Stênio Leão Guimarães
Resumo: A aposentadoria especial por exposição a agentes nocivos originou-se de inúmeros mandados de injunção ao Supremo Tribunal Federal por causa da ausência de lei complementar que efetivasse o direito à aposentadoria especial garantido pela Magna Carta. Essas decisões judiciais provocaram a edição das primeiras normativas para a concessão do benefício na administração pública federal. Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal garantiu o direito à aposentadoria especial a todos os servidores que laboram em condições insalubres que danificam a saúde com a edição da Súmula Vinculante nº 33. Atualmente a Orientação Normativa SGP/MPOG nº 16/2013 regula a matéria estabelecendo o rito específico e os documentos necessários para concessão do benefício. O presente trabalho abordará a origem da aposentadoria por exposição a agente nocivo até a EC nº 103/2019 quando fora regulamentada constitucionalmente em nosso ordenamento jurídico.
Palavras–chave: Aposentadoria especial. Sumula vinculante nº 33. Reconhecimento de tempo especial.
Abstract: Special retirement due to exposure to harmful agents originated from numerous court injunctions to the Supreme Federal Court by reason of the absence of a complementary law that would enforce the right to special retirement guaranteed by Magna Carta. These judicial decisions led to the publication of the first regulations for granting the benefit in the federal public administration. Subsequently, the Supreme Federal Court guaranteed the right to special retirement to all public servants who work in unhealthy conditions that damage their health with the edition of Binding Precedent No. 33. Currently, Normative Guidance SGP/MPOG No. 16/2013 regulates the matter establishing the specific rite and the necessary documents to concede the benefit. This work will discuss the origin of retirement due to exposure to the harmful agent until EC No. 103/2019, when it was regulated in our legal system.
Keywords: Special retirement. Binding Precedent No. 33. Recognition of special time.
Sumário: Introdução. 1. A origem e evolução da aposentadoria por exposição a agente nocivo no regime próprio de previdência da união. Conclusão. Referências.
Introdução
Há mais de 11 anos a aposentadoria especial por exposição a agentes nocivos está disponível aos servidores públicos federais. A sua gênese é produto de inúmeros mandados de injunção ao Supremo Tribunal Federal.
A construção da jurisprudência resultou na edição da Súmula Vinculante nº 33 que garantiu o direito à aposentadoria especial a todos os servidores que laboram em condições insalubres que danificam a saúde nas mesmas regras estipuladas pelo Regime Geral de Previdência Social.
A regulamentação sobre o reconhecimento do tempo especial e documentos necessários evoluiu através das Orientações Normativas SRH/MPOG nº 6/2010, 10/2010 e a Instrução Normativa SRPPS/MPS nº 1, de 22/11/2010.
Atualmente está vigente a Orientação Normativa SGP/MPOG nº 16/2013 que possibilita a concessão do benefício se cumprido o requisito de 25 anos de efetiva exposição até 13/11/2019, data de publicação da EC nº 103/2019. Atualmente a referida Orientação Normativa é utilizada no sentido de nortear a concessão do benefício no que tange o rito específico do processo e documentação necessária.
O presente trabalho busca, através de uma pesquisa normativa e jurisprudencial, apontar a origem da aposentadoria por exposição a agente nocivo na administração pública federal, bem como as inovações da EC nº 103/2019.
1. A origem e evolução da aposentadoria por exposição a agente nocivo no regime próprio de previdência da união
A aposentadoria especial por condições insalubres para os regimes próprios de previdência social surgiu com a Reforma Previdenciária de 1998, promovida pela Emenda Constitucional nº 20 do mesmo ano.
Proposta pelo Poder Executivo Federal em 1994 no início do governo de Fernando Henrique Cardoso a EC nº 20/98 alterou o §4º do Art. 40 da CRFB/88. Citemos o dispositivo:
“Art. 40
(…)
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)”
Como definido, a aposentadoria por condições especiais que prejudiquem a saúde ou integridade física necessitava de uma lei complementar para que pudesse ser requerida para os servidores de cargo efetivo.
Posteriormente, o supracitado § 4º do Art. 40 fora alterado numa reforma previdenciária realizada no governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 2005, através da EC nº 47/2005. Essa alteração ampliou significativamente as modalidades de aposentadoria especial, como se percebe abaixo:
“Art. 40
(…)
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
I portadores de deficiência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
II que exerçam atividades de risco; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) (LC nº 51/85)
III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)”
Apesar da alteração, todas as modalidades de aposentadoria especial necessitavam de uma regulamentação por lei complementar sobre o benefício.
Diante da ausência de interesse político para aprovação de uma lei que regulamentasse a aposentadoria por exposição a agentes nocivos à saúde, a força sindical promoveu mandados de injunção ao Supremo Tribunal Federal.
O mandado de injunção é um remédio constitucional com o objetivo de suprimir lacunas regulamentadoras que torne inviável o exercício de direitos e liberdades estabelecidas na constituição conforme disposto no Inciso LXXI do Art. 5º da CRFB/88.
Outrossim, surgiram em meados de 2009 e 2010 uma série de mandados de injunção, principalmente impetrados pelos sindicatos e associações sindicais requerendo para seus representados o direito de se aposentar por condições especiais de acordo com o Regime Geral de Previdência Social.
No Regime Geral de Previdência Social esta modalidade de aposentadoria estava prevista no Plano de Benefícios da Previdência Social, Lei Federal nº 8.213/91 regulamentado no Art. 57 que segue in verbis:
“Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)”
Deste modo, os mandados de injunção buscavam obter para os servidores públicos federais a aposentadoria especial por condições insalubres por 25 anos de efetiva exposição.
Cita-se, por exemplo, o Mandado de injunção nº 880 de 6 de maio de 2009 de autoria da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal – CONDSEF e do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES-SN e o Mandado de injunção nº 1554 de 18 de fevereiro de 2010 de autoria da Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileira-FASUBRA-SINDICAL e do Sindicato dos Trabalhadores nas Instituições Federais de Ensino Superior – SINDIFES. Vale mencionar que inúmeros outros mandados de injunção surgiram naquele período.
O êxito dessas ações judiciais demandou o Órgão Central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC), o então, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no sentido de editar normas sobre a análise e concessão do benefício, já que o mesmo a competência em regular a matéria de pessoal no âmbito do poder executivo federal de acordo com o Parágrafo Único do Art. 17 da Lei Federal nº 7.923/1989.
O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão editou a Orientação Normativa SRH/MPOG nº 6/2010. A referida Orientação Normativa tinha o objetivo de conceder a aposentadoria especial de acordo com o Art. 57 da Lei Federal nº 8.213/91para os servidores públicos federais amparados por Mandados de Injunção.
Posteriormente, fora editada a Orientação Normativa SRH/MPOG nº 10/2010 regulamentando melhor a matéria e trazendo a possibilidade de pagamento de abono de permanência. No fim do mesmo ano, o Ministério da Previdência Social editou a Instrução Normativa SRPPS/MPS nº 1, de 22/11/2010 que fixou o procedimento de reconhecimento do tempo de serviço público exercido sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física para os regimes próprios de previdência social para fins de concessão de aposentadoria especial aos servidores públicos amparados por Mandado de Injunção.
A Instrução Normativa SRPPS/MPS nº 1/2010 trazia com mais profundidade os meios de comprovação do tempo de exposição bem como os principais marcos temporais que deveriam ser observados. Então, o Órgão Central do SIPEC editou a Orientação Normativa SGP/MPOG nº16/2013 com teor similar ao fixado na Instrução Normativa do Ministério da Previdência Social.
Diante dos inúmeros julgados via mandado de injunção, em 24/4/2014, pacificando o entendimento sobre as aposentadorias especiais, o STF emitiu a Súmula Vinculante nº 33 determinando:
“Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.”
Posteriormente, o STF editou em 29/05/2014 o Tema nº 727 de Repercussão Geral ao analisar o Leading Case: RE 797905 atraindo para si a competência para julgar os mandados de injunção sobre a temática.
A Súmula Vinculante nº 33 possibilitou a concessão da aposentadoria para o servidor exposto em condições insalubres de forma administrativa para todos os servidores públicos de cargo efetivo, ou seja, com efeito erga omnes. Diferentemente da situação anterior em que os efeitos do mandado de injunção somente atingiam para aqueles que eram amparados por Mandado de Injunção, ou seja, com efeito inter partes.
Deste modo, a Orientação Normativa SGP/MPOG nº 16/2013 foi atualizada pela Orientação Normativa nº 5/2014 garantindo o acesso a qualquer servidor público federal, por força da Súmula Vinculante nº 33.
Então, para o servidor federal amparado por mandado de injunção ter acesso à análise do benefício era necessário a cópia da decisão por mandado de injunção, declaração ou contracheque que comprove o vínculo e o parecer de força executória da assessoria jurídica. Após a Súmula Vinculante nº 33 o servidor federal somente precisava requerer.
Com a aplicação da Lei Federal nº 8.213/91, a aposentadoria especial por exposição a agentes nocivos depende da comprovação de 25 anos de efetiva exposição, gerando um benefício com proventos calculados pela média aritmética de 80% das maiores contribuições, atualizadas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, a partir de julho de 1994 ou de quando iniciar o período contributivo, se posterior àquela competência, com reajuste do benefício conforme o INPC (reajuste do RGPS).
Para a caracterização do tempo há que se mencionar o marco temporal da Lei nº 9.032/1995 de 28 de abril de 1995 que se retirou a presunção de exposição a agentes nocivos para determinadas categorias profissionais como médicos, enfermeiros e engenheiros de construção civil.
Após 29 de abril de 1995 a 5 de março de 1997 o enquadramento por atividade especial se dá pelo Quadro anexo ao Decreto Federal nº 53.831/1964. De 6 de março de 1997 até 6 de maio de 1999 o enquadramento de atividade especial observará a relação dos agentes nocivos prejudiciais à saúde ou à integridade física de acordo com Anexo IV do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social aprovado pelo Decreto Federal nº 2.172/1997.
Por fim, a partir de 7 de maio de 1999, o enquadramento de atividade especial observará a relação dos agentes nocivos prejudiciais à saúde ou à integridade física de acordo com o Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999.
Vale mencionar que todos os quadros conforme os marcos temporais estão disponíveis na Orientação Normativa SGP/MPOG nº 16/2013.
Para que haja o reconhecimento do regime de previdência do tempo especial é necessário a emissão do Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP (regulamentado pela IN INSS/DC 99/2003) a partir de 01/01/2004. Conforme Art. 14 da Orientação Normativa SGP/MPOG nº 16/2013 o PPP será emitido pelo órgão ou entidade responsável pelos assentamentos funcionais do servidor público.
A Orientação Normativa SGP/MPOG nº 16/2013 prevê ainda que é possível o reconhecimento de outros formulários editados antes de 01/01/2004 como por exemplo o DIRBEN-8030, regulamentado pela IN INSS/DC 39 de 26/10/2000 (emitidos entre 26/10/2000 e 31/12/2003), o DSS-8030, regulamentado pela OS INSS/DSS 518 de 13/10/1995 (emitidos entre 13/10/1995 e 25/10/2000), o DISES BE 5235, regulamentado pela Resolução INSS/PR 58 de 16/09/1991 (emitidos entre 16/09/1991 e 12/10/1995) e o SB-40, regulamentado pela OS SB 52.5 de 13/08/1979 (emitidos entre 13/08/1979 e 11/10/1995).
Merece mencionar que a Orientação Normativa SGP/MPOG nº 16/2013 exige a edição do Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho – LTCAT para concessão do benefício. Equiparam-se ao laudo citado, os laudos técnico-periciais emitidos por determinação da Justiça do Trabalho, em ações trabalhistas, acordos ou dissídios coletivos, os laudos emitidos pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) e os laudos emitidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ou pelas Delegacias Regionais do Trabalho (DRT).
Conforme o Art. 15 da Orientação Normativa SGP/MPOG nº 16/2013 o LTCAT deverá ser emitido por médico do trabalho, ou engenheiro com especialização em segurança do trabalho que integre, de preferência, o quadro funcional da Administração Pública responsável.
Além disso, é necessário o parecer da perícia médica, elaborado por médico do trabalho, em relação ao enquadramento por exposição a agentes nocivos e a portaria de designação do servidor para operar com raios X e substâncias radioativas, se for o caso.
Vale mencionar que a Orientação Normativa SGP/MPOG nº 16/2013 reconhece o direito ao Abono de Permanência, conforme o Art. 23. Há ainda a vedação de averbação de tempo de serviço como especial, conforme o Art. 25, bem como solicita a revisão de todas aposentadorias concedidas com base nas ON SRH nº 6/2010 e ON SRH nº 10/2010 ainda não registradas no sistema do Tribunal de Contas da União, conforme os artigos 27 e 28.
Um dos pontos controversos é a abrangência da aplicação da Orientação Normativa. Uma corrente defende que como Orientação Normativa é direcionada aos órgãos do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC), a normativa somente se aplicaria ao âmbito federal. Só podendo reconhecer como tempo especial aquele exercido em órgãos federais.
Alguns órgãos aplicando o AC nº 3129/2010-TCU-Plenário reconhecem a possibilidade de contagem de tempo especial em outros entes da federação para conversão de tempo especial em comum. Citemos a ementa da jurisprudência:
“CONSULTA. CÔMPUTO, COM ACRÉSCIMO, PARA EFEITO DE APOSENTADORIA ESTATUTÁRIA, DO TEMPO DE SERVIÇO EXERCIDO COMO CELETISTA, NO SERVIÇO PÚBLICO ESTADUAL OU MUNICIPAL, SOB CONDIÇÕES INSALUBRES, PERIGOSAS OU PENOSAS, NO PERÍODO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 8.112/ 1990. DÚVIDA SUSCITADA NA APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO TCU, MEDIANTE O ACÓRDÃO Nº 2008/2006-PLENÁRIO. CONHECIMENTO EM CARÁTER EXCEPCIONAL. ESCLARECIMENTOS A RESPEITO DA MATÉRIA. A contagem especial de tempo de serviço, para efeito de aposentadoria estatutária, admitida pelo Acórdão nº 2008/2006-TCU-Plenário, diz respeito ao tempo de serviço prestado como celetista, no serviço público, sob condições insalubres, perigosas ou penosas, no período anterior à vigência da Lei nº 8.112/1990, em qualquer esfera de governo (federal, estadual ou municipal).”
A interpretação restritiva da Orientação Normativa SGP/MPOG nº 16/2013 parece ser um equívoco na ótica da Súmula Vinculante nº 33. O Supremo Tribunal Federal através da súmula buscou ampliar o direito enquanto não houvesse uma legislação específica sobre a aposentadoria especial para o servidor de cargo efetivo. A súmula é clara em afirmar que enquanto não houver lei específica será aplicada a legislação do Regime Geral de Previdência Social – RGPS. Já a legislação do RGPS não restringe o reconhecimento do tempo especial oriundo de outros Regimes de Previdência, então não caberia o Regime Próprio de Previdência da União restringir a contagem de tempo especial de outros regimes de previdência.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 103/2019, reforma previdenciária proposta pelo poder executivo no governo de Jair Bolsonaro, o impasse parece ter sido resolvido por imposição do texto legal.
A Emenda Constitucional nº 103/2019 supriu a ausência de regulamentação da aposentadoria do antigo §4º do Art. 40. Com a reforma previdência de 2019, o Art. 40 foi reestruturado estabelecendo no § 4º-C do Art. 40 a aposentadoria por exposição a agente nocivo. Se cita o referido dispositivo:
“Art. 40.
(…)
§ 4º-C. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação.”
Com a EC nº 103/19, o Artigo 40 é dotado de características norteadoras necessitando de leis complementares que regulamentem melhor a matéria. Trata-se do fenômeno de desconstitucionalização das regras previdenciárias para os regimes próprios de previdência social.
Apesar da previsão no §4º-C do Art. 40, para que seja aplicada em sua plenitude, a aposentadoria especial por exposição não é acessível neste fundamento. Porém, a EC nº 103/2019 estabelece uma regra transitória ao regramento permanente enquanto não é editada lei complementar regulamentando a matéria. Cita-se o dispositivo:
“Art. 10. Até que entre em vigor lei federal que discipline os benefícios do regime próprio de previdência social dos servidores da União, aplica-se o disposto neste artigo.
(…)
§ 2º Os servidores públicos federais com direito a idade mínima ou tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria na forma dos §§ 4º-B, 4º-C e 5º do art. 40 da Constituição Federal poderão aposentar-se, observados os seguintes requisitos:
(…)
II – o servidor público federal cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, aos 60 (sessenta) anos de idade, com 25 (vinte e cinco) anos de efetiva exposição e contribuição, 10 (dez) anos de efetivo exercício de serviço público e 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria;”
Na prática, como se percebe no quadro abaixo, foram criados muitos outros requisitos para ter acesso ao benefício.
Gênero Ambos
Idade 60 anos
Tempo no cargo em que se der a aposentadoria 5 anos
Tempo de serviço público 10 anos
Tempo de efetiva exposição e contribuição 25 anos
Vale mencionar que houve alteração ao modo de cálculo dos proventos. A regra transitória ao regramento permanente previsto no Inciso II do § 2º do Art. 10 combinado com o Art. 26 da EC nº 103/2019 gera proventos de acordo com a média aritmética de 100% das maiores contribuições, atualizadas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, a partir de julho de 1994 ou de quando iniciar o período contributivo, se posterior àquela competência, com reajuste do benefício conforme o INPC (reajuste do RGPS).
Além disso, o resultado será multiplicado pelo percentual de 60%, acrescido de 2% para cada ano que exceder 20 anos de tempo de contribuição, conforme §4º do Art. 10 combinado com o Inciso II, §2º do Art. 26 da EC 103/2019. Ou seja, como este tipo de aposentadoria exige pelo menos 25 anos de tempo de contribuição, no mínimo incidirá o percentual de 70% sobre a média aritmética.
Caso o servidor queria se aposentar com um provento maior, deverá trabalhar mais objetivando aumentar o percentual que incidirá na média aritmética.
Vale mencionar que a EC nº 103/2019 fixa uma regra de transição para os servidores públicos federais que já estavam no serviço público e ao segurado do Regime Geral de Previdência Social filiado antes de 13/11/2019. Cita-se o dispositivo legal:
“Art. 21. O segurado ou o servidor público federal que se tenha filiado ao Regime Geral de Previdência Social ou ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional cujas atividades tenham sido exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, desde que cumpridos, no caso do servidor, o tempo mínimo de 20 (vinte) anos de efetivo exercício no serviço público e de 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria, na forma dos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, poderão aposentar-se quando o total da soma resultante da sua idade e do tempo de contribuição e o tempo de efetiva exposição forem, respectivamente, de:
I – 66 (sessenta e seis) pontos e 15 (quinze) anos de efetiva exposição;
II – 76 (setenta e seis) pontos e 20 (vinte) anos de efetiva exposição; e
III – 86 (oitenta e seis) pontos e 25 (vinte e cinco) anos de efetiva exposição.”
Destaca-se que esta regra de aposentadoria especial se aplica tanto para o servidor público federal como ao segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social. Conforme tabela abaixo, é possível perceber que a aposentadoria especial tem vários requisitos:
Requisitos Aposentadoria com efetiva exposição em
Efetiva exposição 15 anos 20 anos 25 anos
Pontos (Idade + Tempo de Contribuição) 66 76 86
Serviço Público 20 anos
Tempo no cargo em que se der a aposentadoria 5 anos
Como a regra se aplica ao servidor público federal e ao segurado do Regime Geral de Previdência Social, o tempo de efetiva exposição poderá ser contabilizado de qualquer regime de previdência, desde que seja reconhecido no referido regime e seja atestado via Certidão de Tempo de Contribuição, conforme Inciso III do Parágrafo Único do Art. 5º da Portaria MPS nº 154/2008.
Outro ponto que merece consideração é a contabilização do requisito tempo de contribuição que está na fórmula do cálculo da pontuação. Pela inteligência do artigo será possível contar tempo comum sem efetiva exposição a agentes nocivos.
Conforme § 2º do Art. 21 da EC nº103/2019, os proventos terão cálculo definido em lei. Porém, será aplicado conforme Inciso VI, §2º do Art. 26 da EC nº 103/2019 a regra de transição ao regramento permanente da média aritmética de 100% das maiores contribuições, atualizadas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, a partir de julho de 1994 ou de quando iniciar o período contributivo, se posterior àquela competência, com reajuste do benefício conforme o INPC (reajuste do RGPS). Multiplicando a média obtida pelo percentual de 60% acrescido de 2% para cada ano que exceder 20 anos de tempo de contribuição.
No serviço público raramente será concedido aposentadoria por agente nocivo por 15 anos ou 20 anos de exposição. Isso se deve pois o Anexo IV do Decreto Federal nº 3.048/99 destaca como possível se aposentar com 15 anos de efetiva exposição em trabalhos em atividades permanentes no subsolo de minerações subterrâneas em frente de produção, bem como elenca como possível se aposentar com 20 anos de efetiva exposição os trabalhos de mineração subterrânea cujas atividades sejam exercidas afastadas das frentes de produção e exposição a asbestos ou amianto. Esta posição é defendida por AMADO (2020, p 158) e KERTZMAN (2020, p. 155).
Outro ponto que merece destaque é a aplicação do Orientação Normativa SGP/MPOG nº 16/2013 no que couber ao regramento imposto pela EC nº 103/2019. Dito isso, a administração pública federal deverá observar o rito específico, com toda a documentação que comprova a especialidade do tempo laboral para concessão do benefício.
Vale mencionar que as aposentadorias previstas no Inciso II do § 2º do Art. 10 da EC nº 103/2019 (regra transitória ao regramento permanente) e no Art. 21 da EC nº 103/2019 (regra de transição) podem conceder abono de permanência ao servidor, se cumprir os requisitos para se aposentar e decidir permanecer em atividade, conforme o § 5º do Art. 10 e o Art. 8 da EC nº 103/2019.
Por outro lado, se critica a concessão de abono de permanência para esta modalidade de aposentadoria. A aposentadoria especial normalmente tem critérios mais brandos em detrimento da aposentadoria comum, já que durante o labor, o profissional, em tese, está prejudicando a saúde devido contato diário com o agente nocivo.
O abono de permanência se trata de um benefício estipulado na EC nº 47/2005 em substituição da isenção de contribuição previdenciária criada na EC nº 20/98 e constitui uma retribuição pecuniária no valor equivalente à contribuição previdenciária para aquele servidor que cumpre os requisitos para se aposentar e permanece em atividade.
Dessarte, permitir o pagamento de abono de permanência, numa situação em que cada dia que se passa o servidor danifica a sua saúde, com a máxima vênia, exorbita os fundamentos pelos quais incentivaram a gênese desse tipo de aposentadoria.
Conclusão
A aposentadoria especial por exposição a agentes nocivos é oriunda sobretudo da luta dos servidores e sua representação sindical. Menciona-se que a Súmula Vinculante nº 33 provocou grande avanço social no sentido de possibilitar aposentadoria especial àquele que está exposto a agentes nocivos por 25 anos. Tirando-lhe o ônus de laborar até 35 anos de tempo de contribuição para ter acesso à aposentadoria comum.
Merece destacar que a aposentadoria especial por exposição a agente nocivo estipulada no Artigo 10 da EC nº 103/2019 tem requisitos pesados para a natureza da aposentadoria. Principalmente pelo fato que o servidor deverá trabalhar em contato com o agente nocivo até a idade de 60 anos.
Já a aposentadoria do Artigo 21 da EC nº 103/2019 tem regras mais brandas para aqueles que já estavam no serviço público, porém mais difíceis quando se compara com o regramento anterior à EC nº 103/2019, quando o único requisito solicitado era 25 anos de efetiva exposição a agente nocivo nos termos da Orientação Normativa SGP/MPOG nº 16/2013 por força vinculante nº 33.
O principal desafio da administração pública federal é ter uma equipe alinhada no sentido de compreender a natureza do benefício, já que reúne vários profissionais de áreas distintas (medicina do trabalho, segurança do trabalho, direito e administração).
Já os Regimes Próprios de Previdência deverão equacionar os procedimentos na emissão de Certidão de Tempo de Contribuição, atestando o tempo especial para viabilizar a contagem recíproca de tempo de serviço para a aposentadoria especial.
Referências
AMADO, Frederico. Reforma da Previdência comentada. Salvador: Juspodvim, 2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em 16 de abril de 2021.
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_______. Emenda Constitucional Nº 103, de 12 de Novembro de 2019. Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Lei Federal nº 8.112/90. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Lei Federal nº 8.213/91. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Lei Federal nº 9.032/1995. Dispõe sobre o valor do salário mínimo, altera dispositivos das Leis nº 8.212 e nº 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9032.htm. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Decreto Federal nº 3.048/1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Decreto Federal nº 2.172/1997. Aprova o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2172.htm. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Instituto Nacional do Seguro Social. IN INSS/DC 99/2003. Estabelece critérios a serem adotados pelas áreas de Benefícios e da Receita Previdenciária.. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=75578. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 3129/2010 – Plenário. Relator: Valmir Campelo. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/pesquisa/acordao-completo. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Orientação Normativa SRH/MPOG nº 6/2010. Estabelece orientação aos órgãos e entidades integrantes do SIPEC quanto à concessão de aposentadoria especial de que se trata o Art. 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 (Regime Geral de Previdência Social), aos servidores públicos federais amparados por Mandados de Injunção. Disponível em: https://legis.sigepe.planejamento.gov.br/legis/pesquisa. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Orientação Normativa SRH/MPOG nº 6/2010. Estabelece orientação aos órgãos e entidades integrantes do SIPEC quanto à concessão de aposentadoria especial de que se trata o Art. 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 (Regime Geral de Previdência Social), aos servidores públicos federais amparados por Mandados de Injunção. Disponível em: https://legis.sigepe.planejamento.gov.br/legis/pesquisa. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Orientação Normativa SRH/MPOG nº 10/2010. Estabelece orientação aos órgãos e entidades integrantes do SIPEC quanto à concessão de aposentadoria especial de que trata o art. 57 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 (Regime Geral de Previdência Social), aos servidores públicos federais amparados por Mandado Injunção. Disponível em: https://legis.sigepe.planejamento.gov.br/legis/pesquisa. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Orientação Normativa Nº16, de 23 de dezembro de 2013. Esta Orientação Normativa estabelece orientações aos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC) quanto aos procedimentos administrativos necessários à instrução e à análise dos processos que visam ao reconhecimento do direito à aposentadoria especial com fundamento no art. 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, aplicável por força da Súmula Vinculante nº 33 ou por ordem concedida em mandado de injunção. Disponível em: https://legis.sigepe.planejamento.gov.br/legis/pesquisa. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Orientação Normativa nº 5, de 22 de julho de 2014. Altera a Orientação Normativa SEGEP/MP nº 16, de 23 de dezembro de 2013. Disponível em: https://legis.sigepe.planejamento.gov.br/legis/pesquisa. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Secretaria de Políticas De Previdência Social. Instrução Normativa nº 1/2010. Estabelece instruções para o reconhecimento, pelos Regimes Próprios de Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, do direito à aposentadoria dos servidores públicos com requisitos e critérios diferenciados, de que trata o art. 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, com fundamento na Súmula Vinculante nº 33 ou por ordem concedida em Mandado de Injunção. Disponível em: http://sa.previdencia.gov.br/site/2016/06/INSTRUNORMATIVASPSn01de22jul2010atualizadaat26mai2014-2.pdf. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Ministério da Previdência Social. Port. nº 154, de 15 de Maio de 2008. Disciplina procedimentos sobre a emissão de certidão de tempo de contribuição pelos regimes próprios de previdência social. Disponível em: https://progep.ufms.br/files/2020/06/Portaria-154-2008.pdf. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de injunção nº 880 de 6 de maio de 2009. MIN. EROS GRAU. Consulta Processual. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2634230. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de injunção nº 1554 de 18 de fevereiro de 2010. MIN. JOAQUIM BARBOSA. Consulta Processual. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2690157. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 33. Sessão Plenária de 09/04/2014. Consulta Jurisprudencial. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/seq-sumula784/false. Acesso em 16 de abril de 2021.
_______. Supremo Tribunal Federal. Tema nº 727 de Repercussão Geral. Recurso Extraordinário nº 797905/SE. Relator(a): Min. LUIZ FUX Redator(a) do acórdão: Min. EDSON FACHIN. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp. Acesso em 16 de abril de 2021.
KERTZMAN, Ivan. Entendendo a reforma da previdência. Salvador: Juspodvim, 2020.