O Enunciado nº 277 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) consagrou o entendimento de que as normas coletivas, fruto de sentenças normativas, têm sua vigência restrita ao prazo que lhes foi assinado, de forma que não integram os contratos individuais de trabalho em definitivo.
Não obstante, a questão acerca da incorporação das cláusulas normativas decorrentes da auto-composição (Acordos ou Convenções Coletivos) aos contratos individuais de trabalho permanece controvertida.
Os defensores da integração definitiva das cláusulas normativas aos contratos de trabalho têm sua fundamentação principal nos artigos 444 e 468 da Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”).
De outro lado, os que advogam em prol do caráter temporário das normas coletivas, ou seja, no sentido da não aderência aos contratos de trabalho, buscam o lastro de suas razões nos artigos 613, II, e 614, § 3o, da CLT.
Nesse sentido, desde logo esclarecemos que, com a devida vênia dos defensores da corrente integracionista, em que pese a louvável peregrinação pelos campos do protecionismo ao operário, entendemos que a tese de que as vantagens auferidas por meio de instrumento normativo, com vigência temporalmente determinada, sejam incorporadas em definitivo aos contratos de trabalho, resta insubsistente.
Isso porque os artigos 444 e 468 não tratam da impossibilidade de supressão de cláusulas benéficas aos trabalhadores quando das negociações coletivas, mas sim da necessidade de que as normas coletivas sejam adequadas ao mínimo legalmente garantido.
Noutro sentido, esclareça-se que a eventual argumentação de que o artigo 614, § 3º, da CLT, seria dirigido exclusivamente às cláusulas obrigacionais[1] das normas coletivas, também não pode prosperar, pois, uma vez que não houve disposição legal expressa nesse sentido, e a restrição da abrangência do artigo não caberia ao hermeneuta.
Portanto, a inteligência do artigo 614, § 3º, da CLT, deve ser interpretada como aplicável a qualquer modalidade de norma coletiva (seja obrigacional ou normativa), sob pena de o hermeneuta travestir as vestes de legislador positivo.
De toda sorte, cabe, ainda, complementar a discussão com o histórico da legislação pátria acerca do tema. Com efeito, a Lei 8.542/92, hoje revogada, dispunha, no § 1º de seu artigo 1º, que “as cláusulas dos acordos, contratos e convenções coletivas de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas em posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho”.
À época da edição da referida lei, uma pá de cal parecia haver sido colocada sobre a controvérsia e, mesmo os simpatizantes da tese contrária, viram-se tolhidos em suas manifestações.
Não obstante, alguns ainda chegaram a defender a tese de que a Lei 8.542/92 somente seria aplicável em relação às cláusulas salariais, vez que esta seria lei específica de política salarial. Contudo, essa argumentação não se mostrou convincente, pois apesar de a lei haver sido editada sob o título de “Política nacional de salários – Depósito recursal”, é certo que ela poderia dispor acerca de vários assuntos, não estando restrita somente à matéria que lhe empresta o título.
Em 30/06/1995, ao corrigir o equívoco da legislação anterior, a Medida Provisória 1.053/95 revogou parte da famigerada Lei 8.542/92. Assim, a referida medida provisória foi reeditada inúmeras vezes, até culminar na edição da Lei 10.192/02, que revogou expressa e definitivamente o § 1º do artigo 1º da Lei 8.542/92.
Nesse sentido, entendemos que a revogação da legislação que consagrava a teoria integracionista demonstrou a intenção do legislador, de prestigiar as normas celetistas previamente existentes (artigos 613, II, e 614, § 3o, da CLT), no sentido de ratificar o caráter temporário das cláusulas normativas.
Portanto, concluímos que, atualmente, vige entre nós a regra da não-incorporação das cláusulas normativas aos contratos individuais de trabalho, podendo-se afirmar que o Enunciado 277 do TST não se aplica apenas às sentenças normativas, mas, também, aos instrumentos normativos de auto-composição.
Ademais, o TST vem sedimentando reiterada jurisprudência nesse sentido, cabendo informar, à guisa de exemplo, que, em 09/12/2003, a SDI-I editou a Orientação Jurisprudencial Transitória no 26, que restringiu reajustes salariais decorrentes de cláusula normativa ao período de vigência da norma coletiva que lhe dava fulcro.
Nesse sentido, saliente-se que as garantias decorrentes de negociações coletivas somente podem ter força cogente enquanto estiver em vigor a norma, ou seja, em período não superior a 2 (dois) anos (artigo 614 § 3o, da CLT).
As únicas hipóteses juridicamente aceitáveis de ultratividade das cláusulas normativas se dariam quando estas fossem mantidas em negociação coletiva subseqüente; ou quando fossem prorrogadas pelos sindicatos convenentes ou partes acordantes (artigo 615 da CLT).
Assim, quando uma cláusula não tem sua vigência prorrogada nem é absorvida pela norma coletiva subseqüente, sua eficácia resta prejudicada, pois, como a negociação coletiva celebrada faz lei entre as partes, as normas coletivas devem ser honradas nos exatos limites em que forem estabelecidas, mesmo que venham a suprimir cláusula normativa anterior mais benéfica.
Pensar o contrário seria admitir que as normas coletivas são instrumento meramente aditivo de benefícios aos contratos de trabalho dos empregados, o que não condiz com o melhor Direito.
Nesse diapasão, a teoria integracionista retiraria o poder negocial-transitório que, a bem da verdade, se afigura como elemento primordial de caracterização das negociações coletivas. Assim, a derrocada deste poder de barganha descaracterizaria completamente o instituto das negociações coletivas.
Por fim, ressalte-se que a visão das cláusulas normativas como instrumentos meramente aditivos de benefícios exauriria os motivos que levam as partes a negociar os acordos e convenções coletivas, pois, em assim sendo, para atingir o mesmo fim, bastaria adicionar cláusulas aos contratos de trabalho dos empregados.
Informações Sobre o Autor
Bruno Herrlein Correia de Melo
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista pela Universidade Gama Filho – UGF. Atvogado atuante, notadamente na seara trabalhista, Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio de Janeiro. Autor do livro “Fiscalização do Correio Eletrônico no Ambiente de Trabalho” (Editora Servanda, 2007) e de diversos artigos jurídicos publicados em revistas, jornais, livros e sites especializados em Direito.