Resumo: O direito previdenciário brasileiro possui uma vigencia bem recente em meio a sociedade, estando assim o legislador vulnerável a criação de normas que não possuem tanta relevancia contextual ou até mesmo normas que sejam passíveis de discussão. Em consequência, muitos advogados confeccionam seus trabalhos previdenciários efetuando ao final pedidos alternativos, com o intuito de que o magistrado aprecie a causa e, para que não julgue inepta o pedido principal, que acolha o pedido subsidiário com o fim de prover o direito tutelado. Porém, esta forma de realizar o pedido alternativo é bem discutivo perante o ordenamento jurídico, principalmente a jurisprudência, conforme se aufere ao longo deste trabalho.
Palavras-chave: direito previdenciário; fungibilidade; jurisprudência; pedido.
Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. A fungibilidade do pedido a luz do direito processual civil; 3. O processo previdenciário e a fungibilidade como real (im)possibilidade junto aos procedimentos de natureza previdenciárias; 4 .aspectos finais. Referências
1 CONSIDERAÇÕES INCIAIS:
Nos últimos anos, com a evolução da sociedade novos ramos jurídicos estão surgindo para serem estudados com afinco no ordenamento jurídico brasileiro: em primeiro lugar, com o crescimento desordenado das regiões metropolitanas surgiu a necessidade de criação de normas a fim de regulamentar e organizar estas regiões, que foi através do Estatuto das Cidades, mais precisamente a Lei 10257/2001; a grande devastação do meio ambiente natural gerou consequências graves para o equilíbrio do bioma, fazendo com que animais da fauna e flora brasileiras permanecessem bem vulneráveis a extinção. Com isso foi necessário a criação pelo legislador da Lei 9605/98 para regulamentar os crimes contra o meio ambiente.
Com o direito previdenciário não acontece diferente, uma vez que sua linha de estudo e pesquisa também é bem recente, tendo previsão legal na Carta Magna de 1988, bem como nas Lei 8212/91, que dispõe acerca do Plano de Custeio, bem como a Lei 8213/91, que trata sobre os benefícios previdenciários.
Em consequência a esta recente aplicabilidade da norma dentro do contexto social existem questões que possuem grande discussão até o presente momento. Dentre as discussões existentes está a que diz respeito acerca da possibilidade de fungibilidade do pedido nas ações previdenciárias, conforme será objeto de estudo ao longo deste trabalho.
2 CONCEITO DE BEM FUNGÍVEL E A SUA APLICABILIDADE NO PEDIDO A LUZ DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL:
Antes de realizar qualquer análise de mérito acerca da fungibilidade no processo civil, é necessário trazer o conceito em vigor de bem fungível, segundo o dicionário online michaelis:
“fungível
fun.gí.vel
adj (lat fungibile) 1 Que se gasta, que se consome com o primeiro uso. 2 Dir Diz-se das coisas móveis que, por convenção das partes, podem ser substituídas por outras da mesma espécie, qualidade e quantidade, como o dinheiro, os cereais, o vinho etc.”[1]
O próprio Código Civil de 2002 traz em si o conceito de um bem fungível, que traz em seu texto legal, mais precisamente em seu artigo 85 como sendo “fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade”.[2]
Importante mencionar ainda o entendimento de Eduardo de Avelar Lamy a respeito do princípio da fungibilidade:
“O grande objetivo do processo clássico era o atingimento do status jurídico formado pela coisa julgada material acerca da declaração a respeito de qual das partes possuía razão no mérito, pois supunha-se que através daquela compor-se-iam as lides. Hoje, entretanto, tem se aceitado possuírem, os meios processuais, o objetivo de proporcionarem o fim constituído pelo respeito ao ordenamento jurídico através de uma prestação da justiça tempestiva e necessariamente adequada ao direito material, sem a qual não há que se falar em tutela jurisdicional, pois tão ou mais importante que a declaração dos direitos é a sua satisfação, sua efetividade.”[3]
Com isso, importante mencionar que um bem será considerado fungível quando um determinado objeto puder ser substituível por outrem sem causar prejuízos. Um exemplo seria quando A compra um carro X na concessionária Y, mas que o veículo possui algum tipo de vício, em tese este bem poderá ser substituído por outrem sem que haja qualquer prejuízo para o proprietário.
Com isso, também existe o entendimento de fungibilidade dentro do direito processual civil, mais precisamente no que tange o pedido da inicial, uma vez que este é plenamente válido que uma pessoa realize um pedido alternativo em determinadas ações. Relevante mencionar alguns entendimentos jurisprudenciais a respeito do tema:
“TJSP – Apelação: APL 238308320098260000 SP 0023830-83.2009.8.26.0000 – AÇÃO MONITÓRIA. Contrato de confissão de dívida. Entrega de coisa fungível ou equivalente em dinheiro. Admissibilidade do pedido alternativo. Alternatividade prevista no art. 627 do CPC. Recurso provido. -HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Monitória. Honorários fixados no Primeiro Grau em R$400,00. Majoração para 10% do valor da condenação, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC. Recurso provido. Processo:APL 238308320098260000 SP 0023830-83.2009.8.26.0000. Relator(a): Erson T. Oliveira. Julgamento: 03/10/2012. Órgão Julgador: 17ª Câmara de Direito Privado. Publicação: 10/10/2012.”[4]
“TJMS – Apelação Cível: AC 9290 MS 2007.009290-1 – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO MONITÓRIA – PEDIDO INICIAL E PROVA ESCRITA – ENTREGA DE BEM FUNGÍVEL – SEMOVENTES – EVOLUÇÃO DE ERA – EVOLUÇÃO NATURAL E BIOLÓGICA DO REBANHO – REMUNERAÇÃO DO CAPITAL – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO. Processo: AC 9290 MS 2007.009290-1. Relator(a): Des. Paulo Alfeu Puccinelli. Julgamento: 04/07/2007. Órgão Julgador: 3ª Turma Cível. Publicação: 26/07/2007. Parte(s): Apelante: Paulo César de Arruda Cangussu. Apelado: Euler Campos Coelho.”[5]
Um exemplo relevante a ser mencionado acontece nas ações de cobrança, uma vez que o requerente pode mencionar em seu pedido tanto o cumprimento da obrigação, que seria o pagamento em dinheiro ou, no descumprimento da obrigação principal, que determine a devolução do bem.
3 O PROCESSO PREVIDENCIÁRIO E A FUNGIBILIDADE COMO REAL (IM)POSSIBILIDADE JUNTO AOS PROCEDIMENTOS DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIAS:
Como já foi mencionado anteriormente é possível a fungibilidade dos pedidos juntos aos processos de natureza civil. Contudo, neste momento será necessário efetuar um estudo municioso junto ao direito previdenciário a fim de verificar os momentos que serão possíveis aplicar o instituto da fungibilidade nos procedimentos de tal natureza.
Para melhor análise desta fungibilidade é necessário analisar a natureza do benefício: caso o benefício decorrer de incapacidade para o trabalho o pedido formulado será considerado fungível; na contramão deste entendimento, caso a necessidade do benefício não decorra de qualquer incapacidade para o trabalho, o pedido formulado no processo previdenciário deverá ser considerado infungível.
Com isso é necessário um exemplo para ilustrar tal possibilidade: um trabalhador A exerce atividades laborativas na empresa X e, em decorrência da alta periculosidade do serviço prestado, acaba sofrendo um acidente de trabalho. Com isso, este trabalhador deu entrada junto ao órgão do INSS a fim de requerer o benefício de aposentadoria por invalidez devido a gravidade da lesão, sendo negado tal pedido. Desta forma, o mesmo ingressou com uma ação judicial a fim de pleitear o benefício da aposentadoria por invalidez. Porém, o órgão jurisdicional entendeu que não era motivo de atribuir o caso do requerente A a uma aposentadoria por invalidez, mas sim um auxílio-doença, uma vez que chegou ao entendimento, junto as provas carreadas nos autos que a lesão ocasionada é reversível. Desta forma, relevante trazer os entendimentos jurisprudenciais a respeito do tema:
“TRF4 – IUJEF 5000441-55.2012.404.7103/RS – INCIDENTE REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. FUNGIBILIDADE. BENEFÍCIOS DECORRENTES DE INCAPACIDADE LABORATIVA.1. Os benefícios previdenciários que decorrem de incapacidade laborativa são fungíveis, cabendo ao julgador, diante da espécie de incapacidade constatada, conceder aquele que for adequado, ainda que o pedido tenha sido limitado a outro tipo de benefício, desde que preenchidos os requisitos legais para tanto. 2. Pedido de uniformização provido. IUJEF 5000441-55.2012.404.7103/RS, TRF 4ª, Juiz Federal Relator Osório Ávila Neto, 28.05.2012.”[6]
“AUXÍLIO-DOENÇA E AUXÍLIO-ACIDENTE. FUNGIBILIDADE DOS BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE. LESÕES CONSOLIDADAS. ACIDENTE OCORRIDO EM PERÍODO DE DESEMPREGO DO SEGURADO. POSSIBILIDADE. 1. Os benefícios que decorrem de incapacidade laborativa são fungíveis, cabendo ao julgador, diante da espécie de incapacidade constatada, conceder aquele que for adequado, ainda que o pedido tenha sido limitado a outro tipo de benefício, não se configurando julgamento ultra ou extra petita. 2. O segurado inscrito como empregado, avulso ou especial, faz jus ao auxílio-acidente quando preenchidos os requisitos impostos pela lei, desde que não haja a perda da qualidade de segurado, ainda que o acidente tenha ocorrido durante período de desemprego. 3. O artigo 104, §7 da Lei 8231/91, ao vedar a concessão do auxílio-acidente ao segurado desempregado, extrapolou os limites meramente regulatórios, contendo vício de legalidade neste aspecto. 1ª Turma Recursal do Paraná. Recurso n°. 2007.70.55.000596-9. Rel. Ana Beatriz Vieira da Luz Palumbo.”[7]
“TJSE – APELAÇAO CÍVEL : AC 2011201818 SE – Apelação Cível – Acidente de Trabalho – Perícia Médica que constata a inexistência de incapacidade – Ausência de configuração dos requisitos para a concessão do auxilio-doença pleiteado – Princípio da fungibilidade dos benefícios previdenciários – Possibilidade – Ausência de requisitos, no caso, para a concessão de benefício diverso- Recurso conhecido e improvido. I – Não tendo sido constatada a incapacidade temporária do autor para o trabalho, incabível a concessão do auxílio-acidente. II-A existência de laudo pericial, não infirmado, que não atesta a incapacidade do Autor para o trabalho, constitui prova robusta que dá suporte ao indeferimento do benefício pleiteado. III- Sentença mantida. Processo: AC 2011201818 SE. Relator(a): DESA. MARIA APARECIDA SANTOS GAMA DA SILVA. Julgamento: 20/06/2011. Órgão Julgador: 1ª.CÂMARA CÍVEL. Parte(s): Apelante: MANOEL GOMES NETO. Apelado: INSTITUTO NACIONAL D0 SEGURO SOCIAL- INSS.”[8]
Importante ressaltar ainda que a jurisprudência entende que podem ser considerado fungíveis quando existirem os pedidos inerentes a aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente, uma vez que todos os três benefícios podem ser concedidos em consequência a um acidente de trabalho. A diferença entre estes três institutos irá ser analisada de acordo com a prova pericial juntada aos autos pelo médico especialista, que irá relatar qual a real situação do requerente e sobre qual benefício o mesmo será amparado.
Insta mencionar que nas ações de natureza acidentária, a prova testemunhal em si não possui grande relevância, uma vez que o objeto do litígio será a lesão existente no empregado, bem como o laudo médico comprovando o grau e a possibilidade de reversão desta lesão.
A primeira turma recursal – Juízo A da seção judiciária do Paraná, através do Juiz Federal Relator Dr. José Antonio Savaria entende que esta fungibilidade dos pedidos inerentes ao procedimento previdenciário pode causar dois efeitos de grande relevância: em um primeiro momento denota-se da ligação que deve existir entre o pedido formulado na esfera administrativa e o pedido que será formulado na petição inicial na esfera judicial, devendo os pedidos serem idênticos, para que possa assim demonstrar o direito que fora indeferido nesta esfera administrativa. Em segundo plano deve-se analisar a pretensão existente na inicial e uma possível sentença proferida pelo douto magistrado, a fim de se observar qual direito que será entregue para o postulante.[9]
Por outro lado, pode acontecer de B, trabalhador regularizado as normas da CLT, exerce atividade laborativa na empresa Y. Contudo, fora do expediente de trabalho, B se envolve em uma confusão com C, desferindo cinco disparos de arma de fogo, levando o último a óbito. Desta forma, os familiares de B ingressaram com pedido junto ao INSS a fim de obter o auxílio-reclusão para provimento de necessidades básicas. Todavia, neste caso não cabe o princípio da fungibilidade, uma vez que o dano causado já permanece explícito e de fácil compreensão, não resultando qualquer tipo de incapacidade laborativa, devendo ser postulado neste caso o pedido de auxílio-reclusão.
4 ASPECTOS FINAIS:
Ao longo de todo o estudo realizado, observa-se que é possível aplicar o princípio da fungibilidade nos procedimentos em que versar sobre aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente, uma vez que todos podem ser decorrentes de acidentes de trabalho, devendo ser aplicado cada benefício de acordo com a prova pericial que segue nos autos.
Contudo, também existem os momentos em que não deve ser aplicado o princípio da fungibilidade, pois a própria natureza do benefício já é caracterizada sem qualquer contestação dentro do ordenamento jurídico, como ocorre nos demais benefícios presentes na Lei 8213/91.
Informações Sobre o Autor
Ricardo Benevenuti Santolini
Pós Graduando em Direito Previdenciário pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo – ES