Resumo: O presente artigo objetiva abordar alguns fatores que demonstram as dificuldades que a previdência enfrenta para se manter sustentável, bem como as implicações que tais empecilhos acarretam na abordagem do direito previdenciário. Buscando tal intento, utilizar-se-á das técnicas de observação informal e de estudo de caso, realizando uma pesquisa bibliográfica e uma abordagem teórica qualitativa; para concluir que todos os atores devem se conscientizar de sua responsabilidade na manutenção de um sistema previdenciário consistente e eficiente.
Palavras-chave: Direito Previdenciário; Dificuldades da sustentabilidade da previdência social.
Abstract: This paper presents some factors that demonstrate the difficulties facing the foresight to remain sustainable, and the implications that such setbacks carry on a pension right approach. Seeking such intent, will be used the informal observation techniques and case study, conducting a literature search and a qualitative theoretical approach; to conclude that all stakeholders should be aware of their responsibility in maintaining a consistent and efficient social security system.
Keywords: Social Security Law; Difficulties of sustainability of social security.
Sumário: Introdução. 1. As limitações dos recursos da previdência social. 1.1.A necessidade de conscientização da finitude dos recursos da previdência social. 2. As mudanças populacionais. 3. Do equilíbrio financeiro e atuarial. Conclusão. Referências.
Introdução
O Direito Previdenciário, enquanto ramo do direito diretamente relacionado com a previdência social, deve ser compreendido e aplicado levando-se em conta a finitude de recursos desse sistema. Nesse sentido, resta imprescindível que sua análise seja feita em um contexto que envolve um orçamento inapto a cobrir todas as situações de risco existentes, de forma que os representantes dos Poderes Executivo e Legislativo, eleitos de forma democrática, realizam opções políticas sobre quais os eventos e requisitos que darão ensejo à proteção social. Portanto, diante da limitação dos recursos e das mudanças na sociedade e na economia que provocam impactos significativos no sistema previdenciário, todos os atores devem se conscientizar na premente necessidade de se zelar pelos recursos da previdência social.
1. As limitações dos recursos da previdência social
1.1. A necessidade de conscientização da finitude dos recursos da previdência social
Inicialmente, cumpre mais uma vez esclarecer que, não obstante o papel crucial dos estudos econômicos, sociais e políticos na formulação de políticas e leis previdenciárias; o presente trabalho tem como foco o papel ético do indivíduo enquanto ator responsável pela sustentabilidade da previdência social. Frisa-se: não se está aqui para diminuir a importância do Estado, mas para alertar que o indivíduo também é responsável pela manutenção de um sistema tão caro à coletividade como um todo.
Isso porque, o que se verifica na prática é que os atores envolvidos na aplicação do direito previdenciário (população, advogados, magistrados etc.) parecem não ter consciência de que a concessão de benefícios sem a observância dos critérios legais prejudica outras áreas não menos importantes, bem como outros cidadãos muitas vezes em situações de maior penúria, além de comprometer a seguridade social inter e intrageracional.
Não é preciso ir muito longe para concluir que a sociedade encontra-se padecida por uma mentalidade que crê que aquilo que é público não precisa ser cuidado: são muros pichados, ônibus degradados, casos de corrupção ocupando a mídia etc. O famigerado “jeitinho brasileiro” é propagado com certo orgulho a fim de que normas sejam dribladas. Prepondera o raciocínio de que a responsabilidade é sempre do “Poder público” e nunca do indivíduo, o qual sempre tende a se vitimizar. E é exatamente nesse contexto que uma quantia avassaladora de recursos da previdência é irresponsavelmente desviada: são milhões de benefícios concedidos quer sem uma documentação idônea, quer baseados em depoimentos e oitivas de testemunhas que faltam com a verdade, quer porque impera um ativismo judicial violador do equilíbrio de Poderes. Não se ignora, ademais, a própria responsabilidade do Poder Executivo que, no âmbito federal do INSS, ignora a estrutura de trabalho precária dos procuradores, os quais ficam muitas vezes impossibilitados de realizar um trabalho de melhor qualidade visando impedir a concessão de benefícios irregulares.
Pelos motivos supraexpostos é que se faz importante abordar as limitações dos recursos da previdência.
Primeiramente, importante contextualizar o direito previdenciário no âmbito dos direitos sociais. Nesse sentido, por ser um direito social, é orientado por princípios específicos relacionados ao princípio da sustentabilidade, os quais, de acordo com a doutrina de Jorge Miranda, são: a) o princípio da participação dos interessados na sua concretização; b) princípio da dependência da realidade constitucional ou das condições econômicas, sociais e culturais para a sua efetivação; e, c) o princípio da repartição dos custos em razão das condições econômicas dos beneficiários.
Além disso, de acordo com o mesmo doutrinador (MIRANDA, 2010, p. 34), a condição de direito social faz com que o direito previdenciário esteja inserido em um regime especial e a uma reserva geral imanente de interpretação diante das condições econômicas favoráveis ou desfavoráveis. Para o autor, “só é obrigatório o que seja possível, mas o que é possível torna-se obrigatório”, e, para tanto, é necessário que se diferencie as seguintes circunstâncias:
“a) No caso de condições econômicas favoráveis, as normas previdenciárias devem ser interpretadas e aplicadas da forma mais abrangente possível, no nível de satisfação máxima;
b) Quando a situação econômica não for favorável, o direito previdenciário deve se adaptar a um padrão que garanta sua sustentatibiliade, mesmo que isso possa acarretar uma redução dos benefícios;
c) Já nas ocasiões em que a escassez for extrema, como no estado de sítio ou de emergência, visa-se garantir o mínimo existencial que preserve a dignidade de pessoa humana.”
Importante que se destaque que, ainda que se esteja em uma situação de grave crise econômica, o mínimo existencial precisa ser protegido. Fica fácil perceber que essa tarefa de tutelar a dignidade da pessoa humana por meio do direito previdenciário é de responsabilidade do Estado, já que este tem inúmeros deveres impostos de Constituição, como, por exemplo, garantir a segurança social e os direitos fundamentais dos cidadãos.
Tem-se que cabe ao Estado buscar um regime bem fundado de proteção social que possibilite um trabalho digno e um desenvolvimento socioeconômico do país. Para tanto, fundamental que haja boa administração, estratégias econômicas, financeiras e atuariais consistentes e escolhas democráticas de alternativas viáveis. O papel do Estado, por ser o principal, é o mais notado.
O que não se nota comumente, todavia, é a responsabilidade da sociedade na manutenção do sistema previdenciário. Isso porque, ainda que no modelo de estado social a tal função seja complementar, ela não deixa de ser relevante. Assim sendo, mostra-se fundamental que a comunidade seja esclarecida sobre esse seu papel, bem como sobre sua participação, seus deveres e o porquê da relevância de sua atuação.
Neste ponto, cabe destacar o papel do Poder Judiciário o qual, permeado por um ativismo judicial míope, muitas vezes acaba por focar no objeto unitário próximo em prejuízo de uma visão mais global da situação, fato que prejudica a sustentabilidade do sistema previdenciário, principalmente por confundi-lo equivocadamente com assistência social e/ou outras políticas compensatórias. Ocorre, assim, uma violação da separação dos Poderes, na medida em que as decisões dos Poderes Legislativo e Executivo, amplamente estudadas e debatidas, acabam por ser ignoradas pelo Poder Judiciário em prejuízo da manutenção de um sistema extremamente complexo.
Ora, a situação econômica da previdência social está longe de ser favorável, de forma que não se pode descartar a conscientização de toda a sociedade.
Leciona Juarez Freitas sobre a necessidade de se pensar a médio e longo prazos e desenvolver estratégias que se estendam por essas escalas temporais uma vez que existe a obrigação de considerarmos de que modo as políticas atuais tenderão afetar a vida dos que ainda não nasceram.
Atento a essa questão, e ciente de que a ampliação da proteção social é um desafio que perpassa gerações, o INSS implantou um Programa de Educação Previdenciária com a finalidade de informar e conscientizar a sociedade brasileira sobre o papel da Previdência Social, que é o de assegurar a proteção social aos cidadãos, por meio de sua inclusão e permanência no Regime Geral de Previdência Social. Tal programa visa sensibilizar o trabalhador para que faça parte do universo de segurados da Previdência Social.
2. As mudanças populacionais
Os frutos das políticas implementadas pelos Estados de Bem-Estar Social nascidos no pós-guerra foram as melhorias das condições de vida e de trabalho, o que acarretou no aumento considerável da expectativa de vida das populações. Aliada a essa geração de pessoas com idade mais avançada, ocorreu uma progressiva queda da taxa de natalidade, consequência de fatores tais quais a universalização da educação, a intensificação da participação feminina no mercado de trabalho e a propagação do planejamento familiar.
A ampliação da expectativa de vida associada à diminuição da taxa de natalidade resultaram no fenômeno do envelhecimento populacional, isto é, em um “processo de mudança na estrutura por idades de uma população, caracterizado pelo incremento das pessoas com 60 anos ou mais” (BATISTA, 2008, p. 12).
O que se verificou foi que a solidariedade intrafamiliar acabou sendo profundamente abalada, não somente pelo assalariamento da mão-de-obra da mulher, limitador de seu papel tradicional e redutor da taxa de natalidade; mas também porque a diminuição de indivíduos que compõem a geração mais nova resultou na escassez de cuidadores potenciais. Tal escassez resta ainda mais agravada diante da verificação de que muitos jovens acabam por migrar visando o melhorias de trabalho e de estudo, distanciando-os de suas famílias, fato que, por consequência, indisponibiliza-os como cuidadores.
Diante desse número cada vez maior de pessoas idosas e, em contrapartida, de um queda abrupta na quantidade de indivíduos disponíveis no âmbito familiar para cuidar das mesmas, evidenciou-se imperioso o desafio de se enfrentar a temática do envelhecimento populacional nas políticas públicas e de implementar ações que cuidem desse contingente da população. A complexidade desse desafio resta ainda mais acentuada na medida em que há um incremento da faixa etária de 80 anos ou mais, composta por indivíduos que naturalmente possuem uma grande probabilidade de terem suas condições físicas e mentais deterioradas. Essa situação exige uma mudança na organização da oferta de serviços e atendimentos sociais, pois demandam outras atividades, como assistência para atividades da vida diária, a promoção da autonomia e o desenvolvimento de atividades preventivas que visem uma boa saúde.
Esse novo cenário põe em xeque a grande maioria dos sistemas de seguridade social, visto que estes foram formulados para atender uma realidade que era calcada na expansão do emprego assalariado e pelo curto tempo de aposentadoria. Constata-se, contudo, desde o fim da década de 1970, uma pressão ainda mais acentuada sobre os sistemas de proteção social, que teve que lidar com a crise fiscal, o desemprego estrutural, o decrescente número de contribuintes e o aumento do número de beneficiários.
Nessa gradativa deterioração de um sistema de seguridade social criado para enfrentar problemas diversos daqueles que motivaram a sua organização, os países desenvolvidos adotaram nas últimas décadas estratégias diversificadas na busca de garantir a oferta de serviços para pessoas idosas em situação de vulnerabilidade[1] e dependência; ajustando os planejamentos conforme a imposição de restrições orçamentárias.
Os países em desenvolvimento, por sua vez, a par do envelhecimento populacional, são obrigados a enfrentar a insegurança e instabilidade no mercado de trabalho, fato que acarreta em uma cobertura limitada dos sistemas de proteção social e uma escassez na oferta de serviços.
Em estudo publicado pelo Ministério da Previdência Social (BATISTA, 2008, p. 15), menciona-se o trabalho sobre o envelhecimento e os sistemas de proteção social de autoria de Fábio Bertranou, esclarecendo que “Projeções realizadas em 2004 pela Comissão Econômica para América Latina –Cepal apontam que a taxa de crescimento da população da América Latina maior de 60 anos se acelerará nas próximas décadas. Em termos absolutos, o número de pessoas maiores de 60 anos passará, entre os anos de 2000 e 2025, de 40 para 96 milhões. Esse incremento será acelerado entre 2025 e 2050, quando se espera o ingresso de mais 85 milhões de pessoas nessa faixa etária. Os idosos, que representavam 7,9% da população total no ano 2000, passarão a representar 14% em 2025 e 22,6% em 2050. Neste ano, uma de cada quatro pessoas na região será idosa. Entre 2002 e 2050, a idade média da população latino-americana será incrementada em 15 anos, projetando-se, para o último ano, a metade da população com mais de 40 anos”.
Dados do Ministério da Previdência comprovam que a atual década marca o momento na evolução demográfica da população brasileira em que a taxa de fecundidade do Brasil caiu para níveis inferiores à taxa de reposição, fato que antecipa em algumas décadas o processo de diminuição em números absolutos da população, acelerando o processo de envelhecimento da população brasileira, pela redução nos nascimentos.
O envelhecimento populacional, decorrente do aumento da expectativa de vida e da queda na taxa de fecundidade, da diminuição do tamanho das famílias e de outras transformações demográficas demandam, ao longo do tempo, a adequação da proteção social às novas realidades. Assim, tal fator deve ser considerado quando se pensa nos desafios da sustentabilidade do sistema previdenciário.
3. Do equilíbrio financeiro e atuarial
O princípio do equilíbrio financeiro e atuarial previsto no §5.º do Art. 194 e caput do Art. 201 da Constituição da República, prega a necessidade de manutenção de correlação entre benefício e custeio, para que se garanta a estabilidade do próprio sistema de seguro social como um todo.
Por consequência, está o tema do custeio ligado à questão da limitação dos recursos da previdência social, protagonizando o princípio constitucional do equilíbrio financeiro e atuarial.
Primeiramente, tem-se que, não obstante o RGPS receba recursos do orçamento da União, a maior fonte de custeio dos benefícios por ele concedidos advém das contribuições sociais, espécies tributárias cobradas das empresas e dos trabalhadores. Nesse sentido, não obstante o art. 195 da Constituição Federal assegure diversidade à base de financiamento da seguridade social, as contribuições sociais que constituem receita do Fundo do Regime Geral de Previdência Social têm, em regra, como base de cálculo, a folha de salários e demais rendimentos do trabalho.
Dessa maneira, diante do envelhecimento populacional, inexorável a conclusão de que a arrecadação da previdência encontra-se sensivelmente mitigada, ao mesmo tempo em que suas despesas aumentam em uma proporção inversa em razão do número de benefícios concedidos.
Conclui-se que o sistema previdenciário é custeado, sobretudo, diretamente pela população economicamente ativa, a qual se vê em um acentuado decréscimo em relação ao percentual de indivíduos beneficiários, acarretando em uma insustentabilidade em detrimento de toda a sociedade.
Conclusão
Diante das mudanças conjunturais da sociedade e da economia, imprescindível que todos ao atores do direito previdenciário se conscientizem sobre as suas respectivas responsabilidades no que tange à sustentabilidade do sistema.
Isso porque o direito previdenciário, que tem como objeto a previdência social, é baseado em recursos limitados e tem, ao mesmo tempo, que proteger uma gama de pessoas mais ampla possível de acordo com critérios predeterminados, consistindo a Previdência Social Brasileira em um patrimônio do trabalhador e de sua família.
Se é certo que o Estado exerce um papel primordial na condução da política da previdência social, não menos certo é que também os operadores do Direito e a sociedade também são responsáveis por preservar os recursos previdenciário e garantir a efetividade do direito previdenciário, que deve cumprir o seu escopo no âmbito dos direitos humanos dos mais necessitados.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul. Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
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