Resumo: Este artigo se dispôs a apresentar alguns dos autores que se ocupam do estudo metodológico nas Ciências Sociais, dentre os quais Weber, Lijphart, Babbie e Thiollent, pretendendo-se destacar os pontos relevantes de suas análises, atendendo ao propósito de guiar os estudantes universitários das ciências sociais através de um roteiro claro e objetivo de algumas teorias que poderão respaldar os seus trabalhos acadêmicos. Ilustrada a necessidade de objetividade do itinerário metodológico do investigador, as possibilidades de utilização das pesquisas de survey e dos métodos experimental, estatístico e comparativo, o artigo abordará a preocupação de alguns sociólogos com a desregrada utilização de métodos quantitativos no âmbito das Ciências Sociais, deflagrando interpretações apartadas da realidade avaliada, não raro amparadas no distanciamento sócio-cultural do respondente. Cada vez mais os juristas são instados a incursionar seus estudos em uma perspectiva multidisciplinar, o que necessariamente lhes impõe o conhecimento dessas premissas, já amplamente difundidas em outras áreas das ciências sociais. A conclusão é de que nenhum deles, considerados isoladamente, têm o condão de açambarcar todas as situações que se apresentam no quotidiano acadêmico, ou seja, apenas com a definição clara do problema, amparado em consistentes premissas teóricas, será possível o planejamento metodológico adequado (ainda que passível de críticas em razão da característica qualitativa das pesquisas na área das Ciências Sociais, dentre as quais se insere o Direito) e a extração de resultados cientificamente aceitos como válidos.
Palavras-chave: Metodologia. Ciências Sociais. Comparativo. Survey. Reflexivo.
Abstract: This article was prepared to present some of the authors dealing with the methodological study in the social sciences, among them Weber, Lijphart, Babbie and Thiollent, which seeks to highlight the relevant points of their analysis, given the purpose of guiding the students of social sciences through a clear roadmap and purpose of some theories that may back up their academic work. Illustrated the need for objectivity of the researcher's methodological route, the possibilities for the use of survey research and experimental methods, statistical and comparative, the article will address the concern of some sociologists to unregulated use of quantitative methods in social sciences, triggering evaluated interpretations detached from reality, often supported the socio-cultural distance of the respondent. Increasingly, lawyers are urged to tread his studies in a multidisciplinary approach, which necessarily imposes upon them the knowledge of these assumptions have been widely disseminated in other areas of social sciences. The conclusion is that none of them, taken separately, have the power to monopolize all situations faced in everyday academic, ie, only with a clear definition of the problem, supported by consistent theoretical premises, it is possible to plan appropriate methodological (though open to criticism because of the qualitative characteristic of research in social sciences, among which inserts the Law) and the extraction of results accepted as scientifically valid.
Keywords: Methodology. Social Sciences. Comparative. Survey. Reflexive.
Sumário: Introdução. 1. A relevância da objetividade nas Ciências Sociais em Weber. 2. O método experimental, estatístico e comparativo em Lijphart. 3. A utilidade da pesquisa de survey segundo Babbie. 4. A dificuldade de construção de pesquisas quantitativas no âmbito das Ciências Sociais na óptica de Thiollent. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O interesse na elaboração do presente artigo residiu na vontade de apresentar, minimamente, alguns dos renomados autores que se ocupam do estudo metodológico nas Ciências Sociais, de modo a despertar o interesse dos leitores (notadamente os estudantes universitários) no aprofundamento das obras clássicas que tratam do tema, na medida em que, por vezes, empreendem e executam métodos de pesquisa, sem entendê-los.
No âmbito jurídico, cada vez mais as pesquisas tendem a considerar aspectos multidisciplinares (a constitucionalidade da demarcação das terras indígenas, a admissibilidade do transplante de células-tronco, as pesquisas em Direito Comparado envolvendo o tema democracia etc.), reclamando da parte dos pesquisadores certo refinamento dos parâmetros metodológicos adotados na pesquisa.
O primeiro tópico do presente artigo objetivará tangenciar as idéias do sociólogo alemão Max Weber, considerando um dos grandes nomes na área das Ciências Sociais, com amplo legado na área da Sociologia Jurídica. Um dos principais argumentos que traz se refere ao fato de que a pesquisa científica é deficiente na medida em que existe uma confusão das idéias pessoais do investigador e a argumentação científica utilizada.
O segundo tópico voltará os olhares à contribuição do holandês Arend Lijphart, detido à avaliação das vantagens e desvantagens dos métodos: experimental (onde o investigador analisa o problema, constrói suas hipóteses e trabalha manipulando os possíveis fatores, as variáveis, que se referem ao fenômeno observado); estatístico (que detém razoável grau de precisão, o que o torna bastante aceito por parte dos pesquisadores com preocupação de ordem quantitativa); e comparativo (considerado o melhor para as pesquisas nas ciências sociais, pois, segundo ele, reuniria características de todos os outros).
O terceiro tópico apresentará ao leitor os argumentos de utilidade da pesquisa de survey, segundo as impressões do norte-americano Earl Babbie, para quem essa metodologia determinística, parcimoniosa, especifica, e que sujeita o investigador a uma verificação empírica, tem a utilidade de servir a análises explicativas com o propósito de desenvolver proposições gerais sobre o comportamento humano.
O quarto e derradeiro tópico do presente artigo, abordará os aspectos da sociologia reflexiva proposta pelo franco-brasileiro Michel Thiollent, para quem o sociólogo deve se preocupar, por exemplo, em não ideologizar as indagações formuladas em um questionário, descurando dos desníveis na comunicação que muitas vezes se observa entre aquele que propõe a investigação e os indivíduos respondedores, redundando invariavelmente em conclusões cientificamente parciais que encampam o discurso da classe dominante.
Por fim, nas conclusões do arrazoado, pretende-se destacar alguns pontos relevantes das abordagens que serão deduzidas com base nas opiniões dos pensadores em epígrafe, atendendo ao propósito de guiar os estudantes universitários das ciências sociais através de um roteiro claro e objetivo de algumas teorias que poderão respaldar os seus trabalhos acadêmicos.
1. A RELEVÂNCIA DA OBJETIVIDADE NAS CIÊNCIAS SOCIAIS EM WEBER
No âmbito das ciências sociais, segundo WEBER, os juízos de valor inerentes à subjetividade do pesquisador não deveriam ser extraídos das análises científicas, entendendo que as afinidades que envolvem a ação humana dentro da ciência relacionam-se com as categorias de “fim” e “meio” (ou seja, se os meios científicos utilizados são aptos para atingir a finalidade). Ao defender tal posição, o autor não nega que toda pesquisa tem um ponto de partida subjetivo (ligado a referência de valor do pesquisador), porém, entendeu que este dado não tem o condão de fulminar a objetividade da ciência.
Deve-se considerar, em sua óptica, que apesar do ponto de partida da investigação poder ser subjetivo, necessariamente suas conclusões devem ser objetivas, haja vista que o valor cognitivo da ciência social residiria na sua capacidade de controlar a pesquisa com métodos sistemáticos e padronizados. Com isto se quer dizer que a pesquisa científica é deficiente na medida em que existe uma confusão das idéias pessoais do investigador e a argumentação científica utilizada.
Uma pesquisa jurídica destinada a mensurar o nível de inclusão dos indivíduos no mercado de trabalho formal nas décadas do regime militar não pode se deixar contaminar pelas impressões pessoais negativas que o investigador tenha das atrocidades implementadas contra os direitos humanos no citado período, por exemplo.
Entende WEBER que uma publicação científica em ciências sociais deveria buscar a objetividade de seus resultados, de modo que, independente da localidade do leitor, fosse reconhecida a validade dos conceitos que veicula em relação com a realidade empírica debatida. Para o sociólogo alemão, devem-se distinguir nas ciências da realidade duas orientações complementares: uma no sentido da história, da narração daquilo que não acontecerá uma segunda vez, a outra no sentido da ciência social, isto é, da reconstrução conceitual das instituições sociais e do seu funcionamento.
Com relação à noção de imparcialidade, tem-se que a ciência que o sociólogo busca é o da ciência da realidade (o que está por volta de nós e no mundo em que estamos situados). Compreendendo este processo, o seu objetivo seria o de descobrir os nexos causais que dão sentido à ação social em determinado contexto.
Por fim, ainda que WEBER não tenha defendido uma visão rigorosamente dualista da ciência, o escrito "A objetividade do conhecimento na ciência política e na ciência social" constitui ainda hoje o principal texto para quem defende uma visão não naturalista de ciência, ou seja, que defende a tese de que as ciências humanas são essencialmente diferenciadas das demais ciências de corte empírico-natural.
2. OS MÉTODOS EXPERIMENTAL, ESTATÍSTICO E COMPARATIVO EM LIJPHART
Dois elementos básicos estão presentes nos métodos comparativo, experimental e estatístico, segundo LIJPHART, quais sejam: o estabelecimento de relações empíricas gerais entre duas ou mais variáveis e o fato de todas as outras variáveis serem controladas e constantes.
Especificamente, o método experimental utiliza dois grupos equivalentes, um grupo chamado “experimental”, submetido a um estímulo e outro grupo chamado “de controle”, que não é exposto. Os dois grupos são então comparados e qualquer diferença pode ser atribuída ao estímulo, conhecendo-se a relação entre duas variáveis com a garantia de que as outras variáveis permanecerão constantes.
Segundo o autor, uma alternativa para o método experimental é a aplicação do método estatístico (com a observação matemática de dados). Ele lida com o problema de controle por meio de correlações parciais. Por exemplo: quando se quer investigar a relação entre participação política e nível de ensino atingido, deve-se controlar a influência da idade, porque as gerações mais jovens receberam mais educação do que as gerações mais velhas. Apesar dos reconhecidos benefícios do método estatístico (considerado como um aperfeiçoamento do método experimental), sozinho ele é insuficiente porque não consegue controlar todas as variáveis, mas somente aquelas que lhes são conhecidas ou que se suspeita possam exercer influência.
Por conseguinte, a utilização do método estatístico em uma pesquisa jurídica que vise identificar o nível de compreensão da população das regiões sul e nordeste em relação às instituições legislativas federais tende a sucumbir, em razão da existência de variáveis culturais impossível de serem mensuradas com a utilização isolada deste método.
Em face dessas ponderações, a terceira via metodológica proposta por LIJPHART é o método comparativo, que possui a lógica do método experimental e a força do método estatístico, porém com uma diferença crucial: como o número de casos é demasiado pequeno, não existem muitas variáveis para serem controladas (por exemplo, sempre que o estudo for sobre sistemas políticos nacionais, dado o restrito número de casos, o método comparativo tem de ser usado).
Outra utilidade do método comparativo é o de não rejeitar casos desviantes, o que ocorre com freqüência no método estatístico, que descarta a hipótese desviante dependendo do tamanho da amostra. No método comparativo dado o pequeno número de casos, até mesmo um único caso desviante pode ser considerado como fator relevante para a conclusão da pesquisa.
3. A UTILIDADE DA PESQUISA DE SURVEY SEGUNDO BABBIE
BABBIE compara o survey ao censo, informando que o primeiro examina um segmento da população, enquanto o segundo implica uma enumeração da população toda. Apesar dessa visão fragmentada, já que os resultados da pesquisa de survey descrevem uma população maior do que a amostra selecionada, tal instrumento serve a propósitos amostrais que visam conhecer as preferências e comportamentos de consumidores e eleitores, como as pesquisas eleitorais e de marketing. Vê-se, nitidamente, que este modelo de pesquisa é usualmente adotado nos estudos de Ciência Política e Direito Eleitoral, notadamente sobre as intenções de voto do eleitorado em relação às legendas eleitorais que lhes foram apresentadas.
A pesquisa de survey tem como características, ser determinística (já que reside na explicação de eventos e de suas fontes, bem como das características e das correlações observadas, permitindo a constatação da lógica da causalidade); parcimoniosa (porque permite trabalhar com menos variáveis, obtendo-se um maior controle, já que existe uma maior possibilidade de selecionar as variáveis que servirão aos propósitos da pesquisa); especifica (exemplificando-se no caso da relação entre o conservadorismo político e o preconceito contra mulheres); estando sujeita a uma verificação empírica (pois a coleta e a quantificação dos dados criam fontes permanentes de comparação).
Esclarece o autor que a pesquisa de survey é uma das ferramentas de pesquisa disponíveis para pesquisadores sociais, tendo sido utilizada, por exemplo, em um estudo desenvolvido por uma igreja com o objetivo de demonstrar que mulheres de classe social baixa eram mais atuantes nas liturgias do que mulheres de status social mais alto, tendo em vista o fato de aquelas mulheres apresentarem menos chance de ocupar cargos institucionais e, conseqüentemente, menos status e prestigio, o que as levaria a suprir tal retração social com a participação na igreja.
Em síntese, as analises explicativas visam desenvolver proposições gerais sobre o comportamento humano, este formato permite que resultados possam ser replicados entre vários subconjuntos da amostra de survey.
4. A DIFICULDADE DE CONSTRUÇÃO DE PESQUISAS QUANTITATIVAS NO ÂMBITO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS NA ÓPTICA DE THIOLLENT
Cuidando dos problemas teóricos e práticos das enquetes, em especial da falsa neutralidade das entrevistas sociológicas, THIOLLENT pontua que o relaxamento epistemológico em relação às premissas que nortearão as técnicas da pesquisa social promove uma indevida ideologização da observação. O hiato existente entre o universo do pesquisador e o do entrevistado também foi retratado pelo autor como algo a ser considerado na concepção, execução e interpretação dos resultados das pesquisas sociais, devendo o estudioso das referidas técnicas atentar para o fato de que em muitos casos se apresenta ao respondedor do questionário uma realidade que não lhe pertence, o que tende a enviesar os resultados obtidos, traduzindo uma falsa realidade do fenômeno em análise.
Hipoteticamente, uma pesquisa científica voltada a identificar o nível de satisfação dos indivíduos de uma determinada comunidade indígena isolada no interior do Estado de Roraima (o caso da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol pelo Supremo Tribunal Federal, por exemplo) com as ações governamentais na área de saúde, dentre inúmeras dificuldades, não poderia se basear em um questionário formulado com opções fechadas e baseado em conceitos inerentes à tecnocracia do governo federal. Assim, deve-se observar que os diferentes modos de comunicação reclamam a enunciação de uma pergunta por parte do investigador que seja inteligível pelo respondente, evitando os problemas de sociocentrismo ou de homogeneização cultural.
Mostrando-se descrente com a cientificidade dos resultados obtidos com as pesquisas de natureza quantitativa no âmbito das ciências sociais, THIOLLENT avalia que as sondagens eleitorais pecam em sua concepção pelo fato de não ser possível o nivelamento de todos os indivíduos quanto ao acesso à informação e a capacidade de formulação de opiniões políticas.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, elaborada esta breve digressão acerca dos importantes pontos de vista científicos relacionados aos métodos de pesquisa nas ciências sociais, conclui-se que nenhum deles, considerados isoladamente, têm o condão de açambarcar todas as situações que se apresentam no quotidiano acadêmico, ou seja, a depender do problema e, conseqüentemente, do objeto da pesquisa, um ou mais métodos poderão ser adotados, levando em consideração, sempre, a coerência entre ambos e a preocupação com o uso ético dos meios propostos (apesar de produzir resultados comparativos incontestes, não se admitiria um experimento em que se isolassem determinados indivíduos do acesso às políticas públicas educacionais com o objetivo de aferir os seus resultados em relação àqueles que fossem beneficiários dela).
A propósito, sempre que o problema e os conceitos que o explicam não estão claramente definidos, o pesquisador encontrará dificuldades na realização do método escolhido, relacionado que está com a técnica de coleta de informações. Tais etapas da pesquisa estão umbilicalmente relacionadas por se referirem com o objeto a ser estudado, quer na etapa de planejamento e de execução, quer no momento da interpretação dos dados obtidos.
Pesquisas de survey podem ser adequadas para identificar o perfil dos consumidores de uma determinada marca de automóveis, mas certamente serão inadequadas para comparar os mecanismos de poder da sociedade dita “organizada” em cotejo com as comunidades indígenas isoladas. De outro lado, a utilização do método comparativo com o objetivo de comparar o nível de democracia de duas sociedades reclama, previamente, a delimitação do que se considerará como requisitos para a existência desse regime político (a mera existência de eleições? Nesse caso a China seria uma democracia, já que, ainda que formalmente, o partido comunista se reúne para referendar o status quo ante; o grau de envolvimento da população com os assuntos do Estado? Possivelmente, o Brasil teria problemas se a análise considerar as sociedades tradicionais; o percentual de comparecimento às urnas? Neste caso, alguns países com IDH elevado em que o voto é livre, porém, facultativo, estariam excluídos).
Resumindo, estando o problema claramente definido e amparado em consistentes premissas teóricas, é possível o planejamento metodológico adequado (ainda que passível de críticas em razão da característica qualitativa das pesquisas na área das Ciências Sociais) e a extração de resultados cientificamente aceitos como válidos.
Referências
BABBIE, Earl. Métodos de Pesquisa de Survey. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.
FREITAS, Henrique et al. O Método de Pesquisa Survey. Revista de Administração, São Paulo v. 35, n. 3, p.105-112. Julho/Setembro, 2000. Disponível em:<http://www.rausp.usp.br/busca/artigo.asp?num_artigo=269 > . Acesso em 02 abril de 2012.
LIJPHART, Arend. “Política Comparada e Método Comparativo”
THIOLLENT, Michel J. M. Crítica metodológica, investigação social & enquete operária
WEBER, Max. A Objetividade do conhecimento nas Ciências na Política Sociais. In: Sobre a Teoria das Ciências Sociais. São Paulo: Editora Moraes, 1991, p. 01-74.
Informações Sobre o Autor
Fabio Campelo Conrado de Holanda
Doutorando em Ciência Política pela UFRGS, Mestre em Direito Constitucional pela UFC, Procurador Federal da AGU