A lei complementar
É de primordial importância para o tema em tela, a análise dos seguintes artigos da Constituição Federal: 59, inc. II; 61; 69; 146; 146-A; 148; 153, inc. VII; 154, inc. I; 155, §1°, inc. III e § 2°, inc. XII; 156, inc. III e 161.
As leis complementares, segundo posição doutrinária, destinam-se a complementar diretamente o texto constitucional. Na prática, observa-se que, de um modo geral, o constituinte reserva a esta modalidade normativa matérias de especial importância ou matérias polêmicas, para cuja disciplina seja desejável e recomendável à obtenção de um maior consenso entre os parlamentares.
De tal modo entende Alexandre de Moraes[1]: (…)“a razão da existência da lei complementar consubstancia-se no fato do legislador constituinte ter entendido que determinadas matérias, apesar da evidente importância, não deveriam ser regulamentadas na própria Constituição Federal, sob pena de engessamento de futuras alterações; mas, ao mesmo tempo, não poderiam comportar constantes alterações através do processo legislativo ordinário.”
Observando as diversas definições dadas pela doutrina sobre lei complementar e, atentando-se à própria Constituição, pode-se extrair que se trata de uma modalidade de ato normativo que tem por finalidade regulamentar as normas já existentes, em relação a certas matérias.
JOSÉ AFONSO DA SILVA assim as define[2]: “Leis complementares da Constituição são leis integrativas de normas constitucionais de eficácia limitada, contendo princípio institutivo ou de criação de órgãos ou seções judiciárias nos casos previstos, e sujeitas à aprovação pela maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso Nacional”.
As leis complementares são utilizadas excepcionalmente. As leis ordinárias são a regra geral para a criação, modificação ou extinção de direitos ou obrigações. A reserva de matérias à lei complementar, salvo raras exceções, deve vir expressa no texto constitucional.
VICTOR NUNES LEAL entende que: “Em princípio, todas as leis são complementares porque se destinam a completar princípios básicos enunciados na Constituição. Geralmente, porém, se reserva esta denominação para aquelas leis sem as quais determinados dispositivos constitucionais não podem ser aplicados”[3].
A lei complementar não altera nem emenda a Constituição, por índole, prende-se à eficácia das normas constitucionais. A emenda constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, fez constar expressamente no texto constitucional (art. 62, § 1º, III) que matérias reservadas à lei complementar não podem ser disciplinadas por medidas provisórias. Esse já era um entendimento jurisprudencial pacífico.
Deve ser, a lei complementar, aprovada por maioria absoluta dos parlamentares, segundo dispõe o art. 69 da Constituição Federal, diferente das leis ordinárias que são aprovadas por maioria simples. Essa modalidade normativa, por ser mais difícil sua aprovação, é muito mais estável, uma vez que somente pode ser modificada mediante a edição de outra lei complementar.
Alexandre de Moraes entende que[4] “a razão da existência da lei complementar consubstancia-se no fato do legislador constituinte ter entendido que determinadas matérias, apesar da evidente importância, não deveriam ser regulamentadas na própria Constituição Federal, sob pena de engessamento de futuras alterações; mas, ao mesmo tempo, não poderiam comportar constantes alterações através do processo legislativo ordinário.”
Hugo de Brito Machado[5], ensina que: “É certo que a Constituição estabelece que certas matérias só podem ser tratadas por lei complementar, mas isso não significa de nenhum modo que lei complementar não possa regular outras matérias (…). A tese segundo a qual a lei complementar só pode tratar de matérias que a Constituição reservou expressamente a essa espécie normativa, além de não ter fundamento na Constituição, contribui para a insegurança jurídica, uma vez que permite que sejam suscitadas sérias questões a respeito do conteúdo das normas definidoras de campos reservados à lei complementar.”
Importante salientar que não há hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, o que existe é uma diferença entre as mesmas com relação à matéria que tratam e seus quorum de votação.
A lei complementar em matéria tributária
A Constituição estabelece em seu artigo 146, inciso I, que a lei complementar é competente para dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária, entre os entes federados, desta forma, qualquer conflito existente nessa área, a lei complementar irá estabelecer os critérios para sua solução, respeitando sempre o princípio federativo.
O inciso II, do artigo acima mencionado, dispõe sobre regulação às limitações constitucionais ao poder de tributar. Baseando-se nessa regra, o STF “não tem aceitado a veiculação, em lei ordinária, de definições ou condições que restrinjam a fruição de imunidades, como a definição de entidade sem fim lucrativo ou restrições relativas a rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável por entidades imunes ou ainda previsão de suspensão do gozo da imunidade tributária como forma de penalidade por ato que constitua infração à legislação tributária” (ADIMC 1.802-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 27.08.98).
O Código Tributário Nacional, embora tenha sido formalmente editado como lei ordinária, entende-se que foi recepcionado com status de lei complementar, portanto, só podendo ser alterado ou revogado por meio de outra lei complementar. Em 2001, houve a edição da lei complementar n° 104 que alterou e acrescentou alguns dispositivos do CTN.
Definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, cabe à lei complementar, conforme dispõe o art. 146, III, “a”. Deixando claro que, em regra, a instituição de um tributo é feita por meio de lei ordinária.
O Código Tributário Nacional não institui nenhum tributo, deve apenas defini-los, como no caso dos impostos, que estabelece os fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes a serem descritos na lei ordinária que os instituirá.
Luciano Amaro[6] entende que “Na quase totalidade das hipóteses, a Constituição lhes confere tarefas dentro de sua função precípua (de ‘complementar’ as disposições constitucionais) (…) É, ainda, função típica da lei complementar estabelecer normas gerais e direito tributário (art. 146, III) (…) aumentar o grau de detalhamento dos modelos de tributação criados pela CF (…) adensar os traços gerais dos tributos, preparando o esboço que será utilizado pela lei ordinária (…) padronizar o regramento básico das obrigações tributárias, conferindo-se, desta forma, uniformidade ao sistema tributário nacional.”
Excepcionalmente, lei complementar poderá instituir alguns tributos, qual sejam: empréstimos compulsórios (art. 148), contribuições sociais (art. 149); alguns impostos (art. 154 e art. 153). Outros dispositivos constitucionais prescrevem que lei complementar deve regular alguns aspectos destes (arts. 155, 156 e 161). Esses tributos só podem ser instituídos em casos de relevância e urgência.
Luciano Amaro[7] diz: “A Constituição reclama, excepcionalmente, a edição de lei complementar para a criação de certos tributos (…) é que a Constituição pretendeu que poucas e determinadas figuras tributárias só pudessem ser criadas a partir de processo de aprovação mais representativo que a lei comum (…) nessas situações a lei terá o nome, mas não a natureza de lei complementar”.
Diante do exposto, conclui-se que a lei complementar em matéria tributária possui relevante importância enquanto norma geral, pois não possui função precípua de criar tributos, os institui apenas em situações excepcionais, constantes da própria Constituição federal, sob pena de desvirtuar sua natureza.
[2] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas Constitucionais. 2 ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1982. p. 229
[3] LEAL, Vitor Nunes. Problemas de Direito Público e outros Problemas. Brasília: Ministério da Justiça, 1997. p. 3
Advogada, integrante de Welton Cysne Advogados Associados S/C, especialista em Direito e Processo Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR
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