Resumo: O artigo tem o intuito de tratar da ilicitude das propagandas eleitorais que ocorrem no âmbito de templos religiosos e a posição da doutrina eleitoral das leis eleitorais vigentes bem como julgados dos órgãos jurisdicionais acerca do tema.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1. A propaganda eleitoral nos templos religiosos. 2.1.1. Considerações Iniciais. 2.2. A propaganda eleitoral nos templos religiosos e a liberdade de crença. 2.3. O entendimento jurisprudencial acerca do tema. 2.4. A atuação do Ministério Público diante do abuso de poder religioso. 3. Conclusão. Referências.
1.INTRODUÇÃO
Este artigo visa tratar da alteração legislativa que mudou o cenário no Direito Eleitoral no que tange às propagandas eleitorais. A alteração teve o intuito de vedar que propagandas eleitorais ocorressem em locais que se denominam como bens de uso comum. Vale frisar que os bens públicos de uso comum no âmbito eleitoral possuem uma afeição bastante extensa e genérica, porém houve uma polêmica maior quando visou atingir a propaganda que ocorre no âmbito de templos religiosos, tendo em vista que são práticas antigas no meio social e que ocorrem cotidianamente em períodos eleitorais.
2.DESENVOLVIMENTO
2.1.A propaganda eleitoral nos templos religiosos
2.1.1.Considerações iniciais
A Lei 9.504/97 estabelece normas para as eleições, de modo que as regras para as propagandas eleitorais estão nela estatuídas. A ilicitude da propaganda eleitoral nos templos religiosos surgiu de uma alteração legislativa advinda pela Lei 12.034/09 que alterou alguns dispositivos legais, dentre eles o art. 37 e alguns de seus parágrafos. Diz o art. 37,caput, que:
“Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados”
Observa-se que quando o dispositivo diz “bens de uso comum do povo” há necessidade de se ter uma definição do que sejam tais bens. Deste modo, o conceito legal está no próprio §4º do referido artigo, que diz:
“§ 4o Bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pela Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada”.
Veja que o rol trazido pela lei é amplo de modo a abranger, inclusive, conceitos previstos no Código Civil, trata-se em tese de um rol exemplificativo (numerus apertus), admitindo outros bens que sejam de uso comum. Neste sentido é o que dizem, em sua obra, os autores Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira ao citar julgado do TSE:
“Trata-se de rol exemplificativo, permitindo outros casos além dos enumerados pela lei. Exemplo disso é a proibição de realização de propaganda eleitoral em bancas de revista, porque esta depende de autorização do Poder Público para seu funcionamento e situa-se em local privilegiado ao acesso da população” (REspe n. 25.615/2006 do TSE).
2.2.A propaganda eleitoral nos templos religiosos e a liberdade de crença
Inicialmente cabe destacar que segundo a Constituição Federal, em seu art. 5º, VI, é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.
Em que pese a liberdade de culto religioso ser uma garantia constitucional, vale destacar que a referida garantia não deve ser posta como absoluta, de forma a não admitir relativizações. Assim, o legislador infraconstitucional quando decidiu por bem limitar a referida regra não foi senão pensando em prol da coletividade que se encontra ali presente no culto. Para se posicionar sobre o assunto explica José Jairo Gomes:
“O culto traduz um momento em que essa relação se afirma e reforça, pois nele o encontro com Deus se faz presente pelo diálogo. É esse um dos momentos capitais de expressão de fé e afirmação religiosa.
Não se trata, portanto, do momento nem do local apropriados para se realizar propaganda eleitoral. Além do desrespeito às pessoas presentes ao culto, o desvirtuamento do ato religioso em propaganda eleitoral é ilícito.”
Neste sentido, interessante destacar que é muito comum, hodiernamente, que a propaganda eleitoral também possa ocorrer de forma intercalada em determinado discurso, isto é, o líder religioso se aproveita de determinada oportunidade para citar o nome de determinado candidato para que aqueles liderados possam demonstrar apoio, sendo que tal prática também se encontra abarcada no ilícito eleitoral.
2.3. O entendimento jurisprudencial acerca do tema
Vale destacar que o Judiciário brasileiro já enfrentou o presente tema e possuindo postura de que realmente o dispositivo é constitucional e deve ser aplicado. O Ministro José Antonio Dias Toffoli, em sede de decisão monocrática, proferiu o seguinte voto:
“Conforme assentado no acórdão regional, foi realizada publicidade eleitoral em local de uso comum, sendo impossível, nesta via recursal, alterar as premissas fáticas delineadas no julgado que indicam a divulgação de candidaturas e o pedido de votos durante culto religioso. Além disso, o entendimento firmado no acórdão recorrido acerca da caracterização dos templos religiosos como bens de uso comum, nos quais é proibida a realização de publicidade eleitoral, está em harmonia com a jurisprudência desta Corte. Conforme assentado no acórdão regional, foi realizada publicidade eleitoral em local de uso comum, sendo impossível, nesta via recursal, alterar as premissas fáticas delineadas no julgado que indicam a divulgação de candidaturas e o pedido de votos durante culto religioso. Além disso, o entendimento firmado no acórdão recorrido acerca da caracterização dos templos religiosos como bens de uso comum, nos quais é proibida a realização de publicidade eleitoral, está em harmonia com a jurisprudência desta Corte.”
Inclusive é possível visualizar julgados anteriores à Lei 9504/97, como este a seguir:
“[…]. Propaganda eleitoral realizada em igreja mediante placas. Bem de propriedade privada, que se destina à freqüência pública. Art. 37 da Lei nº 9.504/97. Caracterização de bem de uso comum. I – Bem de uso comum, no âmbito do Direito Eleitoral, tem acepção própria, que não é totalmente coincidente com a do Direito Civil. II – Possibilidade de se impor limites à propaganda, mesmo se realizada em bens particulares, de modo a garantir a maior igualdade possível na disputa pelos cargos eletivos. Poder de polícia da administração pública. […].” (Ac. nº2.124, de 28.3.2000, rel. Min. Edson Vidigal; red. designado Min. Eduardo Alckmin.)
Vale frisar que, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, é necessário observar alguns pontos específicos, como por exemplo o ambiente do templo que está sendo objeto de propaganda eleitoral, porquanto se o ambiente é interno está configurada a ilicitude da propaganda eleitoral, no entanto, se o ambiente que está sendo objeto de propaganda é o pátio do templo e não há comprovação de divulgação de panfletos, aí neste caso não há ilicitude.
“O art. 13, § 2º, da Resolução TSE nº 22.718, ao vedar a propaganda eleitoral em templos religiosos, por considerá-los bens de uso comum, para fins eleitorais, tem como propósito evitar o acesso privilegiado do candidato a local de grande fluxo de pessoas, onde os féis possam ser induzidos a cerrar fileiras em favor daquele que professa a mesma religião, violando a liberdade de escolha.
Todavia, a irregularidade somente estaria configurada se a propaganda eleitoral estivesse sendo distribuída dentro do templo e durante o culto religioso e não do lado de fora, onde não há privilégio, pois o território é livre para qualquer candidato distribuir sua mensagem eleitoral.” (AI 10867/PA, Relator(a):Min. ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR, 30/11/2010)
Outro julgado no mesmo sentido:
“[…]. Propaganda eleitoral. Igreja. Bem de uso comum. […]. Prévio conhecimento não comprovado. – O pátio de igreja integra o prédio principal, para fins de caracterização de bem de uso comum (art. 14, § 1º, da Res.-TSE nº 21.610/2004). – No entanto, a Corte Regional afastou a aplicação da multa, em razão da falta de comprovação da distribuição dos panfletos no pátio da igreja, da descaracterização de propaganda eleitoral e da ausência do prévio conhecimento do beneficiário (art. 72 da Res.-TSE nº 21.610/2004). […].” (Ac. de 6.3.2007 no ARESPE nº 25.763, rel. Min. Gerardo Grossi.)
Observa-se que pelos julgados acima destacados o tema vem sendo objeto de debate nos Tribunais há muito tempo, inclusive, antes da alteração legislativa que se deu em 2009 através da Lei 12.034/09.
2.4.A atuação do Ministério Público diante do abuso de poder religioso
O Ministério Público possui um papel importante no ordenamento jurídico atual, de modo que no Direito Eleitoral, em si, este papel não se torna diferente, haja vista ser fiscal do ordenamento jurídico. A Lei 9.504/97 conferiu ao órgão ministerial a possibilidade de fiscalizar propagandas eleitorais que estão em desacordo com o que estatuem as leis eleitorais e em recente atualização legislativa ocorrida através da Lei 13.165/15, conferiu de forma expressa a legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de ações eleitorais por propagandas irregulares, legitimidade esta que já lhe era conferida através da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), porém desta vez houve menção expressa em outro texto legal. Vejamos o que diz o art. 96-B, §1º da Lei 9504/97, que diz:
“Art. 96-B. Serão reunidas para julgamento comum as ações eleitorais propostas por partes diversas sobre o mesmo fato, sendo competente para apreciá-las o juiz ou relator que tiver recebido a primeira. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
§ 1o O ajuizamento de ação eleitoral por candidato ou partido político não impede ação do Ministério Público no mesmo sentido.” (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
Observa-se que o Ministério Público possui a atribuição legal de ajuizar a Ação de Representação por Propaganda Irregular (ARPI) ou até mesmo Ação por Abuso do Poder Religioso, sendo esta uma espécie de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE). Esta Ação é possível diante de determinada prática que é considerada como abuso de poder. Para conceituar o que se entende por abuso de poder no âmbito eleitoral vejamos o que diz o eminente doutrinador José Jairo Gomes:
“Trata-se de conceito fluído, indeterminado, que, na realidade fenomênica, pode assumir contornos diversos. Tais variações concretas decorrem de sua indeterminação a priori. (…) O conceito é elástico, flexível, podendo ser preenchido por fatos ou situações tão variados quanto os seguintes: uso nocivo e distorcido de meios de comunicação social; propaganda eleitoral irregular, fornecimento de alimentos, medicamentos, materiais ou equipamentos agrícolas, utensílios de uso pessoal ou doméstico, material de construção” (Grifo nosso).
Quanto à legitimidade do Ministério Público em ser parte da AIJE também ensina o mestre José Jairo Gomes ao dizer que “o pólo ativo da relação processual pode ser ocupado por partido político, coligação, candidato, pré-candidato e Ministério Público”.
Verifica-se que as conseqüências possíveis de penalidades previstas para a prática de abuso do poder religioso podem ter dois vieses, quais sejam a utilização do ajuizamento da Ação de Representação por Propaganda Irregular (ARPI) que prevê a aplicação de multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais), caso não cumprida a notificação da autoridade competente, conforme previsão no art. 37, §1º da Lei 9.504/97, ou o ajuizamento da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) que prevê desde a cassação do registro ou diploma de candidatura até a inelegibilidade do candidato pelo prazo de até 08 (oito) anos subseqüentes à eleição em que se verificou o ilícito, conforme art. 22, XIV da LC. 64/90.
3.CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, verifica-se que a propaganda eleitoral no âmbito de igrejas e templos religiosos é prática desrespeitosa aos fiéis e tem sido rechaçada pela legislação eleitoral, contudo, diante do contexto atual não se tem uma obediência às referidas normas, de modo que é muito comum ainda que líderes religiosos levem candidatos aos templos no intuito único e exclusivo de apresentá-lo aos líderes de modo a angariar um bom quantitativo de votos em cultos e reuniões. Importante destacar também a função do Ministério Público como órgão fiscalizador do ordenamento jurídico que dispõe de todos os mecanismos legais para coibir este tipo de ilícito eleitoral.
Informações Sobre o Autor
João Gabriel Cardoso
Advogado. Pós-graduado em Direito Administrativo pela Faculdade de Ciências Wenceslau Braz. Aprovado no concurso público de provas e títulos para o cargo de Delegado de Polícia Civil do Estado do Ceará