Resumo: O presente ensaio se presta a debater, sucintamente, a possibilidade de se estabelecer uma relação entre Teoria da Ação Comunicativa em Habermas e as demonstrações contábeis, com uma breve abordagem à harmonização nas demonstrações contábeis promovidas pelas leis 11.638/07 e 11.941/09.
Palavras-chave: Harmonização. Contábil. Habermas. Ação comunicativa.
Abstract: This essay lends to discuss briefly the possibility of establishing a relationship between Theory of Communicative Action Habermas with a brief approach to harmonization in the financial statements with the changes promoted by the laws 11.638/07 and 11.941/09.
Keywords: Harmonization. Accounting. Habermas. Communicative action.
Sumário: Introdução. 1. Teoria da ação comunicativa. 2. A contabilidade enquanto processo comunicativo. Conclusão. Referências.
Introdução
A Revolução Industrial, impulsionada pela Revolução Científica, estabeleceu, para a condição humana, novos patamares de desenvolvimento e consolidação do capitalismo, iniciando-se o desenvolvimento de um intrincado plano de interrelações sociais envolvendo a exploração da natureza pelo homem, o trabalho, o capital, produção em larga escala, etc.
Desde então, a ciência tem proposto a emancipação da humanidade por meio do conhecimento, e dentre uma infinidade de teorias filosóficas o presente trabalho tem pressuposto uma análise superficial da teoria da ação comunicativa desenvolvida por Jürgen Habermas, como fito de identificar possíveis contribuições e aplicações de um agir comunicativo nas informações contábeis.
1. Teoria da ação comunicativa
Preambularmente, é de bom alvitre salientar que a Teoria da Ação Comunicativa foi desenvolvida por Jurgen Habermas, filósofo contemporâneo alemão da escola de Frankfurt que rompe com o modelo da razão positivista que tinha por foco estabelecer e analisar as relações entre sujeito e objeto de conhecimento. Para Habermas, a construção do entendimento se daria na relação entre sujeitos, enquanto seres utentes de linguagem, num processo comunicativo em que os atores buscam o entendimento mútuo.
Segundo Habermas, os processos comunicativos desenvolvidos pelos sujeitos, por meio de relações intersubjetivas propiciadas pela linguagem, se estabelecem em três mundos distintos que servem como palco em que se desenvolvem as relações humanas intersubjetivas: o mundo objetivo das coisas, o mundo social – das normas e instituições – e o mundo subjetivo – das vivências dos sentimentos.
“Em suas operações interpretativas os membros de uma comunidade de comunicação deslindam o mundo objetivo e o mundo social que intersubjetivamente compartilham, frente ao mundo subjetivo de cada um e frente a outros coletivos” (Habermas, 1987a, p. 104).
Nesse diapasão, os atos de fala ou ações, expressados por meio da linguagem, configuram as relações que os falantes estabelecem intersubjetivamente ao estabelecer afirmações sobre o mundo, em quaisquer das três concepções – mundo objetivo, subjetivo, dos sentimentos.
Sobre o mundo, Habermas acredita ser o total de entidades sobre as quais é possível tecer afirmações verdadeiras, cada qual com pretensões de validade distintas. Ao interagir com outros sujeitos, procura-se coordenar suas ações utilizando-se do conhecimento que se tem do mundo objetivo, que se estabelece por meio de sentenças assertóricas objetivas a despeito de um estado das coisas, do qual lhes depende o sucesso ou o insucesso de suas ações conjuntas, e que a infração dessas sentenças é valorada pelo seu êxito, cuja pretensão de validade se escora na verdade das afirmações feitas pelos sujeitos no processo comunicativo. Orientam-se, igualmente, suas ações segundo normas sociais pré-existentes ou estabelecidas no processo comunicativo, manifestadas por meio de sentenças apelativas de características normativas, na medida que as normas definem expectativas recíprocas de comportamento, e eventuais transgressões implicam em sanções, suas pretensões de validade se subordinam à correção e adequação às sentenças normativas. As interações refletem, ainda, experiências pessoais do falante, referente ao mundo subjetivo representado por sentenças-vivências concernentes a desejos e emoções do agente, que no processo comunicativo, deixa transparecer tais desejos e emoções, e estão sujeitas a valoração enquanto sua pretensão de veracidade, ou seja, que o falante seja sincero.
“Uma ação comunicativa é, assim, uma forma de ação social, em que os participantes se envolvem em igualdade de condições para expressar ou para produzir opiniões pessoais, sem qualquer coerção, e decidir, pelo princípio do melhor argumento, ações que visam determinar a sua vida social.” (Habermas, 1987a, p. 379).
Segundo o filósofo, caso haja problematização ou questionamentos em relação a algum argumento anteriormente reputado como válido, a ação comunicativa dará ensejo a uma nova situação, o discurso. Ou seja, na medida em que pelo menos um dos sujeitos de fala questiona uma afirmação até o momento aceita pelo grupo, implícita ou explicitamente, os falantes buscarão soluções por meio da linguagem, discutindo a melhor forma de resolver o dissenso sempre que os sujeitos do processo comunicativo se encontrem em uma situação ideal de fala, ou seja, em igualdade de condições podendo expressar seus argumentos livre de quaisquer coerções buscando o consenso por meio do melhor argumento, entre os demais falantes, buscando coordenar suas ações conjuntas.
Em Habermas, fica clara a distinção entre o agir comunicativo e o agir estratégico. Neste, segundo o filósofo, os atos de fala estão impregnados, manifestamente, com uma finalidade voltada ao atingimento de determinados fins, ou seja, as pretensões do sujeito de fala estão voltadas ao convencimento dos demais falantes acerca do sentido de suas próprias sentenças – propósitos perlocucionários.
“… considero, pois, como ação comunicativa aquelas interações mediadas lingüisticamente, nas quais todos os participantes perseguem com seus atos de fala, fins ilocucionários e somente fins ilocucionários. Por outro lado, as interações nas quais ao menos um dos participantes pretende com seus atos provocar efeitos perlocucionários no seu interlocutor, estas, as considero ação estrategicamente mediada linguisticamente” (HABERMAS, 1987a, p. 378).
Já no agir comunicativo, manifestado em linguagem, os sujeitos falantes não visam chegar ao consenso para a consecução de fins específicos do falante, mas sim têm um propósito simplesmente ilocucionário, a saber, o sujeito de fala ao expressar determinada sentença tem por finalidade atingir o êxito na comunicação com os demais sujeitos, sem exercer qualquer efeito no ouvinte no sentido de convencê-lo, o convencimento se daria natural e mutuamente pelo melhor argumento dentro do processo comunicativo – o discurso.
Pois bem, os atos de fala somente podem servir a este fim não ilocucionário de exercer uma influência sobre o ouvinte, se são aptos para a consecução de fins ilocucionários. Se o ouvinte não entendesse o que o falante diz nem mesmo atuando teleologicamente poderia o falante servir-se de atos comunicativos para induzir o ouvinte a comportar-se da forma desejada. Neste sentido, o que a princípio chamamos emprego da linguagem orientada para as conseqüências, não é um modo originário do uso da linguagem; senão, a substituição de atos de fala que servem a fins ilucucionários, sob as condições da ação orientada ao êxito. (Id, Ibid, p. 375).
Com efeito, a razão comunicativa se estabelece na medida em que a proposta pragmática de Habermas exige uma prática argumentativa com vistas a um consenso, cuja obtenção não pode ser conseguida pelas práticas comunicativas rotineiras. Segundo ele “O conceito agir comunicativo deve comprovar-se na teoria sociológica da ação. E esta pretende esclarecer de que modo é possível a ordem social” (HABERMAS, 1990, p. 76).
Nesse sentido, o presente trabalho não pretende esgotar a profundidade do pensamento habermasiano, mas tão somente estabelecer linhas gerais para que se possa traçar um paralelo entre o agir comunicativo e sua aplicação no âmbito das ciências contábeis, em especial no que toca à demonstrações contábeis e suas alterações pelas Leis 11.638/2007 e 11.914/2009.
2. A contabilidade enquanto processo comunicativo
Antes de se adentrar ao cerne da questão proposta no presente estudo, passando à margem da discussão da condição da Contabilidade enquanto ciência, é de suma relevância salientar que os sistemas sociais interagem entre si, por meio da comunicação, e esta se dá fundamentalmente por meio de linguagem.
Com o fim de conferir um corte metodológico ao presente estudo, adota-se o seguinte conceito doutrinário da contabilidade:
“Contabilidade é a ciência que estuda, registra e controla o patrimônio e as mutações que nele operam os atos e fatos administrativos, demonstrando no final de cada exercício social o resultado obtido e a situação econômico financeira da entidade.” (FABRETTI, 2003, p. 30.)
É de se perceber que a contabilidade, por meio de princípios, convenções e regras que lhes são próprios, visa estabelecer um processo comunicacional, em que se possa, por meio de suas demonstrações, exprimir com clareza a situação do patrimônio de uma determinada entidade e suas mutações em um determinado período.
A partir desse breve intróito, é de se considerar que com a evolução dos tempos, a sociedade atingiu níveis de complexidade extremamente elevados, e um número infinito de relações interpessoais; os processos produtivos. Nesse contexto de extrema complexidade implica-se um número infinito de transações e relações entre as mais variadas entidades no mundo da vida. E, por conseguinte, o sistema econômico exige das empresas um número maior de informações e em qualidade superior, do que se exigia no passado com a finalidade precípua de controlar o processo produtivo e tomar decisões em nível estratégico e operacional.
À vista disso, com a finalidade de estabelecer uma uniformização na forma das empresas tornarem públicas suas informações, foram editadas as Lei 11.637/2007 e 11.941/2009, que em linhas gerais promoveram alterações estruturais na forma de se evidenciar o patrimônio e as mutações econômico-financeiras das empresas, convergindo com padrões contábeis internacionais para alinhar os princípios contábeis utilizados no país ao padrão IFRS (International Financial Reporting Standards).
Uma das propostas de uniformização, a título de exemplo, está circunscrita à demonstração pelo valor justo (fair value) na medida em que se defende o uso de preços baseados no valor de mercado atual para determinar os valores relatados nas demonstrações econômico-financeiras, consubstanciada no princípio da essência sobre a forma. É de se ressaltar, por conseguinte que a permanência da utilização dos métodos antigos de valor do patrimônio, por exemplo, pode ensejar a problematização na confiabilidade por parte dos usuários das informações contábeis. De outro lado, do ponto de vista dos investidores, informações que não expressem de forma clara e com exatidão determinada situação pode levar a erros.
Com efeito, essa nova forma de avaliação implica em alterações também na forma de apuração de custos das empresas, igualmente a título de exemplo, se utilizado o critério do fair value e do princípio da essência sobre a forma, pode haver a alteração no valor dos custos na medida que a depreciação de um determinado bem a ser considerado não seria do valor contábil, mas
Isso tudo leva a pressupor o importante papel da contabilidade na influência do sistema econômico, haja vista que os resultados apurados pela contabilidade, expressos nas informações prestadas por meio das demonstrações contábeis possibilitando a existência de um processo comunicativo auxiliando a tomada de decisões por parte dos usuários das informações contábeis.
Conclusão
É nesse sentido que se propõe o presente trabalho em contextualizar as alterações na legislação contábil, na medida em que procura inserir as informações contábeis dentro de um processo comunicacional globalizado com o escopo de chegar ao entendimento recíproco dos sujeitos de fala, pois, de acordo com o pensamento habermasiano somente, por meio da linguagem em um discurso que possibilite uma situação ideal de fala, permita-se o consenso dos sujeitos no que concerne à validade das proposições ou à legitimidade das normas, possibilitando a interação intersubjetiva.
Informações Sobre o Autor
José Mauro de Oliveira Junior
Advogado. Sócio da Jorge Gomes Advogados. Pós-graduado em direito empresarial com ênfase em direito tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Paraná. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET