Resumo: A finalidade deste artigo é o esclarecimento de como a Constituição estadual do Rio Grande do Sul começou, para se entender o seu processo de desenvolvimento até a sua versão mais recente. Trabalha-se a concepção do positivismo, articulada como dogmática política pelo “ditador” Júlio de Castilhos, além das modificações sociais, políticas e econômicas no plano estatal. Assim, chegar-se-á na atualidade visando compreender, através da história, como o homem lida com o ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Constituição Estadual, Rio Grande do Sul, história, positivismo.
Abstract: The purpose of this article is the explanation of how the state constitution of Rio Grande do Sul began, to understand the development process until its latest version. It works the conception of positivism, articulated as dogmatic political by the “dictator” Júlio de Castilhos, including the social, political and economic changes on the plan specifically from the state. From this way, it will arrive at the present seeking to understand, throughout history, how the man deals with the legal system.
Key words: state Constitution, Rio Grande do Sul, history, positivism.
Sumário: Introdução; 1. A influência positivista; 2. O castilhismo e a Carta gaúcha de 14 de julho de 1891; 3. O pós-castilhismo até a Constituição Estadual de 1989; 4. Conclusão; 5. Obras consultadas
Introdução:
O princípio da Constituição Estadual remete, em pinceladas breves,à proclamação da independência política da Província, instaurando o então estado Rio-Grandense no cenário de divisão estatal do país.
Foi através da “Revolução Farroupilha”, no momento a partir da proclamação da república Rio-Grandense e da eleição do presidente do estado, que surgiu a preocupação em evocar uma Constituinte[1] a fim de fixar a dogmática pela qual estava ocorrendo aguerra. A república representava, naquele momento, uma associação política dos cidadãos em busca da formação de uma nação livre e independente.
Aceitou-se o republicanismo constitucional e representativo como forma de governo, trazendo a soberania como um conceito contratualista[2] – apesar de ser exercida indiretamente através de uma delegação eleita. Vale salientar, também, que foi aprovada a tripartição dos poderes, sugerido por Montesquieu na Revolução Francesa.
1. A influência positivista
“Sujeita a constituição a reforma por iniciativa do presidente do Estado a dos Conselhos Municipais, seu mecanismo repetia o da legislação comum, precisamente conforme descrito nas Bases do Apostolado, cujos termos a Carta Gaúcha decalcava quase literalmente no título IV, inclusive na epígrafe, ‘Garantias da ordem e do Progresso’ (arts 71 a 75).” (LACERDA, 2000, p. 126)
Júlio de Castilhos é um nome de peso no positivismo nacional brasileiro:foi, através de suas convicções políticas e lutas para a implantação de sua doutrina, considerado líder no Rio Grande do Sul, dando influência para o resto do Brasil logo após.
O positivismo, por sua vez, é um sistema filosófico que pretende tomar como base os dados da observação e experiência, ou ainda, uma tendência para encarar a vida pelo lado prático e/ou do interesse. A dogmática positivista carrega, por meio de Augusto Comte, a criação do poder executivo (posto de frente com o poder legislativo), uma associação ao regime de liberdades públicas – ao mesmo tempo em que repele o princípio de plenas liberdades -, e, como ponto fundamental, a concepção de ordem e progresso. Assim sendo, era capaz de oferecer uma ramificação de soluções construtivas para a vida individual e/ou coletiva.
“Segundo os adversários, Castilhos aparentava ser um monge obstinado do positivismo de Augusto Comte, tendo elaborado uma constituição destoante do catolicismo do povo brasileiro e dos anseios liberais das elites políticas. Seu cunhado, Assis Brasil, afirmara que a Constituição de 14 de julho era uma extravagante mistura de positivismo e demagogia. Chamara-a de ‘cartilha de uma seita’. Mas também se propalava que nem mesmo ele, Castilhos, redigira a constituição, limitando-se a copiar textualmente um projeto de constituição federal elaborado por membros do Apostolado Positivista do Rio de Janeiro, como os senhores Miguel Lemos e Teixeira Mendes, papas do comtismo brasileiro”. (FREITAS, 2000, p. 42)
Júlio de Castilhos redige a Carta Gaúcha, aprovada pela Assembléia Estadual em 14 de julho de 1891, inspirado na fonte doutrinária da política positiva. Consegue, por assim visualizar, a efetivação de uma singularidade nos mecanismos administrativos dos Estados ao concentrar as funções legislativas e executivas em uma única pessoa, submetendo a promulgação de leis a referendo popular. (LACERDA, 2000)
“A um positivista devemos a conspiração que precipitou o advento da República, a outro deve o Rio Grande do Sul sua primeira Constituição republicana, quase integralmente vazada em termos doutrinários. Ofereceu aquele Estado a primeira experiência histórica real, concreta, palpitante em seu quarenta e um anos de vigência, de uma ditadura republicana institucionalizada e funcionando com plenos resultados”. (LACERDA, 2000, p. 11)
Comte sustentava que a política devia ser subordinada à moral – além de pregar as doutrinas referentes à monocracia e à ditadura científica – acabou, por essa forma, influenciando as idéias do líder. Este passou a acreditar que todo indivíduo deveria ser submisso à sociedade em que se inclui, ocorrendo a taxação dos direitos individuais como “crimes contra a sociedade”. (FREITAS, 2000)
2. O castilhismo e a Carta gaúcha de 14 de julho de 1891
O Castilhismo, como supracitado, tem vertente no positivismo de Augusto Comte. Conseqüentemente, a Carta Gaúcha sofreu grande influência dessa doutrina.Aconteceu, portanto, que em três de novembro de 1891, novas Constituintes, por todos os estados do Brasil, se reuniram e foram votadas novas Constituições, menos a do Rio Grande do Sul que manteve a sua promulgada em 14 de julho.
“Na Assembléia Constituinte de 1891, Castilhos liderara uma corrente que tinha por meta ‘preparar a futura independência dos estados’, através da criação, inicialmente, de uma confederação, semelhante à que existira nos Estados Unidos antes da guerra civil. Não havia dúvida de que os positivistas defendiam o conceito das ‘pátrias brasileiras’ e, por conseqüência, a separação das diversas regiões”. (FREITAS, 2000, p. 51)
O que efetivamente ocorreu foi a fabricação de uma Constituição estadual – por Júlio de Castilhos – que ia contra o sistema presidencialista defendido pela Constituição Federal. Cita-se, como um escândalo, o exemplo de a Constituição Rio-Grandense não haver aderido à divisão dos três poderes, sendo estes exercidos por uma única pessoa: o Presidente de estado. O legislativo fora praticamente abolido e servia apenas para aprovar orçamentos.
“Quem atenta contra o poder central é o senhor Castilhos, ao impor uma Constituição Estadual que viola a Constituição Federal. (…) a Constituição impõe ao Presidente da República o dever de fazer com que as leis da União sejam fielmente cumpridas em todos os estados. (…) Para os rebeldes que são republicanos, a autonomia federativa é um princípio irrenunciável”. (FREITAS, 2000, p. 101)
As leis não eram elaboradas pelo Parlamento, mas pelo chefe do Executivo; o Vice-Presidente não era eleito, mas nomeado por este; o Presidente poderia ser eleito por um número indeterminado de vezes. Como todos esses exemplos afrontavam a Constituição Federal, os federalistas (liderados por Silveira Martins) tratavam a Constituição estadual de maneira ilegítima, travando uma guerra ideológica com o ditador castilhista. Este respondia às afrontas dizendo que respeitava a forma republicana e o sistema federativo e que, portanto, poderia dispor livremente sobre qualquer conteúdo, já que não havia sido vedado pelo Estatuto Federal.“De fato, Castilhos elaborou e promulgou sozinho leis como a da responsabilidade do presidente, organização judiciária, organização policial e a lei eleitoral que estabeleceu o voto a descoberto.” (FREITAS, 2000, p. 200)
Não é válido dizer que o “ditador” – assim chamado pela oposição – promulgara sozinho uma Constituição. Júlio de Castilhos exercia muita influência pelo estado, usufruindo do apoio dos industriais, comércio, proletários, profissionais, intelectuais, jovens no geral, estancieiros das regiões norte e oeste do estado e fronteira.
“É sabido que o artigo 63 da Constituição de 91 dizia: ‘Cada Estado 1)reger-se-á pela constituição e pelas leis que adoptar, respeitados os princípios constitucionais da União’ (…).” (RUSSOMANO, 1932, p. 221 – 222) Ainda, Russomano explica que o sistema adotado pela Constituição – mesmo contrário à Federação -, atenta as condições do Brasil no determinado momento, sendo um ponto muito positivo os decorrentes fatores de extinção do Império e a libertação do centralismo imposto por este regime. Dessa forma, foram implantadas mudanças normativas na administração de qualquer política social. “Acho também que os governos centralizados e fortes são muito mais passíveis de erros do que de grandes ações.” (SCHWARTZMANN, 1982, p. 174)
“De um modo geral, pode-se dizer que a constituição de um povo tem o seu nó vital no reconhecimento da liberdade e garantias individuaes.” (RUSSOMANO, 1932, p. 330) São, então, aceitas uma série de liberdades, como: as liberdades espirituais (tratantes da religião, o pensamento/expressão, o ensino e profissões), as liberdades civis (relativas à segurança individual e de propriedade) e as liberdades políticas (onde ocorrem as defesas das opiniões a fim de montar uma organização legislativa), favoráveis ao crescimento do estado conjuntamente à federação.
3. O pós-castilhismo até a Constituição Estadual de 1989
“Desde que no Brasil se instaurou a República, em 1889, mediante um pronunciamiento militar na melhor tradição latino-americana, o Rio Grande do Sul vive num estado de instabilidade e desordem governamentais virtualmente anárquicas, com todos os fermentos de uma guerra civil.” (FREITAS, 2000, p. 10)
Após o fato da Carta Gaúcha de 1891causar alvoroço e não estar corretamente redigida dentro dos parâmetros da Constituição Federal,em 27 de janeiro de 1970 promulga-se nova Constituição. Esta instaura a forma republicano-representativa, trazendo consigo a inviolabilidade dos direitos individuais e sociais, além de definir os três poderes separadamente.
A reforma Constitucional vigente trabalhou com regras do Direito público e a organização social-política. Através desta, ocorreram leis ordinárias (garantindo a vida jurídica dos homens), a lei de organização judiciária (onde via-se dualidade da magistratura – nacional e local), a lei de organização policial (extinguindo o inquérito), a lei eleitoral, os Códigos de Processo Penal, Processo Civil e Processo Comercial, o Estatuto dos Funcionários públicos, a Competência administrativa do Estado/Município, regime tributário, etc.
Foi reaberta a Assembléia Legislativa para tratar dos assuntos referentes ao Poder Legislativo; o Poder Executivo ficou nas mãos do Governador, que exerce função auxiliado pelos secretários de Estado; e o Poder Judiciário passou a ser comandado pelo Tribunal de Justiça, Corte de Apelação da Justiça Militar, os Juízes de Direito, Tribunais do Júri, Conselheiros da Justiça Militar, Juízes adjuntos e os Juízes de Paz.
O Governador, por sua vez, é eleito pelos cidadãos por sufrágio universal, voto direto e secreto. “Parágrafo único – o voto será secreto nas eleições e nos casos previstos nesta constituição[3].” (Senado Federal, 1977, p. 732)
“Um regime que se mantém por tanto tempo, consorciando a Ordem e o Progresso, satisfazendo as exigências sociais, recebendo o apoio constante da comunhão, é necessariamente um regime livre, que corresponde às tradições históricas e às aspirações do presente.” (OSÓRIO, 1981, p. 10)
Na própria Constituição Federal de 1967 já está explicitamente detalhada a possível intervenção da União nos Estados que tentarem violá-la: “Art. 10 – A União não intervirá nos Estados, salvo para: (…) IV – assegurar o livre exercício de qualquer dos poderes estaduais; (…).”.
Atualmente, a Constituição estadual do Governo do Rio Grande do Sul mais recente é a de 1989, escrita um ano após a última Constituição Federal vigente no Brasil (CF/1988). Esta trouxe o fortalecimento das garantias dos direitos individuais e liberdades públicas, além da retomada do regime representativo, presidencialista e federativo (momento pós-ditadura). Destaca-se, ainda, a defesa do meio ambiente e do patrimônio cultural da nação.
4. Conclusão
Já que estava instaurado um regime republicano federativo no Brasil, os estados deveriam obrigatoriamente reproduzir seu modo de funcionamento, respeitando o sistema.No castilhismo, as regras de conduta da atividade e relações humanas estavam presas em uma Constituição aprovada por uma Assembléia Constituinte eleita por sufrágio universal. Na aparência, o Presidente do estado governava segundo as regras constitucionalmente estabelecidas, mas não era o que de fato acontecia: foi encontrado um governo arbitrário que tomava conta do estado sob a afirmativa de que a própria Constituição autorizava a restrição de liberdades dos governados.
Quando foram julgadas certas Constituições – como a do Rio Grande do Sul e de São Paulo – o Supremo Tribunal, através de um processo sui generis, julgou inconstitucional vários preceitos constituintes desses estados. Mais tarde, apenas, uma lei ordinária regulou o processo. Foi assim, em relação ao Direito estadual, até que uma reforma, com uma Emenda Constitucional, alterou dispositivos da Constituição, pertinentes ao Poder Judiciário.
Informações Sobre o Autor
Ana Luisa Franciscatto Guerra
Acadêmica do curso de Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS/RS