A História do Delito de Homicídio

Resumo: Cita parcela da doutrina que o crime de homicídio foi aquele utilizado para desenvolver grande parte dos institutos da Teoria Geral do Delito. É um crime que fascina desde o estudo inicial do Direito Penal, afinal, os exemplos da parte geral muitas vezes se socorrem ao delito de homicídio. Mas, pergunta-se: qual a história desse crime? Muitos livros não entram no tema, outros tratam de forma sucinta. Aqui, procuramos desvendar cada peculiaridade que cerca o crime de homicídio, desde o primeiro homicídio relatado pela Bíblia até a legislação penal hodierna. Não nos ativemos a explicar as questões dogmáticas, pois isso, todos os livros tratam. O que nós buscamos aqui é a historicidade de cada uma das expressões, de onde se originaram as qualificadoras, como o homicídio era tratado nas legislações pretéritas. São essas e outras peculiaridades históricas que farão parte do desenvolvimento deste artigo.


Palavras-chave: Direito Penal. Código Penal. Homicídio. História. Delito.


Abstract: It cites portion of the doctrine that the crime of murder that was used to develop many of the institutes of the General Theory of Crime. It is a crime that has fascinated since the initial study of criminal law, after all, the examples of the general part often rely upon the crime of murder. But ask yourself: what is the history of this crime? Many books do not enter the theme, others treat succinctly. Here, we discover that every peculiarity about the crime of murder, since the first homicide reported by the Bible to the criminal law today. Let us not confine ourselves to explaining the dogmatic questions, as this, all the books are. What we seek here is the historicity of each of the expressions, where he led the qualifying, was being treated as homicide laws in the preterit. It is these and other historical peculiarities that will be part of the development of this article.


Keywords: Criminal Law. Penal Code. Homicide. History. Crime.


Sumário: 1. Introdução. 2. A origem etimológica do homicídio. 3. O primeiro homicídio. 4. O delito de homicídio na pré-história. 5. Evolução histórica do delito de homicídio. 5.1 O delito de homicídio no Egito e nas Antigas Civilizações Orientais. 5.1.1 Os Sumérios. 5.1.2 Os Babilônicos. 5.1.3 Os Egípcios. 5.1.4 Os Assírios. 5.1.5 Os Hititas. 5.1.6 Os Hindus. 5.1.7 Os Hebreus. 5.2 O delito de homicídio na Antiguidade Clássica. 5.2.1 Os Gregos. 5.2.2 Os Romanos. 5.3 A transição Idade Antiga – Idade Média. 5.3.1 Os Germânicos. 5.4 O delito de homicídio na Idade Média Oriental. 5.4.1 Os Árabes. 5.5 O Delito de homicídio na Idade Média Ocidental. 5.5.1 o Direito Canônico. 6. A história do delito de homicídio no Brasil. 6.1 O Brasil antes da colonização. 6.2 O Brasil no período colonial. 6.2.1 Ordenações Afonsinas. 6.2.2 Ordenações Manoelinas. 6.2.3 Ordenações Filipinas. 6.3 O Brasil independente. 6.3.1 O Código Criminal do Império do Brazil de 1830. 6.3.2 O Código Penal dos Estados Unidos do Brasil de 1890. 6.3.3 A Consolidação de Vicente Piragibe de 1932. 6.3.4 O Código Penal de 1940. 6.3.4.1 Homicídio simples. 6.3.4.2 Homicídio com causa de diminuição de pena. 6.3.4.3 Homicídio qualificado. A) mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe. B) por motivo fútil. C) com emprego de veneno fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. D) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. E) para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. 6.3.4.4 Homicídio culposo. 6.3.4.5 Causa geral de aumento de pena. 6.3.4.6 Perdão judicial. 6.3.4.7 Da pena cabível. 6.3.4.8 Quando e porque o homicídio qualificado se tornou hediondo?. 6.3.5 O Código Penal de 1969. 7. Considerações Finais. Bibliografia.


1. Introdução


O filosofo francês Michel de Montaigne (1996, p. 367), certa vez aduziu:


“Vivo em uma época que, por causa de nossas guerras civis, abundam os exemplos de incrível crueldade. Não vejo na história antiga, nada pior do que os fatos dessa natureza, que se verificam diariamente e aos quais não me acostumo. Mal podia eu conceber, antes de o ver, que existissem pessoas capazes de matar pelo simples prazer de matar; pessoas que esquartejam o próximo, inventam engenhosos e desconhecidos suplícios e novos gêneros de assassínios, sem ser movidos nem pelo ódio nem pela cobiça, no intuito único de assistir ao espetáculo dos gestos, das contrações lamentáveis, dos gemidos, dos gritos angustiados de um homem que agoniza entre torturas.”


Embora tal trecho possa ser corroborado com os dias atuais, trata-se, na verdade, de uma publicação do ano de 1580, da obra “Ensaios”, do aludido filosofo. Demonstrando a importância da história para entender o verdadeiro sentido da norma Basileu Garcia (1951, p. 159) salientou que “conhecer as leis pela História e a História pelas leis. Sabendo-se como adveio o texto, pode ter-se idéia nítida da ratio legis, da sua razão determinante”.


Daí, poder dizer que de todos os crimes elencados no Diploma Penal, o homicídio é aquele que, sem sombra de dúvidas, desperta maior interesse acadêmico. Sendo, portanto, necessário aprender o seu passado (sua história), para posteriormente entender o seu presente, e, quem sabe, o seu futuro.


2. A origem etimológica do homicídio


A origem da palavra “homicídio”, como diversas expressões jurídicas, haure do latim homicidium. Aduz Ivair Nogueira Itagiba (1945, p. 47) que tal vocábulo “Compõe-se de dois elementos: homo e caedere. Homo, que significa homem, provém de húmus, terra, país, ou do sânscrito bhuman. O sufixo ‘cídio’ derivou de coedes, de caedere, matar”.


A palavra homicídio é lembrada pela Enciclopédia Britânica (1994, p. 108) como “morte violenta ou assassinato”. No entanto, o significado mais lembrado foi aquele dado pelo Criminalista italiano Carmignani (apud, COSTA JÚNIOR, 1991, p. 9), onde o “homicídio (hominis excidium) é a morte injusta de um homem, praticado por um outro, direta ou indiretamente”.


3. O primeiro homicídio


O primeiro homicídio a ser relatado pelo homem encontra-se no texto Bíblico – Gênesis, capítulo 4. Foi o crime praticado por Caim contra o seu irmão Abel. Este era pastor de ovelhas e aquele um lavrador da terra,


“E aconteceu ao cabo de dias que Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao SENHOR. E Abel também trouxe dos primogênitos das suas ovelhas, e da sua gordura; e atentou o SENHOR para Abel e para a sua oferta. Mas para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante. E o SENHOR disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante? Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar. E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou.”


4. O delito de homicídio na pré-história


A doutrina salienta que não são raros os relatos arqueológicos de corpos encontrados da era pré-histórica onde era possível perceber o excesso de violência que tinha recaído sobre àquelas ossadas. Isso se dava, pois, conforme Ivair Itagiba (1945, p. 23) “o homem primitivo não possuía a mínima noção de respeito à vida do seu semelhante”. E continua o nobre autor, “o homicídio é da época pré-histórica. Matar era natural. Assassinava-se com a sem-cerimônia do camponês que mata um réptil venenoso. Na luta para adquirir o alimento o selvagem era crudelíssimo; cometia todas as violências com perversidade artística. O homicídio é tão velho quando a fome”. 


5. Evolução histórica do delito de homicídio


5.1 O delito de homicídio no Egito Antigo e nas Antigas Civilizações Orientais


Todas as civilizações antigas tratavam do delito de homicídio em seus manuscritos. Alguns de forma mais severa, outras de forma mais branda. A partir de agora analisaremos o homicídio em cada uma dessas civilizações.


5.1.1 Os Sumérios


Os Sumérios foram povos que habitaram a região da Mesopotâmia, e muito pouco se sabe sobre seus dispositivos legais. No entanto, aduz alguns estudiosos que o famoso Código de Hamurabi teria origem nas leis sumérias. Portanto, pode-se afirmar que vigia nas leis sumérias a vingança do “olho por olho, dente por dente” – o sistema do Talião. Sendo assim, os dispositivos citados abaixo do Código de Hamurabi teriam suas origens no direito sumério.


5.1.2 Os Babilônicos


O Código de Hamurabi ficou conhecido por pregar a lei do talião “Lex Talionis”. Onde se adotava a famosa denominação “olho por olho, dente por dente”.


Em regra, os crimes de homicídio, seja culposo ou doloso – não se fazia distinção, eram punidos com a morte. Excepcionalmente, caso se tratasse de morte de escravos, poderia haver a substituição por outro escravo. Desta forma, percebe-se que, embora o Código de Hamurabi pregasse a lei do Talião, sofria uma mitigação no tocante a igualdade.


Aquele que praticava um homicídio contra o cônjuge sofria como pena a empalação. Ou seja, deveria ter o corpo encravado (empalado) em uma grande estaca. Esse é o teor do artigo 153 – “Se a mulher de um homem livre tem feito matar seu marido por coisa de um outro, se deverá cravá-la em uma estaca”. Por sua vez, aquele que matasse uma mulher em estado gravídico, não deveria ser morto, mas sim, ter o seu filho morto. Assim se depreende da leitura combinada dos artigos 209 e 210:


“209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos pelo feto.


210 – Se essa mulher morre, se deverá matar o filho dele.”


Na legislação Hamurabi encontra-se também hipóteses de homicídio, diga-se, como crime próprio, pois, só praticado por aquele que detinham características próprias. Como, por exemplo, o homicídio praticado por médico e homicídio praticado por arquitetos -, lembramos que não se fazia distinção entre culpa e dolo. Abaixo o crime próprio de homicídio para os médicos:


“218 – Se um médico trata alguém de uma grave ferida com a lanceta de bronze e o mata ou lhe abre uma incisão com a lanceta de bronze e o olho fica perdido, se lhe deverão cortar as mãos.


219 – Se o médico trata o escravo de um liberto de uma ferida grave com a lanceta de bronze e o mata, deverá dar escravo por escravo.”


Aqui, o crime próprio de homicídio para os arquitetos:


“229 – Se um arquiteto constrói para alguém e não o faz solidamente e a casa que ele construiu cai e fere de morte o proprietário, esse arquiteto deverá ser morto.


230 – Se fere de morte o filho do proprietário, deverá ser morto o filho do arquiteto.


231 – Se mata um escravo do proprietário ele deverá dar ao proprietário da casa escravo por escravo.”


Sendo assim, se depreende da leitura que a casa deveria ser construída a título oneroso. Por sua vez, se tal casa desabasse e matasse o proprietário, o próprio arquiteto deveria ser morto; se matasse o filho do proprietário, deveria ser morto o filho do arquiteto e; se matasse um escravo do proprietário, este poderia ser substituído.


5.1.3 Os Egípcios


Ainda sobre esse período salienta Mário Curtis Giordani (2004, p. 7) que “O assassino de um escravo ou de um homem livre era punido de igual modo. Quem presenciasse um assassínio, sem tentar impedi-lo, era condenado à pena capital. A mãe que assassinasse seu filho era obrigada a reter em seus braços o cadáver da criança durante três dias e três noites”. No que tange ao delito de parricídio era punido mais severamente do que o de homicídio simples. Discorrendo sobre as diferenças de penas entre o homicídio e o parricídio José Izidoro Mastins (1898, p. 59-60) explana “Na Bíblia e nos escritos gregos temos referências numerosas a certos atos delituosos e respectivas penalidades. Recorrendo a estas fontes, verificamos, por exemplo, o homicídio, o parricídio. (…) O homicídio arrastava fatalmente a pena capital; o parricida era punido com a morte sobre uma fogueira, depois de se lhe ter amputado as mãos”.


5.1.4 Os Assírios


O Código Assírio, escrito em cerca de 1400 a.C., continha exemplos de casos e seus respectivos julgamentos. As leis assírias eram ainda mais rigorosas que o Código de Hamurabi, da Babilônia. Em relação ao homicídio, aquele que o praticasse era entregue ao familiar mais próximo do assassinado, e de acordo com seu livre arbítrio, poderia impor ao assassino a pena de morte ou tomar seus bens.


Assevera ainda, Vicente Sabino Júnior (1967, p. 666) que “o antigo direito cuneiforme (Assíria) parece que punia o ato de matar em luta aberta e franca (por exemplo, duelos), assassínio (assassinato), forma oculta e aleivosa de tirar a vida”.


5.1.5 Os Hititas


Os Hititas foram povos que tiveram suas origens ligadas a migrações indo-européias. Tal como os egípcios se destacaram por suas conquistas e construções, mostrando-se um povo evoluído para aquela época. No que toca as leis criminais Hititas, tudo indica que o que lhe deram origem foi os delitos de homicídio, vez que eram comuns naquele império o fratricídio e parricídios como forma de alcançar o trono pela sucessão.


Discute-se ainda, se houve, de fato, um “Código Hitita”, pois, alguns historiadores afirmam que o que havia seria nada mais do que uma compilação de julgamentos da época, prevalecendo este entendimento. Por outro lado, há aqueles que pregam pela existência de um Código Hitita, afirmando que as cópias eram coincidentes, o que levaria a crer haver uma sistemática na sua elaboração.


Embora o “Código Hitita” tratasse do delito de homicídio, deixou a desejar em relação ao tratamento dado pelo Código de Hamurabi. Vejamos algumas decisões judiciais que foram compiladas em um único diploma:


“§1. Se alguém mata um homem ou uma mulher em uma disputa, o homicida deve devolver seu corpo a seu descendente, o herdeiro, e dar-lhe 4 cabeças (provavelmente escravos, em compensação), homens ou mulheres; e assim restituirá.


§2. Se alguém assassina um homem ou uma mulher escravos em uma disputa, o homicida deve devolver seu corpo a seu descendente, o herdeiro, e dar 2 cabeças (escravos) homens ou mulheres, e assim restituirá.


§3. Se alguém golpeia um homem ou uma mulher livres de forma que eles morram e ele age somente por erro (sem premeditar), ele (o agressor) deve devolver o corpo a seu descendente o herdeiro e dar-lhe 2 cabeças como compensação.


§4. Se alguém golpeia um homem ou uma mulher escravos de modo que eles morram e ele age sem premeditação, o agressor deve devolver seu corpo a seu descendente o herdeiro e dar uma cabeça e assim restituirá.


§5. Se alguém assassina um comerciante hitita, pagará 100 minas de prata; e assim restituirá. Se o crime foi cometido no país de Luwiya ou no país de Pala, o assassino pagará 100 minas de prata e fará a compensação com seus bens. Se o crime for cometido no país de Hatti, deve (além do anterior) devolver o mesmo corpo do comerciante a seu descendente herdeiro.”


Discorrendo sobre o tema aduz Mário Curtis Giordani (2004, p. 25) que “o homicídio de uma pessoa livre durante uma discussão era punido com a compensação de quatro pessoas; a pena era reduzida à metade se o morto fosse um escravo. Se o homicídio não era voluntário, ambas as penas eram reduzidas à metade: duas pessoas pela morte de pessoa livre, uma pessoa pela morte de um escravo”.


Por fim, o que se pode observar é que prevalecia na legislação Hitita a retribuição, vez que “mesmo os assassinos poderiam ficar em liberdade, se remunerassem os herdeiros da vítima, em geral com prata, escravos, terras ou um cavalo, além das despesas do enterro”.


5.1.6 Os Hindus


Posterior ao Código de Hamurabi, o Código de Manu, relacionado ao povo hindu, também tratou do delito de homicídio, sendo que utilizam a denominação de “assassinato”. Uma das suas características eram os privilégios concedidos a parcela da população (os brahmanes). Caso alguém viesse a assassinar um Brahmane teria como conseqüência inevitável a pena capital. Por outro lado, caso o assassinato fosse cometido por um Brahmane jamais deveria o Rei condená-lo a pena de morte. Vejamos os dispositivos que tratavam do assunto:


“Art. 347 Um homem deve matar, sem hesitação, a quem se atire sobre  ele para assassiná-lo, se não tem nenhum meio de escapar, quando, mesmo, fosse seu direito, ou uma criança ou um ancião; ou ainda um Brâmane muito versado na Escritura Santa.


Art. 348 Matar um homem que faz uma tentativa de assassinato em público ou em particular, não faz ninguém culpado de assassinato: é o furor nas presas do furor.


Art. 377 Que o rei se abstenha de matar um Brâmane, ainda que ele estivesse cometido todos os crimes possíveis; que ele o expulse do reino, deixando-lhe todos os bens, e sem lhe fazer o menor mal. 


Art. 378 Não há no mundo maior iniqüidade que o assassinato de um Brâmane; eis porque o rei não deve mesmo conceber a idéia de condenar à morte um Brâmane.”


5.1.7 Os Hebreus


A história da legislação hebraica está diretamente ligada a Moisés, daí por que muitos preferem chamá-la de “legislação mosaica”. Tem como princípio fundamental os dez mandamentos ditos por Deus a Moisés no Monte Sinai, durante a jornada a Terra Santa (êxodo).


Embora se fale em dez mandamentos a legislação mosaica (ou Torah) continha 613 mandamentos, que na verdade não possuía nenhuma novidade, pois, muitas de suas transcrições eram derivadas de outras legislações, como, por exemplo, o Código de Hamurabi e o Código de Manu.


Em relação ao delito de homicídio, pode-se dizer que havia tanto uma regra geral, como também uma regra específica. A regra geral dizia “não matarás” (quinto mandamento), enquanto a regra específica descia a miúdos acerca do homicídio involuntário e as cidades asilos.


Sobre este assunto Jayme de Altavila (sem data, p. 22) ensina que “a comprovação de que a pena taliônica não se aplicava com todo o seu rigorismo entre os hebreus é de que se reconheciam os casos de morte involuntária, (…) que também estabeleciam as cidades asilo para os criminosos de tal natureza”.


Por fim, muitas das regras do Torah hoje se encontram no texto bíblico no Deuteronômio. Em relação ao delito em estudo trata especificamente que:


“Preparar-te-ás o caminho; e os termos da tua terra, que te fará possuir o SENHOR teu Deus, dividirás em três; e isto será para que todo o homicida se acolha ali. (D. 19, v. 3)


E este é o caso tocante ao homicida, que se acolher ali, para que viva; aquele que por engano ferir o seu próximo, a quem não odiava antes; (D. 19, v. 4)


Como aquele que entrar com o seu próximo no bosque, para cortar lenha, e, pondo força na sua mão com o machado para cortar a árvore, o ferro saltar do cabo e ferir o seu próximo e este morrer, aquele se acolherá a uma destas cidades, e viverá;” (D. 19, v. 5)


O deuteronômio 19, versículo 03, tratava justamente da criação da cidade asilo, onde os que cometessem homicídio involuntário cumpririam penas. Em seguida, o deuteronômio 19, versículo 05, cita uma hipótese bastante específica de homicídio involuntário. Dando continuidade, o deuteronômio 19, versículos 06, 11 e 12 ensinavam que:


Para que o vingador do sangue não vá após o homicida, quando se enfurecer o seu coração, e o alcançar, por ser comprido o caminho, e lhe tire a vida; porque não é culpado de morte, pois o não odiava antes. (D. 19, v. 06)


Mas, havendo alguém que odeia a seu próximo, e lhe arma ciladas, e se levanta contra ele, e o fere mortalmente, e se acolhe a alguma destas cidades, (D. 19, v. 11)


Então os anciãos da sua cidade mandarão buscá-lo; e dali o tirarão, e o entregarão na mão do vingador do sangue, para que morra”. (D. 19, v. 12)


O Deuteronômio 19, versículo 11, cita a hipóteses de homicídio doloso, neste caso o assassino seria enviado a uma das cidades-asilos, e conforme o deuteronômio 19, versículo 12, após chegar à cidade-asilo um ancião mandaria buscar o homicida para que o vingador do sangue (espécie de capataz) o matasse. Por fim, ao vingador do sangue não restava qualquer culpa, porquanto o deuteronômio 19, versículo 06, o isentava de culpabilidade, pois matou por dever e não por ódio.


5.2 O delito de homicídio na Antiguidade Clássica


5.2.1 Os Gregos


Na legislação penal de Esparta – uma das Cidades-Estados da Grécia antiga, onde tal legislação é atribuída a Licurgo -, o delito de homicídio não era punido. Há de lembrar-se que Esparta era uma cidade com poucas regras, onde se prezava pela criação de “homens-máquinas”, para servir a todo o tempo em guerras. Era comum que os jovens espartanos emboscassem e matassem os ilotas (não eram cidadãos nem homens livres), tal conduta, inclusive era ensinada e aplaudida pelos populares. Tal selvageria só era permitida contra os escravos, mas nem por isso o fato torna-se menos repugnante.


Por outro lado, a legislação penal de Atenas – outra Cidade-Estado da Grécia punia o crime de homicídio. Esse povo mostrava-se com um maior desenvolvimento no âmbito legislativo, adotando, inclusive graus de pena. Neste sentido aduz Itagiba (1945, p. 34) que “se o réu não se harmonizava com os parentes da vítima, era temporariamente desterrado. A condenação à morte, ou desterro perpétuo e a perda de bens eram as sanções para os casos de reincidência”.


5.2.2 Os Romanos


Salienta Magalhães Noronha que (1990, p. 13) “Foi o homicídio contemplado pelos três direitos que mais influência teve nas legislações dos povos civilizados: o romano, o germânico e o canônico”.


Aquele que praticava o delito de homicídio em Roma era punido, tendo nas leis de Numa Pompílio e a Lex Cornelia de sicariis a sua incriminação como um crime público. Ou seja, distinguia-se àquela época dos outros Direitos. Nesse diapasão Fran Von Liszt (2003, p. 35) dispara “desviando-se dos outros Direitos indo-germânicos, o antiqüíssimo Direito Romano já considerava o homicídio como crime que atenta contra a ordem jurídica do Estado e retira o respectivo processo e punição do arbítrio dos particulares”. No entanto, a pena para aquele que cometesse o crime de homicídio, era aplicada de forma censitária, porquanto aquele que possuísse condições seria aplicável a pena de deportação e perda de bens, enquanto aos pobres era aplicada a pena de morte.


Destaca-se que o homicídio e parricídio no direito romano eram expressões sinônimas. Neste diapasão, esclarece Luiz Regis Prado (2008, p. 62) citando Mommsen “o parricidium, originalmente havido como a morte de um cidadão sui juris (paris coedes ou paris excidium) – e não necessariamente a morte dada ao ascendente (patris occidium) -, era severamente punido”. Foi somente com o final da República que o parricídio passou a ser a designação dada para a morte de um parente próximo.


Coube também ao direito romano a distinção entre premeditação e o impetus, entre o assassinato (morte violenta) e homicídio simples – tendo como principal conseqüência a aplicação da pena mais elevada ao primeiro.


5.3 A transição Idade Antiga – Idade Média


5.3.1 Os Germânicos


Como visto anteriormente, o Direito Romano se destacou por retirar da esfera privada a punição do crime de homicídio, contrário do que ocorria no direito germânico, aduzindo Magalhães Noronha (1990, p. 13) que “a punição era a vingança da família do morto ou a composição, sendo esta dividida em duas partes: uma ao Estado e outras aos parentes da vítima”.


Durante longo período no continente Europeu, o que se percebe é que o crime de homicídio era tanto de iniciativa pública como privada. O filosofo inglês Thomas Hobbes (1997, p. 234) em sua obra “O Leviatã” de 1651, quando trata dos crimes, desculpas e atenuantes aduz que “numa acusação de assassinato, se o acusador é um particular o litígio é privado, e se o acusador é o soberano o litígio é público”.


Porém, anos mais tarde ocorreu conforme relato de Aníbal Bruno (1983, p. 61) “a chamada recepção do Direito, na Alemanha, e a influência da legislação da Igreja, passou o homicídio a ser tratado como crime público, punido geralmente com a pena capital”.


5.4 O delito de homicídio na Idade Média Oriental


5.4.1 Os Árabes


O sistema penal de Maomé pode ser percebido no Suná – tido por muitos como o começo do sistema jurídico Árabe. Daí se originou o quarto livro islâmico que é conhecido como Kias, onde estão presentes as interpretações das antigas sentenças dos povos mulçumanos. Normalmente, aqueles que cometiam pequenos delitos eram punidos com reparações ou composições pecuniárias. Por outro lado, quando se tratava do crime de homicídio o que se levava em conta era a condição social da vítima. Sobre o assunto discorre José Izidoro (1898, p. 95) que:


“O direito penal dos árabes consiste principalmente em um sistema de reparações ou composições pecuniárias. É o regime do preço do sangue, substitutivo do da vingança privada, tal qual o vimos já entre outros povos. O homicídio e as ofensas físicas são tarifados conforme a intensidade do delito e a condição das pessoas ofendidas. Assim o preço do sangue é para uma mulher a metade do de um homem.”


5.5 O delito de homicídio na Idade Média Ocidental


5.5.1 O Direito Canônico


O homicídio no Direito Penal Canônico era tido como um delito misto (delicta mixta), vez que agredia diretamente dois bens jurídicos – o religioso e o laico -. Sendo que, aquele que praticasse esse delito sofreria a denominada poena temporales.


A Bíblia, segundo Mário Curtis Giardoni (2004, p. 39) distingue duas classes de homicídios: voluntário e involuntário. “O homicídio voluntário era castigado com a pena capital. Esta, porém, só era aplicada depois de um processo em que houvesse o depoimento de pelo menos duas testemunhas. O homicídio involuntário não era punido com a morte: o acusado podia buscar refúgio em cidades escolhidas especialmente como asilos”.


O Antigo Código Canônico foi promulgado no ano de 1917 pelo papa Bento XV, e teve vigência até o ano de 1983, ano este que foi promulgado o atual Código Canônico que se encontra em Vigor. Tal Código ficou conhecido como “Pio-Beneditino”, pois foi uma junção do seu antecessor promulgado por Pio IX. Por isso, a derivação proveniente da junção: “Pio” de Pio IX, e “Beneditino” de Bento XV. Sobre o delito de homicídio, transportou as suas normas para o presente Código Canônico, por isso deixamos a análise no parágrafo abaixo.


O atual Código Canônico em vigor que foi promulgado em 25 de janeiro de 1983, pelo então Papa João Paulo II, trata do delito de homicídio no Título VI: Delitos Contra a Vida Humana e Liberdade, prescrevendo o Poder 1397 que:


“1397 One who commits murder, or who by force or by fraud abducts, imprisons, mutilates or gravely wounds a person, is to be punished, according to the gravity of the offence, with the deprivations and prohibitions mentioned in can.Quem comete homicídio, ou que, por força ou por fraude sequestra, aprisiona, mutila ou feridas gravemente uma pessoa, deve ser punido, de acordo com a gravidade da infracção, com as privações e proibições mencionadas no cân. 1336. 1336. In the case of the murder of one of those persons mentioned in can. No caso do assassinato de uma das pessoas mencionadas no cân. 1370, the offender is punished with the penalties there prescribed. 1370, o infractor é punido com as penalidades ali prescritas.”


Sendo assim aquele que cometer homicídio sofrem as sanções previstas no Poder 1336, quais sejam: 1ƒ) proibição contra uma residência ou um fim de residência, em um determinado lugar ou território; 2ƒ) privação de poder, cargo, função, direito, privilégio, faculdade, por favor, título ou insígnia, mesmo de natureza meramente honorário; 3ƒ) uma proibição sobre o exercício das coisas enumeradas no n. 2, or a prohibition on their exercise inside or outside a certain place; such a prohibition is never under pain of nullity; 2, ou a proibição de seu exercício dentro ou fora de um determinado lugar, essa proibição não está sob pena de nulidade; 4ƒ) penal uma transferência para outro cargo; 5ƒ) demissão do estado clerical.


Por sua vez, caso a vítima do crime de assassinato seja uma daquelas prevista no Poder 1370, quais sejam: Romano Pontífice, Bispo e Clérigo, as sanções variarão conforme o cargo ocupado. Vejamos: 1370 fl1 A person who uses physical force against the Roman Pontiff incurs a latae sententiae excommunication reserved to the Apostolic See; if the offender is a cleric, another penalty, not excluding dismissal from the clerical state, may be added according to the gravity of the crime.


“FL1 Uma pessoa que usa a força física contra o Romano Pontífice incorre em excomunhão latae sententiae reservada à Sé Apostólica, se o infractor for um clérigo, uma outra pena, não excluída a demissão do estado clerical, podem ser adicionados de acordo com a gravidade da crime.


FL2 Aquele que faz isso contra um bispo incorre em interdito latae sententiae e, se for um clérigo, ele também incorre numa suspensão latae sententiae.


FL3 Uma pessoa que usa a força física contra clérigo ou religioso por desprezo à fé, ou a Igreja ou autoridade eclesiástica ou o ministério, deve ser punido com uma pena justa.”


6. A história do delito de homicídio no brasil


No Direito Pátrio podemos dividir a história do delito de homicídio em três fases: a) O Brasil antes da colonização portuguesa; b) O Brasil Colônia e as Ordenações; b) O Brasil Independente.


6.1 O Brasil antes da colonização


Atualmente, os historiadores brasileiros salientam que não é correto em falar em “descobrimento do Brasil”, pois, descoberto é aquilo que nunca existiu – “fez uma descoberta”. Sendo assim, deve-se falar em colonização do Brasil por Portugal.


Mas, antes do Brasil ser colonizado por Portugal, diversas tribos indígenas habitavam todo o território brasileiro, principalmente, a região litorânea do país.


Dissertando em sua lendária obra, João Bernardino Gonzaga (sem data, 65-72) nos traz a tona à história do Direito Penal Indígena. “Nesta época o que havia não eram leis, mas sim lendas, tabus e mitos. Foi assim que se estruturou basicamente o direito entre os indígenas”. A regra nessa época era a vingança privada, sendo a vítima responsável pela reprimenda, por outro lado, quando a infração atingisse o interesse comum caberia a toda a comunidade aplicar a sanção.


O delito de homicídio entre os indígenas se encaixava na primeira hipótese, onde os membros da família da vítima eram responsáveis por vingar a morte, matando qualquer membro da família do agressor, e, não necessariamente o agressor. Salienta Maximiliano Roberto Ernesto  Führer (2005, p. 24) que “esta obrigação (…) entre os índios, era de puro cunho místico”, ou seja, podendo-se chegar à conclusão que a vingança da morte não era vista, necessariamente, como uma sanção -, mas como afirma o autor citado fazia parte de um “Direito Criminal encantado”.


Ainda sobre o delito de homicídio nesta sociedade aborígene Guilherme de Souza Nucci (2007, p. 642), citando João Bernardino Gonzaga dispara: “Era comum matar os velhos, enterrando-os vivos, em cerimônias. Homicídios em famílias eram tolerados, como um cônjuge envenenar o outro. (…) Havia, ainda, a execução dos adversários escravizados e dos doentes”.


6.2 O Brasil no período colonial


Tendo Portugal como seu país colonizador, o Brasil irá adotar conseqüentemente a legislação que vigorava no país luso – Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Sendo que, a qual prevalecerá em termos de aplicação em solo nacional serão as Ordenações Filipinas.


6.2.1 Ordenações Afonsinas


As Ordenações Afonsinas se tiveram aplicação em território nacional, foi muito pouca ou quase nada. Isso se deu ao fato da sua curta duração – 1446 a 1512 -, além do mais, levando-se em conta que a colonização portuguesa começou em 1500. Portanto, do “descobrimento” até o final da sua vigência se passaram apenas doze anos. O que leva a Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha Bueno (2003, p. 143) afirmar que “Das Ordenações Afonsinas não se tem sequer remoto informe sobre sua aplicação no território do Brasil, recém descoberto, (…) vigorando somente até o reinado de D. Manoel, o Venturoso, que logo ordenou fossem substituídas pelas ‘Ordenações Manoelinas’”.


A referida Ordenação abrangia a figura do homicídio doloso qualificado e certos ferimentos graves, aduzindo “o que matar outro ou ferir sobre segurança ou em vendicta ou revendicta ou conselheygramente ou assunada ou de proprio”. Sendo que, segundo Adelino Maltez (1983, p. 233-234) “referia-se que já por lei de D. Dinis de 1302 transcrita nas O.A. (5, 32, 2) se punia com pena capital o homicídio: ‘todo homem, que matar, ou chagar outrem, nom avendo com elle ençom, nem lhe dizendo, nem fazendo por que, ou estando seguro o morto, ou chegado, que o que lhe fazer o que dicto he, moira porem”.


6.2.2 Ordenações Manoelinas


As Ordenações Manoelinas datada do ano de 1512, sendo que ficaram definitivamente prontas apenas em 1521. Aduz os doutrinadores que as Ordenações Manoelinas não passaram de uma cópia das Ordenações Afonsinas. O fato da modificação se dizia tão somente por questões pessoais e de mero deleite de Dom. Manuel que pretendia ver em seu reinado as Ordenações levando o seu nome. Daí poder afirmar que o delito de homicídio não sofreu modificações em relação às Ordenações Afonsinas.


Teve vigência em solo brasileiro até o ano de 1603. Não há notícias de sua aplicação. Nesse sentido Magalhães Noronha (1990, p. 54) citando Taunay dispara “Para se ter uma idéia de como iam as coisas referentes à justiça, naquela época, basta lembrar do episódio ocorrido em Piratininga , em 13 de junho de 1587, em que o almotacel  (magistrado de categoria inferior ao juiz ordinário) João Maciel pediu aos vereadores que lhe dessem as Ordenações, pois não podia sem elas exercer suas funções. Taunay que nos narra esse episódio, acrescenta não ter se encontrado um só exemplar!”.


6.2.3 Ordenações Filipinas[1]


Teve vigência do ano de 1603 até o ano de 1830. Recebeu o nome de “Ordenações Filipinas” por ter sido promulgada pelo Rei de Portugal Filipe I. As Ordenações não tratavam tão somente do direito penal, este só era tratado em seu último livro – o Livro V, os demais tratavam de matérias diversas, como direito civil, processos etc. É tido como um dos maiores Códigos Penais portugueses por ter durado durante muitos anos. No entanto, segundo relatos de Paulo Amador Bueno (2003, p. 146) “havia completa falta de técnica na estruturação do livro, que não observou nenhum padrão lógico na enumeração dos delitos (…), vindo, ainda, sempre redigidos de forma extremamente exaustiva e rebuscada”, conforme poderá ser visto. O objeto do nosso estudo vinha previsto no Título XXXV, que dispunha “Dos que matam, ou ferem, ou tiram com Arcabuz ou Besta”.


Assim prescrevia a redação do delito “Qualquer pessoa que matar outra ou mandar matar, morra por isso morre natural”. Ou seja, aquele que mandasse matar ou que matasse outra pessoa sofreria como conseqüência a pena de morte.


As Ordenações também trataram das hipóteses de legítima defesa, do excesso punível, bem como do homicídio culposo – que era chamado de “sem malícia”. Vejamos:


“Porém se a morte for em sua necessária defesa, não haverá pena alguma, salvo se nela excedeu a temperança que devera e pudera ter, porque então será punido segundo a qualidade do excesso. E se a morte for por algum caso sem malícia ou vontade de matar, será punido ou relevado segundo sua culpa ou inocência que no caso tiver”.


Foram tratadas também em sua redação as hipóteses de venefício, homicídio mercenário e homicídio com emprego de arma de fogo –, embora não expressasse serem essas hipóteses de qualificadoras, pode-se chegar a essa conclusão através da leitura dos dispositivos, pois, além da pena de morte, alguma outra seria cumulativamente culminada:


“2. E toda a pessoa que a outra der peçonha para a matar ou lha mandar, posto que de tomar a peçonha se não siga a morte, morra morte natural.


3. E qualquer pessoa que matar a outra por dinheiro, ser-lhe-ão ambas as mãos decepadas e morra morte natural, e mais perca sua fazenda para a Coroa do Reino, não tendo descendentes legítimos. E ferindo alguma pessoa por dinheiro, morra por isso morte natural. E estas mesmas penas haverá o que mandar matar ou ferir outrem por dinheiro, seguindo-se a morte ou ferimento.


4. E se alguma pessoa, de qualquer condição que seja, matar outrem com besta ou espingarda, além de por isso morrer morte natural, lhe serão decepadas as mãos ao pé do pelourinho.”


Acrescenta-se que o título XXXVII cuidava dos crimes cometidos de forma traiçoeira (aleivosia). Seja qual crime fosse praticado mediante traição, incidiria a qualificadora, no entanto, não deixa claro como a pena seria executada, afirmando tão somente que “a pena corporal será muito mais grave e maior do que se daria em outro semelhante malefício em que tal qualidade de aleivosia não houvesse”.


Por fim, durante o período de vigência das Ordenações Filipinas a pena de morte tinha vasta aplicação, sendo o seu modo de execução mais comum a forca. Neste sentido Carlos Alberto Carrillo (1997, p. 77 e 81) ensina que “nas normas legais, reunidas principalmente nas Ordenações Filipinas, era comum a aplicação da pena de morte, mesmo em casos em que hoje seriam considerados leves. (…) Quais dessas penas chegaram a ser aplicadas na Bahia? Com certeza, a forca, lembrada até hoje pelo nome da rua que a ela conduzia”.


Historicamente, pode-se lembrar também da aplicação da pena de morte em grau máximo a um dos revolucionários da Inconfidência Mineira – Joaquim José da Silva Xavier -, mais conhecido como Tiradentes. Que foi enforcado, esquartejado e teve espalhado os pedaços de seu corpo na estrada de caminho até Vila Rica, além de ter sido lavrada a certidão de cumprimento da sentença com o sangue do seu próprio corpo. 


6.3 O Brasil independente


Após a Independência do Brasil em 07 de setembro de 1822, a Constituição de 1824 mandava elaborar um novo Diploma Penal. Foi então que em 1830 foi sancionado o Código Criminal do Império do Brazil.


No ano de 1890 foi sancionado o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. Alguns anos mais tarde, em 1932, houve a Consolidação das Leis Penais realizada pelo Desembargador Vicente Piragibe.


Por fim, no ano de 1940 foi sancionado o Código Penal Brasileiro – CPB, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1942, estando até os dias atuais em vigor, embora, tenha sofrido no ano de 1984 uma reforma completa em sua parte geral.


Feita essa breve introdução, passamos a discorrer como era tratado o delito de homicídio em cada um dos diplomas penais acima explanados, valendo destacar a evolução da redação, que passou a ser cada vez mais sintética.


5.3.1 O Código Criminal do Império do Brazil de 1830[2]


Este Código era visto como extremamente inovador para àquela época, vez que se preocupou em tratar logo no art. 1º do princípio da legalidade. Por ter dado um enfoque mais moderno, terminou por inspirar quase toda a legislação dos países da América Latina. Dissertando sobre o assunto Luiz Flávio Gomes, Antonio García-Pablos de Molina e Alice Bianchini (2009, p. 149) proclamam que:


“O Código Criminal do Império inspirou-se não apenas nos princípios consagrados na Constituição de 1824 senão também na melhor doutrina e mais atualizada legislação compreendidas nos Código Criminais dos primeiros anos do século XIX como os da Áustria (1803), França (1810), Baviera (1813), Nápoles (1819), Parma (1820), Espanha (1822) e Lousiana (1825).”


O crime de homicídio no Código Criminal do Império estava previsto na Seção I, do Capítulo I, do Título II. Três artigos tratavam do assunto – 192, 193 e 194. O primeiro era relacionado ao homicídio qualificado, o segundo ao homicídio simples e o terceiro ao homicídio culposo. Vejamos nesta seqüência:


“Art. 192. Matar alguém com qualquer das circumstancias aggravantes mencionadas no artigo dezaseis, numeros dous, sete, dez, onze, doze, treze, quatorze, e dezasete.


Penas – de morte no gráo maximo; galés perpetuas no médio; e de prisão com trabalho por vinte annos no minimo.”


Por sua vez, as agravantes citadas do art. 16, que culminariam em pena de morte eram na seguinte ordem: Ter o delinquente commettido o crime com veneno, incendio, ou inundação; Haver no offendido a qualidade de ascendente, mestre, ou superior do delinquente, ou qualquer outra, que o constitua á respeito deste em razão de pai; Ter o delinquente commettido o crime com abuso da confiança nelle posta; Ter o delinquente commettido o crime por paga, ou esperança de alguma recompensa; Ter precedido ao crime a emboscada, por ter o delinquente esperado o offendido em um, ou diversos lugares; Ter havido arrombamento para a perpetração do crime; Ter havido entrada, ou tentativa para entrar em casa do offendido com intento de commetter o crime; Ter o delinquente, quando commetteu o crime, usado de disfarce para não ser conhecido; Ter precedido ajuste entre dous ou mais individuos para o fim de commetter-se o crime.


Como se depreende da análise da pena cominada no artigo supracitado, havia três possibilidades na aplicação da reprimenda: penal capital, galés perpétuos e prisão com trabalhos forçados por vinte anos. Mas qual o critério legal utilizado para valorar a pena a ser aplicada? A resposta encontra-se no art. 195, onde “o mal se julgará mortal a juízo dos facultativos; e, discordando estes, ou não sendo possível ouvi-los, será o réo punido com as penas do artigo 194 – prisão de dois a dez anos com trabalhos forçados”.


A título de curiosidade acerca da pena de morte é interessante mencionar que seria dada na forca, depois de transitada em julgado a sentença penal irrecorrível. Deveria ser executada no dia seguinte ao da intimação, a qual nunca se faria na véspera de domingo, dia santo, ou de festa nacional. No dia do enforcamento o réu com o seu vestido ordinário, e preso, seria conduzido pelas ruas mais publicas até á forca, acompanhado do juiz criminal do lugar, do escrivão, e da força militar, que se requisitasse. Ao acompanhamento precederia o Porteiro, lendo em voz alta a sentença, que seria executada. Os corpos dos enforcados seriam entregues aos seus parentes, ou amigos, se estes os pedissem aos juízes que presidiram à execução; mas ficava vedado enterrá-los com pompa, sob pena de prisão por um mês a um ano. Por fim, a mulher em estado gravídico não seria executada a pena de morte, nem mesmo seria julgada inicialmente, desde que fizesse merecer esse tratamento. Caso merecesse tratamento cordial seria julgada quarenta dias depois do parto; caso não merecesse seria julgada imediatamente.


Na hipótese do homicídio não ser qualificado não seria admitida a pena capital. Assim prescrevia o art. 193:


“Art. 193. Se o homicidio não tiver sido revestido das referidas circumstancias aggravantes.


Penas – de galés perpetuas no grão maximo; de prisão com trabalho por doze annos no médio; e por seis no minimo.”


Por fim, o homicídio culposo era tratado no art. 194:


“Art. 194. Quando a morte se verificar, não porque o mal causado fosse mortal, mas porque o offendido não applicasse toda a necessaria diligencia para removel-o.


Penas – de prisão com trabalho por dous a dez annos.”


Sobre o homicídio culposo, salienta Luiz Regis Prado (2008, p. 64) que “o homicídio culposo não se achava previsto dentre os dispositivos alocados no citado título, lacuna essa suprida somente com o advento da lei 2.033/1871”. Ou seja, durante pouco mais de 40 anos, o homicídio culposo permaneceu omisso da legislação criminal brasileira.


6.3.2 O Código Penal dos Estados Unidos do Brasil de 1890[3]


Com o advento da República foi promulgado do Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, datado de 11 de outubro de 1890. No entanto, por ter sido elaborado de forma tênue sofreu duras críticas da doutrina daquela época que encontraram falhas grotescas nas tipificações. César Dario Mariano (2003, p. 12) dispara “essa pressa deveu-se ao fato de não poder vigorar na República um Código Penal editado no Império, em que ainda existia a escravidão”. Destarte, Walter Vieira do Nascimento (2004, p. 223) explana que “em face da Lei Áurea de 1888 (…), abolida a escravatura no Brasil, vários dispositivos do Código de 1830 não mais se justificavam”.


Mas, há de salientar, que, ainda assim, é considerado como marco na doutrina brasileira, porquanto deixou de prever a pena de morte.


O crime de homicídio passou a ser tratado no capítulo I, do último Título do Código Penal – X, título este que tratava “Dos Crimes Contra a Segurança de Pessoa e Vida”. Vejamos como tal Código tratava do crime em estudo:


“Art. 294. Matar alguem:


§ 1.° Si o crime for perpetrado com qualquer das circumstancias aggravantes mencionadas nos §§ 2°, 3°, 6°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 12°, 13°, 16°, 17°, 18° e 19° do art. 39 e § 2° do art. 41


Pena – de prisão cellular por doze a trinta annos.


§ 2.° Si o homicidio não tiver sido aggravado pelas referidas circumstancias:


Pena – de prisão cellular por seis a vinte e quatro annos”.


Observe que no ano de 1890 o caput do art. 294, passou a adotar em sua redação tão somente a expressão “matar alguém”, norma de caráter objetivo e claro. No entanto, para dizer que o homicídio seria simples foi necessário criar um dispositivo no parágrafo 2º.


O § 1º, fugindo do caráter objetivo que deve ter a redação do delito de homicídio, terminou dando as qualificadoras a forma remetida. E para aumentar a confusão remete a mais de um artigo.


Por sua vez o crime seria qualificado se cometido: “Com premeditação, mediando entre a deliberação criminosa e a execução no espaço, pelo menos, de 24 horas; Por meio de veneno, substancias anesthesicas, incendio, asphysia ou inundação; Com fraude, ou com abuso de confiança; Com traição, surpreza ou disfarce; Por emboscada, por haver o delinquente esperado o offendido em um ou diversos logares; Contra ascendentes, descendentes, conjuge, irmão, mestre, discipulo, tutor, tutelado, amo; Por paga ou promessa de recompensa; Com arrombamento, escalada ou chaves falsas; Com entrada, ou tentativa para entrar, em casa do offendido com intenção de perpetrar o crime; Entre ajuste de dous ou mais individuos; Estando o offendido sob a immediata protecção da autoridade publica; Com emprego de diversos meios; Em occasião de incendio, naufraugio, inundação, ou qualquer calamidade publica, ou de desgraça particular do offendido; Por delinquente reincidente”. Por fim, também seria qualificado “quando a dor physica for augmentada por actos de crueldade”.


Por mais absurdo que seja o homicídio seria qualificado caso o agente entrasse mediante escalada na casa da vítima, ou então fosse reincidente.


Embora o caput fosse claro e objetivo o § 1º que tratava das qualificadoras era completamente mal redigido, sem falar nos absurdos que qualificavam o delito de homicídio. A única coisa a merecer aplausos foi à extinção da pena de morte. Vejamos o que prescrevi o art. 296:


‘Art. 296. É qualificado crime de envenenamento todo o attentado contra a vida de alguma pessoa por meio de veneno, qualquer que seja o processo, ou o methodo de sua propinação, e sejam quaes forem seus effeitos definitivos.


Paragrapho único. Veneno é toda substancia mineral ou organica, que ingerida no organismo ou applicada ao seu exterior, sendo absorvida, determine a morte, ponha em perigo a vida, ou altere profundamente a saude”


O legislador apressado, além de qualificar o homicídio praticado com veneno (art. 294 § 1º, c/c § 3º do art. 39), resolveu inovar e também criar um artigo específico sobre o venefício. Por essas e outras razões, pode-se perceber por que o Código Criminal de 1890 sofreu tantas críticas.


Por último o crime de homicídio culposo, tratado no art. 297:


“Art. 297. Aquelle que, por imprudencia, negligencia ou impericia na sua arte ou profissão, ou por inobservancia de alguma disposição regulamentar commetter, ou for causa involuntaria, directa ou indirectamente de um homicidio, será punido com prisão cellular por dous mezes a dous annos.”


Como dito alhures, por ter sido um Código mal elaborado, tal fato terminou por culminar na edição de diversas leis penais esparsas, alguns modificando e outras complementando o texto, o que terminou por ocasionar a época grande confusão no legislativo – no tocante a elaboração de novas leis -, bem como no judiciário – no tocante a aplicação da lei.


6.3.3 A Consolidação de Vicente Piragibe de 1932


Dissertando sobre o assunto, salienta Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 43) que “os equívocos e deficiências do Código Republicano acabaram transformando-o em uma verdadeira colcha de retalhos, tamanha a quantidade de leis extravagantes que, finalmente, se concentraram na conhecida Consolidação das Leis Penais de Vicente Piragibe, promulgada em 1932”. Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangile (2006, p. 188) ressaltam que o intuito não era a promulgação, pois “Vicente Piragibe redigiu a consolidação para o seu próprio uso, de natureza particular”, só vindo a ser sancionada posteriormente.


Recorda Edmundo de Oliveira (1994, p. 68) que a grande função do Desembargador Piragibe foi retirar do Código “todos os artigos revogados, colocando nesses espaços vazios as leis novas. A sua consolidação era composta de quatro livros e quatrocentos e dez artigos”. No que tange ao delito de homicídio nenhuma modificação foi registrada.


7.3.4 O Código Penal de 1940


Segundo Luiz Luisi (2001, p. 37-44) podemos afirmar que o Código Penal Brasileiro de 1940 adotou a sistemática do criminalista italiano Tibério Deciano (1509-1582), dividindo o Código Penal em duas partes, uma geral (tratando de uma teoria geral do delito) e outra especial (tratando dos crimes em espécie). Aproxima-se também da sistemática do mestre padovano, no tocante aos bens jurídicos ofendidos pelo delito, embora na sua época os crimes contra a vida ficassem aquém de outros bens jurídicos, tais como os delitos contra a Igreja. O legislador brasileiro optou por resguardar inicialmente os bens jurídicos inerentes a pessoa humana, sendo que o principal desses bens jurídicos é justamente a vida.


Após uma análise histórica sobre como o delito de homicídio era tratado nas antigas civilizações, bem como nos diversos diplomas que tiveram aplicação em solo nacional, passaremos, agora, a fazer uma abordagem do homicídio no presente Código Penal. No entanto, nos ateremos aos aspectos históricos de suas terminologias, bem como os fatores históricos mais importantes, procurando manter sempre o intuito primordial do trabalho: A História do Delito de Homicídio.


O crime em estudo foi tratado pelo legislador no Título I do Código Penal – “Dos Crimes Contra a Pessoa”, no Capítulo I, que trata especificamente “Dos Crimes Contra a Vida”. Por sua vez, o primeiro delito do Capítulo I, é justamente o homicídio, o que demonstra ter optado o legislador pelo critério do bem jurídico mais relevante – a vida.


6.3.4.1 Homicídio simples


O caput do art. 121 trata do homicídio simples, dispondo que:


“Art. 121. Matar alguém:


Pena – reclusão, de seis a vinte anos.”


A doutrina de forma simples costuma classificar o homicídio simples como sendo aquele que não é nem qualificado, nem privilegiado. Adotando-se um critério de exclusão.


O legislador adotou uma fórmula simples: “matar alguém”, de forma que a redação se dirigisse a todos, afastando-se das antigas redações das Ordenações. Sem sombra de dúvidas o homicídio simples é a figura dolosa com menos requisitos, demonstrando segundo Ruan Ramos (1938, p. 11) “clareza e sem oferecer dificuldades para sua interpretação”. Isso é devido aos anseios doutrinários que já pregavam que para caracterizar o delito em tela, seria necessária tão somente a frase “matar outro”; “matar alguém”; “matar um homem”.


6.3.4.2 Homicídio com causa de diminuição de pena


No § 1º do art. 121 o legislador tratou do famigerado “homicídio privilegiado”, expressão essa utilizada de forma errônea, devendo-se adotar formalmente a nomenclatura “homicídio com causa de diminuição de pena”. Vejamos:


“Art. 121. Matar alguém:


§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.”


Depreende-se que o legislador pune aquele que pratica o homicídio em um dos estados acima elencados, portanto, a paixão ou emoção não são aptas a excluir a tipicidade penal. Esse entendimento foi exportando do Código Penal Italiano, onde já prescrevia que tanto os estados emotivos, como os passionais não isentam nem diminuem a imputabilidade. Sobre o tema discorre Gerardo Peña Guzman (2006, p. 15-16) que:


“El ser humano tiene um poder de adaptación inconmensurable. Los factores de su personlidad Le han permitido mantener su equilibrio psicológico, com mayor o menor fortuna. (…) La sociedad em procura de mantener La convivencia entre sus componentes y encauzar sus conductas, aprtándolos de la violencia y del crimen, no há podido dejar de lado el apsecto emocional de su personlidad. La ley, entonces, debe penetrar decididamente em el âmbito pasional, como uma necesidad ineludible de su comeido inhibitorio. Acrescenta-se que da leitura do livro do mestre argentino, parece haver uma tendência para a doutrina argentina adotar para este delito a nomenclatura “homicídio emocional”, pois tal expressão resumiria essencialmente esta causa de diminuição. Neste sentido discorrem Peña Guzman, García Zavlía, Luján y De La Cárcova, Ernesto J. Ure y Jorge A. Quiroga”.


Embora, atualmente, se pareça simples e fácil distinguir a violenta emoção da paixão, não se pode afirmar que o mesmo seu deu no passado onde diversas teorias cercaram o assunto. Alguns entendiam a emoção com sentido psicológico; outros com sentido endocrinológico. Sendo que a principal discussão girava em torno se seria possível tais estados (violenta emoção e paixão) excluírem a culpabilidade do agente.


O que se percebe diante de uma breve pesquisa é que durante muitos anos diversos autores de delitos passionais, na sua grande maioria homens que matavam suas mulheres, impelidos por violenta emoção eram absolvidos em tribunais. Pois, o Código Penal de 1890, prescrevia em seu art. 27, § 4º que “Não são criminosos os que se acharem em estado de completa privação de sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime”.


Cleber Masson (2009, p. 440) com toda autoridade que lhe é peculiar esclarece “com base nesse dispositivo legal, os criminosos passionais eram comumente absolvidos, sob o pretexto de que, ao encontrarem o cônjuge em flagrante adultério, ou movidos por elevado ciúme, restavam privados da inteligência e dos sentidos”.


Um dos maiores criminalista que se dedicaram ao estudo dos delitos passionais foi o Italiano Impallomeni. Podemos dizer que o motivo dos delitos passionais deixarem de ser vistos como excludentes da culpabilidade se deram graças aos estudos do jurista italiano. Emmanuel Lasserre (1908, p. 12-13) em obra indispensável sobre o assunto, devido a sua magnitude, discorria que Impallomeni:


“Combateu as doutrinas extraordinárias, hoje demasiadamente espalhadas, que encontram uma desculpa para cada crime na violência das paixões que esse mesmo crime vai saciar: — o amor, o ciúme, o ódio, a vingança. Demonstrou vitoriosamente que os crimes passionais, cujos autores são objeto de indulgência por parte dos jurados e da opinião publica, são também, pensando justamente, os mais odiosos, os mais perigosos de todos, e, sobretudo os mais anti-sociais. Com uma abundancia extraordinária e uma rigorosa exatidão de dados científicos, com os quais explanou claramente certas idéias ainda nebulosas, que as suas sabias explicações esclareciam completamente, provou que o crime passional é a negação da lei, da qual todos os outros crimes não são mais que a violação e o retrocesso á primitiva barbaria, a regressão â animalidade. Seria ocioso acrescentar que a paixão, que explicam o crime, não pode, de fôrma alguma, diminuir a responsabilidade do criminoso. E, na verdade, o que há de revoltante e de indesculpável no crime passional é o fato do delinqüente não hesitar, um instante, em sacrificar o direito e mesmo a vida dos outros para satisfação dos seus apetites.”


No Brasil um dos maiores juristas que combatiam com veemência as absolvições dos passionais foi o promotor de justiça Roberto Lyra (1975, p. 97), aduzia que:


“O verdadeiro passional não mata. O amor é, por natureza e por finalidade, criador, fecundo, solidário, generoso. Ele é cliente das pretorias, das maternidades, dos lares e não dos necrotérios, dos cemitérios, dos manicômios. O amor, o amor mesmo, jamais desceu ao banco dos réus. Para os fins da responsabilidade, a lei considera apenas o momento do crime. E nele o que atua é ódio. O amor não figura nas cifras da mortalidade e sim nas da natalidade; não tira, põe gente no mundo. Está nos berços e não nos túmulos.”


 6.3.4.3 Homicídio qualificado


No § 2º, do art. 121 do Código Penal, tratou-se do homicídio qualificado. Sobre esta forma de consecução do homicídio, observa-se que o legislador buscou proporcionalidade na aplicação da pena, de forma que, puna-se de forma mais grave do que o homicídio simples. Sobre o tema já explanava Thomas Hobbes (1997, p. 233) que “dos atos contrários à lei, praticados contra particulares, o maior crime é o que provoca maior dano, segundo a opinião comum entre os homens. Portanto: matar contra a lei é um crime maior do que qualquer outra injúria que não sacrifique vidas. Matar com tortura é mais grave do que simplesmente matar”.


O legislador abandonou a forma de legislação remetida (vide Código de 1890), optando por deixar expressas aquelas formas que qualificariam o crime de homicídio, sem necessidade de o interprete se socorrer a outro dispositivo para saber o alcance da norma.


a) Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe


Conforme o inciso I do § 2º, do art. 121, o homicídio será qualificado se cometido:


I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;


A paga ou a promessa de recompensa são motivos torpes. Chega-se a essa conclusão, pois, o próprio inciso ao final da sua redação utiliza da interpretação analógica para abarcar outras formas de motivo torpe, além da paga e promessa de recompensa.


Nas palavras de Fernando Capez (2008, p. 54) a torpeza significa “o motivo moralmente reprovável, abjeto, desprezível, vil, que demonstra depravação espiritual do sujeito e suscita a aversão ou repugnância geral”.


A torpeza no código de 1890 era denominada de reprovação. Segundo Antônio José da Costa e Silva (1930, p. 315) “reprovado é o motivo que repugna á consciência ethica da communhão. O ódio, a vingança, a inveja, a cupidez, a atrocidade se enfileiram nessa categoria”.


O homicídio mediante paga ou promessa de recompensa, também pode ser denominado de homicídio de mercado, homicídio mercenário, homicídio condutício. Sebastián Soler (2000, p. 36-37) aduz ainda que este delito possa ser chamado de homicídio cometido por mandato, vez que:


“Supone la intervención de dos sujetos, y la gravedad del hecho con respecto a ambos partícipes reside em que el ejecutor realiza sin motivo personal alguno y por tan bajo impulso como es uma recompensa, mientras el outro procura su seguridad y aun su impunidad, apelando a esse médio premeditado y artero”. Concluindo, arremata o professor argentino “la agravación del homicidio por precio o promessa remuneratória ES uma derivación del homicidio cometido por mandatario.”


Em nomenclatura que parece seguir as linhas do professor argentino, o professor Rogério Sanches Cunha (2008, p. 20) denomina o homicídio mediante paga ou promessa de recompensa de “homicídio por mandato remunerado”.


b) Por motivo fútil


O inciso II, do § 2º do art. 121, prescreve que o homicídio será qualificado se praticado: 


“II – por motivo fútil;”


Nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete (2007, p. 940) motivo fútil é aquele “sem importância, frívolo, leviano, insignificante, ínfimo, mínimo, desarrazoado, em avantajada desproporção entre a motivação e o crime praticado”. O meio fútil no Código de 1890 era denominado de frívolo.


As idéias para qualificar o crime a partir dos seus motivos surgiram dos estudos de Bentham no século XIX. Pois, a jurisprudência naquela época nunca tinha dado a importância devida aos motivos determinantes do homicídio. No ano de 1875, escrevendo sobre o homicídio e a pena de morte o criminalista Holtzendorff, citado por Costa e Silva (1930, p. 310) já demonstrava a importância dos motivos que culminaram na prática criminosa, aduzindo que “era o critério dos motivos que se devia atender na classificação dos homicídios”.


No ano de 1921 o criminalista italiano Enrico Ferri consagrou em seu projeto de Código Penal as circunstâncias que indicavam uma maior periculosidade, destacando-se aquele que “I´a vere agito per motivo ignóbil o futili”.


c) Com emprego de veneno fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;


O inciso III, prescreve que o homicídio será qualificado se cometido:


“III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;”


O homicídio praticado mediante envenenamento é uma das formas mais antigas de se praticar essa modalidade criminosa. Traduzindo os ensinamentos do mestre argentino Carlos Paulino Pagliere (2006, p. 219-220):


“O veneno foi usado desde épocas antigas. Seu alcance extraordinário de utilização atingiu popularidade na Grécia e em Roma. Por volta do século XII apareceu os primeiros livros que tratavam da arte de envenenar. Também teve grande importância nos séculos XV e XVI, especialmente na Itália, talvez – mais do que qualquer coisa na corte dos Borgia.


O veneno passa depois para a França, possivelmente levado por Catalina de Médicis, e ali se populariza tanto, se abusou tanto e tantas mortes se ocasionaram, sobretudo nos séculos XVII e XVIII, que os reis da França tiveram que editar severas ordenações para erradicar o seu uso. Luis XVI criou a chamada Corte dos Venenos, também denominada de Câmara Ardente, descrita por Victorieu Sardou, esta Corte era especializada e destinada a perseguir o uso desse meio insidioso que tantas vítimas causaram.”


Ainda relatando a história do emprego do veneno para a prática de assassinatos, o professor Viveiros de Castro (sem data, p. 111) relatava que “O envenenamento é hoje um crime vulgar; no século XVII era um privilégio das altas classes. (…). Na idade média, na mesa de todos os reis e dos grandes senhores feudais era costume que nenhum prato fosse servido ao amo sem ter sido primeiramente provado pelo cozinheiro com receio de que não estivesse ele envenenado”.


Esta modalidade delituosa também pode ser denominada de venefício. Para que haja sua caracterização o emprego deve ser de forma insidiosa, oculta (clam et occulte), de forma sub-reptícia, maquinada, de sortilégio.


Conforme foi visto alhures o Direito romano já punia o homicídio praticado mediante envenenamento, inclusive de forma mais rigorosa do que aquele que era praticado com armas. O Código Penal dos Estados Unidos do Brasil de 1890 foi muito criticado pela doutrina da época por ter definido veneno de forma tênue, deixando de abarcar outras hipóteses que hoje seriam facilmente enquadradas. Hodiernamente, embora não haja definição daquilo que venha a ser veneno, a doutrina se dividiu em duas correntes: uma ampliativa e outra restritiva. Aquela considera veneno qualquer substância que possa produzir efeitos destrutivos no organismo; esta considera veneno qualquer substância que possa produzir efeitos destrutivos no organismo mediante reações químicas.


O venefício segundo Delton Croce e Delton Croce Júnior (2009, p. 355) sempre foi uma modalidade criminosa que atiçava as mulheres. Sendo a forma preferida da classe feminina para a consecução do crime de homicídio, o mesmo se diga na histórica antiga. Aduz ainda os citados autores que em geral a envenenadora atua por causa passional (ódio, amor, ciúme, vingança); por cupidez (obtenção de lucro, sobretudo de herança).


O penalista italiano Impallomeni, citado por Magalhães Noronha (1990, p. 22-23) citava os motivos pelo qual essa forma de praticar o homicídio era a preferência das mulheres, aduzindo que as mulheres “desconhece o manejo de arma de fogo; é débil, não podendo recorrer à força; conhece menos o progresso da ciência e acredita, portanto, nestas duas coisas inexatas – a eficácia absoluta do veneno e o desaparecimento dos indícios; é a cozinheira, a despenseira e a enfermeira e, nessas condições é mais fácil a prática do crime”. Embora, tal comentário se revista, atualmente, de conteúdo preconceituoso, deve ser analisado à época de sua construção – o ano de 1900.


Já o fogo tem sua origem narrada pela mitologia grega, onde Prometeu (Prometheus), após roubar o fogo dos Deuses foi o responsável por passar os ensinamentos aos homens.


O emprego do fogo foi muito utilizado como forma de aplicação de pena na época da Santa Inquisição, nos Tribunais do Santo Ofício, onde as vítimas sentenciadas eram levadas ainda com vida a fogueira, impondo, assim, um severo sofrimento, vez que a morte da vítima não se dava instantaneamente, mas sim após arder em chamas por alguns minutos.


Por conseqüência, parece que tais práticas foram transmitidas aos criminosos que perceberam que, ao mesmo tempo em que praticassem o crime, ao seu final não precisariam sumir com o corpo da vítima, pois o mesmo já estava reduzido a pó. Tal vez por isso, esse meio até os dias atuais é visto de forma tão crudelíssima.


O Código Penal de 1890, não tratava do fogo, mas sim do incêndio. Destaca-se que há diferença nos conceitos, vez que o incêndio está ligado a grandes proporções, por exemplo, incendiar uma casa para matar os que ali se encontram. Já a terminologia empregada pelo Código atual é mais abrangente. Fogo abarca qualquer forma de labareda e não necessariamente aquela de grandes proporções (incêndio). Sendo assim o incêndio seria o fogo que lavra e devora, enquanto o fogo é o simples resultada da combustão, independentemente de suas proporções[4].


Em relação ao explosivo é um dos meios mais raros para a consecução do homicídio. Normalmente, na história da humanidade essa modalidade está ligada a atentados políticos (com vítimas determinadas) ou atentados terroristas (sem vítimas determinadas). Sobre o assunto aduzia Nelson Hungria (1965, p. 163) que “na sua decomposição brusca, o explosivo opera violenta deslocação e destruição de matérias circunjacentes. Não há que distinguir entre substâncias e aparelhos ou engenhos explosivos”.


A asfixia tem sua origem etimológica no latim, onde significa “falta de pulso”. A asfixia é um meio cruel de ceifar a vida da vítima. Pois, normalmente, a vítima se debate por alguns minutos, vez que a respiração do ser humano por questões de autodefesa do organismo busca todos os meios possíveis de inflar ar nos pulmões. É um meio sádico, cruel, sórdido, onde a vítima se encontra, normalmente, corpo-a-corpo com o executor. Há uma tamanha demonstração do grau de frieza do assassino. Sobre o assunto discorria Antonio Jose da Costa e Silva (1930, p. 307) que os efeitos da asfixia “resultam em verdade da privação, total ou parcial, rápida ou lenta, do oxigênio, elemento indispensável à manutenção da vida. Processos vários produzem a asfixia (a sufocação, a submersão, o enforcamento, a estrangulação, a esganadura, etc.). Todos eles revelam, por parte do agente, elevado grau de perversidade”. Por fim, tal modalidade não foi prevista no Código Criminal de 1830. Sendo, portanto, uma novidade na legislação brasileira a partir do Código Penal de 1890.


Tortura ou sevícias de sevizie no italiano. Sobre o tema já aduzia Francesco Carrara, citado por Ottorino Vannini (1935, p. 71) que o “assassinato mediante tortura, é aquele que se usa de uma maior quantidade de dor física do que o necessário para matar”. Ou seja, é aquele que submete a vítima a sofrimento grave e desnecessário, causando angústia, atormentado, infligindo grave sofrimento, produzindo dores, tantalizando. Esta última expressão (tantalizando) está relacionada ao sofrimento imposto a Tântalo, um mitológico Rei da Frigia que segundo René Ménard (1991, p. 153) foi “condenado a fome e sede devoradoras, junto da água que lhe fugia aos lábios, e próximo do alimento que lhe escapava, quando ia apanhá-lo” (Suplício de Tântalo).


O homicídio praticado mediante tortura é considerado um homicídio ilimitado, pois, segundo Itagiba (1945, p. 151) “o delinqüente disporá, desse modo, de um sem-número de processos para afligir a vítima, e matá-la em seguida. A tortura é multiforme. Arranjo da imaginação; participa de sua essência: é ilimitada”.


Sobre as formas de tortura o livro de prefácio de Dom Paulo Evaristo Arns -, Brasil Nunca Mais – é preciso em formas e relatos sobre diversas meios de tortura praticada no período da ditadura militar, tais como: pau-de-arara, choque elétrico, afogamento, cadeira do dragão, a geladeira[5].


Atente-se que, a tortura para qualificar o homicídio deve ser o meio utilizado. Portanto, deve-se verificar a intenção do agente. Se quiser matar e utiliza a tortura como meio, responderá pelo crime de homicídio qualificado pela tortura; por outro lado, se quer torturar, mas termina por produzir a morte de forma culposa, responderá pelo crime da lei 9.455/95, qualificado pelo resultado morte.


Ao final do rol (emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura) o legislador de forma a abarcar outras formas tão graves quanto às elencadas lançou mão da interpretação analógica aduzindo que o homicídio também será qualificado se praticado por “outro meio insidioso ou cruel”, portanto, chega-se a conclusão que o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia e tortura são meios insidiosos e cruéis.


As legislações pretéritas tentavam de forma exaustiva enumerar o maio número possível de causas que seriam insidiosas e cruéis, além de se socorrer à interpretação analógica. Com o advento do Código de 1940, o legislador foi mais sucinto e enumerou as causas mais corriqueiras do dia-a-dia jurídico, e ao final também deixou espaço para o intérprete analisar no caso concreto outras hipóteses de meio insidioso ou cruel.


Equipara-se a outras formas de meio insidioso à perfídia, à dissimulação na sua eficiência maléfica. Em relação a outras hipóteses de meio cruel, precisa são as formas citadas por Ivair Nogueira Itagiba (1945, p. 151-152), tais como:


“Empalar a vítima; castrá-la; cortar-lhe a língua; amputar-lhe o nariz e as orelhas; anavalhar-lhe o corpo; arrancar-lhe as unhas; fraturar-lhe os braços; derramar-lhe líquido fervente; fazer-lhe a esfola em vida; tomar o aspecto e postura de Procusto, salteador impiedoso da Ática, que mortificava os viajantes, esticando-os, e amoldando-os no minguado leito de ferro, para lhes decepar os excessos dos pés e das pernas; mutilá-la; crucificá-la; aplicar-lhe, com refinamento, suplícios chineses por meio de máquinas de esquartejamento automático ou camas rodeadas de lâminas cortantes, ouriçadas de pontas de ferro, tudo são crueldades que precedem à morte crua, e mostra instinto sanguinário.”


Por fim, também qualificará o homicídio se praticado por algum modo “que possa resultar em perigo comum”. Aqui, também se valeu o legislador da interpretação analógica. Perigo comum nas palavras de Núñez citado por Laje Anaya (1978, p. 23-24) é aquele que se dá “em razão da dificuldade de as possibilidades de defesa pela própria natureza dos meios de execução, levantando um perigo incomum para criar um risco geral para as pessoas”. Segundo Sebastián Soler (2000, p. 40) seria um “homicídio praticado por meios catastróficos”. Podemos citar como exemplo aquele que causa desabamentos, inundações, desmoronamentos.


O Código Penal de 1830 e o de 1890 traziam expressamente em seus textos como hipótese de perigo comum a inundação. O legislador resolveu abolir tal hipótese, e apenas indicar o modo “que possa resultar em perigo comum”. Tal modalidade, diante de tantas outras formas ao alcance do criminoso, termina se tornando uma forma rara de se praticar o homicídio. Pois, o delinqüente vai necessitar de grande arquitetura e muitas vezes tecnologia para a consecução do crime.


d) À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido


Segundo o inciso IV do § 2º do art. 121, o homicídio será qualificado se cometido:


“IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;”


O homicídio praticado mediante traição também pode ser denominado de homicídio aleivoso. Aleivoso deriva da palavra amplamente utilizada no passado, aleivosia. Acerca da etimologia da palavra “aleivosia” há divergência doutrinária. Em grande obra sobre o assunto dispara o argentino Carlos Paulino Pagliere (2006, p. 59) que embora existam outras teorias, são três as principais, sendo “la teoría de la raíz gótica, la teoría de la raíz latina o la teoría de la raíz arábiga”.


Segundo o citado autor (2006, p. 60) a etimologia de origem gótica se funda no direito feudal, fazendo uma análise histórica nos fóruns municipais dos séculos XII e XIII. Já os que se fundam na origem latina dizem que a palavra aleivosia deriva do latim levus que quer dizer “esquerda”, aquele que atinge em local desfavorável, de forma desprevenida. Por fim, a grande maioria dos doutrinadores adota a origem arábica. Segundo esses autores aleivosia é um termo do árabe aib (vício defeituoso; ação culpável).


Aquele que trai uma pessoa também pode ser denominado de Judas. Pois, foi Judas que mediante traição entregou Jesus na noite de quinta-feira Santa aos inimigos Romanos, sendo que, antes do feito, Judas tinha saudado e beijado a face de Jesus nos Jardins das Oliveiras.


Esta forma de praticar o homicídio sempre mereceu destaque entre os povos da antiguidade.


O homicídio praticado mediante traição poderá também ser chamado de homicídio proditório (homicidium proditorium). Neste sentido salienta Núñez, citado por Pagliere (2006, p. 63) que o “homicídio proditorio es el que se comete bajo el pretexto y lãs aparencias de fidelidad, amistad, sujeición o gracia, o disimulando la propia enemistad, o más precisamente ocultando la intención criminal para ganarse la confianza de la víctima y facilitar así la ejecución del hecho”.


 Por fim, trazendo a baila um breve resumo dos conhecimentos históricos proferidos por Antonio José da Costa e Silva (1930, p. 322-323) pode-se dizer acerca do homicídio aleivoso (ou proditório) que “no velho direito português, os crimes cometidos aleivosamente eram punidos com pena mais rigorosa. (…) O Código Criminal do Império não inscreveu a traição ou aleivosia na nomenclatura das agravantes. (…) Muitos se ocuparam os práticos da Média Idade com essa circunstância, no capítulo atinente ao homicídio”.


No que toca à emboscada, a origem da palavra segundo a maioria dos estudiosos estaria ligada a bosque (local de árvores densas e vastas). Neste sentido leciona Carlos Paulino Pagliere (2006, p. 68) que “se atribui ao castelhano a origem da expressão ‘emboscada’, a causa da afeição antiga dos espanhóis na guerra das emboscadas a que tanto se presta no seu solo, derivando da palavra bosque por ser este um dos melhores locais para prepará-los e transformá-los em emboscadas para os latinos”. No mesmo sentido leciona Damásio de Jesus (2000, p. 69) “emboscada é a tocaia. Etimologicamente, significa esperar no bosque”.


A emboscada é conhecida no direito francês como “guet-apens” (pensado antes); no direito alemão como hinterhalt; e no direito italiano como agguato. Mas de todas essas denominações predominou a emboscada, palavra que já era amplamente utilizada no meio castrense para se referir a surpreender o inimigo.


A dissimulação foi introduzida no Código Penal de 1940, para substituir a expressão “disfarce” do Código de 1890, vez que aquela tem um alcance maior do que esta. Ivair Nogueira Itagiba (1945, p. 153) leciona sobre o tema aduzindo que “o vocábulo dissimulação é mais amplo do que o disfarce do Código de 1890. O disfarce corresponde a um artifício material: uso de máscaras, barbas postiças. Disfarçar é dissimular. Na dissimulação, porém, nem sempre há disfarce”.


Por fim, também qualificará o homicídio “qualquer outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”. Aqui, utilizou-se o legislador da forma genérica, também denominada de interpretação analógica, onde permite ao interprete amoldar outras formas de insídia, tão graves quantos as elencadas inicialmente na redação do inciso. Sobre o despreparo da vítima já aduzia o poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare que “um homem precavido vale por dois”.


e) Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime


Por fim, conforme o inciso V do §2º, do art. 121, o homicídio também será qualificado se cometido:


“V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime”:


Tal modalidade é também denominada pela doutrina como homicídio conexivo. Sebastián Soler o denomina de homicídio final ou homicídio de causa relacionada. Pois, o homicídio é praticado de alguma forma que, por si só, não seja o fim almejado pelo agente, muito pelo contrário o homicídio serve como uma ponte, uma passagem necessária para o criminoso alcançar a sua finalidade precípua.


Traduzindo os ensinamentos de Carlos Fontán Balestra (1968, p. 106) podemos dizer que nesta hipótese de homicídio “não é o assassinato o objetivo central da ação, mas sim a criminalidade do outro delito, se o seu desempenho tem sido o meio escolhido para atingir o objetivo com as demais áreas identificadas adequadas para o efeito, ou que a decisão decorrente de falha para obter a ordem que foi proposta para tentar o outro delito. (…) Em um dos casos a morte foi em conexão com outro crime o fim prosseguido no outro, a causa do homicídio é o fracasso de um delito anterior”.


Esta qualificadora não se encontrava presente no Código Criminal do Império de 1830, como também era inexistente no Código de 1890. O Código Penal de 1940, baseado no Código Penal Italiano, trouxe ao seu rol a aludida qualificadora.


Conforme se depreende da leitura do inciso, quatro são as possibilidades de ensejar à qualificadora: a) assegurar a execução; b) assegurar a ocultação; c) assegurar a impunidade; d) assegurar a vantagem de ouro crime.


Salientando sobre esse rol, o professor Rogério Greco (2008, p. 173) exemplifica cada um da seguinte forma: “Quando se busca assegurar a ocultação, o que se pretende, na verdade, é manter desconhecida a infração penal praticada (…). Já quando o agente visa assegurar a impunidade, a infração penal é conhecida, mas a sua autoria ainda se encontra ignorada”. Em relação a assegurar a execução, o homicídio praticado é uma ponte para a consecução do delito precisamente desejado, é o exemplo de matar o segurança do empresário para seqüestrá-lo. Por fim, para assegurar a vantagem de outro crime esta relacionado a garantia de qualquer fruição que o crime anterior acarrete, como, por exemplo, após um assalto a banco, um dos agentes mata o seu comparsa para ficar com a sua parte do produto do crime que lhe seria cabível.


6.3.4.4 Homicídio culposo


Já no § 3º do art. 121 o legislador resolveu tratar da forma menos reprovável do crime de homicídio, o homicídio culposo:


“§ 3º Se o homicídio é culposo:


Pena – detenção, de um a três anos”.


O homicídio culposo já era visto desde a Antiguidade como uma forma mais branda de se apenar o criminoso que agisse sem a intenção de produzir o resultado. O mesmo se deu nas Ordenações, bem como nos Códigos Penais Brasileiros.


6.3.4.5 Causa geral de aumento de pena


O § 4º em sua redação original só tratava da causa de aumento de pena para as hipóteses de homicídio culposo. No entanto, no ano de 1990, com o advento da lei nº. 8.069 (Estatuto da Criança e do Adolescente) o legislador lhe incorporou a primeira modificação, passando a prever também uma causa de aumento na hipótese de homicídio doloso. Por fim, no ano de 2003, com o advento da lei nº. 10.741 (Estatuto do Idoso) o aludido parágrafo tornou a ser modificado, diga-se: ampliado.


Abaixo vejamos a forma que se deu a evolução da causa geral de aumento de pena do § 4º do art. 121 do Código Penal. Primeiramente, só tratava de causa de aumento para o homicídio culposo:


“§ 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de um terço, se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante.”


Posteriormente, o legislador passou a prever causa de aumento também para o homicídio doloso, desde que o crime fosse praticado contra pessoa menor de catorze anos:


“§ 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de um terço, se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de catorze anos.” (Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990)


Cabe aduzir que ambos os parágrafos vistos acima foram revogados. Atualmente, está em vigor o seguinte:


“§ 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.” (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)


Ou seja, houve o acréscimo da causa de aumento para o crime doloso se praticado contra maior de 60 (sessenta) anos de idade.


7.3.4.6 Perdão judicial


No ano de 1977, através da lei nº. 6.416, o legislador incluiu no § 5º do art. 121 a hipótese de perdão judicial que seria aplicável somente na hipótese do homicídio culposo, ainda assim se as conseqüências da infração vierem a atingir o agente de forma tão grave que a sanção se mostraria desnecessária:


“§ 5º – Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.”


Segundo relatos históricos o perdão judicial é proveniente da graça, por isso a relação tênue em ambos os institutos. Sobre o assunto Leonardo Augusto de Almeida Aguiar (2004, p. 49) citando Germiniano da Franca aduz:


“Disse Castilho, em tocantes estrophes, impetrando da munilicencia real a graça para um pobre velho, que em luta desigual praticara um homicídio:


“A lei é cega e surda, afortunado rei que supre, ouvindo e vendo, o incompleto da lei! e a quem do Estado o jus, da humanidade amigo, deixa dizer: Perdão! Quando a lei diz: Castigo! Prerrogativa excelsa! O raio, attesta um Deus, mas a clemência o mostra, e nos torna mais seus”.


É o perdão que, conscienciosamente, exercitado abranda o rigor da lei, corrige os erros dos julgamentos precipitados e promptamente reconhece e premia o arrependimento dos que se transviam, em momento de desvario, do caminho da honra e do dever!”


Mas, atente-se que, neste período cabia ao soberano a concessão do perdão judicial, diga-se: era algo refutado do Poder Judiciário. Porém, com o passar dos tempos ocorreu à chamada separação do poderes, tendo como conseqüência o fortalecimento do Poder Judiciário. Portanto, para parcela da doutrina, o perdão judicial seria uma decorrência da graça, tendo como marco inicial a separação dos poderes.


Por outro lado, Vicenzo Manzini citado por Leonardo Almeida (2004, p. 58), nega qualquer história ao instituto referenciado, pois o mesmo seria “um produto do progresso da psicologia, do cuidado que o Estado moderno põe na educação dos menores e daquela tendência de nossa civilização pela qual o Estado se preocupa não só do castigo da delinqüência senão ademais da prevenção dela”.


Passado as questões históricas, pode-se dizer que tal instituto foi extremamente inovador para aquela época – ano de 1977 e, atendeu os anseios doutrinários e de toda a sociedade brasileira. Vez que, em determinadas situações o juiz se encontrava ao mesmo tempo comovido e sem uma saída humanitária para determinadas situações. Atenderam-se, assim, questões de política criminal.


Sobre o assunto, arrematamos com os ensinamentos de Leonardo Augusto de Almeida Aguiar (2004, p. 73):


“Nesse cenário, concluímos que a política criminal é o fundamento sociológico do instituto do perdão judicial. Ela (a política criminal) capta uma necessidade do ambiente social, e a leva (esta necessidade) ao sistema (o direito penal), que a engloba e a transforma em norma jurídica (confirmando assim a autopoiésis do sistema).


E esta política criminal, que fecundou e aprimora o instituto do perdão judicial, não é expressão de outra ideologia senão a social-cristã”


Por fim, em relação aos Códigos pretéritos cabe aduzir que não havia qualquer menção de forma abrangente sobre o aludido instituto.


6.3.4.7 Da pena cabível


Hoje, para a hipótese de homicídio simples a pena será de seis a doze anos de reclusão. Nas Ordenações não existia hipótese de homicídio simples, portanto, uma vez cometido o homicídio seria punido sempre com pena de morte; no Código de 1830 a pena era de prisão perpétua ou trabalhos forçados; no Código de 1890 a pena seria de seis a vinte e quatro anos de prisão.


Atualmente, para todas as hipóteses de homicídio qualificado a pena será de reclusão, de doze a trinta anos. No entanto, nem sempre foi assim, conforme pôde ser visto alhures, onde nas Ordenações era punido com a pena de morte; no Código Criminal do Império pode ser punido com pena capital, prisão perpétua ou prisão com trabalhos forçados por vinte anos no mínimo; no Código de 1890 passou a ser adotada a pena atual, de doze a trinta anos.


Por fim, na hipótese de homicídio culposo prescreve o atual Código que a pena será de um a três anos de detenção. Por outro lado, nas Ordenações não havia uma pena específica, devendo esta ser auferida de acordo com o caso concreto e a culpabilidade do agente; no Código de 1830 a reprimenda era extremamente rigorosa -, prisão com trabalho forçado de dois a dez anos; no Código Penal de 1890 houve uma redução extrema em relação ao Código pretérito -, teria uma pena de dois meses a dois anos de prisão.


6.3.4.8 Quando e porque o homicídio qualificado se tornou hediondo?


Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Poder Constituinte originário previu no art. 5º, XLIII, que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.


Tal norma na classificação do professor José Afonso da Silva possui eficácia limitada, pois para passar a produzir os seus efeitos deve ser regulamentada por lei.


Foi então no ano de 1990 que o legislador editou a lei 8.072, disciplinando em um rol taxativo aqueles crimes que, na ótica do legislador, seriam extremamente graves, ou seja, deveriam ser considerados hediondos.


No entanto, conforme proclama o professor Alberto Silva Franco “o crime de homicídio qualificado não nasceu hediondo”. Quando o aludido mestre faz esta afirmação, significa dizer que no momento em que a lei veio à tona – 1990 -, o crime de homicídio qualificado não fazia parte do seu rol taxativo. Em outras palavras, o homicídio qualificado não nasceu com a lei, mas foi agregado à lei em momento posterior.


Tal agregação ocorreu no ano de 1992, após o assassinato de Daniela Perez filha da escritora de novelas Glória Perez[6].


Assim, os delitos de homicídio qualificado bem como o delito de homicídio simples praticado em atividade típica de grupo de extermínio passaram a ser considerados hediondos.


6.3.5 O Código Penal de 1969


Salienta Walter Vieira do Nascimento (2004, p. 224) que “O Código de 1940 seria substituído por novo Código promulgado em 1969. Este, porém, depois de ter sua vigência repetidamente protelada, veio a ser revogado em 1978”. Este era o Código de projeto do professor e ex-ministro da Suprema Corte Nelson Hungria.


Embora tenha sido revogado antes mesmo de entrar em vigor, tal texto dispunha sobre o delito de homicídio da seguinte forma:


“Art. 121. Matar alguém: (Homicídio simples)


Pena – reclusão, de seis a vinte anos.


§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena, de um sexto a um têrço. (Minoração facultativa da pena)


§ 2º Se o homicídio é cometido: (Homicídio qualificado)


I – por motivo fútil;


II – mediante paga ou promessa de recompensa, por cupidez, para excitar ou saciar desejos sexuais, ou por outro motivo torpe;


III – com emprêgo de veneno, asfixia, tortura, fogo, explosivo ou outro meio dissimulado ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;


IV – à traição, de emboscada, com surprêsa ou mediante outro recurso insidioso, que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima;


V – para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:


Pena – reclusão, de doze a trinta anos.


§ 3º Se o homicídio é culposo: (Homicídio culposo)


Pena – detenção, de um a quatro anos.


§ 4º A pena pode ser agravada se o homicídio culposo resulta de inobservância de regra técnica, de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima.


§ 5º Se, em conseqüência de uma só ação ou omissão culposa, ocorre morte de mais de uma pessoa ou também lesões corporais em outras pessoas, a pena é aumentada de um sexto até metade. (Multiplicidade de vítimas)”


As únicas mudanças significantes em relação ao Código de 1940, é a pena do homicídio culposo que seria mais elevada (detenção de 1 a 4 anos), e a previsão da causa de aumento de pena na hipótese de homicídio culposo, prevista no § 5º, quando resultasse em multiplicidade de vítimas.


7. Considerações finais


Diante de todo exposto desenvolvido neste trabalho, que buscou demonstrar as origens do delito de homicídio, é chegada à hora de sintetizarmos tudo que foi objeto do nosso estudo. Agora, apresentamos as conclusões referentes a cada capítulo aqui abordado, pela mesma cronologia.


1. A origem etimológica da palavra “homicídio” encontra-se no latim derivada da junção de dois elementos: homo e caedere. O primeiro, que significa homem, ou então de húmus, terra, país, ou do sânscrito bhuman. O sufixo ‘cídio’ derivou de coedes, de caedere, matar.


2. O primeiro homicídio é relatado pela Bíblia Sagrada. Tendo sido cometido por Caim contra o seu irmão Abel.


3. A história do homicídio é remontada a própria pré-história, onde análises arqueológicas demonstram que ossadas encontradas daquela época continham excesso de violência. Portanto, o homicídio é tão velho quanto à fome.


4. Em relação à evolução histórica do delito de homicídio, o trabalho foi dividido em três partes: primeiramente, o homicídio nas Antigas Civilizações, sendo que foram analisados os povos Sumérios, Babilônicos, Egípcios, Assírios, Hititas, Hindus, Hebreus, e Árabes, ficando demonstrado que todos eles trataram do delito de homicídio em suas respectivas legislações; por conseguinte, o homicídio na Idade Antiga, aqui, sendo analisada a civilização Grega e Romana, onde também se percebeu que ambas dispunham do delito de homicídio em seus Códigos; por fim, o homicídio na Idade Média, onde coube analisar o delito em estudo entre os povos Germânicos, bem como no Direito Canônico.


5. Diante de um estudo mais profundo, foi analisada a evolução histórica do delito de homicídio em solo brasileiro; sendo que este capítulo também foi divido em três fases: O Brasil antes da colonização; O Brasil no período colonial, aqui sendo analisadas as Ordenações Afonsinas, Manoelinas, e Filipinas; e, o Brasil independente. Está ultima fase coube à análise do Código Criminal do Império de 1830, o Código Penal de 1890, a Consolidação de Vicente Piragibe de 1932, bem como o objeto de maior estudo -, o Código Penal de 1940.


Neste, foi analisado todo o teor do artigo 121 do Código Penal, bem como os seus parágrafos, incisos e alíneas, sempre buscando o intuito do trabalho -, a história do delito de homicídio. Destarte, foi feita a análise do seguinte rol: o homicídio simples, o homicídio com causa de diminuição de pena, o homicídio qualificado: a) mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe, b) por motivo fútil, c) com emprego de veneno fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum, d) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido, e) para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. Foi analisado, ainda, o homicídio culposo, a causa geral de aumento de pena, o perdão judicial e a pena cabível em cada uma das modalidades do crime em estudo.


Foi feita também uma breve análise de quando e o porquê o homicídio qualificado se tornou hediondo.


Para não se passar despercebido, também fizemos uma breve exposição acerca do Código Penal de 1969, que, na verdade, embora promulgado, nunca entrou em vigência, tendo sido revogado na vacatio legis.


6. A conclusão que se pode chega do nosso estudo é que para compreender o presente se faz necessário conhecer o passado. Passado este, que foi descido aos miúdos com grande fonte de pesquisa, buscando trazer todos os fatos históricos e as curiosidades mais peculiares ao delito de homicídio.


Finalizando este trabalho trazemos à colação a seguinte frase do pensador francês e adepto da escola simbolista Paul Valéry, com a qual nos inspiramos e igualmente procuramos inspirar todos aqueles que buscam suas respostas na história: “A história justifica tudo quando se quer. Ela não ensina rigorosamente nada, pois contém tudo e dá exemplos de tudo”.


 


Referências bibliográficas:

AGUIAR. Leonardo Augusto de Almeida. Perdão Judicial. Belo Horizonte: Domínio Público, 2004.

ALTAVILA. Jayme. A origem dos direitos dos povos. São Paulo: Melhoramentos, sem data.

ANAYA. Laje. Comentarios Al Código Penal: parte especial. Vol. I. Buenos Aires: Depalma, 1978.

ARAÚJO. João Vieira de. O Código Penal Interpretado: parte especial. Rio de Janeiro: imprensa oficial, 1901.

ARNS. Dom Paulo Evaristo. Brasil Nunca mais. Disponível em: http://www.dhnet.org.br

BALESTRA. Carlos Fontán. Tratado de Derecho Penal. Tomo IV: parte especial. Bueno Aires: Abeledo-Perrot, 1968.

BARSA. Enciclopédia. Volume 09, Hérnia – Judite. São Paulo: Enciclopédia Britannica do Brasil, 1994.

Bíblia Sagrada online. Livro do Gênesis, capítulo 4.

BIANCHINI, Alice. MOLINA, Antonio García-Pablos de. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: introdução e princípios fundamentais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. II. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

BUENO. Paulo Amador Thomaz Alvas da Cunha. História do Direito Brasileiro: Notícia histórica do direito penal no Brasil. Org. Eduardo C. B. Bittar. São Paulo: Atlas, 2003.

BRUNO. Aníbal. Crimes Contra a pessoa. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 1983.

CAPEZ. Fernando. Curso de Direito Penal. Vol. II – parte especial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

CARRILLO. Carlos Alberto. Memória da Justiça Brasileira. Vol. I. Coordenador. Dês. Gérson Pereira dos Santos. Salvador: Tribunal de Justiça, Gerência de Impressão e Publicações, 1997.

CASTRO. Viveiros de. A Nova Escola Penal. Rio de Janeiro: ModsrKav, sem data.

COSTA JÚNIOR. Paulo José da. Curso de direito penal. Vol. II. São Paulo: Saraiva, 1991.

CUNHA. Rogério Sanches. Direito Penal: parte especial. Vol. III. Coordenação: Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

CROCE. Delton. Manual de Medicina Legal. Delton Croce e Delton Croce Júnior. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

FÜHRER. Maximiliano Roberto Ernesto. História do Direito Penal – (crime natural e crime de plástico). São Paulo: Malheiros, 2005.

História em Revista – Marés Bárbaras, Ed. Abril, 1991, p.12-14. Disponível em: www.internext.com.br/valois/pena/index.htm.

HOBBES, Thomas. Leviatã – ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultura, 1997.

HUNGRIA. Nelson. Comentários ao código penal. Volume V. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955.

ITAGIBA. Ivair Nogueira. Do homicídio. Rio de Janeiro: Revista Forense. 1945.

GARCIA. Basileu. Instituições de direito penal. Vol. I. São Paulo: Max Limonad, 1951.

GONZAGA. João Bernardino. O Direito Penal indígena: à Época do Descobrimento do Brasil. São Paulo: Max Limonad, sem data.

GIARDONI. Mário Curtis. História do Direito Penal Entre os Povos Antigos do Oriente Próximo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.

GRECO. Rogério. Curso de Direito Penal: Parte especial. Vol. II. 5. ed. Niterói: Impetus, 2008.

JESUS. Damásio E. de. Direito Penal. Vol. II parte especial. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

LARA. Silvia Hunold. Ordenações Filipinas Livro V. Org. Silvia Hunold Lara. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

LASSERRE. Emmanuel. Os delinqüentes passionais: o criminalista Impallomeni. Boredeux: Ferreira, 1908.

LISZT. Fran Von. Tratado de Direito Penal Alemão. Trad. Jose Higino Duarte Pereira. Campinas: Russel Editores, 2003.

LUISI. Luiz. Direito Criminal. Vol. II. Vários autores. Cord. José Henrique Pierangeli. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

LYRA. Roberto. Como julgar, como defender, como acusar. Rio de Janeiro: José Konfino, 1975.

MALTEZ. Adelino. História do Direito Português. Vários autores. Lisboa: Faculdade de Direito de Lisboa, 1983.

MARTINS JUNIOR. José Izidoro. História Geral do Direito. Pernambuco: Ramiro M. Costa & C. 1898.

MASSON. Cleber Rogério. Direito Penal esquematizado: parte geral. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.

MÉNARD. René (1827-1887). Mitologia Greco-Romana. 2. ed. Tradução Aldo Della Nina. São Paulo: Opus, 1991.

MIRABETE. Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. Atualizador: Renato N. Fabbrini. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MONTAIGNE. Michel. Ensaios. Vol. I. Trad. Sérgio Milliet. São Paulo: Nova Cultura. 1996.

NASCIMENTO. Walter Vieira do. Lições de História do Direito. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

NORONHA. E Magalhães. Direito Penal – parte geral. Vol. I. São Paulo: Saraiva. 1985-1990. Edições atualizadas por vários autores.

_______. Direito Penal – parte especial. Vol. II. São Paulo: Saraiva. 1985-1990. Edições atualizadas por vários autores.

NUCCI. Guilherme de Souza.  Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

OLIVEIRA. Edmundo. Comentários ao Código Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense. 1994.

PAGLIERE. Carlos Paulino. Homicidio Insidioso: Alevosía. Acecho. Envenenamiento. Valimiento de engaño o artificio. Desprevención. Premeditación. Indefensión de la víctima. Ausencia de riesgo para el agresor. Buenos Aires: Ástrea, 2006.

PEÑA GUZMAN. Gerardo. El delito de homicidio emocional. Buenos Aires: Omar Favale, 2006.

PRADO. Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. II. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

______. Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 409.

RAMOS. Juan P. Curso de Derecho Penal. Tomo V. Buenos Aires. 1938.

RODRIGUES. Nina. As Raças Humanas e a responsabilidade penal no Brazil. Rio de Janeiro: Guanabara, 1894.

SABINO JÚNIOR. Vicente Sabino. Direito Penal – parte especial. V. III. São Paulo: Sugestões literárias, 1967.

SILVA. César Dario Mariano da. Manual de Direito Penal. Vol. I. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

SILVA. Antonio José da Costa e Silva. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil Commentado. Vol. I. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1930.

SILVA. Ana Beatriz B. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

SOLER. Sebastián. Derecho Penal Argentino. Vol. III. Actualizador: Manuel A. bayala Basombrio. Buenos Aires: Tea, 2000.

SOUZA. Braz Florentino Henriques de. Lições de Direito Criminal. 2. ed. Pernambuco: Livraria econômica de José Nogueira de Souza, 1872.

VANNINI. Ottorino. Il Delitto di omicidio. Milano: Società Editrice Libraria, 1935.

ZAFFARONI. Eugenio Raúl. PIERANGIL. José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

Lei de 16 de dezembro de 1830: http://www.planalto.gov.br

Decreto nº. 847 de 11 de outubro de 1890: http://www.ciespi.org.br

Decreto-Lei nº. http://www.planalto.gov.br

PRIBERAM. Dicionário de Língua Portuguesa. Acesso em 21 de fevereiro de 2010. Disponível em: www.priberam.pt.


Notas:

[1] LARA. Silvia Hunold. Ordenações Filipinas Livro V. Org. Silvia Hunold Lara. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 143-144 e 150-151. Disponível em: http://books.google.com.br

[2] SOUZA. Braz Florentino Henriques de. Lições de Direito Criminal. 2. ed. Pernambuco: Livraria econômica de José Nogueira de Souza, 1872. Disponível em: www.dominiopublico.com.br

[3] ARAÚJO. João Vieira de. O Código Penal Interpretado: parte especial. Rio de Janeiro: imprensa oficial, 1901. Disponível em: www.dominiopublico.com.br.

[4] PRIBERAM. Dicionário de Língua Portuguesa. Acesso em 21 de fevereiro de 2010. Disponível em: www.priberam.pt.

[5] ARNS. Dom Paulo Evaristo. Brasil Nunca mais. Disponível em: http://www.dhnet.org.br

[6] Para maiores informações (SILVA. Ana Beatriz B. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, 117-125).


Informações Sobre o Autor

Marcel Gomes de Oliveira

Advogado. Especialista em Direito do Estado. Professor de Direito Penal e Legislação Penal Especial das Faculdades 2 de Julho. Professor de Ética, Direitos Humanos e Cidadania do Curso de Formação de Oficiais do Estado da Bahia.


logo Âmbito Jurídico