A Herança Huminiana de Jeremy Bentham

Resumo: Trata-se de Pequena análise em que se verifica o utilitarismo como conceito tem núncias herdadas de David Hume. Expõe dentro deste matiz o que as leis são e o que deveriam ser.

Sumário: 1. Sobre Jeremy Bentham & David Hume; 2. A Herança Huminiana de Jeremy Bentham; Referências.

1.Sobre Jeremy Bentham & David Hume

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  O filósofo e jurista Jeremy Bentham (1748-1832) nasceu em Spitalfields, Londres em 15 de fevereiro de 1748. Neste mesmo ano David Hume, um filósofo escocês, aos 18 anos, já havia desenvolvido seu pensamento com base na investigação sobre os limites do entendimento. Seu livro mais difundido, Uma investigação sobre o entendimento humano, se opõe ao pensamento cartesiano e a metafísica em geral. Cediço que este livro é uma espécie de releitura de um livro anterior: O Tratado da natureza humana, de 1738, em que Hume já havia exposto todo seu pensamento.

Jeremy Bentham escreveu, fez críticas a legislação então vigente e propôs sugestões para a sua melhoria. Foi um visionário à frente de seu tempo, ele defendeu o sufrágio universal e a discriminação da homossexualidade. Como defensor da reforma da lei produziu uma justificação utilitária para a democracia, sendo que as ações dos indivíduos em Jeremy Bentham são norteados pelos sentimentos de prazer e dor. Para o filósofo, estes sentimentos são responsáveis pela apuração do que é tido como certo ou errado e dá subsídios à análise das causas e concausas com o desfecho dos efeitos de uma ação (consequências). O prazer é o único fim da ação e o eventual motivo (móvel ou causa). A análise entre o prazer sentido e o bem alcançado é realizado por uma construção metodológica em que Bentham se utiliza de paráfrases e junge o sentimento de prazer com a noção de bem. Bentham procura atingir seu objetivo com a assertiva de que os interesses individuais se perfazem quando parelhos ou nuclearmente assemelhados com os interesses sociais (coletivos). O Estado (leia-se Governo) deve resguardar os interesses da coletividade. Hume dantes já havia, assertivamente, tratado do tema, quando se propôs a falar da justiça na obra: “Uma Investigação sobre os princípios da moral”, sendo que para o filósofo escocês, o respeito pelo direito de propriedade deveria todo o seu mérito à utilidade pública, pois esta conduziria ao bem-estar da sociedade. As consequências negativas de uma ação para Hume só ocorrem porque a bondade no homem não é suficientemente grande para fazer com que todos se sintam bem. Não é suficientemente útil, pois a ausência de prazer suficiente para Hume torna a ação do homem viciada / não virtuosa.

  Se Bentham definiu a Ética como a arte de governar as ações do homem para a produção da maior quantidade de felicidade estabelecendo a ética (baseada no princípio da utilidade) como fundamento da moral (de acordo com os costumes e regras de uma sociedade), temos que o princípio da utilidade dita o alcance da lei e seus limites. Hume de maneira ampliativa já postulava que o útil, no âmbito da moral, é o útil que se estende além de nós, ou seja, é o que é o útil para os outros também (não é o útil particular, mas o útil público). Bentham, nesta linha, o colocou em termos, através da verificação da equação entre prazer e dor e a aplicação, se o caso, da sanção moral e/ou legal. Em síntese: Balanço positivo, teremos a boa tendência do ato, negativo a sua punição (desde que não produza um mal maior). Para Bentham, é necessário que a norma (lei em sentido estrito) prove que ela é necessária (seja constitucional, penal ou civilmente considerada). O legislador não deve agir, por falta de sentido, por ineficácia, nos casos em que determinar a prudência e a beneficência.  Neste sentido é mister que se análise o ponto divisório entre a legislação e a ética fundada na moral. Se bem que é certo que ss duas devem sempre caminhar juntas, com a moral a um contrapé de distância. Assim, se é possível dizer que Jeremy Bentham peremptoriamente considera que ambas tem curso comum e necessariamente se auto-alinham. No contexto dos autores citados, também é possível fazer uma reflexão de que quando a Moral perpassa os ditames da Lei, esta deva ser desconsiderada. Além das Côrtes e do Parlamento, a Administração Pública deve obedecer sempre ao útil em favor da felicidade de todos. É possível afirmar que há casos em que a moral (espaço da ética) pode prevalecer sobre a lei dentro do contexto benthamiano (costume contra legem). Ou melhor, se partirmos do princípio de que uma ação é moralmente correta e as consequências desta ação são mais favoráveis do que desfavoráveis, mesmo assim ela pode produzir uma maior felicidade possível e que deve ser acolhida, mesmo subvertendo a ordem posta.

É certo que Jeremy Bentham vai mais longe que Epicuro em seu hedonismo egoístico. Vence para Bentham o altruísmo ético (pernicioso para o agente e benéfico para os demais). Para isso, serve-se do utilitarismo (equilíbrio favorável do prazer sobre a dor – uso do cálculo utilitarista de Bentham). Assim, levando-se em conta o traço utilitarista devemos saber o que as leis são e aquilo que as leis devem ser. Vamos à Bentham citando David Hume no Fragment:

“Ao domínio do expositor pertencem explicar o que, supõe ele, é o direito: àquele do sensor observar-nos o que, pensa ele, ele deve ser. O primeiro está, pois, principalmente ocupado em afirmar, ou inquirir a cerca de factos: o último em discutir razões. Ao expositor que se confina à sua esfera, não lhe dizem respeito faculdades mentais outras que a apreensão, a memória e o juízo, em virtude daqueles sentimentos de prazer ou desprazer que encontra ocasião de anexar aos objetos sob seu escrutínio, mantém algum comércio com as afeições”[1]

Em termos de construção de normas Hume se preocupa com a clareza da linguagem, ou seja, a sua capacidade de fácil acessibilidade da escrito pelo leitor. Por assim ser, distingue a filosofia em simples e abstrusa, sendo a primeira simples, fácil e acessível, advindas da retórica e da poesia e a segunda de difícil apreensão, carregada de abstrações e especulações e de difícil apreensão pelo homem. Ressalte-se que Hume não despreza de todo a filosofia abstrusa, pois entende que ela pode prestar alguma serviço à filosofia simples quando da análise da estrutura interna das paixões. Vê-se que Hume foi influenciado pelo método experimental de Isaac Newton[2] e  Galileu Galilei[3].

A experiência é a base do sistema huminiano. A construção daquilo que é norma e daquilo que pode ser a norma não é para Hume racionalizável, mas abstraído do hábito.

Para Hume a relação de causa e efeito (princípio da causalidade), que foi legada a Bentham, é a mais importante de todas, pois segundo o filósofo, é a que apresenta uma maior vivacidade advinda da relação causal, pois postula uma conexão necessária entre a causa e o efeito. Na causalidade, supomos uma conexão entre a causa e efeito e o que Hume irá fazer é colocar em suspenso essa conexão, já que causa e efeito são coisas separadas e distintas. Para Hume o fundamento da causalidade se baseia no hábito. Para ele não se é possível pelo raciocínio à priori (anterior à experiência) determinar causas e efeitos. Cite-se:

“[…] Hume, traça um caminho próprio desenvolvendo uma doutrina da causalidade, especialmente importante porque os conceitos de causa e efeito constituem um dos núcleos das metafísicas racionalistas. Estas concebem a relação causal como conexão necessária entre os fatos, mas, analisando-se os fenômenos sensíveis, verifica-se a inexistência de qualquer impressão a ela correspondente. Se, por exemplo – diz Hume -, toma-se o juízo causal “a pedra esquenta porque os raios de sol incidem sobre ela”, constata-se que a primeira e a última partes (“a pedra esquenta” e “os raios de sol incidem sobre ela”) têm como origem duas inquestionáveis impressões sensíveis, uma tátil e outra visual. O mesmo não acontece com a vinculação expressa na palavra “porque”. Qual seria, então, a origem desta última? Para Hume a resposta encontra-se numa habitual associação entre o posterior e o anterior. O fato de um fenômeno ser sempre seguido por outro, no tempo, faz com que os dois sejam relacionados como se houvesse conexão causal entre eles. Causa e efeito, enquanto impressões sensíveis, não seriam mais que o anterior e o posterior de uma sucessão temporal, transformados em elos de uma vinculação necessária. Isso ocorre subjetivamente e seu fundamento encontra-se no sentimento de crença, algo muito diferente dos processos intelectuais de inferência lógica.[…]” […] Seus fundamentos seriam, portanto, irracionais, pois a crença está na base de todo o conhecimento natural não tem qualquer estruturação lógica. Esta encontra-se apenas nos domínios da matemática, cujas verdades são apodíticas necessárias e invariáveis.[…]”(HUME, in OS PENSADORES, 2004, págs. 9-10).

Para Hume é preciso ter antes a experiência que ensine sobre a causalidade (por exemplo, o fogo queima, mas apenas olhando para ele não posso saber que ele queima. Se for fogo fátuo, não há queima. É necessária a experiência táctil). A causa, portanto, é distinta do efeito. Para Hume, portanto, há limites ao empirismo. Bentham dentro desta  metafísica que o inspira, recusa a noção de um bem supremo que vá justificar a distinção, v.g., de felicidade e prazer. Para ele, nossas ideias de bem e de mal, de certo e de errado, de legal e ilegal, enfim, essas “sensações de” não são atributos dos objetos que provocam essas sensações, mas meras modificações do sujeito que sente. Esta análise na construção do sujeito que sente e que, portanto, pode construir o que é norma, continua a causar grande reflexão, através dos escritos de David Hume e Jeremy Bentham.

2.A Herança Huminiana de Jeremy Bentham

 É inquestionável a influência de David Hume em Jeremy Bentham. Hume entende que deve haver uma lógica da vontade e uma forma de lógica do entendimento, sendo que a primeira prevalece sobre a segunda. Há um compromisso de Bentham com as teses de Hume a respeito do papel da razão.

Hume afirma que as ações são determinadas por impulsos cuja origem repousa na vontade e no sentimento passando a considerar à razão na deliberação moral.

Há similitude entre os textos da obra de Bentham que são descritivos do pensamento de Hume. Bentham adere à teoria da aprovação de Hume e indiretamente também à teoria da motivação. Bentham aplicou a lei de umeH

Hume ao Direito, onde as boas teorias da moral se separam das más (bom ou mal, justo ou injusto, etc.). Entretanto, onde podemos abstrair uma diferença entre Bentham e Hume, é que o primeiro em continuação de pensamento faz da doutrina da razão a pratica do utilitarismo (razão utilitária). Em verdade, apreende e aplica a deontologia da proibição/permissão, a lógica metódica, o ser e do dever ser na razão utilitarista. Vê-se que a razão tem um ponto de secção no seu firmamento, quando a ratio da utilidade pode vir a subjugar a razão huminiana. Entenda-se a razão huminiana como razão de essência do ser e a de Bentham de razão de ciência do ser.  São conceitos que não inovam, mas se complementam, pois Hume juntamente com seus colegas do Iluminismo trouxeram pela primeira vez a ideia de que a explicação dos princípios morais deverá ser procurada na utilidade, sendo que a partir da leitura do Tratado de Hume foi que Jeremy Bentham viu-se diante da força criativa de um sistema utilitário. Afinal, muito embora Hume não tenha definido ipsis litteris o que é utilitarismo, é cabível que nos afirmemos que Bentham chegou a pensar a moral de uma forma que o levou a pensar no utilitarismo eis que  Hume não deu (ou se absteve de dar) o passo seguinte, qual seja, adotar a virtude como utilidade dentro do sistema de normas.     

Referências:
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1974;
BENTHAM, J.  A Fragment in Government;
______________Table of the Springs of Action;
______________An Introduction to the Principles of Moral and Legislation;
______________Constitucional Code. Edinburgh: Thomess Press, ano: 1843;
GOLDWORTH, A. Bentham´s Concept of Pleasure: It’s Relation to Fictitious Terms. IN Ethics, vol 84 – nº 04 – ano: 1972;
HART L.A. Essays on Bentham: Studies in Jurisprudence and Political Theory. Oxford University Press, ano: 1982;
HUME, D. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. São Paulo: Editora da Unesp, 2003;
_________. Investigações sobre o entendimento humano. Série Filosofar. Trad. André Campos Mesquita. São Paulo: Escala Educacional, 2006;
_________. Tratado da Natureza humana. São Paulo: Editora da Unesp, 2000;
_________. Ensaios Morais, Políticos e Literários. Coleção os Pensadores. São Paulo. Abril Cultural, 1973;
_________. Diálogo sobre a religião natural. São Paulo. Martins Fontes, 1992;
KELSEN, H. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 8ª edição – Vol. 5. – 2012;
LEBLOND, Jean Marc Lévy. Sobre a Neutralidade Científica – Traduzido – Publicação em Lês Temps Modernes nº 288 – Julho/1970;
LYONS, David. As regras morais e a ética. Tradução de Luíz Alberto Peluzo. Campinas: Papirus Editora, 1990;
MERLEAU-PONTY. Fenomenologia da Percepção. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1971;
MILL, J. S. Bentham. London and Westminster Review, 1838, revised. 1859;
____________________. Utilitarianism. Londres: Everyman. 1863;
____________________. Hume´s Moral Ontology. Hume Studies. Princeton University Press, 1985;
SKINNER, A. Adam Smith: Ethics and Self-Love, in Jones, P. e Skinner, A (org) Adam Smith Reviewed, Edinburgh University Press;

Notas:
The Oxford Companion to Philosophy, ed.
[1] A Fragment On Government, p.397.

[2]Newton (1643-1722) Postulou a lei da gravidade. Sua influência no pensamento de Hume se verifica, pois antes dele, a física que mais se praticava era a cartesiana que tendia muito mais a metafísica do que à própria física, já que seu método era do particular para o geral (indutivo). Newton influencia Hume pois abdica de se chegar aos princípios últimos, como queriam os metafísicos. A ciência de Newton procurava explicar os fenômenos apenas, nunca a coisa em si, que estaria situada para além do fenômeno.

[3]Galileu 1574-1642) Suas descobertas astronômicas o haviam convencido de que a Terra não ficava no centro do Universo, como geralmente se acreditava, e sustentou esta tese, já enunciada também por Copérnico. Galileu gastou sua vida em indagar, pesquisar, descobrir, certificar, pelos recursos da experiência, a verdade e as leis da Natureza, confirmando com justiça o que um século antes afirmava Leonardo que a experiência não falha nunca, o que falham são somente os nossos juízos.


Informações Sobre o Autor

Fausto Nunes dos Santos

Servidor Público Federal Analista Judiciário – Bacharel em Direito. Especialista em Direito Administrativo. Especialista em Direito Contratual. Pós-Graduando Lato Sensu em Filosofia


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