A Importância da Justiça do Trabalho e (Im)Possibilidade de Sua Extinção

Autora: Rafaela Aparecida Garcia Bermudes[1]

Orientadores: Professor Rogerio Martir[2]

Professor Josival Martins Viana[3]

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RESUMO: O presente artigo visa abordar um assunto que gerou polêmica em nosso país, acerca da (im)possibilidade de extinção da Justiça do Trabalho. Em entrevista concedida a um canal televisivo, após ser questionado sobre o assunto, o Presidente Jair Messias Bolsonaro sinalizou que pode debater o fim da Justiça do Trabalho, argumentando que há um excesso de proteção aos trabalhadores, além de idealizar que referidos processos trabalhistas passem a tramitar na Justiça Comum ou Federal, utilizando-se de exemplos do exterior. A princípio, o artigo abordará a importância da Justiça do Trabalho, trazendo sua origem, demonstrando a necessidade do empregado ser tratado como hipossuficiente da relação, mas desconstruindo a ideia de que o empregado sempre tem razão, pois tal característica não é sinônimo de injustiça para com as empresas. Em um segundo momento, será abordada a inconstitucionalidade da extinção da Justiça do Trabalho. Em continuidade estudaremos o formato da Justiça do trabalho em outros países e a frágil ideia de que nos EUA não há proteção ao trabalhador. E, por fim, faremos um estudo de como seria na prática o deslocamento dos processos trabalhistas para a esfera comum ou federal.

Palavras-chave: importância da justiça do trabalho, inconstitucionalidade de sua extinção, hipossuficiência do empregado.

 

THE IMPORTANCE OF WORK JUSTICE AND THE (IM)POSSIBILITY OF THEIR EXTINCTION

 

ABSTRACT: The present article aims to address a subject that generated controversy in our country about the (im) possibility of extinction of the Labor Court. In an interview given to a television channel, after being questioned on the subject, President Jair Messias Bolsonaro signaled that he could debate the end of the Labor Court, arguing that there is an excess of protection to the workers, besides idealizing that said labor proceedings happen to process in the Common or Federal Justice, using examples from abroad. At first, the article will address the importance of Labor Justice, bringing its origin, demonstrating the employee’s need to be treated as hypersufficient of the relationship, but deconstructing the idea that the employee is always right, since such a characteristic is not synonymous with injustice to with companies. In a second moment, the unconstitutionality of the extinction of the Labor Court will be addressed. In continuity we will study the format of the Justice of the work in other countries and the fragile idea that in the USA there is no protection to the worker. And, finally, we will make a study of how it would be in practice the displacement of the labor processes for the common or federal sphere.

KEYWORDS: importance of labor justice, unconstitutionality of its extinction, employee hyposufficiency.

 

Sumário: Introdução. 1. Origem e importância da Justiça do Trabalho. 2. A proteção do hipossuficiente no direito individual do trabalho. 3. A (im)possibilidade de extinção da Justiça do Trabalho. 4. Formato da Justiça do Trabalho em outros países. 5. Deslocamento dos processos para a esfera comum ou federal. Conclusão. Referências.

 

Introdução

O tema abordado deu-se em razão de sua utilidade pública, extremamente oportuno para o atual cenário político e social em nosso país.

O Brasil vive um momento de instabilidade econômica e social, tendo passado recentemente por mudanças na legislação trabalhista, com o advento da Lei 13.467/2017, mais conhecida como “Reforma Trabalhista”, o que trouxe alguns aspectos restritivos aos direitos dos trabalhadores.

Inobstante isso, a atual Presidência sinalizou acerca da possibilidade de extinção da Justiça do Trabalho, sob o argumento de que há um excesso de proteção aos trabalhadores, o que certamente é uma visão equivocada e restará demonstrado no presente artigo.

Será abordada a importância da justiça do trabalho como medida de equilíbrio econômico/social para o país, bem como, a desconstrução da ideia de que o trabalhador é beneficiado no sistema trabalhista, conhecendo ainda, os sistemas trabalhistas de outros países, sem deixar de abordar a sistemática dos EUA, que ao contrário do muitos idealizam é bem mais severa no que se refere à fixação de indenização aos trabalhadores.

 

  1. Origem e Importância da Justiça do Trabalho

Antes de adentrar propriamente no tema, é necessário entender o momento social, econômico e político na esteira das transformações rumo à industrialização, pois o direito do trabalho nasce com a sociedade industrial e o trabalho assalariado.

O trabalho era visto como uma atribuição dos escravos e servos e não havia um sistema de normas jurídicas de direito do trabalho. A Revolução Industrial do século XVII, fez com que novas relações de trabalho surgissem, com a descoberta do vapor como fonte de energia e da sua aplicação nas fábricas.

“Com a expansão da indústria e do comércio, houve a substituição do trabalho escravo, servil e corporativo pelo trabalho assalariado em larga escala, do mesmo modo que a manufatura cedeu lugar à fábrica e, mais tarde, à linha de produção.” (NASCIMENTO, 2001, p. 38/39)

Ato contínuo, começam a surgir os conflitos trabalhistas, uma vez que, em decorrência do aumento da mão de obra, houve a diminuição dos salários dos trabalhadores, gerando reivindicações através de sindicatos e paralisações do trabalho, o que prejudicava o Estado, pois diminuíam as arrecadações de tributos, portanto, o Estado começou se envolver na mediação dos conflitos, originando a Justiça do Trabalho, além do surgimento e intervencionismo dos sindicatos:

Os trabalhadores reivindicaram, através dos sindicatos que os representaram e na medida em que o direito de associação passou a ser tolerado pelo Estado, um direito que os protegesse, em especial o reconhecimento do direito de união, do qual resultou o sindicalismo; o direito de contratação, que se desenvolveu em dois âmbitos, o coletivo, com as convenções coletivas de trabalho, e o individual, com a ideia do contrato de trabalho; e o direito a uma legislação em condições de coibir abusos do empregador e preservar a dignidade do homem no trabalho, ao contrário do que ocorria com o proletariado exposto a jornadas diárias excessivas, salários infames, exploração dos menores e mulheres e desproteção total diante de acidentes no trabalho  e riscos sociais como a doença, o desemprego etc.”(NASCIMENTO, 2001, p. 39)

As primeiras leis trabalhistas começaram a surgir, inicialmente como leis ordinárias, mas depois ganharam um status maior e passaram a ser normas constitucionais.

A primeira constituição que versou acerca do direito do trabalho foi a Constituição Mexicana de 1917, que dedicou 30 artigos aos direitos sociais e do trabalhador, estabeleceu a jornada diária de 8 horas, limitou a jornada noturna em 7 horas, estabeleceu o descanso semanal remunerado, direito de sindicalização, greve, salário mínimo, igualdade de salários, proteção contra acidentes no trabalho, dentre tantos outros.

Já em 1919, o Tratado de Versalhes, em seu artigo 427, não admite que o trabalho seja tratado como mercadoria, assegurando jornada de 8 horas, igualdade de salário, repouso semanal, salário mínimo, além de dispor sobre direito sindical.

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Destaca-se ainda, a instituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), após a assinatura do tratado de Versalhes, surgiu como órgão da antiga “liga das nações”, que deu fim à primeira guerra mundial, tendo como missão promover acesso a um trabalho decente, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana, além de, fiscalizar o cumprimento das normas internacionais do trabalho.

Em continuidade, no ano de 1919, foi criada a Constituição alemã de Weimar, esta foi a segunda constituição versando sobre direitos básicos do trabalhador, tais como, o direito de um sistema de seguros sociais, o direito de colaboração dos trabalhadores junto aos empregadores na fixação de condições de trabalho e salários, bem como, o direito de representação dos trabalhadores na empresa.

Também durante este período destaca-se a edição da Carta Del Lavoro no ano de 1927, na Itália, criando um sistema corporativista, servindo de inspiração para outros sistemas políticos, como Portugal, Espanha e Brasil, tendo como princípio a intervenção do Estado na ordem econômica, o controle do direito coletivo do trabalho e a concessão de direitos trabalhistas.

Por sua vez, no Brasil a Constituição do Império de 1824, seguindo os princípios da Revolução Francesa, aboliu as corporações de ofício assegurando ampla liberdade ao trabalho.

Uma coisa é certa, independentemente da estrutura política ou econômica do país, seja no capitalismo ou no socialismo existe a necessidade de regulamentação das relações de trabalho, tamanha importância ante a função tutelar, econômica e social, trazendo a consolidação do direito do trabalho:

“O direito do trabalho consolidou-se como uma necessidade dos ordenamentos jurídicos em função das suas finalidades sociais, que o caracterizam como uma regulamentação jurídica das relações de trabalho que se desenvolvem nos meios econômicos de produção de bens e prestação de serviços.” (NASCIMENTO, 2001, p. 42).

Portanto, o direito do trabalho está muito aquém de uma visão simplista, de regulamentação de proteção ao trabalhador pura e simples.

 

  1. A proteção do hipossuficiente no Direito Individual do Trabalho

A princípio, precisa ser descontruída a ideia, de que o trabalhador sempre tem razão ou que a Justiça do trabalho sempre dá ganho de causa ao trabalhador, eis que totalmente inverídicas.

A legislação trabalhista, visa sim proteger a parte economicamente mais fraca entre uma relação de desiguais, por ser subalternizada, isso ocorre em outras legislações cuja regulamentação se dá entre desiguais em um contrato, como por exemplo, nas relações de consumo e nem por isso o direito do consumidor é paternalista, apenas visa equilibrar as relações.

Na realidade, o princípio da proteção no direito do trabalho, visa permitir ao trabalhador a manutenção de um contrato de trabalho, com garantias legais em seu favor, mas daí concluir que o trabalhador é sempre beneficiado em ações trabalhistas é uma inverdade absurda.

Segundo o Presidente da Anamatra (Associação nacional dos Magistrados Trabalhistas), o Dr. Guilherme Guimarães Feliciano, em entrevista concedida à TV 247, no dia 25/01/2019, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), faz estatísticas anualmente e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, divulgou dados referente o ano de 2017, que demostravam que do total das ações trabalhistas, as que são totalmente procedentes, não chegam a 3%, bem como, a situação em que o trabalhador pede ao Estado e não ganha nada, as consideradas de improcedência total, não chegam a 6%, o que demonstra que a Justiça do Trabalho é equilibrada e não protetiva demais. Logo, na maioria dos casos, as ações trabalhistas são julgadas parcialmente procedentes, ou seja, os trabalhadores possuíam algum direito em face de seus empregadores.

O que revela-se mais absurdo está no fato de que as estatísticas do CNJ mostram que 50% desses pedidos dizem respeito a verbas rescisórias, ou seja, não estamos falando de verbas controversas, nas quais, há discussão acerca do trabalhador possuir ou não aquele direito, como por exemplo, um pedido de equiparação salarial ou adicional de insalubridade, que depende de prova, estamos falando de verbas rescisórias, são verbas incontroversas, que o empregador de plano deveria ter quitado no momento da ruptura contratual, o que claramente demonstra, que o trabalhador ainda é muito desrespeitado em nosso país e precisa de uma legislação que o proteja minimamente contra tal cultura.

O princípio da proteção, em verdade, “insere-se na estrutura do Direito do Trabalho como forma de impedir a exploração do capital sobre o trabalho humano, possibilitando a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e permitindo o bem-estar social dos obreiros” (SARAIVA; SOUTO, 2013, p. 32)

Portanto, sendo o trabalhador de fato a parte mais fraca da relação, necessita de um mecanismo de regas que possa assegurar uma mínima proteção, não para que seja beneficiado em prol do em pregador, mas somente com a finalidade de diminuir a desigualdade no pacto laboral.

Para finalizar, cumpre ressaltar que, a lei jamais beneficiou o empregado no campo probatório, ou seja, compete ao trabalhador provar o fato constitutivo de seu direito nos termos da CLT e legislação processual civil, portanto, a justiça do trabalho é regida por regras e há um grande equívoco na ideia de que o trabalhador sempre tem razão, muito pelo contrário, por vezes possui o direito e não consegue comprovar o fato alegado deixando de ter a procedência do pedido por ausência de provas.

 

  1. A (im)possibilidade de extinção da Justiça do Trabalho

Sob o ponto de vista constitucional, a Justiça do Trabalho não pode ser extinta, pois tem previsão constitucional e não pode ser suprimida por inciativa do executivo ou legislativo.

O Art. 92 da Constituição Federal estabelece que são órgãos do Poder Judiciário: o STF, o CNJ, o STJ e também a Justiça do Trabalho, desde o Superior Tribunal do Trabalho, até os juízes do Trabalho de 1º e 2º grau.

A Constituição Federal define com clareza as respectivas competências de cada órgão do Poder Judiciário. Por sua vez, a Justiça do Trabalho é composta pelo Tribunal Superior do Trabalho, 24 Tribunais Regionais, 1.537 Varas do Trabalho.

De igual modo, referido tema, não pode ser objeto de emenda à Constituição, uma vez quem o próprio texto constitucional, em seu artigo 60, afirma que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação de poderes.

A hipótese de uma proposta de extinção da Justiça do Trabalho ser aprovada no congresso nacional, se traduz em gravíssimo abalo no sistema de freios e contrapesos de uma fundação republicana, já que o princípio da separação dos poderes impede que o legislativo possa intrometer-se nos órgãos do poder judiciário.

Logo, apenas uma nova constituição originária poderia suprimir um ramo da Justiça que é independente e autônomo e ainda assim, representaria um completo retrocesso social.

Segundo nota pública da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP): “Tal providência, fosse juridicamente factível, configuraria violência ao princípio da dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho, cláusulas pétreas estabelecidas pela Constituição Cidadã de 1988. Instrumento garantidor dos direitos sociais fundamentais instituídos nos artigos 6º a 11 da Carta de 1988, bem como daqueles previstos em tratados da Organização Internacional do Trabalho e, ainda, da Convenção Americana de Direitos Humanos, todos ratificados pelo Brasil, a Justiça do Trabalho, criada em 1941, desempenha papel essencial de apaziguamento social, tanto na solução dos conflitos decorrentes das relações de trabalho, em um país com quase 40 milhões de trabalhadores formais, como na mediação e solução de conflitos coletivos de trabalho.” (AASP, 2019)

Tal supressão, representaria grave violação à cláusula constitucional de vedação ao retrocesso social, prevista no Art. 5º, §2º, combinado com o Art. 60, §4º,IV da Constituição Federal, bem como, Art. 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Por fim, não pode se negar que a Justiça do Trabalho constitui importante função tutelar, econômica e social, fazendo-se necessária para o equilíbrio e bom andamento do país.

 

  1. Formato da Justiça do Trabalho em outros países

Ao contrário das informações ventiladas pelo governo, o Brasil não é o único país a possuir uma estrutura organizacional da justiça do Trabalho, diversos outros países desenvolvidos possuem legislação própria e estrutura autônoma assim como no Brasil, conforme passará a expor.

Como exemplo, pode-se citar a Alemanha, que possui uma justiça do trabalho praticamente igual ao Brasil, pois há plena autonomia estrutural, organizada federativamente, com concursos próprios para essa carreira específica.

Os conflitos trabalhistas são resolvidos pelos Tribunais do Trabalho de natureza distrital semelhante às Varas do Trabalho de 1ª instância no Brasil, sendo que acima dos tribunais distritais, estão os Tribunais Regionais do Trabalho, assim como temos no Brasil, em seguida vem o Tribunal Federal do Trabalho, semelhante ao nosso Tribunal Superior do Trabalho e por fim o Tribunal Constitucional Federal, semelhante ao STF. Diante disso, é importante ressaltar que:

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No primeiro grau de jurisdição, encontram-se as câmaras, formadas por um presidente e dois juízes classistas, sendo um de empregado e outro de empregador. Nos dissídios coletivos, atuam o presidente da câmara e mais quatro juízes classistas. Os órgãos de primeiro grau julgam tanto causas individuais quanto coletivas. Já os tribunais regionais são divididos em câmaras, nos quais atuam dois juízes classistas, sendo em todo o tribunal dez juízes togados e 160 juízes classistas, que vão fazendo um rodízio entre si, de dois em dois. Já o Tribunal Federal do Trabalho tem âmbito constitucional, sendo integrado pelo presidente, pelos presidentes das turmas e pelos juízes classistas.” (MARTINS, 2012, pág. 6)

De igual modo, na França, os Tribunais do Trabalho resolvem litígios individuais decorrentes de um contrato de trabalho. O sistema francês é bastante semelhante ao sistema antigo do Brasil, que contava com a junta de conciliação, pois os juízes não são togados, são eleitos por seus pares, com um número par de juízes, sendo que metade de seus membros representam os empregadores, e metade representam os empregados. O litígio é resolvido por um acórdão somente se a conciliação não puder ser alcançada pelo Tribunal.

A finalidade do Conselho é julgar dissídios individuais que tiverem por causa a interpretação ou o cumprimento do contrato de trabalho. No entanto, o conselho não tem poderes para executar seus julgados. A maior crítica que é feita ao sistema francês são a eventual ignorância jurídica dos conselheiros e a parcialidade de seus julgados.

Nos dissídios coletivos, no entanto, a competência para julgá-los são de processos de conciliação e arbitragem. A conciliação deve ser tentada obrigatoriamente, porém a arbitragem é facultativa e feita por um terceiro que é livremente indicado pelas partes. A conciliação é feita em comissão paritária ou perante autoridade pública, o inspetor de divisão do trabalho, em nível regional, ou o ministro, em nível nacional. Da sentença arbitral, cabe recurso ao Conselho Superior de Arbitragem, composta de cinco magistrados administrativos e quatro magistrados judiciais.

Já na Bélgica, os Tribunais do Trabalho julgam em primeira instância questões relativas a conflitos entre empregados e empregadores e disputas referentes a seguridade social. Há um tribunal em cada distrito. As decisões proferidas por este tribunal podem ser modificadas pela Corte do Trabalho, um tribunal recursal referente a questões trabalhistas, tendo cinco delas pelo país.

Ainda, há Justiça do Trabalho na Espanha, em que há órgãos administrativos, tais como as Juntas de Conciliação Sindical, pelo qual é obrigatória a passagem antes de ingressar com uma ação judicial. Nesses órgãos, é tentada a conciliação. Em 1979, houve a criação do Instituto de Mediação, Arbitragem e Conciliação, no qual a conciliação do conflito é tentada antes de se ingressar com um processo. Ainda existe a primeira instância e o Tribunal Central do Trabalho:

“Na primeira instância, os processos são apreciados pela magistratura do trabalho, salvo onde os tribunais trabalhistas não existam, sendo julgados nesse caso pelos juízes municipais. O Tribunal Central do Trabalho é o órgão de segunda instância. A Justiça do Trabalho espanhola julga dissídios individuais e coletivos, no entanto, os dissídios coletivos só são remetidas ao Judiciário quando o Poder Executivo assim entender.” (MARTINS, 2012, p. 9)

A Inglaterra possui um sistema autônomo, assim como na Escandinávia e de uma maneira geral, existe jurisdição trabalhista em todo o mundo, com autonomia seja ela estrutural ou procedimental.

Ainda, não se pode deixar de abordar a “brilhante ideia” dos adeptos e favoráveis à extinção da justiça do trabalho, ao apontar que o Brasil deveria seguir o exemplo dos Estados Unidos, pois lá não há um código de leis trabalhistas e as demandas são julgadas pela Justiça Comum ou Federal e o contrato entre empregado e empregador é suficiente para delimitar as questões.

Nada mais absurdo! Inicialmente, o sistema judiciário americano é completamente diferente do Brasil, lá o sistema adotado é common law, o que significa dizer que o direito se baseia muito mais na jurisprudência do que no texto da lei, diferentemente do Brasil, no qual é adotado o sistema da civil law, onde possui o caráter escrito do direito, sendo organizado por códigos, além de seguir o padrão de especialização em razão da matéria.

De fato, nos Estados Unidos não há uma legislação trabalhista sob a forma de um código, mas isto se deve ao fato de que o país não adota leis gerais codificadas, mas sim leis esparsas e precedentes normativos como fonte de direito. Isso não ocorre somente com o direito do trabalho, como também em outras áreas, por exemplo, não há um código civil, porém existem leis que versam acerca das questões civis, como divórcio, contratos, propriedade e outros (Casagrande, 2017).

Diferentemente do Brasil, em que a lei é uniforme em todo o país, unificada nacionalmente, nos Estados Unidos, existem leis federais (esparsas em diversos diplomas) e estaduais, ou seja, cada Estado pode editar normas sobre relações de trabalho e por tal motivo, as demandas são julgadas na Justiça estadual ou federal. (Casagrande, 2017)

Dessa forma, nos Estados Unidos não há justiça do trabalho, também em razão do sistema adotado, pois não segue o padrão de especialização em razão da matéria, mas lá existe jurisdição trabalhista e em comparação ao Brasil pode-se dizer que é muito mais severa, com indenizações altíssimas aos empregados quando estes são lesados, aplicando de fato o caráter punitivo e pedagógico.

Destacando-se ainda o fato de que, no modelo americano, a típica ação trabalhista se transforma em ação coletiva, ou seja, o empregado pode representar todos os demais empregados que se encontram na mesma situação, assim, em uma única ação há diversos autores, o que faz com que as ações alcancem valores altíssimos. (Casagrande, 2017)

Ainda, rechaçando a informação de que a Justiça do Trabalho no Brasil sempre favorece o empregado, conforme verifica-se nas estatísticas apontadas, somente 3% dos trabalhadores tem procedência total das ações, ao passo que, nos Estados Unidos, cerca de 67% das ações trabalhistas são favoráveis aos empregados, de acordo com dados divulgados pela consultoria americana Xcelhr.

Portanto, os Estados Unidos da América, podem não ter uma “CLT”, porém existe legislação trabalhista e ela é bastante rigorosa e eficaz, gerando indenizações altíssimas diante do seu descumprimento, por esse ponto de vista, seria ótimo adotar o sistema americano, inclusive, no momento de fixação das indenizações em caso de descumprimento da lei.

 

  1. Deslocamento dos processos para a esfera comum ou federal

Hipoteticamente considerando, se a Justiça do Trabalho deixasse de existir, a justiça comum ou a federal receberiam mais de 5.5 milhões de processos conforme dados do CNJ.

Antes de cogitar a transferência dos processos trabalhistas para outras esferas, é necessário raciocinar e discutir o real impacto que isso irá ocasionar, a justiça comum ou federal terá estrutura para receber essa quantidade expressiva de processos? Como ficaria a delimitação da matéria?

De plano haveria um tumulto muito grande, os processos no Brasil são morosos por natureza, sendo que, o deslocamento de tantos processos simplesmente travaria o sistema judiciário seja ele estadual ou federal.

Importante frisar ainda, que os tribunais são especializados por matéria e conforme explicado anteriormente, no Brasil é adotado o sistema de especialidade em razão da matéria, logo, os juízes estaduais possuem domínio em matéria estadual e não em matéria trabalhista, seria como exigir de um ortopedista domínio em cardiologia.

Não se pode ignorar que as demandas trabalhistas são cada vez mais complexas e necessitam de especialização em razão da matéria!

Não é tão simples imaginar a supressão de uma instância, quando ela tem uma expressão tão significativa em nosso país, como a Justiça do Trabalho, não se pode simplesmente ignorar sua importância.

 

  1. Conclusão

Da análise do presente estudo é possível observar que a justiça do trabalho é extremamente importante, regulamenta o capitalismo da país, tanto serve como medida de equilíbrio para as relações trabalhistas, como também traz equilíbrio para a economia.

Portanto, a visão de que a justiça do trabalho serve apenas para proteger o trabalhador está bastante equivocada e demonstra total falta de conhecimento sobre o que realmente acontece nos casos práticos.

Acrescente-se ainda a função social da Justiça do Trabalho, pois regulamenta a negociação coletiva, sendo bastante benéfica para o país como um todo, impedindo a greve (paralisação das atividades), gerando equilíbrio nas relações.

Diante de todas as considerações apresentadas, chega-se ao fim do presente artigo e conclui-se que a Justiça do Trabalho está muito além da visão minimalista de proteção do trabalhador pura e simples, ao contrário, ela é responsável por gerar equilíbrio para o país, regulamentando as relações de trabalho e a economia do país.

 

Referências Bibliográficas

BARROS, Alice Monteiro de (2007). “Curso de Direito do Trabalho”. 3 Ed. – São Paulo: Editora LTr, 2007.

MARTINS, Sérgio Pinto. (2012). “Direito Processual do Trabalho”. 33. Ed. – São Paulo: Editora Atlas.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. (2001). “Iniciação do Direito do Trabalho”. 27. Ed. – Rev. e atual. – São Paulo: Editora LTr, 2001.

SARAIVA, Renato; SOUTO, Rafael Tonassi. “Direito do Trabalho”. 16 Ed. Rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Editora Método, 2014.

AASP. Nota Pública. Disponível em: < https://www.aasp.org.br/em-pauta/nota-publica-aasp/>. Acesso em: 12 fev.2019.

PINTO. Almir Pazzianotto. Extinção da Justiça do Trabalho. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI293802,11049->. Acesso em: 12 fev.2019.

FELICIANO. Guilherme Guimarães. Anamatra desmonta tese de Bolsonaro sobre a Justiça do Trabalho. Disponível em: <https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/381437/Anamatra-desmonta-tese-de-Bolsonaro-sobre-Justi%c3%a7a-do-Trabalho.htm>. Acesso em: 03 mar.2019.

CASAGRANDE. Cássio. A reforma trabalhista e o sonho americano. Disponível em: <https://www.trt13.jus.br/informe-se/noticias/2017/06/a-reforma-trabalhista-e-o-201csonho-americano201d-1>. Acesso em: 03 mar.2019.

ANAMATRA. Extinção da Justiça do Trabalho não pode ser por canetada do Executivo. Disponível em: <https://www.anamatra.org.br/imprensa/anamatra-na-midia/27428-extincao-da-justica-do-trabalho-nao-pode-ser-por-canetada-do-executivo>. Acesso em: 13 fev.2019.

 

[1] Rafaela Aparecida Garcia Bermudes, advogada, graduada em Direito pela Universidade de São Caetano do Sul, pós-graduanda em Especialização MBA de Direito do Trabalho e Previdenciário pela Faculdade Legale e membro do núcleo de Pesquisa e Escrita Científica da Faculdade Legale, residente na Av. Prof. Luiz Inácio de Anhaia Melo, 2463, Vl. Homero Ton, Santo André – SP, e-mail: [email protected].

[2] Rogerio Martir, advogado, Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, especializado em Direito Empresarial e Direito do Trabalho, Professor e Coordenador de Direito do Trabalho da especialização MBA da Faculdade Legale, e-mail: [email protected].

[3] Josival Martins Viana, advogado e Coordenador do Núcleo de Pesquisa e Escrita Científica da Faculdade Legale, e-mail: [email protected].

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