Muito se tem discutido, pelos doutrinadores, estudiosos, penalistas e processualistas, sobre a falência do sistema penitenciário brasileiro. Várias teorias, sugestões e projetos estão sendo debatidos e criticados na ânsia de melhorar a Justiça Penal, objetivando a satisfação da vontade das vítimas de um crime e abrandando os sofrimentos e humilhações pelas quais passam os autores de ilícitos penais.
Numa breve recordação histórica devemos nos lembrar, como bem nos faz o pensador e epistemólogo francês Michel Foucault, em seu livro Vigiar e Punir, que a sanção aos criminosos, no início do século XVIII, era imposta de maneira pungente e desumana, cuja punição poderia chegar até ao esquartejamento do criminoso em praça pública, num espetáculo de vingança e cólera do povo. Essa contemplação punitiva vai se suprimindo ao passar dos anos, tornando-se menos cruel e proporcional ao bem jurídico lesado.
Numa inversão à progressão temporal, nos deparamos com um cenário que nos faz retornar ao passado brutal e bárbaro a que os apenados eram submetidos. Nosso sistema prisional é arcaico e ineficiente, impossibilitando ao réu cumprir sua pena com dignidade, a qual é um dos fundamentos constitucionais. A realidade em nossas cadeias e presídios é de total abandono aos direitos mínimos e basilares de qualquer ser humano, seja ele criminoso ou não, pois como bem apregoa nossa Constituição, em seu art.5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”
Ainda, com supedâneo no art.5º da Carta Magna, encontramos em seus incisos XLVII (“Não haverá penas: de morte, salvo em caso de guerra declarada; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento; cruéis.”) e XLIX (“É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.”) elencados uma série de direitos e garantias constitucionais aos quais todos têm direito.
Princípios e direitos constitucionais são descartados e descumpridos em todo sistema penitenciário brasileiro, justamente onde deveriam ser utilizados pelas autoridades, servindo como exemplo aos detentos, para poderem ser cobrados dos mesmos durante o tempo de cumprimento da pena e mesmo após o estipêndio da sanção penal.
A prisão é vista por muitos doutrinadores como ressocializadora e reeducativa num discurso falacioso, visto que a clausura tem natureza exclusivamente punitiva. Entretanto, não podemos punir de maneira cruel e desumana alguém, que por qualquer motivo tenha cometido um crime. Não defendo aqui, a inaplicabilidade da punição ao infrator, mas sim a justa execução da pena. Uma pena que possibilite ao infrator, muitas vezes excluído socialmente, sem direito à educação, saúde, trabalho e até mesmo uma moradia digna (direitos estes, constitucionais),a uma nova chance de se recuperar de um erro cometido em algum momento de deslize, o qual todos estamos sujeitos (compra de um CD pirata, ou mesmo baixar músicas pela internet, por exemplo: crimes de violação de direitos autorais – art.184, CP: pena – detenção, de 3 meses a 1 ano, ou multa).
Não pleiteio o relaxamento da punição aos autores de crimes cruéis e bárbaros, como homicidas, estupradores, traficantes e outros criminosos perigosos, que fazem do crime um meio de vida e dizimam famílias inteiras. Procuro diferenciar os autores de infrações penais por seu grau de lesão e periculosidade à sociedade. Um autor de furto simples não pode ser tratado da mesma maneira que um homicida qualificado, por exemplo. No entanto, vemos esses dois sujeitos apodrecerem na cadeia, sendo tratados como animais, pois assim são vistos os autores de crimes. É desumano a maneira pela qual tratamos os presos: como se fossem bichos, animais irracionais e ferozes. Devemos nos lembrar das sábias palavras do Dr. Aury Lopes Jr, esses “animais, um dia, saem do presídio, da cadeia e irão morder nossas filhas, mulheres, mães, familiares e amigos”. A realidade dos presídios brasileiros permite-nos comprovar a animalização do ser humano. Nestes recintos, fétidos, insalubres e sem a mínima condição de permanência, enjaulamos homens que poderiam estar cumprindo suas penas de maneira alternativa, contribuindo para a sociedade e pagando pelo ato ilegal que praticara.
Diante dessa In (Justiça), a deusa grega Themis que, ostenta na mão direita uma balança e na esquerda uma cornucópia, nos é apresentada com a venda nos olhos, numa alusão à cegueira (imparcialidade) da Justiça, inicialmente, não possuía essa censura (foi adicionada pelos alemães no século XVI), possibilitando a ampla e perfeita visão do que seria a Justiça pleiteada. Se ela pudesse retornar e olhar para o que ocorre em nosso sistema judicial, certamente flertar-lhe-iam lágrimas de seus olhos. Lágrimas essas, de indignação e tristeza pelo que ocorre em nossa Justiça, com a humilhação e degradação dos seres humanos.
Informações Sobre o Autor
Renato Da Cunha Lima Rassi
Acadêmico do curso de Direito da Universidade Católica de Goiás