A Fraternidade Como Um Princípio Esquecível: Olvido e Rememoração na História Recente

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Lauro Pais de Lima Júnior[1]

 

Resumo: A fraternidade ganhou lugar de destaque no pensamento das nações modernas com o advento da Revolução Francesa. Nada obstante, tal conceito não recebeu as mesmas considerações que a liberdade e a igualdade desde então, aparentando ter sido esquecido. Estudar-se-á, desta forma, os desdobramentos do princípio da fraternidade nos períodos posteriores à citada revolução, com destaque para o entreguerras do Século XX. Analisar-se-á sua conceituação jurídica à luz da Constituição brasileira de 1988 e o seu tratamento jurisprudencial. Da mesma forma, apontar-se-ão erros do passado recente, dentre eles o fato de, à época da Revolução, preterir-se a fraternidade em favor de valores concebidos como de maior importância e precedência, consoante a própria linguagem do lema revolucionário francês. Nessa perspectiva crítica, também são apontados novos rumos de pesquisa acerca das origens e da natureza jurídica do princípio da fraternidade, alçando-o a verdadeira categoria jurídica de direito natural, a despeito das considerações de índole juspositivista. Por tudo, não se podem desconsiderar as abordadas decisões do Supremo Tribunal Federal que vêm concretizando direitos de fraternidade e moldando um constitucionalismo espeque de uma democracia substancial presente e futura.

 

Palavras-chave: Fraternidade. Direitos Fundamentais. Decisões do Supremo Tribunal Federal. Constitucionalismo fraternal.

Abstract: Fraternity, whilst a philosophic concept, has gained much consideration since the French Revolution. Nevertheless, not as much consideration as that given to the liberty and isonomy principles, which makes one think fraternity has been forgotten. Study will be some aspects of the legal treatment and the precedents dealing with the mentioned concept since then, including the 20th century interwar period, coming to a conclusion that the same law which intends to ensure it nowadays is the law that may obliterate it. On the same pattern, recent past flaws are appointed, among them, the fact that fraternity was considered a less important value than isonomy or liberty during the French Revolution. The study also tries to demonstrate that fraternity is a lex naturalis category, despite the theory of legal positivism. In this line of approach, the Brazilian Supreme Court precedents towards a fraternal constitutionalism are fundamental to ensure substantial democracy and freedom, now and in the near future.

Keywords: Fraternity. Fundamental Rights. Supreme Court Precedents. Fraternal Constitutionalism.

Sumário: 1. Considerações introdutórias. 2. A fraternidade como consectária dos direitos de terceira geração. 3. O princípio da fraternidade como preceito fundamental no direito positivado. 4. A fraternidade quando foi esquecida. 5. Considerações finais. 6. Referências.

 

  1. Considerações Introdutórias

Antes de o homem fundar cidades ou erigir as primeiras bases de um direito positivado, já era sentida e compreendida a fraternidade pelas próprias relações de parentesco e de comunidade.

O presente estudo, com a preocupação de trazer contribuições para as pesquisas em fraternidade, aponta certa reticência em aceitar, acriticamente, as menções de fraternidade transcendental ou tribal como surgidas neste ou naquele período da história humana. Com efeito, desvinculando o conceito de fraternidade de um evento ou momento histórico, o pesquisador será capaz de formar o convencimento de que o altruísmo e o sentimento de fraternidade são possibilidades de sentimento que emanam da própria condição do ser humano, e, por isso, transcendem a aspectos históricos ou geográficos.

Isto nos permite argumentar que a fraternidade é um princípio geral de direito, podendo ser positivado ou não. Por essas razões, com a máxima vênia aos que pensam em contrário, condicionar a fraternidade ao soerguimento do ideário cristão ou à idealização da Revolução Francesa não é outra coisa senão criar marcos teóricos para, didaticamente, auxiliar o estudo do vocábulo ou, numa perspectiva semiótica mais abrangente, auxiliar o estudo do símbolo.

Tanto é assim que aceitar a fraternidade transcendental como filha ínclita do cristianismo ou mesmo da Revolução Francesa acaba por ser uma contradictio in terminis. No primeiro caso, basta lembrar as Cruzadas como um de inúmeros eventos que maculam o cristianismo e sua predisposição fraternal jure et de jure. A famigerada Inquisição também pode ser aqui mencionada, sendo tão deletéria para conceber a fraternidade com fortes raízes no cristianismo quanto as Cruzadas.

No segundo caso, basta lembrar que a Revolução Francesa fulminava a própria teologia cristã, num intuito de substitui-la pelo culto à Deusa Razão. Aquela revolução acabou por ser uma guerra sangrenta[2] que perdurou por mais de dez anos, e que, apenas para reforço do argumento, produziu alguns frutos nada fraternos, v. g., o Terror, a guilhotina e Napoleão Bonaparte.

Dispensa tecer comentários sobre o Terror e a guilhotina e suas relações com a fraternidade; no entanto, sobre Napoleão, célebre combatente do Primeiro Império Francês, ambos cristãos – tanto o Império quanto o combatente –, calha lembrar que sob sua batuta foram travadas batalhas épicas como se não houvesse um amanhã, tudo na tentativa de subjugar a Europa ao poderio franco-gaulês. Apenas para fixar o tema, as guerras napoleônicas ocorreram após a Revolução Francesa.

Onde estava o ideário cristão em todos esses momentos? Trancado em livros mofados nas masmorras intangíveis? Se a nova fraternidade tiver isso por exemplo, correrá o sério risco de permanecer escrita em livros jurídicos herméticos encerrados numa torre de marfim. Como consequência, o § 1º, do art. 5º, da Constituição Republicana não teria a mínima aplicabilidade, apesar de seu teor normativo.

Propõe-se uma NOVA FRATERNIDADE, uma fraternidade prática, que, para ser compreendida, precisa ser vivida, vivenciada. Uma fraternidade desvinculada dos erros de compreensão do passado, que seja efetiva, real, e não um adendo aos ideários teológicos e revolucionários, muito menos um mero adendo aos anais da justiça abstrata e formal.

Ademais, num estágio avançado de globalização como é o dos dias atuais, insistir na divisão e na redução do pensamento a categorias de “mundo ocidental” é, no mínimo, prova contrária à própria fraternidade dita transcendental havida no seio da civilização do ocidente. Não conheceriam os malaios ou os chineses a fraternidade entre si por serem budistas ou confucionistas, ou por não terem gritado “liberdade, igualdade e fraternidade” nas ruas?

Pelo exposto, de início, sustenta-se aqui que a fraternidade deve ser considerada como um direito natural, característica essencial da humanidade, transcendendo a ideologias ou escolas de pensamento, religião ou criação humana. Isto não obsta entender-se a FRATERNIDADE como uma categoria relacional da humanidade[3], pelo contrário, tal consideração apenas reforça o entendimento.

Tendo isso em vista, este artigo busca trazer contribuições oriundas de uma diferente perspectiva: na espécie, um olhar jurídico e constitucional para iluminar as diferentes faces desse princípio chamado fraternidade.

Assim, por corte epistemológico, nos seus primeiros capítulos, o estudo deita raízes numa perspectiva meramente jurídica e, como já dito alhures, deixa em segundo plano observações religiosas, filosóficas ou outras que possam envolver especulações que alargariam sobremaneira o espectro da presente reflexão, devendo tais considerações ser feitas em momento outro, mais apropriado e com a profundidade para tanto requerida.

Isto posto, sequer há falar-se em perspectiva metajurídica ou jusfilosófica; do contrário, correr-se-ia o risco de andar num círculo hermenêutico sem fim, em um vai-e-vem entre o direito positivo e o plano lógico-jurídico, o que acarretaria, em última instância, o colapso das próprias premissas aqui já erigidas.

 

  1. A fraternidade como consectária dos direitos de terceira geração

Vivemos uma época de Estado laico, conquistado a duras penas mediante o apego dos povos àquilo que consideraram bom para si, e repulsa do que houve de ruim, tendo sido a própria história o palco de todo o espetáculo da civilização.

Nesse contexto de evolução, surgem as gerações ou dimensões de direitos, num avançar gradativo da política mundial. Assim, os direitos de primeira, segunda e terceira gerações são todos tidos por direitos fundamentais e carregam consigo a característica de historicidade.

Por este enfoque, parece que o direito à fraternidade não é um princípio que pode ser facilmente esquecido. Pelo contrário, se tivermos por marco histórico a queda da Bastilha, é de se convir que ele vem ganhando força paulatinamente numa construção teórica e prática constante, embora sofra retrocessos pontuais conforme o país e o governo em questão. Ora, à época da consagração dos direitos de primeira geração, surgidos como liberdades-resistência, a fraternidade estava muito mais enfraquecida que na atualidade. Aqueles direitos eram de índole estritamente individualista, como acentua Ingo Wolfgang Sarlet[4]:

(…) são o produto do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder.

A própria Declaração Francesa de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, segundo Eric Hobsbawm, foi um mero “manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios da nobreza, mas não um manifesto em favor de uma sociedade democrática e igualitária”[5], que dizer de fraterna.

Portanto, o presente estudo aponta não para o esquecimento da fraternidade com o passar do tempo, mas para a oportunidade de ela surgir e se consolidar de fato, diverso de estar apenas envolvida em “lemas” ou retóricas vazias. Consoante esta noção, é a construção de um direito de fraternidade que se deve mirar, cada vez mais acentuada e desgarrada das equivocadas tentativas passadas de consolidação; uma busca que se opere no âmbito da democracia participativa, e não nos ideários revolucionários, muito menos em textos gnósticos empoeirados.

A fraternidade está, no plano jurídico, umbilicalmente ligada à ideia de cidadania, nos moldes do pensamento de Jürgen Habermas[6], para quem a democracia deliberativa deve transformar os fluxos comunicacionais e as influências públicas em poder comunicativo, pelos processos democráticos. Assim é que

Na matriz jurídica, a fraternidade se faz preenchida pelo diálogo decorrente do estabelecimento das relações horizontais entre os pares, na verticalidade da comunhão a ser experienciada entre os homens, e, no entrecruzar dessas relacionalidades (…)[7].

Ou seja, cabe a todos nós, o povo e seus representantes, dar vida a esse princípio por meio de nossas próprias vidas, por meio dos legítimos processos argumentativos e procedimentais.

É nesse mesmo sentido, de construção e aprimoramento paulatino da fraternidade, que se posicionam os estudiosos do assunto quando se deparam com os mesmos fatos e acabam por entender que a trilogia do lema francês não teve, desde o início, pronta aplicabilidade. Ao revés, a fraternidade já nasceu quase olvidada, mas vem sendo rememorada: “Atingiu-se, por completo, após alguns séculos de desenvolvimento, o antigo lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade[8]”.

É precisamente o que se tem visto com a implementação de Políticas Públicas em favor das pessoas portadoras de deficiência física ou com a criação das penas restritivas de direito[9] em substituição às penas privativas de liberdade[10]. No entanto, deve-se hesitar em relacionar esses dois fenômenos recentes diretamente com o princípio da fraternidade. Isso porque eles parecem ter relação mais imediata com o próprio conjunto de direitos de terceira geração e da constitucionalização do Direito Penal, consectária do neoconstitucionalismo ou pós-positivismo[11]. Tampouco se deve acatar sem ressalvas o atingimento por completo do lema francês no século XXI, isso porque, como se verá, o princípio da fraternidade não está, mas é perfeitamente possível que ele venha a ser esquecido ou relembrado, porquanto parece ser um princípio esquecível, por força, paradoxalmente, da própria atuação positiva do Estado, como se tenta demonstrar adiante.

De toda sorte, os direitos de terceira geração foram instituídos conforme ideais de solidariedade, sendo direitos cuja titularidade vai além do indivíduo singularmente considerado e além da coletividade, diversamente dos direitos de primeira e segunda gerações. Assim destaca a autora[12] de monografia sobre o tema de políticas públicas:

Desta forma, os direitos de terceira dimensão, ou direitos de fraternidade, pertencem a todo o gênero humano. Numa concepção mais ampla, pertencem às gerações presentes e vindouras, o que nos leva a crer pertencerem a um número indeterminado de indivíduos.

Nesse mesmo sentido, Pedro Rui da Fontoura Porto[13] leciona que os direitos difusos possuem significativa importância social, dado serem indispensáveis a uma melhoria da “qualidade de vida geral”. Para ele, tais interesses superam o interesse público, podendo chegar a assumir uma proporção tão abrangente que extravase as fronteiras nacionais, assumindo uma conotação de direito dos povos.

Dessarte, vê-se que o princípio da fraternidade, ou solidariedade, é, de fato, um princípio de Direito Natural, princípio geral de direito, de direito das gentes ou direito dos povos. Uma vez positivado no texto fundante das bases políticas do Estado, tem-se a solidariedade como objetivo fundamental da República (art. 3º, III, CF/88), a ser perseguido por meio da implementação de políticas públicas governamentais, de ações de organizações não-governamentais, de ações afirmativas etc.; é a reafirmação da fraternidade que jaz latente entre os povos.

A fraternidade informa a consciência dos legisladores e dos juristas espontaneamente, embora seu estudo dogmático, com foco e expressão, tenha sido relegado nos últimos séculos; tais estudos não pegaram carona no estampido da Revolução Francesa, juntamente com os outros dois princípios do lema francês que dispararam à frente: a liberdade e a igualdade[14].

Não obstante, o momento é de reavivar a fraternidade, como aduz o secular aforisma: antes tarde que nunca! Com propriedade relata Antonio Maria Baggio[15]:

(…) a problemática realização da liberdade e da igualdade, inclusive nos países democráticos mais desenvolvidos, não poderia ser devida justamente ao fato de a ideia de fraternidade ter sido quase que totalmente abandonada? Em outros termos, os princípios da trilogia francesa poderiam ser comparados às pernas de uma mesa: são necessárias todas as três para que ela se sustente.

Posto isso, o presente momento realça a importância do reavivamento das pesquisas em fraternidade enquanto categoria política e jurídica com os rigores da ciência dogmática. Por conseguinte, indispensável se faz encontrar referências explícitas à fraternidade no ordenamento jurídico pátrio, seja nas leis ou nas decisões judiciais. Do contrário, sem esse enfoque dogmático, corre-se o risco de reduzir toda e qualquer inovação frutífera e desejável para o bem social como algo subsumível a um vago e indeterminado princípio metafísico de fraternidade[16].

 

  1. O princípio da fraternidade como preceito fundamental no direito positivado.

 

Tendo isso em vista, cumpre ir mais diretamente à analise do princípio ou direito à fraternidade como um direito fundamental positivado enquanto uma categoria jurídica de preceito fundamental.

Por início, surpreendentemente, o princípio da fraternidade tem assento positivo na cátedra de maior destaque possível: o preâmbulo da Rainha das Leis, a Constituição.

Esse fato é de ser comemorado. A fraternidade, deveras, não é algo fácil de ser esquecido. O constituinte originário lembrou-se de colocá-la no preâmbulo da Constituição brasileira, pelo que merece aplausos, em que pese o preâmbulo não tenha a mesma eficácia das normas constitucionais, segundo o próprio STF[17].

A jurisprudência, certamente, não ficaria indiferente a esse prelúdio que tem forte apelo teleológico. Com efeito, muitas têm sido as decisões em que o Supremo Tribunal Federal usa como razão de decidir o tema do Constitucionalismo Fraternal, às vezes, ainda que de forma obiter dictum. Como exemplo, tem-se a ADI 3.768-4/DF; a ADI 2649/DF; a ADPF 186-2/DF; a ADI 3.128-7/DF; a Pet 3388/RR e a ADI 4277, julgada em conjunto com a ADPF 132-RJ.

À guisa de exemplo, veja-se o que decidiu o eminente Ministro Carlos Ayres Britto quando apreciou a ADI 4277[18]:

Aqui, o reino é da igualdade pura e simples, pois não se pode alegar que os heteroafetivos perdem se os homoafetivos ganham. E quanto à sociedade como um todo, sua estruturação é de se dar, já o dissemos, com fincas na fraternidade, no pluralismo e na proibição do preconceito, conforme os expressos dizeres do preâmbulo da nossa Constituição.

No recurso ordinário em mandado de seguraça, RMS 26.071/DF, o Min. Ayres Britto também se valeu do constitucionalismo fraterno para embasar sua decisão. Encontra-se assim ementada[19]:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA VISUAL. AMBLIOPIA. RESERVA DE VAGA. INCISO VIII DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. § 2º DO ART. 5º DA LEI Nº 8.112/90. LEI Nº 7.853/89. DECRETOS NºS 3.298/99 E 5.296/2004. 1. O candidato com visão monocular padece de deficiência que impede a comparação entre os dois olhos para saber-se qual deles é o “melhor”. 2. A visão univalente — comprometedora das noções de profundidade e distância — implica limitação superior à deficiência parcial que afete os dois olhos. 3. A reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica constitui política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988. 4. Recurso ordinário provido.

É de se reconhecer que o trato jurídico do direito a uma sociedade fraterna vem encontrando ampla aplicação nos hard cases enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal, gerando precedentes de extrema importância para a construção de um círculo virtuoso: a consolidação de uma sociedade fraterna.

Tornou-se indubitável, pelo afunilamento do estudo, que a fraternidade também é uma categoria estritamente jurídica. Ainda que não o fosse de forma explícita, teria acolhida na exegese da Constituição como uma totalidade, donde se extrai a fraternidade como um verdadeiro princípio constitucional[20].

Visto o estrito aspecto jurídico-positivo da matéria, com as amarras de ordem metodológica afrouxadas, é possível, neste momento, fazer menção a outros campos do conhecimento, o que se faz didaticamente, sem, contudo, representar nenhuma diferença essencial de ordem ontológica.

A saber, onde não incide o Direito, incidem a moral, a ética, a religião e outros mecanismos de regulação da íntima convicção e das crenças mais profundas dos indivíduos. É nesse âmbito, inseparável da essência humana e do próprio plano de fundo do Direito, que deve operar incessantemente o princípio da fraternidade.

Somando-se esforços, o conceito de fraternidade estará presente, igualmente, onde o Estado não alcança. A doutrina já reconhece a necessidade de haver uma solidariedade do tipo vertical e, com tamanha veemência, solidariedade horizontal, como pontua Fillipo Pizzolato[21]:

(…) essa dimensão horizontal da solidariedade (…), em que a fraternidade encontra um espaço destacado, não pode ser reduzida ao cânon, tipicamente liberal, do ‘não prejudicar os outros’, mas encaminha e orienta o próprio exercício da liberdade, seguindo o mandato bem mais vinculativo ‘faça o bem ao outro (porque é também o seu).

Isto posto, bom é dizer que os termos solidariedade e fraternidade podem ser entendidos como intercambiáveis, a despeito de haver entendimentos contrários, v.g., o posicionamento, no ponto, de Ildete Silva[22].

No entanto, o fio condutor da presente pesquisa aponta que uma diferenciação entre os dois termos, sem que ambos possam ser interpretados no mesmo sentido, poderia reduzir a compreensão da Fraternidade como categoria jurídica, pois o legislador não fez essa diferenciação; outrossim, uma contingente interpretação unívoca decorre da própria exegese da Constituição enquanto um texto dotado de unidade.

Ademais, ser solidário, em termos jurídicos[23], significa “o compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras e cada uma delas a todas”, de forma permanente, sólida.

Abstrair a fraternidade dessa mesma definição, porque ela não traz menção aos “membros de uma mesma família universal”, é levar a fraternidade para fora da discussão jurídica e de volta aos colmos olímpicos da religião ou da filosofia.

 

  1. A fraternidade quando foi esquecida.

Como dito antes, sendo a fraternidade um princípio de direito natural, e ainda mais depois de reconhecida na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, paradoxalmente, a única via de retrocesso seria por meio da própria atuação positiva do Estado em direção contrária às conquistas históricas concernentes a questões de fraternidade.

Nesta vereda de contramão, momento ímpar na história mundial, se deu a Segunda Grande Guerra, a qual foi capaz de nos mostrar as consequências de uma sociedade isenta de todo compromisso para com o aludido princípio. Assim, no intuito de melhor estudar o ocorrido, volte-se à década de 1950, mais próxima dos fatos catastróficos daquela guerra.

Com a nobre missão de procurar entender o evento, após a captura de Adolf Eichmann por agentes do Mossad na Argentina, um Tribunal instalou-se em Jerusalém para que o nazista Eichmann lá fosse julgado. Nas palavras de Ben Gurion, “Nós queremos que as nações do mundo saibam… e se envergonhem[24]”.

Como consequência do julgamento, as autoridades quiseram legar ao mundo algumas respostas até então não obtidas; ainda assim, algumas questões permaneceram insolúveis. Além disso, também era propósito do julgamento colher informações para que outros líderes nazistas fossem procurados e levados a julgamento e que fossem descobertas ligações de estadistas árabes com o regime nazista.

Algumas das indagações mais inquietantes eram: Eichmann e os demais líderes do partido nacional-socialista eram pessoas normais ou seriam verdadeiros monstros? Por que os judeus se entregaram como cordeiros e não se sublevaram?

Concentrando-se apenas na pessoa de Adolf Eichmann, em face das provas dos autos, o Tribunal concluiu que ele era uma pessoa normal, aliás, muito normal. Tivera a educação alemã padrão, uma família constituída, e era um burocrata. Contrariamente ao que era de se esperar, dentre a meia dúzia de psiquiatras que o examinaram, um concluiu que ele era uma pessoa “mais normal do que eu mesmo depois de tê-lo examinado[25]”. Em verdade, suas atitudes para com a mulher, filhos, pai e mãe, irmãos, irmãs e amigos, não eram apenas atitudes esperadas, eram atitudes desejáveis.

Posto que Eichmann não era nenhum monstro, consoante o parecer dos médicos, quanto à segunda pergunta, a Corte observou que simplesmente não fazia nenhum sentido sequer formulá-la. Isso porque todos os outros grupos perseguidos também agiram da mesma forma: com subserviência. O aparato estatal e a propaganda massiva impediam qualquer reação. Aliás, de fato, um grupo judaico holandês, em 1941, no bairro antigo da capital Amsterdã, ousou atacar um destacamento policial alemão. Imediatamente, 430 judeus foram presos e literalmente torturados até a morte. Os nazistas assassinaram cada um deles com muito maior crueldade e os utilizaram para os mais horrendos experimentos em Buchenwald e no campo de concentração austríaco de Mauthausen. Não valia a pena tentar reagir. Era melhor manter a esperança em uma salvação externa (que veio com a vitória dos aliados) ou, pelo menos, esperar que aquela loucura do Führer chegasse ao fim e ele, por iniciativa própria, agisse conforme a mais singela fraternidade, o que nunca ocorreu.

Os que reagiam, recebiam uma morte tão horrenda que

…cada um deles invejaria seus irmãos em Auschwitz ou mesmo em Riga ou Minsk. Existem muitas coisas consideravelmente piores do que a morte, e a S.S. sabia que nenhuma delas poderia estar muito longe da imaginação de suas vítimas[26].

Apenas os muito jovens não continham o impulso de reação.

De outra parte, várias conexões dos líderes árabes com o regime hitlerista foram oficialmente reveladas. Inúmeros pedidos de refúgio foram concedidos, irrestritamente, aos nazistas pelos países islâmicos. O Grande Mufti abertamente oferecia ajuda aos Nazis na implementação da ‘solução final’.

Os jornais em Damasco, Beirute, Cairo e Amã não escondiam a simpatia do povo árabe por Eichmann. Também não hesitavam em divulgar os protestos dos árabes contra o fato de Adolf Eichmann não ter triunfado, juntamente com a S.S., na estratégia para a ‘solução final’.

Assim, nesse ponto, a intenção precípua do Tribunal era achar conexões dos nazistas com outros países afora os árabes, a exemplo da Argentina, onde muitos militares nazistas se refugiaram; de outra parte, como já dito, os árabes nunca esconderam os fatos, e sua colaboração com o Nazismo sempre foi notória.

Muito importante lembrar que uma das preocupações do julgamento foi trazer as causas mais concretas possíveis como explicações do descaso para com a fraternidade por parte dos alemães. Assim, buscou-se, ao máximo, evitar imputações de todo o mal a um genérico antissemitismo ou à própria força do destino.

Entretanto, nesse sentido indesejável foi a infeliz alusão de Ben Gurion e do promotor Hausner. Logo no início de seu discurso, a acusação fez uma retórica alusão à histórica perseguição sistemática aos judeus, mencionando os decretos do Faraó no Egito e de Haman na Pérsia antiga contra os israelitas, para “destruir, degolar e causar seu perecimento[27]”.

Afora isso, prevaleceu o pragmatismo no julgamento; o objetivo era afastar possíveis interpretações místicas de que Eichmann seria apenas um inocente executor de um misterioso plano preordenado pelo destino, ou mesmo impedir que toda a tragédia fosse vista como força de um historicismo hegeliano.

Nada obstante, ciente dessa possibilidade como tese de defesa de Eichmann – fazer acreditar que a culpa caberia a alguma conspiração incompreensível, e não a pessoas humanas, muito menos ao acusado – essa foi precisamente a desastrosa linha de argumentação inicial da defesa, a qual intentou convencer que Hitler e companhia teriam sido vítimas dos Sábios de Sião, vez que, além de os judeus terem sido salvos, saíram vitoriosos da guerra e com um Estado próprio[28]! Mas esse artifício retórico não seria suficiente para enganar o óbvio: aquele senhor que ali estava a ser julgado fizera parte do partido nazista alemão que se voltou contra seus próprios cidadãos alemães apenas porque tinham crenças diversas ou pertenciam a outras etnias. A fraternidade nunca fora tão escancaradamente abolida.

Outrossim, contra a argumentação de que Eichmann apenas cumpria ordens hierárquicas militares, não tendo cometido diretamente nenhum assassinato, mas apenas gerido de seu gabinete funções administrativas, a acusação trouxe provas documentais demonstrando que ele propusera matar com armas de fogo quando perguntado por seus subalternos acerca de um método efetivo de eliminação para a concreção do que os alemães chamavam die Endlösung[29].

O que se vê é que a propaganda nazista foi tão intensa, auxiliada por argumentos pseudocientíficos, linguísticos, religiosos e racistas, que toda a nação dos heróis germânicos voltou-se sem qualquer remorso ou resquício de fraternidade contra os eslavos, poloneses, ciganos, testemunhas de Jeová, e com maior intensidade, contra os próprios irmãos alemães de crença judaica. Tudo isso, depois da Revolução Francesa, depois de dois mil anos de cristianismo e em território do “mundo ocidental”, e tudo com a chancela, iniciativa e promoção do Estado!

De mais a mais, o idealismo fundado na ignorância se mostrou, por toda a instrução criminal em Jerusalém, o maior perigo contra a fraternidade: quando Eichmann entrou para o partido nazista, ele sequer sabia qual era o programa partidário, nunca tivera nada pessoalmente contra os judeus, e sequer tinha lido o livro do führer ‘Mein Kampf’[30]. Tudo o que tinha em mente era apenas a propaganda estatal de que os judeus eram o inimigo comum, a causa da derrota na Primeira Guerra Mundial, a corrupção do povo germânico de sangue puro etc. Desse fato é que a filósofa Hannah Arendt, alemã, judia, cunhou a expressão de que todo o mal é fruto da ignorância.

Posto assim, a ideologia pangermânica foi o que cegou os olhos de toda aquela geração eternamente condenável. A pura abstração e a propaganda antissemita, fundada em psicologia de massa, e que tinha por fim apontar um único inimigo comum para unir o povo germânico numa revanche pela derrota na primeira guerra mundial, foi mais que suficiente para obliterar toda a consideração possível pela fraternidade, dirigida no plano interno e internacional; foi mais que suficiente para apagar a noção de fraternidade dos corações dos envolvidos com o regime do governo alemão, desde o proletariado até a elite dirigente da nação, de comerciantes a médicos e juristas, dos mais ignorantes até os mais cultos e letrados habitantes do presunçoso terceiro Reich[31].

A firme ideologia de Eichmann não o permitiu que reconhecesse seus erros. Ele chegou a afirmar em juízo que “o arrependimento é para pequenas crianças”[32]. Para Hannah Arendt, essa afirmação só poderia ser uma franca mentira combinada com extravagante estupidez ou simplesmente seria o caso de um criminoso que nunca se arrepende do que faz [33].

A ideologia inconsequente se mostrou tão nefasta à verdadeira fraternidade que, para os germânicos, os únicos judeus ‘decentes’ e que poderiam até ser poupados, eram os Sionistas, porque também tinham uma ideologia em termos de ‘nacionalidade’.

Por todas essas razões, e considerando que nem o poder judiciário alemão, nem a ideologia cristã etc., nada foi capaz de deter a ideologia pangermânica, é preocupante o quadro produto daquele tenebroso precedente. Por enquanto, na contramão da loucura nazista, pode-se contar com a alvissareira decisão do Supremo Tribunal Federal proferida no habeas corpus[34] nº 82.424-2/RS, que manteve condenação de Siegfried Ellwanger Castan[35].

Na decisão, mutatis mutandis, os ministros entenderam que a Constituição Federal impôs aos agentes de delitos de natureza racista e antissemita, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberando o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. Embora não tenham os ministros se utilizado da expressão de constitucionalismo fraternal, restou claro pelo julgamento do habeas corpus que a fraternidade se sobrepuja a quaisquer tentativas de divisão das parcelas sociais em raças distintas, ainda que tal divisão tenha caráter político-social e não biológico.

 

  1. Considerações Finais

O presente estudo aponta para que a Fraternidade, como categoria política e jurídica, presta-se a evitar o que foi inevitável na Alemanha hitlerista. No regime nazista, cometeram-se não apenas crimes de guerra, mas verdadeiros crimes contra a humanidade, genocídio, extermínio em massa, holocausto.

Ora, a fraternidade é mais do que a implementação de comezinhas políticas públicas de inclusão social, estas decorrentes do mero dever-poder do Estado pela teoria administrativista do século XXI. Diversamente disso, a fraternidade deve ser reconhecida como um direito natural, sagrado, inalienável e inviolável. Como tal, deve ser protegida no seu núcleo essencial pelos Poderes constituídos, e, principalmente, deve ser protegida no plano internacional, última instância de freios para um governo pervertido no plano interno.

O grande erro das gerações das duas grandes guerras parece ter sido a inversão de prioridades. Um pouco antes, na França, colocar a liberdade e a igualdade antes da fraternidade também não ocasionou outra coisa senão o próprio Terror.

Com efeito, as conquistas anteriores tiveram outras prioridades, tidas como pré-requisitos para a perfeição da fraternidade. Assim se deu, v.g., com o direito à propriedade privada, que então já era “um direito natural, sagrado, inalienável e inviolável”[36], e que foi o grande protagonista dos textos constitucionais do século XVIII. Ao tempo, as Constituições serviam aos interesses burgueses e deveriam funcionar como freios aos arbítrios dos monarcas.

Posteriormente, viu-se ganhar prioridade a liberdade e a igualdade, cada uma a seu tempo, no Estado liberal e no Estado social, respectivamente. Sem dúvida, chegou a hora de conferir destaque e aplicabilidade à fraternidade, como uma exponencial categoria jurídica, tanto quanto às que lhe antecederam nos programas do Estado: é a vez do Estado de Constitucionalismo fraternal[37].

A presente reflexão traz a seguinte ideia para os estudos de fraternidade: ela nunca deveria ter sido relegada a terceiro plano. Uma vez diante do ressurgimento desta categoria de direito natural no ideário revolucionário de 1789, a fraternidade deveria ter sido o primeiro princípio proclamado no lema “Liberté, Egalité, Fraternité”. É hora de fazer um adendo histórico, de natureza confessional e preventiva, em que se proclama: “Fraternité, Egalité, Liberté”. O mais garante o menos. Uma sociedade fraterna, ainda que acorrentada, não devorará seus irmãos no cativeiro.

Segundo a Bíblia[38], esse foi o exemplo histórico do assim chamado “povo de Deus”, o qual, sob a opressão da escravidão, na união fraterna, floresceu ainda mais que os senhores egípcios, chegando a causar a perplexidade e indignação do Faraó, que acabou por ordenar o assassinato de todo primogênito israelita. É de verificar-se, por meio deste evento histórico, que a fraternidade leva ao êxito e supre até mesmo a falta de onde não há liberdade nem igualdade.

O contrário não é verdadeiro. Uma sociedade livre, mas não fraterna, ainda que igual, pode se valer justamente da liberdade para achacar sua outra parcela, ainda que igual, pois sempre “uns são mais iguais que os outros”. E um povo livre pode se perder pela própria liberdade.

Esse foi o exemplo histórico do povo alemão, contra seus pares alemães, numa sociedade livre e igual, porém, não fraterna. A doutrina cristã tem essa dívida para consigo mesma e para com as demais religiões por ela perseguidas no período, pois não foi capaz de açodar os impulsos dos seus ferrenhos adeptos – assim como nas Cruzadas.  Ainda é cedo para falar de cristianismo e fraternidade sem ressalvas, em especial, devido às controversas relações entre as Igrejas Protestante[39] e Católica com o regime nazista. Os arquivos secretos do Vaticano sobre o período, enquanto não forem totalmente publicizados, são mais um obstáculo para a opinião em sentido contrário.

Daí que este estudo aponta como contribuição, dentre outras, a reflexão sobre a devida relação entre fraternidade prática e fraternidade abstrata de textos cristãos sabidamente gnósticos. É temerário apontar, sempre, o cristianismo como paradigma do estudo histórico da fraternidade, sem se fazer essa diferenciação, mormente em face de toda a parcela de carga antissemita que também se encontram nos textos da cristologia, como se observa, v.g., no clássico livro de Martinho Lutero[40] e em inúmeras passagens dos textos patrísticos[41]. De toda sorte, não se faz aqui uma observação definitiva nem aprofundada, senão um apontamento que possa levantar a discussão e trazê-la para os estudos de fraternidade, tida como a Nova Fraternidade, porque ao mesmo tempo jurídica, política, universal e corrigida das falhas passadas.

Não há problema em que alguns apontamentos históricos, acadêmicos, sejam feitos às belas origens da fraternidade no seio do cristianismo, desde que também se façam essas observações. Afinal, o pensamento abstrato, puramente abstrato, sempre acaba por levar a erros e a ideologias conspirativas.

Voltando às considerações em um pensamento jurídico-aplicado, enfim, o princípio constitucional da fraternidade, explícito no preâmbulo da Carta Política, ou mesmo quando implícito, é um vetor interpretativo da ordem jurídica como um todo, sendo verdadeiro princípio geral de direito, deontológico, tal qual o princípio de justiça.

Velar pela sua eficácia sempre foi o objetivo último do Direito, que se confunde com a proteção à vida, a busca pela paz e pela ordem social. Por tudo isso, considera-se que, enquanto uma categoria jurídica, o princípio da fraternidade presta-se a nortear os Poderes constituídos em sentido sempre diverso das ameaças da guerra civil, dos genocídios[42], dos extermínios em massa, da dizimação de povos inteiros[43] enfim, do Terror.

Também se considera que o princípio da fraternidade, dependendo de onde se olha, não é um princípio esquecido, é um princípio esquecível, e que por isso também pode ser relembrado, como vem a sê-lo pela RUEF[44]. Essa condição requer que haja sempre organismos e entidades de direito internacional constantemente a postos, como verdadeiras sentinelas da fraternidade.

Não se pode negar, no entanto, que o vocábulo fraternidade tem sido preterido juridicamente, optando-se, com maior frequência, pelo vocábulo solidariedade. Contudo, a fraternidade, enquanto terminologia jurídica, vem percebendo maiores atenções, tanto pelo trato jurisprudencial, como se viu nas apontadas decisões do Supremo Tribunal Federal, quanto na doutrina e na legislação, mormente pelo lugar de destaque que lhe conferiram os representantes do povo em 1988.

Enquanto se lhe der efetividade, aplicabilidade e concretização, a fraternidade permanecerá viva nas mentes e nos corações dos povos, por força da própria natureza humana. Leigos e juristas sentem a força normativa da fraternidade diariamente, impulsionados pela boa inclinação volitva, a despeito da mesquinharia humana.

O aludido princípio, por tudo, permanece flamejante no próprio preâmbulo da Constituição Cidadã.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Bacharel em Direito. Pós-Graduado em Ciências Criminais na ASCES.

[2] Não se está aqui a desconsiderar todas as contribuições de índole universalista consagradas pela Revolução Tricolor. Contrário disso, ver HOBSBAWM, Eric J. A revolução francesa. 4.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, s/d (Coleção leitura).

 

[3] MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A fraternidade como categoria jurídico-constitucional. In: Congresso Nacional – Direito e Fraternidade. Vargem Grande Paulista. São Paulo, 2008. Disponível em: < http://www.ruef.net.br/bibliotecapt.php?pagina=1>. Acesso em: 08 jul. 2012.

[4] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 54.

[5] HOBSBAWM, Eric J. A revolução francesa. 4.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, s/d (Coleção leitura), p.19.

[6] HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia – entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. vol. II.  p, 186.

[7] ROSSETTO, Geralda Magella de Faria. Apontamentos sobre a fraternidade: por uma racionalidade teórico-prática de sua sistematização jurídica. Disponível em: <http://www.ruef.net.br/ bibliotecapt.php?pagina=5>. Acesso em: 08 jul. 2012.

[8] MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A fraternidade como categoria jurídico-constitucional. In: Congresso Nacional – Direito e Fraternidade. Vargem Grande Paulista. São Paulo, 2008. Disponível em: < http://www.ruef.net.br/bibliotecapt.php?pagina=1>. Acesso em: 08 jul. 2012.

[9] Para a relação entre fraternidade e sistema penal brasileiro ver MELO, Carla Dandara S. A relativização da fraternidade na aplicação da norma e em sua executoriedade. Disponível em: < http://www.ruef.net.br/bibliotecapt.php?pagina=1>. Acesso em: 08 jul. 2012.  

[10] Neste último caso, sempre que as condições objetivas e subjetivas estão presentes in concretu e são observadas pelo juiz da condenação nas etapas de aplicação da pena.

[11] Sobre o tema, BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. A nova interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

[12] Sobre o tema, amplamente, ver LIMA, Bruna Rafaela Cavalcante Pais de. Atuação do Ministério Público no controle das políticas públicas.  2008.  89 f. Monografia (Bacharelado em Direito) – Faculdade de Direito de Caruaru, ASCES, Caruaru, 2008.

[13] PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Direitos fundamentais sociais: considerações acerca da legitimidade política e processual do Ministério Público e do sistema de justiça para sua tutela. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.133.

 

[14] Vale diferenciar que o direito à igualdade tenha percebido maiores atenções apenas no início do século XX, com a edição da Constituição mexicana de 1917, a Constituição de Weimar de 1919 e a Declaração russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918, todas após as políticas sociais de Otto von Bismarck, do final do século XIX. Isto acarretou a distinção entre igualdade formal e igualdade material, refletindo a disparidade temporal que separa a igualdade proclamada da igualdade efetivada. Demais disso, o devido apreço à teoria jurídica de um direito à igualdade só encontrou expressão depois das pesquisas em Sociologia, a exemplo dos estudos e experimentos do socialista utópico Robert Owen. Sobre o tema, ver SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

[15] BAGGIO, Antonio Maria. A redescoberta da fraternidade na época do ‘terceiro 1789’. Disponível em: < http://www.ruef.net.br/bibliotecapt.php?pagina=2>. Acesso em: 08 jul. 2012.

[16] Sem um estudo dogmático do direito positivado, é real a possibilidade do erro de imputar à fraternidade algo que seja, na verdade, produto da eficácia e aplicabilidade imediata de outros direitos constitucionais, tais como a dignidade da pessoa humana ou qualquer outro princípio político-constitucional que integra os artigos 1o ao 4o da CF/88, incluindo-se aí o princípio da solidariedade. Sobre os princípios político-constitucionais e os princípios jurídico-constitucionais, por todos, ver SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

[17] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2076 –AC. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Carlos Veloso. DJ 14. 08. 2002. Disponível em: < http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 31 mai. 2011.

[18] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4277 –DF. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Ayres Britto. DJ 14. out. 2011. Disponível em: < http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 31 mai. 2011.

[19] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 26.071-DF. Primeira Turma. Relator: Ministro Ayres Britto. j.13. nov. 2007. Disponível em: < http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 08 jul. 2012.

[20] Sobre hermenêutica constitucional, ver GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3. ed. São Paulo, Malheiros, 2005.

[21] PIZZOLATO, Fillipo. A fraternidade no ordenamento jurídico italiano. In: BAGGIO, Antonio Maria. (Organizador). O Princípio Esquecido. São Paulo: Cidade Nova, 2008. p. 120.

[22] SILVA, Ildete Regina Vale da. Estudos preliminares sobre a fraternidade do direito. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de pós-graduação strictu sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.3, n.3, 3º quadrimestre de 2008. p. 430.

[23] HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 1766.

[24] ARENDT, Hannah. Eichmann in Jerusalem. A report on the banality of evil. New York: Penguin Books, 1994. p. 10. As citações originais estão em inglês. As traduções são do autor.

[25] Ibid., p. 25.

[26] ARENDT, Hannah. Eichmann in Jerusalem. A report on the banality of evil. New York: Penguin Books, 1994. p. 12.

[27] Ibid., p. 19.

[28] Ainda hoje há a linha de pesquisa chamada Revisionista, a qual lida com motivos antissemitas na tentativa de reescrever a história com o sentido de que houve um holocausto alemão, mas não judeu; ou de que nunca houve o holocausto, e tudo seria apenas parte de um plano de vitimização dos judeus, a exemplo do que clama o estadista Mahmoud Ahmadinejad.

[29] A Solução Final.

[30] ARENDT, Hannah. Eichmann in Jerusalem. A report on the banality of evil. New York: Penguin Books, 1994. p. 33.

[31] Esses últimos, os cultos e letrados, não deixavam de ser ignorantes no mais estrito sentido. Tanto é assim que, para a iluminada elite alemã, os incultos eram denominados pejorativamente de “filisteus da cultura”, numa clara afirmação da intolerância que grassava entre as classes sociais. A intolerância e o preconceito partia de cima, maculando a classe dirigente. Tal conduta dos supostos letrados do Terceiro Reich não resiste sequer ao mais clichê dos ditos socráticos: Só sei que nada sei.

[32] ARENDT, Hannah. Eichmann in Jerusalem. A report on the banality of evil. New York: Penguin Books, 1994. p. 24.

[33] Ibid., p. 52.

[34] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 82.424-2-RS. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Moreira Alves. j.17. set. 2003. Disponível em: < http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 04 jun. 2011.

[35]Escritor revisionista brasileiro e fundador da Editora Revisão, cujos livros antissemitas se valiam da liberdade de expressão para propalar a mesma propaganda nazista do partido socialista alemão. Não havendo o crime de antissemitismo tipificado, para escapar ao crime de racismo, Ellwanger argumentou que os judeus não constituem uma raça, e por isso chegou a ser absolvido em primeira instância pela Justiça do Rio Grande do Sul; contudo, foi condenado por unanimidade pelos desembargadores da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado gaúcho.

[36] HOBSBAWM, Eric J. A revolução francesa. 4.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, s/d (Coleção leitura), p.19.

[37] BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 218.

[38] A BÍBLIA SAGRADA: Antigo e o Novo Testamento. Livro do Êxodo. Trad. João Ferreira de Almeida. Revista e atualizada no Brasil. 2. ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.

[39] Ver os Deutsche Christen e a Igreja luterana nacional-socialista.

[40] LUTHER, Martin. Von den Jüden und Jren Lügen. Porto Alegre: Editora Revisão, 1993.

[41] A título de exemplo, São João Crisóstomo, Arcebispo de Constantinopla, em um de seus sermões, proferidos no séc. IV, prega contra os judeus e os pagãos palavras em tudo contrárias à fraternidade. Ver WILKEN, Robert Louis. John Chrysostom and the Jews: Rhetoric and Reality in the Late Fourth Century. Berkeley: University of California Press, 1983.

[42] Recentemente, viram-se os eslavos, nos Bálcãs, voltando-se contra as minorias étnicas muçulmanas que possuíam raízes históricas com o extinto Império Otomano.

[43] Como foi o caso da recém-descoberta américa espanhola, quando populações indígenas inteiras forma dizimadas por cristãos europeus.

[44] Rede Universitária para o Estudo da Fraternidade.