua própria existência, permite a intervenção do Estado, nos casos legalmente previstos, na esfera privada.

Essa intervenção pode: (i) restringir direitos, (como os institutos da desapropriação e da requisição, expressamente elencados no art. 5º, incisos XXIV e XXV, de nossa Lei Maior); (ii) garantir direitos (nos casos em que o Estado interventor, assim age para possibilitar a efetivação de direitos fundamentais, tais como a elaboração do Código de Defesa do Consumidor, repleto de normas interventivas na iniciativa privada, para possibilitar uma paridade de armas entre a parte hipossuficiente e os fornecedores do produto ou serviço)[2]; e (iii) ampliar direitos (quando na busca do interesse público o Estado cria novos direitos para suprir determinada insatisfação social ou desordem econômica).

Logicamente, nunca podemos dissociar por completo as ideias de restringir, garantir e ampliar direitos através da intervenção do Estado, pois, por incontáveis vezes, este, ao criar, também limita, ao garantir, também cria e ao limitar, também garante. No entanto, para fins didáticos e puramente acadêmicos elaboramos tal compreensão, pois a extrafiscalidade tributária, instituto norteador deste estudo ganha fundamento na supremacia do interesse público, permitindo que o Poder Público atue na ordem econômica, sobretudo ampliando e/ou restringindo direitos – o que será com maior clareza abordado em momento posterior – em prol de um interesse coletivo, a saber: o equilíbrio na ordem econômica.

Em vista disso, percebe-se a atuação do Estado regulador de influência neoliberal, que se abstém da atuação direta na economia, em preferência às agências reguladoras. Porém, a invasão do público sobre o privado, em tempos passados, quase nunca se dava pela busca do bem comum, pois, na verdade, o que se pretendia não era o interesse público, mas o interesse do Estado ou do soberano e tal interesse nem sempre condizia com os anseios sociais, como acontecia nas grandes monarquias europeias em momentos anteriores as revoluções do século XVIII.    

1. A EXTRAFISCALIDADE E AS DOUTRINAS ECONÔMICAS MODERNAS

Os últimos séculos foram marcados por diversas transformações na esfera política e econômica global. Tais mudanças, por serem frutos de uma consciência social, logicamente, estão em constante evolução e fazem parte da história humana desde os seus primórdios. Todavia, a partir dos séculos XVIII e XIX é que vamos nos confrontar com verdadeiros estrondos intelectuais e revolucionários que ganharam proporção tamanha ao ponto de transpassar as barreiras do tempo e espaço, transformando ideias, anteriormente tidas como imutáveis, em concepções inconcebíveis e inaceitáveis.

Foi assim, que um grupo de intelectuais, sobretudo na França, impôs limites no poderio da monarquia europeia que se acreditava ser absoluta e divinamente escolhida, iniciava-se a “era das luzes” ou Iluminismo. Movimento surgido pela insatisfação com o modo de vida aparatoso da realeza, dentro dos suntuosos castelos, enquanto a grande massa da população padecia com a fome e a elevada tributação que lhes era imposta pelo governante, com o único objetivo de custear suas despesas com material bélico ou, na esmagadora maioria, em banquetes, festas e roupas luxuosas.

Vinda a Revolução Francesa em 1789 e publicada a “Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão”[3] que elencava em seu art. 3º que “o princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente”. Estava evidente a repulsa da população francesa com a forma extremamente interventiva do governo absolutista e centralizador, reinando agora uma ânsia por um non facere do Estado, eclodindo da França para o mundo a primeira dimensão de direitos, os direitos civis e políticos, também conhecidos como “direitos de liberdade”.

Dessa forma consolidam-se as bases para o primeiro grande movimento econômico moderno, o Liberalismo. Movimento que já ganhava forças com a Revolução Americana e a “Declaração de Independência dos Estados Unidos” exposta ao mundo em 1776, mesmo ano da primeira publicação do clássico “A Riqueza das Nações” do ilustre economista escocês Adam Smith, considerado “pai” do Liberalismo Clássico. Doutrina que pregava a ideia do Estado-mínimo, ou seja, a ordem econômica não necessitaria da intervenção do Estado, pois uma força natural que Smith chamava de “mão invisível” regularia toda a atividade econômica desenvolvida e esta, por si só, encontraria o equilíbrio e a ordem.

O Estado agora já não é mais concentrado em um único governante político, a tripartição dos poderes de Montesquieu exterioriza a necessidade de imposição de limites a este “monstro”, como assim o compreendia Thomas Hobbes, que se vê encarcerado pela estrita legalidade, pois esta, ao emanar de representantes do povo, único ente dotado de Poder legítimo, tem o condão de assim deliberar. O distanciamento do Estado nas esferas sociais, evidentemente também da econômica, fortaleceu o caráter extremamente fiscal dos tributos, tendo estes, sobretudo, finalidades arrecadatórias. Pouco se via uma atuação direta na órbita econômica, sendo necessário, com isso, e indispensável para manutenção da máquina estatal, a tributação com função explicitamente fiscal.

A extrafiscalidade, portanto, não era necessária, tendo em vista que a doutrina predominante à época não abria margem para essa função, pois as “leis naturais” da economia eram autorreguladoras e não cabia ao Estado intervir nesse “equilíbrio natural”, sob pena de desestabilizar o sistema. Com isso, verifica-se um grande avanço na iniciativa privada e cada vez mais a necessidade de arrecadação do Estado, cabendo a este apenas um mero exercício de fiscalização e defesa territorial.

Na concepção do ilustre DALLARI (2008, p. 185):

“O Estado liberal, com o mínimo de interferência na vida social, trouxe de início, alguns inegáveis benefícios: houve um progresso econômico acentuado, criando-se as condições para a revolução industrial; o indivíduo foi valorizado, despertando-se a consciência para a importância da liberdade humana; desenvolveram-se as técnicas de poder, surgindo e impondo-se a ideia do poder legal em lugar do poder pessoal.”

No entanto, a grande valorização do individuo geraria um desequilíbrio extremamente avassalador, do ponto de vista social, pois, ainda nas diretrizes do renomado autor, “a valorização do indivíduo chegou ao ultra-individualismo” o que favoreceu determinadas classes afortunadas em detrimento da grande massa trabalhadora. Fato que culminaria nas barbáries trazidas pela Revolução Industrial. Tais como, crianças enfrentando jornadas de trabalho que chegavam a dezesseis horas diárias, com breves repousos noturnos de quatro horas. Mulheres abandonando seus lares para se submeterem a regimes explicitamente desumanos, que tornavam irrelevantes sua estrutura física, dentre outras desordens sociais que clamaram por uma aproximação do Estado, um facere, exsurgindo os direitos de segunda dimensão, os assim chamados direitos sociais ou “direitos de igualdade”.   

A insatisfação com a teoria liberal era evidente, e esta estava fadada ao declínio, sobretudo após a “Grande Depressão” de 1929 e a instalação do programa de governo conhecida como New Deal, instituída em 1932 pelo presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt. Na verdade, o New Deal, nada mais era, do que um plano extremamente intervencionista com o objetivo de conter os males que sucederam 1929.

A intervenção do Estado era imprescindível, e este tomou para si todos os anseios sociais, passando agora a atuar de forma direta no contexto econômico. Instituía-se assim o Welfare State, segundo modelo econômico moderno, em que já não há a predominância de um Estado distante da economia e dos fenômenos sociais, mas evidentemente comprometido com o bem-estar da população, em consequência dessa nova concepção, tal modelo econômico ficou conhecido como “Estado de bem-estar social”. Dava-se início a um novo momento no que conhecemos por tributação, haja vista a maior liberalidade do ente Político em delimitar ou ampliar sua atuação tributária.

Sobre o assunto, Plauto Faraco de Azevedo (2000), em obra singular, destaca a evolução econômica do Liberalismo para o Welfare State de forma bastante esclarecedora, ao evidenciar que:

“Neste contexto de crise econômica manifesta com sérios desdobramentos políticos e sociais, o Estado liberal, a fim de conjurar o perigo que lhe ameaçava a mesma existência, vai pouco a pouco se transformando, mediante a progressiva intervenção na economia, até tornar-se Estado Social ou Welfare State, cujos contornos vão ganhando maior nitidez a partir da Segunda Guerra Mundial.” (AZEVEDO, 2000, p. 91)

No momento anteriormente vivido, o Liberalismo distanciou o Estado das atividades econômicas, o que implicou em grandes reformas no sistema tributário. O que era arbitrado pelo soberano no Estado absolutista de forma extremamente desequilibrado, já não era mais acolhido no Estado liberal. A função clássica arrecadatória dos tributos permaneceu, no entanto, com menos vigor, sendo realizada com certa timidez e extremamente vigiada pela burguesia detentora do poderio econômico, apoiada pelos pensadores liberais tradicionais.

Em contrapartida, com a instalação do “Estado de bem-estar social” a fiscalidade tributária ganha força e a atuação do Estado volta a ter caráter intervencionista, diferenciando-se do Estado Absolutista, por estar evidentemente compromissado com a harmonia e o bem coletivo, o que não se verificava neste. Porém, ainda não podemos chegar à origem de uma real função extrafiscal, pois esta só se efetivará em um momento seguinte na evolução história dos sistemas econômicos mundiais. De certo, é inegável o avanço jurídico na transição do Absolutismo para o Liberalismo, e do Liberalismo para o Estado interventor, ou de “bem-estar social”, prevalecendo neste a preocupação inconteste pela realidade entre o que está exposto na norma e o que realmente está sendo efetivado no contexto social.

Mesmo com todas as contribuições trazidas pelo Estado interventor, a extrafiscalidade tributária não tinha qualquer fundamento, uma vez que o mesmo atuava de forma direta nos sistemas econômicos, portanto, não havia que se falar em intervenção com finalidade reguladora na economia, tendo em vista que o próprio Estado avocava para si atividades tipicamente econômicas.

Os Estados onde imperava o sistema interventivo demonstraram no decurso do tempo, inúmeros déficits financeiros, o que acarretou insatisfação por parte de alguns pensadores que buscaram retorno a uma atuação estatal de menos proporção, movimento conhecido como Neoliberalismo, atual sistema econômico que fundamenta a extrafiscalidade tributária, tendo em vista ser nesse contexto que tal função ganha maior proporção. Sendo o idealizador dessa corrente teórica Friedrich Hayek, como bem preleciona Perry Anderson (1996):

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O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política. (ANDERSON, 1996, p. 12)

A gênese da crise, nas concepções de Hayek e bem evidenciadas por Anderson (1996, p. 11), encontrava-se no excesso poder dos sindicatos ligados ao movimento operário que haviam “corroído as bases da acumulação capitalista com suas pressões reivindicatórias sobre os salários e sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais”.  

2. O NEOLIBERALISMO COMO MOVIMENTO PROPULSOR NA FUNÇÃO EXTRAFISCAL DOS TRIBUTOS

Discorrer sobre extrafiscalidade tributária é relatar a intervenção do Estado no domínio econômico. Tal intervenção sempre esteve presente nas Constituições brasileiras, sobretudo a partir da Constituição de 1934, uma vez que a mesma sofreu grande influência da Constituição alemã de Weimar, promulgada em 1919 e caracterizada, sobretudo, pelo rol de direitos trabalhistas que só foi possível através da atuação direta na seara econômica pelo Estado.

 Para demonstrar as evidências interventivas nas Constituições brasileiras utilizaremos das inegáveis contribuições do professor Albino de Souza (2002, p. 416), adiante expostas.

Quanto à presença do vocábulo intervenção na Constituição de 1934 encontra-se no art. 116. Na Constituição de 1937 em seu art. 135: “A intervenção do Estado no domínio econômico poderá ser mediata ou imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão direta”. Na Constituição de 1946 o art. 146 evidenciou que “A União poderá […] intervir no domínio econômico […]”. Vindo a Constituição de 1967, informou esta no art. 157, § 8º: “são facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei da União, quando indispensável por motivos de segurança nacional, […]”. E, por fim, com a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 no seu art. 163 repetindo ipse litteris o teor do art. 157, §8º da Constituição de 1967.  

Com isso, fica evidente, que no transcurso das constituições brasileiras a intervenção sempre esteve presente. No entanto, as finalidades de tais intervenções, bem como seus fundamentos, até a Emenda de 1969, sempre foram mais voltadas às ideias de Estado interventor do que Estado neoliberal, o que inicialmente pode parecer contradição ao enfatizarmos que a extrafiscalidade tem fundamento com a intervenção do Estado na ordem econômica, ao passo que buscamos uma influência neoliberal para tanto, haja vista que este nos remete a uma ideia de menor atuação dos entes estatais na economia.

Porém, o neoliberalismo, diferentemente do liberalismo clássico não anuncia a total abstenção do Estado quanto aos assuntos econômicos. Ainda nas lições de Albino de Souza (2002, p. 446) sobre “O Discurso Neoliberal na Constituição de 1988”, os fundamentos da “economia de mercado”, a saber: “ofertante”, “procurante”, “objeto” e “concorrência”, na doutrina liberal “prende-se à ideia de um mecanismo autorregulador, sem qualquer interferência estranha”. No entanto, após a experiência do Estado social e atuante na economia e demais áreas que lhe fosse conveniente, buscou-se um novo modelo de liberalismo, onde “o Direito tem importância decisiva para corrigir os efeitos dos mecanismos econômicos indiferentes à condição humana e social, imposta pela própria realidade”.

A afirmativa evidenciada acima tem uma razão lógica para se subsistir, uma vez que o neoliberalismo teve seu pontapé inicial em um contexto marcado pelas experiências ocasionadas pelo Estado Social, sobretudo pela preocupação com as desigualdades sociais engendradas pelo modelo abstencionista liberal. Nesse ínterim, o neoliberalismo mesmo pretendendo, inicialmente, um retorno aos princípios liberais, estes, dificilmente seriam reestabelecidos em sua totalidade, pois, as conquistas disponibilizadas pelo Welfare State ganharam contornos políticos e econômicos indissociáveis do atual contexto social.

No plano jurídico, com a conquista dos direitos sociais, vindo estes a ocupar o plano de direitos fundamentais, não se poderia admitir o retorno à situação de maior desvantagem social, em razão de outro princípio/característica adotado pelos Estados constitucionais no pós-guerra, da proibição do retrocesso social aplicado aos direitos e garantias fundamentais.

Este princípio é veementemente defendido pelos constitucionalistas modernos, tais como J. J. Gomes Canotilho, cuja lição merece destaque:

“[…] a idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de contra-revolução social ou da evolução reacionária. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo.” (CANOTILHO, 2003, p. 587)

Com isso, qualquer mudança patrocinada pelo retorno ao modelo liberal que, inviabilizasse qualquer direito social conquistado em decorrência do Welfare State, seria encarada, como uma afronta aos direitos subjetivos dos cidadãos e a uma garantia institucional, cuja supressão seria, do ponto de vista democrático, uma aberração jurídica.

Na ânsia de desenvolver um modelo econômico que se aproximasse dos princípios liberais, ao passo que a adequação ao atual contexto social e jurídico era necessária, o Direito teve de ser um instrumento para que a abstenção do Estado na seara econômica fosse gradativamente estabelecida, mas de uma forma que não mitigasse os direitos fundamentais pretéritos. Sendo assim, em decorrência da tentativa ao retorno da economia liberal, mas sob a pressão imposta pelos valores sociais já conquistados pelo Welfare State, surge o que se entende hoje por neoliberalismo.

Sobre os supostos benefícios que tal modelo econômico tem acarretado, as dúvidas ainda são frequentes, havendo quem se porte no sentido de que é impraticável o que se entende por justiça social tomando como parâmetro o retorno ao liberalismo, ainda que em uma nova roupagem e com um discurso pretensamente inovador motivado pela globalização, assim como evidencia Azevedo (2000, p. 115), ao informar que “a globalização, tal como a quer o neoliberalismo, está associada à exclusão social”.

O argumento acima evidenciado encontra-se embasado na premissa de que o neoliberalismo acarretou um aumento significativo na desigualdade social, uma vez que “nas faixas melhor aquinhoadas da população, cerca de dez ou vinte por cento de seus componentes, estão crescendo de modo significativo”, em contrapartida, “os rendimentos das pessoas, que integram os vinte ou até quarenta por cento menos favorecidos, estão diminuindo” (DAHRENDORF, 1995, p. 33).

Ressalte-se que, grosso modo, a representação da realidade feita pelo neoliberalismo – em que avulta o caráter central e prescritivo do mercado, de que decorrem a escala de valores e as regras segundo as quais os homens devem viver –, constitui uma visão unilateral de determinada categoria de homens, atentos fundamentalmente à realização de seus interesses pessoais, que pretendem fazer passar pelos interesses universais do gênero humano, a qual teria o condão de pôr termo à história.

A nossa Constituição de 1988 elenca diversas características que nos fazem chegar à conclusão que o modelo econômico de maior afinidade com as normas por ela insculpidas é o neoliberal. Uma delas é apontada com grande propriedade por Albino de Souza (2002, p. 449), uma vez que “está claramente revelado no texto constitucional de 1988 que a ‘regra’ adotada incorpora a exploração direta da atividade econômica pelo Estado”, porém este só poderá fazê-lo “se desvestido de suas peculiaridades de poder público e sua competência para ‘regulamentação’ e ‘fiscalização’ submete igualmente todos os participantes dos negócios e os integra na política econômica geral”.

Pois bem, esta possibilidade de exploração direta da atividade econômica incorporada pelos ideais do Estado Social e a consagração do status positivus dos direitos ali conquistados, mas limitada pela Constituição quando assumi esta forma atuante na “economia de mercado”, na seara tributária, acarretou o afloramento de uma função, até então, pouco conhecida e aplicada dos tributos. Esta nova forma de vislumbrar a tributação decorre da utilização das normas de direito tributário para direcionar a incidência de determinado tributo, com uma finalidade específica de regulação econômica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diversamente do que muitas vezes se prega, a extrafiscalidade tributária não se limita apenas a estimular ou desestimular determinados comportamentos fiscais. A aplicabilidade deste requer todo aparato jurídico, de atuação, não só do poder Legislativo, quando da elaboração de tal direcionamento, mas do Executivo, ao instituir políticas públicas tributárias, bem como do Judiciário, ao assegurar a eficaz aplicação da norma, quando for provocado, além de, nos casos em que a legislação for obscura, proporcionar uma interpretação à luz dos princípios constitucionais da supremacia do interesse público e da justiça social.

Nesse norte, obtempera Marcus de Freitas Gouveia (2006, p. 80) ao disciplinar que a extrafiscalidade tributária:

“[…] é o princípio ontológico da tributação e epistemológico do Direito Tributário, que justifica juridicamente a atividade tributante do Estado e a impele, com vistas na realização dos fins estatais e dos valores constitucionais, conforme as políticas públicas constitucionalmente estabelecidas, delimitada (a atividade estatal) pelos princípios que revelam as garantias fundamentais do contribuinte.”

Com isso, a noção implementada pelo neoliberalismo, almejando retornar ao ideário liberal, mas limitado pelas conquistas do Estado Social, possibilitou a atuação veemente da tributação com fins que excedem a simples arrecadação e manutenção estatal, pois o Estado, tendo a liberalidade para atuar na ordem econômica, passou a ser um interessado direto na economia de mercado, uma vez que, em decorrência das limitações constitucionais, não podendo agir ao seu bel prazer, em decorrência das premissas liberais de limitação do poder soberano, a forma encontrada por este para direcionar o mercado foi o Direito, sobretudo o tributário, dando uma nova roupagem à tributação.

Vale salientar, que o clamor social deve influir na finalidade à qual será destinada a tributação extrafiscal, por ser a justiça social o objetivo precípuo de todo o Direito. Em razão disso, diversas são as especulações relacionadas a tributos com o objetivo de fazer cumprir a função social de determinado imóvel, como o já conhecido IPTU progressivo; a alta carga tributária incidente sobre determinadas drogas líticas; além de outros mais futurísticos decorrentes da hodierna preocupação ecológica, tais como os tributos ambientais, visando à preservação ambiental inibindo determinadas condutas, tendo em vista que:

“Os tributos ambientais em sentido próprio ao atuarem sobre os comportamentos, promovendo a sua alteração para moldes mais compatíveis com o ambiente, são determinantes para prevenir futuros danos no continuum naturale. Mas a política ambiental não pode também abdicar do uso de gravames ambientais em sentido impróprio. Uma vez que estes tributos, ao incidirem sobre bens ou comportamentos aos quais está associado um custo externo e uma procura inelástica, não só tornam possível ao Estado financiar-se de um modo menos maléfico para a economia do que lhe permite a tributação do trabalho, e.g., como também sinalizam aos agentes econômicos o sentido da evolução tecnológica desejado pela sociedade”. (SOARES, 2001, p. 16)

Diante do exposto, é facilmente perceptível a grande proporção que a extrafiscalidade tributária tomou pela influência ocasionada em decorrência do modelo econômico neoliberal, que proporcionou um campo de atuação fértil para a mesma, tendo em vista que o auxílio da legislação tributária para fins estatais específicos sempre existiram, mas não com tamanha nitidez. No entanto, no modelo hodierno, ainda que criticado pela possível contribuição às desigualdades sociais e a perda, pela grande parte da população, do contato com a esfera da cidadania, os chamados marginalizados sociais (AZEVEDO, 2000, p.116), fez com que o Estado buscasse dentro do Direito, um método que lhe possibilitasse conduzir o contribuinte a uma conduta que, ao menos, tenha um escopo social.

O poder de normatização utilizado pelo Estado com fins econômicos pode levar a certos benefícios para a sociedade como um todo. No entanto, o que se teme é que, no Estado Liberal, sempre atuaram discreta, mas decisivamente, as forças econômicas, notadamente as empresas nacionais e transnacionais. Com isso, no quadro do neoliberalismo global, em que se busca certa diminuição do Estado, o que dele restar poderá se transformar em instrumento, não do cidadão, mas das empresas transnacionais, na busca de vantagens em seu proveito, à margem dos mecanismos institucionais, através do Poder Executivo e de pressões que este exerce sobre o Legislativo e o Judiciário.

 

Referências
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SABER, Emir; GENTILI, Pablo, org. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, Justiça Social e Neoliberalismo. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. rev. Coimbra: Almedina, 2003.
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: teoria do estado e da constituição/direito constitucional positivo. 15. ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
DAHRENDORF, Ralf. Quadrare il cerchio. Benessere econômico, coesione sociale e libertà politica (Economic opportunity, civil society, and political liberty). Trad. Per Rodolfo Rini. Roma Bari: Laterza, 1995.
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
HAYEK, Friedrich. O Caminho da Servidão. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010. Disponível em <http://www.mises.org.br/files/literature/O%20CAMINHO%20DA%20SERVID%C3%83O%20-%20WEB.pdf>.
HOBBES, Thomas. Leviatã. Ed. Martin Claret, São Paulo, 2006.
MELO, Celso Antonio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 26. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2010.
MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron de la. Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004.
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Martins Fontes, 1a ed. 2003. 
SOARES, Cláudia Alexandra Dias. In: O imposto ecológico – contributo para o estudo dos instrumentos econômicos de defesa do ambiente. Boletim da Faculdade de Direito – Universidade de Coimbra, Stvdia ivridica 58, Coimbra: Coimbra Editora, 2001.
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Teoria da Constituição Econômica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
 
Notas:
 
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Saulo Medeiros da Costa Silva Doutorando em Direito e Ciências Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino – AR; Mestrando em Desenvolvimento Regional pela UEPB; Pós-graduado em Direito Tributário pelo IESP; Membro da Comissão de Estudos Tributários da OAB/PB; Professor de Direito Tributário da FARR/CESREI, da Escola Superior da Advocacia – ESA/CG e dos Cursos Jurídicos Misael Montenegro e da Fundação de Apoio ao Ensino Pesquisa e Extensão Da Unisul – Faepesul; Palestrante, Consultor Jurídico e Autor de livro e artigos jurídicos e tributário.

[2] Art. 170, V, CF.

[3] Sobre a nomenclatura e análise deste instrumento normativo, destaca José Afonso da Silva que “Seu título – ‘Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão’ – dá a impressão de que contém dois tipos de direitos: Direitos do Homem e Direitos do Cidadão, que seriam distintos. Os primeiros, de caráter pré-social, concernentes ao homem independentemente de sua integração em uma sociedade política, são, nos seus termos, a liberdade, a propriedade e a segurança, isto é: tudo que os franceses chamam hoje, com duvidosa pertinência, de liberdades públicas. Os segundos são direitos que pertencem aos indivíduos enquanto participantes de uma sociedade política, e são o direito de resistência a opressão, o direito de concorrer, pessoalmente ou por representantes, para a formação da lei, como expressão da vontade geral, o direito de acesso aos cargos públicos, a despeito de Duguit declarar que os direitos do cidadão, segundo a Declaração de 1789, não são os que nós hoje denominamos direitos políticos, mas, antes, são aquilo que se nomeia, por vezes direitos civis. (2004, p. 09)


Informações Sobre o Autor

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John Tenório Gomes

Acadêmico de Direito na Faculdade Reinaldo Ramos – FARR/CESREI


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