A Família: Contornos Contemporâneos

Vanessa Andriani Maria – Advogada, pós-graduanda em direito processual civil e direito do trabalho. E-mail: [email protected]

Cristiano Dotto Rabenschlag – Bacharel em direito pela ULBRA, pós-graduando em direito processual civil. E-mail: [email protected]

Resumo: Este artigo tem como objetivo destacar o desenvolvimento da entidade familiar no plano legislativo, demonstrando a importância das transformações ocorridas neste instituto para o nosso ordenamento jurídico e, especificamente, para o reconhecimento da paternidade socioafetiva. A Constituição Federal em 1988, igualou os cônjuges em direitos e deveres, aboliu os tratamentos discriminatórios aos filhos independentemente de sua origem, bem como reconheceu uniões familiares até então desconsideradas. Tais modificações ocorridas no âmbito do direito familiar estão nitidamente ligadas à valorização jurídica do afeto, corporificadas pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Em prosseguimento, discorre acerca do direito reservado à paternidade, à filiação, e à paternidade socioafetiva. Discorre também o reconhecimento do direito de família contemporâneo, onde os verdadeiros pais não são aqueles que geram, mas os que se dedicam, diariamente, a preencher este espaço na vida de uma criança. A metodologia utilizada durante este artigo foi a Pesquisa Bibliográfica doutrinária e jurisprudencial e tem como propósito demonstrar a evolução da entidade familiar e o reconhecimento da paternidade socioafetiva.

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Palavras-chave: Paternidade. Sócioafetiva. Sucessão. Filiação.

 

Abstract: This article aims to highlight the development of the family entity at the legislative level, demonstrating the importance of the changes that took place in this institute for our legal system and, specifically, for the recognition of socio-affective paternity. The Federal Constitution in 1988, equalized spouses in rights and duties, abolished discriminatory treatment of children regardless of their origin, as well as recognized family unions that had previously been disregarded. Such changes that occurred within the scope of family law are clearly linked to the legal valorization of affection, embodied by the constitutional principle of human dignity. Continuing, he discusses the right reserved to paternity, affiliation, and socio-affective paternity. It also discusses the recognition of contemporary family law, where true parents are not those who generate, but those who dedicate themselves, daily, to fill this space in a child’s life. The methodology used during this article was the doctrinal and jurisprudential Bibliographic Research and aims to demonstrate the evolution of the family entity and the recognition of socio-affective paternity.

Keywords: Paternity. Socio-affective. Succession. Affiliation

 

Sumário: Introdução. 1. A Família: Contornos Contemporâneos. 1.1        A Família E Sua Evolução. 1.2. Afetividade Paterno-Filial. 1.3. Tipos De Paternidade X “Paternidade Responsável”. 1.4. Posse De Estado De Filho: Aspectos Doutrinários E Legais. 1.5. Paternidade Socioafetiva: Filiação E Afeto. 1.6. Paternidade Biológica X Paternidade Socioafetiva. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O Código Civil de 1916 era fundamentado em uma sociedade essencialmente patriarcal, fundiária e tradicional. O casamento deveria ser protegido e priorizado por este ordenamento jurídico. Dentro desta ótica, decorria a indissolubilidade do casamento e severa aversão a filiações extraconjugais, isto é, os chamados “filhos ilegítimos”.

O modelo familiar desta época era pautado no matrimônio e também na legitimidade dos filhos por conta do casamento dos genitores. O regramento jurídico excluía todo e qualquer vínculo de origem afetiva que pudesse levar à comunhão de vidas e confusão de patrimônios. As uniões sem a forma do matrimônio, mas embasadas no amor recíproco entre os indivíduos eram discriminadas. Somente os filhos nascidos dentro da célula familiar eram reconhecidos como legítimos, os outros, eram rigorosamente excluídos, ficando sem qualquer proteção legal.

Paradigmas foram quebrados a partir do momento em que se deparou com outra realidade social; um novo conceito de família onde os pais e os filhos são unidos pelos laços do amor. Passou-se a visualizar os vínculos familiares pela ótica da afetividade.

A Constituição Federal de 1988 protege a família contemporânea sob suas diversas formas: constituídas através do matrimônio ou não, constituída por ambos os genitores e filhos ou de caráter monoparental, originada por laços sanguíneos ou através da adoção.

Nessa nova visão de família, a filiação foi protegida com o advento da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu a igualdade de tratamento entre os filhos provenientes de matrimônio ou não e consagrando o princípio da afetividade. Estes foram igualados perante a lei, haja vista que a existência do afeto como norteador das relações entre pais e filhos.

O artigo 227, §6º, da Constituição, estabelece que:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão;

 

  • 6º – Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

 

Novos questionamentos passaram a existir em torno da genética, surge assim, a posse de estado de filho em detrimento da verdade sanguínea, para revelar a paternidade estruturada pelo afeto, desvendando um novo sentido de filiação, comprovando a existência de vínculos capazes de reconhecer uma paternidade formada por sentimentos, por afetividade. Esta alcança reconhecimento da paternidade socioafetiva.

Diferente da paternidade biológica, a paternidade socioafetiva não pode ser provada através de um simples exame ou com a presunção da paternidade em virtude do casamento. A paternidade socioafetiva, se constrói, se forma e se fortalece no dia-a-dia, evidenciando-se principalmente pela presença dos elementos “trato” e “fama”. Neste aspecto, aquele que apenas empresta seu nome, não participando da vida do filho, não pode ser considerado como um verdadeiro pai. Ser pai é muito mais do que gerar, é se preocupar, amar e educar seu filho. A filiação socioafetiva baseia-se no reconhecimento da posse de estado de filho, isto é, na condição de filho edificada em laços afetivos.

A evolução do direito de família em relação à paternidade fez brotar alterações consideráveis em razão da força da ligação biológica quando caracterizada a filiação socioafetiva, trazendo consigo questionamentos em razão da atual dicotomia, fazendo com que o julgador contrapese os fatos que lhe são apresentados e aplique o direito com fundamento que lhe aprouver frente a duas realidades observáveis: uma, a integração definitiva da pessoa no grupo social familiar; outra, a relação afetiva tecida no tempo entre pai e filho.

Este estudo utilizará o método de abordagem dedutivo, tendo em vista que corresponde à extração discursiva do conhecimento a partir de doutrina, jurisprudência e decisões correlatas aplicáveis às hipóteses previstas no tema em questão, buscando uma solução ao problema de pesquisa. Parte-se da nova modalidade de reconhecimento paternal, com base única e exclusivamente na dependência psicológica e moral entre pai e filho, e sua preferência em relação à presença do vínculo biológico.

A pesquisa tem como objetivo a apresentação das formas de reconhecimento paternal e a análise da prevalência da paternidade socioafetiva em face da biológica.

 

  1. A FAMÍLIA: CONTORNOS CONTEMPORÂNEOS

1.1 A família e sua evolução

Dispõe Pereira, (2006, p. 27) em sua doutrina, que até o século IV, em Roma, a família era estabelecida através do princípio da autoridade e compreendia quantos a ela estavam submetidos. O pai era ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz. Liderava, oficiava o culto dos deuses domésticos e espalhava justiça. Exercia sobre os filhos direito de vida e de morte, podia até vendê-los, tirar-lhes a vida. A mulher vivia totalmente dependente à autoridade marital, sem qualquer autonomia.

Segundo Arnoldo Wald (2000, p.14-15), a Igreja Católica elevou o casamento à condição de sacramento, impondo o princípio da indissolubilidade do vínculo matrimonial. Durante toda a Idade Média as famílias foram regidas pelo Direito Canônico e as uniões concebidas fora do casamento foram duramente discriminadas, sofrendo restrições jurídicas e sociais. Os filhos nascidos fora do casamento, tido como ilegítimos, não eram reconhecidos pela Igreja Católica; ficando sem a proteção jurídica dispensada aos filhos havidos na constância do casamento, considerados legítimos.

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Durante séculos o conceito de família encontrou-se embasado no matrimônio indissolúvel, com caráter patriarcal e hierarquizado. Com a passagem da economia agrária à economia industrial, ocorre transformação na composição da família. A Revolução industrial, o aumento das concentrações urbanas, o ingresso da mulher no mercado de trabalho provocaram transformações nessa denominada “família-modelo”. Desse fator decorre uma considerável melhoria na relação afetiva entre pais e filhos. A mulher alarga sua esfera de atuação social, política e jurídica, ganha autonomia financeira e a família passa a ser vista sob outro prisma. Acentuam-se assim, as relações de sentimento entre os membros do grupo e valorizam-se as funções afetivas da família, a qual se torna o refúgio privilegiado das pessoas contra a agitação da vida nas grandes cidades e das pressões econômicas (VENOSA, 2002, p. 20).

A partir de meados do século XX o direito brasileiro foi incorporando princípios que garantiam proteção aos filhos havidos de relações não matrimonializadas. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, qualquer distinção relativa à filiação foi proibida, isto é, foi proibida a discriminação entre filhos, antes chamados legítimos, ilegítimos ou adotados.  O aumento da tutela, assim como da esfera de liberdade dos sujeitos, permite a coexistência de famílias no molde patriarcal e novas formas fundadas no desejo de estar junto, cujo elemento seja a própria comunhão de vida (WALD, 2000, p. 24-25).

O modelo contemporâneo de família tem destacado o seu aspecto pessoal e igualitário, valorizando os interesses individuais dos seus membros,  buscando a felicidade como mola propulsora de sua continuidade.

Com o passar dos anos, devido a grandes mudanças sociais, políticas e culturais, houve uma reformulação no conceito de família. O modelo tradicional de família baseado no matrimônio perde cada vez mais espaço para a nova família que surge, a qual é baseada no afeto. Esta superação de valores foi feita de forma gradativa, sendo que a Constituição Federal, ao admitir que a família possa surgir tanto do casamento, como da união estável e da monoparentalidade, desvincula a filiação como decorrência exclusiva da existência de núpcias entre os pais. Isto foi o principal responsável por essa transformação (TOMASZEVSKI, 2006, p. 11).

Nas palavras de Rose Melo Venceslau (2002, p. 45):

“O estatuto constitucional da filiação reflete uma filiação una, igualitária, qualquer que seja sua origem. Para a norma constitucional não há vínculo mais forte, nem o de sangue, nem o do amor. Filho é tão somente filho, não importa a que forma de família pertença, encontra nela instrumento de realização de direitos.”

Surge deste modo, uma nova concepção de família no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de uma família embasada na afetividade, onde o casamento não constitui mais a única base dessa família.

Para tanto, nos tempos atuais de busca de maior autenticidade das relações, toma forma a noção de filiação através de afeto. Deve-se definir, desta forma, novos contornos que começam a nortear as relações entre pais e filhos.

 

1.2 Afetividade paterno-filial

As constantes evoluções pelas quais a concepção de família passou, acabaram por introduzir verdadeiras inovações no direito, através da Constituição Federal de 1988. Pode-se dizer que o afeto foi reconhecido como valor jurídico, tendo em vista a consagração de princípios como o da igualdade de homens e mulheres, o estatuto unitário da filiação e o reconhecimento dos diversos modos de formação da família.

Devido à constitucionalização, no Direito de Família contemporâneo, vive-se um momento em que existem dois importantes modelos de paternidade: a voz do sangue e a voz do afeto, não significando, contudo, que a aceitação de um destes modelos exclua a existência do outro.

Rolf Madaleno (2000, p. 40) destaca que a Constituição Federal, consagrando o princípio da dignidade da pessoa humana, fez desaparecer conceitos de filiação legítima e ilegítima, fazendo com que a paternidade passasse a ser vista por sua concepção cultural, sustentada na afeição, e não apenas na verdade biológica. Surge então uma nova tendência contemporânea acerca das relações socioafetivas. Neste prisma, a filiação pode ser apresentada sob diferentes faces. A biológica, que deriva da identificação genética entre pais e filhos; a jurídica, que é imposta pela lei e a socioafetiva, que se revela naturalmente devido à convivência entre as pessoas.

A relação paterno-filial socioafetiva é aquela que se revela no transcurso da convivência e se fortalece nos detalhes. Assim, a verdade socioafetiva nem sempre é verdade desde logo, nem sempre se apresenta desde a concepção ou do nascimento, ela se constrói e consolida-se no seio da convivência familiar.

O significado de ser “pai” é amplo, abrangente, este é indicado por meio de estudos sociais e psicológicos como aquele que cria, educa, ensina, direciona, convive e oferece respaldo afetivo, além do material (SOUZA, 2008, p. 91).

A verdade socioafetiva se apresenta como um critério tão relevante ao estabelecimento da paternidade quanto às verdades jurídica e biológica, pois o filho que recebe tal tratamento terá uma base emocional capaz de garantir-lhe um desenvolvimento pleno e diferenciado. A criança necessita de amor e não apenas de um elo biológico.

 

1.3 Tipos de Paternidade x “Paternidade Responsável”

Existem três tipos de paternidade: a biológica, a jurídica e a afetiva (ou socioafetiva). Se existe uma paternidade dita “ideal”, seria uma mistura destes três tipos de paternidade.

A paternidade jurídica ou registral é provada por documento público hábil, qual seja a certidão oficial de registro de nascimento, obtendo a verdade legal: presunção de veracidade e publicidade. Assim, essa paternidade é a principal geradora de direitos e deveres imediatos.

A paternidade afetiva ou socioafetiva vive o amor e o respeito entre entes queridos, ligados por uma verdade de relação paterno-filial.

Importante ressaltar que é possível e desejável uma única paternidade, a chamada “paternidade responsável”, desde que alcance o princípio constitucional do melhor interesse da criança e do adolescente.

O sistema clássico de estabelecimento da filiação fundava-se na proteção da instituição matrimonializada e calcada, por isso, numa visão patriarcal e hierarquizada da família, não passando, muitas vezes, pelos muros da verdade jurídica, a busca da verdade biológica, nem muito menos a da verdade socioafetiva. A superação desse sistema buscou considerar efetivamente a verdade da filiação, possibilitando investigar a verdadeira descendência genética (FACHIN, 2005, p. 65).

De acordo com Belmiro Pedro Welter (2004, p. 78), existem quatro espécies de filiação sociológica, todas solidificadas no “estado de filho afetivo”, ou “posse de estado de filho”. São elas: a adoção judicial; o filho de criação; a adoção à brasileira e o reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade e /ou maternidade.

Maria Berenice Dias (2007, p. 353) demonstra a necessidade da comprovação da posse do estado de filho para a caracterização da paternidade socioafetiva. A jurista alega que comprovada a existência do vínculo afetivo, e desfrutando o filho da posse de estado com relação ao pai registral, não há como prosperar a demanda. Entre o direito do pai de negar a paternidade biológica e o direito do filho de ver preservada a posse do estado de filho de quem sempre desfrutou não há como deixar de dar prevalência à filiação afetiva.

Quem comparece perante um Cartório de Registro Civil, de forma livre e espontânea, solicitando o registro de uma vida como seu filho não necessita de qualquer comprovação genética para ter sua declaração admitida, mas em decorrência, somente poderá amanhã invalidá-la se demonstrar, por exemplo, que sua manifestação não foi livre ou produzida por erro. É dizer, aquele que toma o lugar dos pais, pratica, por assim dizer, uma adoção de fato. O pai jurídico tem o seu lugar ocupado pelo pai de fato (FACHIN, 2005, p. 124).

Nessa linha, segue o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

 

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE/ANULATÓRIA DE REGISTRO CIVIL. O assento de paternidade, quando o pai registral se encontrava ciente de não ser o pai biológico daquele que registrava como sendo seu filho, o que caracteriza a perfilhação é ato irrevogável e irretratável, sendo permitida sua discussão, tão-somente, quando há comprovação do vício de consentimento, vez que não há falar em negar paternidade que sabia não existir. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70033155920, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 10/12/2009)” ( RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2009).

 

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O reconhecimento voluntário da paternidade, através de documento público formal, exterioriza a forte ligação sociológica que existe entre pai e filho, de modo que se não houvesse tal vínculo psicológico, não haveria qualquer exigência que se fizesse reconhecer publicamente uma criança que sabe não ser seu dependente biológico.

 

1.4 Posse de estado de filho: aspectos doutrinários e legais

A posse do estado de filho se configura sempre que alguém age como se fosse o filho e outrem como se fosse o pai, pouco importando a existência de laço biológico entre eles. É a confirmação do parentesco/filiação sócio-afetiva, pois não há nada mais significativo do que ser tratado como filho no seio do núcleo familiar e ser reconhecido como tal pela sociedade, o mesmo acontecendo com aquele que exerce a função de pai (SIMÕES, 2007).

Diferente da filiação biológica, a filiação socioafetiva não pode ser provada com um simples exame ou com presunção de paternidade em virtude do casamento. A paternidade socioafetiva, também considerada como a verdadeira paternidade, segundo Luiz Edson Fachin (2003, p.37), se constrói, se forma, fortalece-se no dia-a-dia.

A filiação biológica não exerce mais uma prevalência sobre a filiação afetiva, também configurada pela adoção, inseminação artificial e a posse do estado de filho. Essa situação já é uma realidade para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, como se pode observar nas ementas a seguir transcritas:

 

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRESENÇA DA RELAÇÃO DE SOCIOAFETIVIDADE. O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. Constitui-se em decorrência da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, e 227 da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar. Para anulação do registro civil, deve ser demonstrado um dos vícios do ato jurídico ou, ainda mesmo, a ausência da relação de socioafetividade. Registro mantido no caso concreto. APELO PROVIDO, POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº 70027138817, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 19/03/2009)”( RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2009).

 

“APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ADOÇÃO À BRASILEIRA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Ainda que o exame de DNA aponte pela exclusão da paternidade do pai registral, fato, de resto, confirmado pelo próprio réu/filho, mantém-se a improcedência da ação negatória de paternidade, se configurada nos autos a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva. Precedentes. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70014089635, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 16/03/2006)”( RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2006).

 

A jurisprudência tem cada vez mais desconsiderado a paternidade biológica para preservar a socioafetividade, o envolvimento afetivo que configura a posse do estado de filho, inclusive na adoção à brasileira, tendo os tribunais decidido que a paternidade biológica fica superada pela ocorrência da adoção à brasileira e pela configuração da paternidade socioafetiva.

Elisabeth Nass Anderle (2010, p. 43) analisa os elementos caracterizadores da posse do estado de filho da seguinte forma: o “nome” é considerado o primeiro elemento e este se caracteriza pelo uso do nome da família, ou seja, o patronímico do suposto pai deve ser utilizado por seu pretenso filho. Entretanto, a doutrina diz que este elemento não é essencial para a configuração de posse do estado de filho, pois, muitas vezes, o filho não utiliza o nome de seu pai. Outro elemento caracterizador citado Elisabeth Nass Anderle é o elemento “fama”, que representa a exteriorização desse estado da pessoa para o público, isto é, é necessário que a sociedade conheça determinada pessoa como sendo filho daquela, mediante as atitudes do suposto pai em relação ao seu pretenso filho. Assim, a sociedade deve ter a convicção de que realmente se trata de pai e filho.

Importante salientar que o uso do termo “filho” e do termo “pai”, não são necessários. O amor, o carinho, a dedicação e tudo mais que um pai dispensa a um filho é que devem ser valorizados.

Os elementos caracterizadores da posse do estado de filho encontram-se presentes em várias decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, como se pode observar abaixo:

 

“EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE ADOÇÃO PÓSTUMA. POSSE DO ESTADO DE FILHO. ADOÇÃO SÓCIO-AFETIVA. PROCEDÊNCIA. Art. 42, § 5º, ECA e art. 1698, do C. Civl/02. O conceito de “vontade ineqüívoca” dos falecidos em adotar o filho ainda em vida, para fins de adoção póstuma, se expressa também pela condição de estado de filho. O autor recebeu, de seus guardiães, aos oito anos de idade, o patronímico da família, passando a ser tratado como filho e reconhecido perante a sociedade como tal, até os 21 anos de idade, quando faleceu sua mãe socioadotiva. Situação reconhecida pelos filhos biológicos do casal. Possível a convalidação da adoção após a morte dos adotantes, ainda que não iniciado o processo de adoção, porquanto evidenciado o elemento anímico, consubstanciada na posse do estado de filho amplamente retratada na prova dos autos. Precedente do STJ EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS, POR MAIORIA. (Embargos Infringentes Nº 70025810441, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 14/11/2008)”( RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2008).

 

Para a caracterização do elemento “trato” deve-se levar em consideração a situação pessoal do suposto pai, quer dizer, pode ocorrer que o pai não tenha condições econômicas para prestar assistência, ou então, que o filho não necessite de assistência material.

Para Jaqueline Filgueiras Nogueira (2001, p. 228) o fato de uma criança ser dependente economicamente de terceiros, por si só não caracteriza a paternidade socioafetiva, e tampouco o estado de filho, pois lhe falta a essência que envolve este elemento de perfilhação: a intenção de ter aquela criança como filho e desta em ver aquela pessoa como pai. Assim, aquele que sustenta materialmente uma criança qualquer não lhe confere característica de pai. Há que existir a real intenção de ter a criança como seu filho, conceder-lhe não só amparo material, mas afeto, carinho, atenção, todo o tipo de suporte psicológico, em resumo, tem de receber todo o tratamento que seria dedicado a um filho biológico.

Certo é que a posse do estado de filho representa a manifestação fática do afeto, constituindo este na base das relações familiares. Uma vez reconhecido o afeto como valor fundamental das relações parentais, dentre elas a paternidade, torna-se inafastável a consagração da posse de estado de filho como o instituto apto a permitir o acolhimento da filiação como fato socioafetivo (FACHIN, 2003, p. 24).

A necessidade da comprovação prévia do “estado de filho” para a caracterização da paternidade socioafetiva é recebida pela jurisprudência como elemento caracterizador fundamental.

 

1.5 Paternidade Socioafetiva: Filiação e Afeto

A família moderna valoriza um elemento abstrato que é o sentimento, o qual traduz o conteúdo do que seja afeto, constituindo o alicerce da relação familiar, o que acaba gerando consequências que devem integrar o sistema normativo legal, não se podendo considerar apenas a formalidade do vínculo jurídico, já que os laços afetivos devem ser levados em conta em conjunto com os outros elementos que compõem a clássica noção jurídica de família.

Importante salientar que na maioria dos casos, a filiação deriva da relação biológica, mas ela floresce da construção afetiva permanente que se faz na convivência. O afeto não decorre da biologia. Os laços de afeto e carinho decorrem da convivência e não do sangue.

Belmiro Pedro Welter (2003, p. 111-147) cita em sua obra um curioso acórdão que relata a defesa de uma paternidade sociológica, que merece destaque:

“Um coito apenas determina para a vida inteira um parentesco, um coito entre pessoas que, às vezes, só tiveram aquele coito e nada mais! Desprezam-se anos e anos de convivência afetiva, de assistência, de companheirismo, de acompanhamento, de amor, de ligação afetiva. Daí não se tratar de um absurdo e cogitação de que se pudesse pretender pôr limites à investigação da paternidade biológica, porque, quando se permite indiscriminadamente esta pesquisa, jogando-se por terra todo o prisma socioafetiva do assunto, e isto vale também para a paternidade biologica, não só para a adotiva. O pai e a mãe criaram um filho, com a melhor das criações possíveis, com todo o amor que se podia imaginar; passam-se os anos; 40 anos depois, resolve o filho investigar a paternidade com relação a outra pessoa, esbofeteando os pais que o criaram por 40 anos! E normalmente esses pedidos são tão despropositados que, falando em tese, muitas vezes têm a ver apenas com a cobiça: descobre que o pai biológico tem dinheiro, vai herdar, então despreza os pais que o criaram, que lhe deram toda educação, quer adotivos, quer biológicos – tidos como biológicos –, e vai procurar o outro pai que teve o tal de coito, uma vez na vida.”

A paternidade tem um significado mais profundo do que a verdade biológica, onde o zelo, o amor paterno e a natural dedicação ao filho revelam uma verdade afetiva, uma paternidade que vai sendo construída pelo livre desejo de atuar em interação paterno-filial, formando verdadeiros laços de afeto que nem sempre estão presentes na filiação biológica, até porque, a paternidade real não é biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento que vão sendo cultivados durante a convivência com a criança (MADALENO, 2000, p. 40).

Rolf Madaleno (2002, p. 33) salienta que o afeto constitui a matéria-prima fundamental nas relações de filiação, de intensidade variável, contudo constante, oxigênio e sobrevida que responde pela adequada formação moral e psíquica dos filhos, que são postos neste agitado mundo dos adultos.

A paternidade socioafetiva tem a intenção de preservar a entidade familiar formada pelo casal e o filho que por eles foi criado, impedindo que este filho seja remanejado para outra pessoa, com outra família, apenas por ter vínculo genético.

Orlando Gomes (1994, p. 31) indica que se compromete o estado de filho quando exteriorizadas algumas situações tais como: sempre ter levado o nome dos presumidos genitores; ter recebido continuamente o tratamento de filho e ter sido constantemente reconhecido pelos presumidos pais e pela sociedade, como filho.

Observando-se a decisão abaixo, verifica-se claramente os fundamentos extraídos da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, que conduzem ao reconhecimento da paternidade socioafetiva:

“FILIACAO. FILHO ADULTERINO “A MATRE” REGISTRADO PELO MARIDO DA MAE. POSSIBILIDADE DE TERCEIRO VINDICAR A CONDICAO DE PAI. PATERNIDADE JURIDICA. PATERNIDADE BIOLOGICA. PATERNIDADE SOCIO-AFETIVA. 1. A LEI N.8560/92, AO REMOVER QUALQUER RESTRICAO PARA O RECONHECIMENTO DE FILHOS EXTRAMATRIMONIAIS PELOS RESPECTIVOS PAIS, ASSEGURA-LHES O INTERESSE JURIDICO PARA EVENTUAL DEMANDA QUE TENHA ESSA FINALIDADE. EM DECORRENCIA, TANTO O PAI QUANTO A MAE TEM LEGITIMIDADE PARA POSTULAR EM NOME PROPRIO, EM ACAO QUE VISA A VINDICACAO DE PATERNIDADE OU MATERNIDADE. 2. A DESPEITO DA AUSENCIA DE REGULAMENTACAO EM NOSSO DIREITO QUANTO A PATERNIDADE SOCIOLOGICA, A PARTIR DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DE PROTECAO A CRIANCA (ART.227, CF), ASSIM COMO DA DOUTRINA DA INTEGRAL PROTECAO CONSAGRADA NA LEI 8069/90 (ESPECIALMENTE NOS ARTS.4 E 6), E POSSIVEL EXTRAIR OS FUNDAMENTOS QUE, EM NOSSO DIREITO, CONDUZEM AO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIO-AFETIVA,REVELADA PELA “POSSE DO ESTADO DE FILHO”, COMO GERADORA DE EFEITOS JURIDICOS CAPAZES DE DEFINIR A FILIACAO. 3. ENTRETANTO, O PEDIDO FORMULADO NA ACAO NAO TEM ESSE CONTEUDO, MAS VISA, MODO EXCLUSIVO, DESCONSTITUIR O REGISTRO DE NASCIMENTO DA MENOR, SEM ATRIBUICAO DE PATERNIDADE AO AUTOR/AGRAVADO. ASSIM, DADA A FORMA EQUIVOCADA COMO FOI POSTA A PRETENSAO , NAO OSTENTA O AUTOR LEGITIMO INTERESSE PARA A DEMANDA. A DESCONSTITUICAO DO REGISTRO SERIA MERA DECORRENCIA DA ATRIBUICAO DA PATERNIDADE AO AUTOR/AGRAVADO. POREM, COMO ESTA NAO CONSTA DO PEDIDO – E NAO PODERIA A SENTENCA IR ALEM DO POSTULADO – RESTA O AUTOR ORFAO DE INTERESSE LEGITIMO PARA PROPOR A DEMANDA NOS TERMOS EM QUE FOI FORMULADA, A QUAL, SE PROCEDENTE, TRARIA COMO CONSEQUENCIA, SIMPLESMENTE, A CIRCUNSTANCIA DE QUE A MENOR FICARIA SEM QUALQUER PATERNIDADE RECONHECIDA, O QUE NAO PODE SER ADMITIDO, ATE EM CONSIDERACAO AOS SUPERIORES INTERESSES DA CRIANCA. DERAM PROVIMENTO. (21 FLS). (Agravo de Instrumento Nº 599296654, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 18/08/1999)”( RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 1999)

 

Segundo Coelho Pereira (1978, p. 118), a paternidade sócioafetiva caracteriza-se pela reunião de três elementos clássicos: a utilização pela pessoa do nome daquele que considera pai, o que faz supor a existência do laço de filiação; o tratamento, que corresponde ao comportamento, como atos que expressem a vontade de tratar como faria um pai; e a fama, que constitui a imagem social, ou seja, fatos exteriores que revelam uma relação de paternidade com notoriedade – a pessoa aparenta à sociedade ser filho do pretendido pai. Essas circunstâncias, reveladas pela convivência, constituem os elementos do que se denominou posse de estado de filho.

É na socioafetividade que podemos encontrar a única garantia de estabilidade social, pois um filho reconhecido como tal, em um relacionamento diário e afetuoso, certamente formará uma base que lhe assegure um pleno e diferenciado desenvolvimento como ser humano. A verdadeira paternidade ou maternidade só é alcançada a partir de um ato de vontade, de um desejo, independente de ser ela biológica ou não. A filiação é algo vivo, flexível, criado e recriado e a simples ligação biológica não é a única forma de fixar essa relação (BOEIRA, 1999, p. 53-54).

Nos dizeres de Marcelo Di Rezende Bernardes (2010) acredita-se que a paternidade socioafetiva, mesmo sem sólido respaldo ainda pela legislação civil em voga, já vem sendo admitida pelos Tribunais do país, enquadrada como um fato e integrado ao sistema de direito e será concretizado como a mais importante de todas as formas jurídicas de paternidade, onde seguirão como filhos legítimos os que descendem do amor e dos vínculos puros de espontânea afeição, tendo um significado mais profundo que a verdade biológica.

A filiação socioafetiva constitui fato cada vez mais presente na sociedade, embora o legislador ainda não a tenha reconhecido de forma expressa, através da noção de “posse de estado de filho”. Esta é construída pelo livre desejo de atuar em interação paterno-filial, formando laços de afeto que nem sempre estão presentes na filiação biológica, até porque a paternidade real não é a biológica, mas sim, cultural, fruto da convivência, do carinho, do amor e do respeito existente entre o pretenso pai e o suposto filho.

 

1.6 Paternidade Biológica x Paternidade Socioafetiva

Como se pode verificar, não raras as vezes, são estabelecidos conflitos entre a paternidade biológica e a paternidade socioafetiva, pois em nosso ordenamento jurídico ainda possui inúmeras lacunas no que diz respeito a solução destes problemas.

Deve-se buscar o equilíbrio das verdades biológica e socioafetiva, sempre priorizando o interesse da criança, pois será ela quem sofrerá de imediato as consequências de uma solução que não encontra respaldo na realidade por ela vivida.

Luiz Edson Fachin (1995, p. 179) salienta que, antes de tudo, paternidade é algo que se constrói com o afeto que se funda esta relação, residindo antes no serviço e amor, que na procriação.

Rodrigo da Cunha Pereira (1999, p. 580) ressalta que para a averiguação da paternidade, toda a estrutura do Direito está embasada nos laços biológicos de paternidade. Assim, com a evolução do conhecimento científico este fato ficou mais facilitado, já que se pode saber quem é o genitor pelo método do DNA. Em contrapartida, com o avanço do conhecimento, podemos verificar que paternidade não é um fato da natureza, mas antes, um fato cultural. Em outras palavras, paternidade é uma função exercida, ou o lugar ocupado por alguém que não é necessariamente o pai biológico.

A paternidade biológica em determinados casos, coincide com a paternidade socioafetiva. Entretanto, confrontando-se as duas, esta pode sobrepujar aquela, pois revela muito mais do que laços de sangue, revela laços de afeto entre pai e filho (DELINSKI, 1997, p. 81).

Deste modo, na busca do equilíbrio destas verdades para o estabelecimento da paternidade, deve-se ter como embasamento fundamental os novos valores intrínsecos ao conceito de família trazidos pela Constituição Federal de 1988, como também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, os quais apontam para a valorização da paternidade socioafetiva.

A relação socioafetiva revela a verdadeira família e é baseada na convivência, no afeto, no amor, na dedicação de ambas as partes envolvidas, sem qualquer interesse patrimonial.

 

CONCLUSÃO

Neste trabalho foi exposta a evolução da entidade familiar no plano legislativo, demonstrando a importância das transformações ocorridas neste instituto para o ordenamento jurídico e, em especial, para o reconhecimento da paternidade socioafetiva e o direito à sucessão.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 foram inseridos em nosso ordenamento jurídico, uma série de princípios e direitos fundamentais. Entretanto, uma das maiores conquistas advindas da Constituição foi, sem sombra de dúvidas, a equiparação dos filhos havidos ou não dentro do casamento. Tais modificações ocorridas no âmbito do Direito familiar estão nitidamente ligadas à valorização jurídica do afeto, solidificadas pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Com a ordenação de tratamento igualitário entre os filhos e a proteção ao melhor interesse da criança, corroborada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, assegurou-se o direito a toda a criança, de conhecer suas origens e seus parentes consanguíneos.

A Constituição Federal ao não reconhecer e proteger a filiação socioafetiva deixa uma enorme lacuna em nosso ordenamento jurídico. E foi essa lacuna deixada pelo legislador que serviu de incentivo ao presente trabalho. Assim, nasce uma nova verdade no estabelecimento da filiação: a paternidade socioafetiva. Reconhece o Direito de Família que os verdadeiros pais não são aqueles que geram, mas os que se dedicam diariamente a preencher este espaço na vida de uma criança.

A filiação socioafetiva é um fato cada vez mais presente na sociedade, embora o legislador não a tenha reconhecido de forma expressa, através da posse de estado de filho.

Desse modo, buscamos abalizar a filiação socioafetiva através do conceito de posse de estado de filho, apresentando os três elementos essenciais para a sua configuração, quais sejam, nome, trato e fama. No entanto, presentes os elementos de “trato” e “fama” e quando possível o “nome”, tem-se configurada a filiação socioafetiva.

Deve-se frisar que a verdade biológica deve ser vista com cautela, pois embora a existência de técnicas avançadas da medicina, as quais trazem em seus exames elevado grau de certeza em relação à descendência genética, o laço biológico jamais conseguirá impor que o genitor se torne o pai. A paternidade está acima dos laços sanguíneos, ela revela laços de afeto entre pai e filho.

A paternidade socioafetiva é uma realidade que se impõe no dia-a-dia, embora a jurisprudência já esteja a trilhar os caminhos normatizadores, é imperativa a necessidade de reforma legislativa, igualada às demais filiações, pois geram direitos e deveres que recaem sobre aspectos morais e patrimoniais. Acredita-se que uma vez alcançado o reconhecimento e a declaração da filiação socioafetiva, deveria o filho socioafetiva possuir os mesmos direitos sucessórios que qualquer outro filho, já que, de acordo com nossa Constituição, todos os filhos são iguais e tem os mesmos direitos independentes de sua origem.

Uma vez configurada a filiação socioafetiva, observa-se que esta tem prevalecido sobre a verdade biológica, pois a verdadeira relação paterno-filial é emergente da construção afetiva, convivência diária, do carinho e cuidados dispensados à pessoa.

A filiação socioafetiva é um fato cada vez mais presente, logo, faz-se necessária uma reforma em nosso ordenamento jurídico, a fim de que se possa responder às demandas atuais da nossa sociedade, pois enquanto não houver reconhecimento expresso por parte do ordenamento jurídico, caberá ao magistrado identificar e proteger essa relação de filiação.

 

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