Raony Rennan Feitosa de Menezes Gonçalves
Resumo: O presente artigo se propõe a analisar o princípio da Livre Iniciativa na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional, além de analisar a legislação que estabeleceu as atividades privativas dos profissionais de educação física, licenciados e bacharéis, fixando, por consequência, as competências dos Conselhos Regionais de Educação Física. Diante da elevada taxa de autuação por parte dos CREF’s em face dos profissionais que atuam em academias de ginástica sem inscrição junto a esse Conselho de Classe, buscou-se identificar se há ou não permissivo legal que embase a exigência de habilitação em curso superior e inscrição junto ao CREF para atuar em academias de ginástica ministrando aulas de dança, artes marciais, ioga e outras modalidades. Por fim, apresentamos a conclusão de que os tribunais superiores (TRFs e STJ) fixaram entendimento de que a lei que fixou o rol das atividades que podem ser exercidas pelo profissional de Educação Física não estabelece exclusividade, admitindo-se que outros profissionais atuem na área, afastando a necessidade de inscrição em conselho de classe para atuação em áreas como dança, artes marciais, ioga e zumba.
Palavras-Chave: Livre Iniciativa. Educação Física. Conselho de Classe. Academia de Ginástica.
Abstract: This article aims to analyze the principles of the Free Initiative and the Social Appreciation of Work in the Federal Constitution and in the infra-constitutional legislation, besides analyzing the legislation that established the private activities of the physical education professionals, graduates and bachelors, setting, consequently , the competences of the Regional Councils of Physical Education. Given the high rate of assessment by the CREF’s against professionals working in fitness centers without enrollment with this Class Council, we sought to identify whether or not there is legal permissive that supports the requirement of higher education and enrollment with CREF to work in gyms giving dance classes, martial arts, yoga and other modalities. Finally, we present the conclusion that the superior courts (TRFs and STJ) established the understanding that the law that established the activities that can be performed by the Physical Education professional does not establish exclusivity, assuming that other professionals work in the area. , ruling out the need for class board membership to perform in areas such as dance, martial arts, yoga, and zumba.
Keywords: Free Initiative. Physical Education. Class council. Gym.
Sumário: Introdução; 1. Da Livre Iniciativa na Constituição Federal; 2. Atividades privativas dos profissionais de Educação Física; 3. Análise Jurisprudencial; Conclusão; Referências.
Introdução
A migração da população rural para os centros urbanos, a automação de diversas atividades antes executadas por mãos humanas, o exaustivo ritmo de trabalho, o estresse diário e a crescente industrialização dos alimentos são apenas alguns dos fatores que tornaram o sedentarismo o grande vilão de muitas doenças. Atrelado a esses fatores, há, ainda, o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento da população, a busca pela beleza, por locais de socialização e a crise na segurança pública, que afasta as pessoas dos espaços públicos de convivência e prática esportiva.
O cenário criado por todos esses fatores e condicionantes tem levado inúmeras pessoas às academias de ginástica em busca de saúde, estética, condicionamento físico, combate ao estresse e sociabilidade.Entretanto, esses objetivos nem sempre são atingidos, já que cada vez mais são
vistos casos de lesões decorrentes de falta de acompanhamento dos exercícios
por profissionais capacitados ou mesmo a indisponibilidade de profissionais habilitados a ministrar as diversas modalidades hoje praticadas nas academias brasileiras.
Toda essa conjuntura tem levado as academias de ginástica a tornarem-se um ambiente heterogêneo e multidisciplinar, em que uma gama cada vez maior de atividades é desenvolvida, ainda que nem todas estejam diretamente relacionadas ao condicionamento físico, mas, também, à cultura, às artes e ao lazer, exigindo dessas academias um nível cada vez maior de profissionalização.
Foram incorporadas, então, à rotina das academias de ginástica brasileiras atividades como artes marciais, dança, ioga, zumba, pilates etc. Incorporou-se, entretanto, à rotina dos Conselhos Regionais de Educação Física a fiscalização quanto à atuação de profissionais não habilitados em curso superior de Educação Física no desenvolvimento dessas modalidades, o que tem gerado embates políticos e jurídicos, opondo-se profissionais habilitados para ministrar essas modalidades, mas sem curso superior na área de Educação Física nem inscrição junto ao Conselho de Educação Física, e profissionais vinculados a esse órgão, que pleiteiam preencher com exclusividade esses novos nichos de mercado.
Justifica-se, pois, este trabalho, além das razões acima expostas, pela necessidade de profunda análise acerca das profundas transformações experimentadas nas relações profissionais e comerciais envolvendo profissionais e academias de ginástica, na busca por uma cultura de prestação de serviço responsável.
Delimitada a problemática, este trabalho teve como objetivos analisar, à luz dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais e da mais moderna jurisprudência pátria, a legalidade/possibilidade de profissionais não inscritos junto aos Conselhos Regionais de Educação Física em academias de ginástica.
Quanto ao tipo de pesquisa, desenvolveu-se pesquisa bibliográfica sobre o tema, por meio de artigos jurídicos, doutrina, revistas jurídicas, jurisprudência e análise normativa.
Quanto ao método de análise, utilizou-se do método lógico-dedutivo, lastreando-se na construção e evolução doutrinária, jurisprudencial e normativa, para extrairmos uma conclusão acerca do tema em comento.
1. Da Livre Iniciativa na Constituição Federal
Diante da importância dos princípios para a construção do cenário jurídico e social brasileiro após a promulgação da Constituição Federal da República de 1988, e das imensas mudanças operadas por essa Constituição nos mais diversos ramos do direito, especialmente no direito comercial, empresarial, contratual e do trabalho, traçaremos breves considerações acerca desse tema.
Segundo o ilustre professor Paulo Lobo (2011, p. 57):
“Um dos maiores avanços do direito brasileiro, principalmente após a Constituição de 1988, é a consagração da força normativa dos princípios constitucionais explícitos e implícitos, superando o efeito simbólico que a doutrina tradicional a eles destinava. A eficácia meramente simbólica frustrava as forças sociais que pugnavam por sua inserção constitucional e contemplava a resistente concepção do individualismo e do liberalismo jurídicos, que repugnam a intervenção dos poderes públicos nas relações privadas – especialmente as de natureza econômica -, inclusive do Poder Judiciário. Sem a mediação concretizadora do Poder Judiciário, os princípios não se realizam nem adquirem a plenitude de sua força normativa”.
Passamos, então, à tentativa de conceituação dos princípios jurídicos.
Podemos dizer que há, no ordenamento jurídico brasileiro, duas espécies de normas jurídicas, os princípios e as regras. Para Ronald Dworkin apud Gilmar Ferreira Mendes, “[…] a diferença entre regras e princípios é de natureza lógica e decorre dos respectivos modos de aplicação”. (MENDES, 2010, p. 93).
Já Josef Esser apud Gilmar Ferreira Mendes (2010, p. 97), diferencia princípios de regras dizendo que “os princípios jurídicos, diferentemente das normas [regras] de direito, são conteúdo em oposição a forma, embora o uso dessas categorias aristotélicas não nos deva induzir a pensar que a forma seja o acessório de algo essencial”, pois, “histórica e efetivamente, a forma, entendida processualmente como meio de proteção do direito ou materialmente como norma, é sempre o essencial, o único que pode conferir realidade e significação jurídica àquele conteúdo fundamental ainda não reconhecido com ratio”.
Segundo lição de Van Holthe (2010, p. 59):
“[…] as regras apresentam baixa carga valorativa, limitando-se a descrever uma situação de fato (antecedentes) e a prescrever uma consequência jurídica para sua ocorrência – na forma de uma obrigação, permissão ou proibição (consequente) -, por exemplo, o art. 5.º, LVIII – o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”.
E complementa:
“Os princípios são multifuncionais, inspirando a criação (função normogenética), a interpretação (função exegética), e a aplicação das regras jurídicas, atuando supletivamente no caso de lacunas legais (função integrativa), bem como trazendo coerência ao ordenamento jurídico, ao harmonizar os valores contidos na Lei Maior (função sistêmica)”.
Podemos sintetizar essa lição dessa forma: as regras podem ser consideradas como as normas que possuem um conteúdo descritivo, estabelecendo obrigações e proibições, delineando uma conduta a ser seguida. Diante de uma determinada situação prevista na regra, esta espécie de norma terá incidência, ou seja, esta somente incidirá em casos concretos.
Já os princípios, por trazerem em seu cerne um alto grau de abstração e generalidade, já que não se voltam para a descrição de uma situação específica, mas para explicitar valores fundamentais, podem ser vistos como normas que estabelecem a base normativa do ordenamento jurídico, possuindo uma incidência muito maior que as regras, fundamentando a criação e interpretação das normas e, consequentemente, a aplicação do direito.
Farias e Rosenvald, com o brilhantismo que lhes é peculiar, assim aduzem: […] os princípios revestem-se de grande relevância, porque marcam, basicamente, todo o sistema jurídico. São as proposições genéricas que informam uma ciência. Enfim, a sua base valorativa. São, portanto, as bases sobre as quais se constrói o sistema jurídico (2012, p. 78).
Mostra-se indispensável, então, antes de adentrar numa análise específica de quaisquer princípios, trazer à baila o rol dos princípios e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, donde são extraídos todos os demais princípios e garantias constitucionais, servindo-lhes como pedra angular e fonte de poder.
Necessário, assim, transcrever os artigos 1º e 3º da Carta Magna de 1988:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Sem grifos no original.
Entendemos que analisar pormenorizadamente cada um desses princípios e objetivos não é imprescindível para a consecução dos objetivos deste trabalho, por isso, mais adiante, faremos somente uma análise do princípio que realmente trará esclarecimentos sobre o tema ora analisado, ou seja, o princípio da da livre iniciativa.
Compulsando a Carta Magna, mesmo o leitor menos atento perceberá que o legislador constituinte insculpiu expressamente ali o princípio da livre iniciativa, alinhado com os fundamentos básicos da Carta Constitucional, seus objetivos e, principalmente, dentre os princípios gerais da atividade econômica, arrolados no título que trata da Ordem Econômica e Financeira, especialmente no art. 170 da CF/88, que assim dispõe:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
Como corolários desses princípios, podemos destacar os subprincípios da livre concorrência e da busca do pleno emprego, que têm como finalidade primordial assegurar uma existência digna a todos, em consonância com o megaprincípio da dignidade da pessoa humana.
Destaca-se, ainda, o livre exercício da profissão, estabelecido como garantia fundamental, conforme art. º, inciso XII, da Constituição Federal: XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
Nesse cenário, o trabalhador, assim como as empresas, funciona como um catalisador da atividade econômica, pois somente através do regular desenvolvimento de suas atividades se poderá atingir a plena observância de todos esses princípios, já que é através do trabalho que o profissional gera renda e aumento do seu poder aquisitivo, desaguando na melhoria das condições de vida dos indivíduos tocados por suas atividades, contribuindo, ademais, para a arrecadação por parte do Estado, que se converterá em serviços prestados à sociedade, num círculo virtuoso eterno.
O princípio em comento é tão caro à Ordem Econômica e Financeira, que o legislador infraconstitucional criou penas para aqueles que infringirem os seus ditames ou tentarem cercear seu alcance, conforme previsto nos arts. 36 e 37 da Lei nº 12.529/2011, que dizem:
“Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III – aumentar arbitrariamente os lucros;
IV – exercer de forma abusiva posição dominante.
[…]”.
“Art. 37. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:
I – no caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação;
II – no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais);
III – no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando comprovada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à empresa, no caso previsto no inciso I do caput deste artigo, ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos previstos no inciso II do caput deste artigo.
Sendo assim, é forçoso concluir que a livre iniciativa foi elevada ao patamar de princípio constitucional, indissociavelmente ligado aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, elencados no art. 3º da CF/88, já que não há como construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais ou promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, sem estimular o desenvolvimento econômico, a criação de empregos e renda e a arrecadação de impostos através do desenvolvimento da atividade laboral.
Imprescindível destacar, por fim, que, como qualquer princípio, a livre iniciativa não pode ser considerada absoluta, uma vez que há restrições que a própria ordem econômica impõe como quando há exigência legal para a obtenção de autorização para o exercício de determinada atividade econômica, como previsto no parágrafo único do Art. 170 da CF/88, alhures transcrito.
2. Atividades privativas dos profissionais de Educação Física
De início, cabe destacar que o Profissional de Educação Física poderá optar, quando de sua formação, pela licenciatura ou pelo bacharelado em educação física, cursos que são tradicionalmente diferenciados por suas áreas de atuação.
O licenciado atuará, em regra, como professor no ambiente escolar e realizará pesquisas na área científica. Para tanto, o aluno da licenciatura deverá se situar durante a graduação acerca do funcionamento das práticas escolares.
Já o bacharel, geralmente, tem um campo de atuação mais amplo, abrindo-se-lhe oportunidades em áreas como ginástica, natação, musculação, hidroginástica, personal trainer etc.
A Lei 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB), dispõe, em seu art. 62, que os cursos de licenciatura são dedicados à formação de docentes, em nível superior, para atuar na educação básica. Veja-se:
“Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal”.
Há, entretanto, quem, insatisfeito com essas limitações, busque amparo no Poder Judiciário, pleiteando o afastamento de tais restrições, que, claramente, encurtam o campo de atuação dos profissionais de educação física.
Nos termos das Resoluções CNE/CP nº 01/2002 e 02/2002, elaboradas com amparo na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96), o curso de Licenciatura em Educação Física, é voltado exclusivamente para a formação de professores de Educação Física que pretendam atuar na Educação Básica escolar, aí compreendidas a educação infantil, o ensino fundamental e o médio.
Nesse sentido, firmaram os tribunais brasileiros o entendimento de que não há direito do graduado em curso de licenciatura para a educação básica em obter o registro perante o Conselho Profissional com a categoria de bacharel para a área não escolar (como academias, clubes etc.), vez que haveria diferenças substanciais relacionadas à duração e à carga horária mínima exigidas, bem como ao conteúdo curricular especificamente direcionado aos cursos de bacharelado e de licenciatura, na área de Educação Física. Assim, vejamos:
“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA NEGADO – CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA – LICENCIATURA PLENA – ÁREA DE ATUAÇÃO – RESTRIÇÃO – AGRAVO REGIMENTAL – DECISÃO MANTIDA. 1. A questão posta Neste incidente diz respeito à (i)legalidade do ato oriundo do Conselho Federal de Educação Física que restringiu a atuação dos graduados em cursos de licenciatura, apenas na área de educação básica (escolar). 2. Segundo o entendimento dos Tribunais Regionais Federais, não há direito do graduado em curso de licenciatura para a educação básica em obter o registro perante o Conselho Profissional com a categoria de bacharel para a área não escolar ( como academias, clubes, etc), tendo em vista as diferenças substanciais relativamente à duração e à carga horária mínima exigidas, bem como ao conteúdo curricular especificamente direcionado aos cursos de bacharelado e de licenciatura, na área de Educação Física (AG 0025516-03.2013.4.01.0000 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO TOLENTINO AMARAL, SÉTIMA TURMA, e-DJF1 p.698 de 23/08/2013). 3. “De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Educação Física, de 18/02/2004, o curso de Licenciatura em Educação Física passou a formar profissionais exclusivamente para a Educação Básica, ou seja, para atuar nas escolas de Educação Infantil e do Ensino Fundamental e Médio, bem como para desempenhar atividades de planejamento, coordenação e supervisão de atividades pedagógicas do sistema formal de ensino. O licenciado poderá também atuar em pesquisas relacionadas ao ensino e suas interfaces com outras áreas de estudo. Entretanto, os novos licenciados não podem atuar em academias, clubes e outros espaços não-escolares”. (TRF2ª Região, AC 200851010083350, Desembargador Federal FREDERICO GUEIROS, – SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, 18/03/2011). 4. “A Resolução CNE/CP nº 1/2002, instituiu as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da Educação Básica em nível superior, curso de Licenciatura, de Graduação plena, em consonância com o art. 62, da Lei nº 9.394/1996, diferindo da disciplina anteriomente disposta na Resolução CFE nº 3/1987, na medida em que a Licenciatura plena permitia o exercício dos profissionais formados em Educação Física nas áreas formal e não formal, ao passo que a Licenciatura de Graduação plena, regulamentada posteriormente na Resolução CNE/CP nº 1/2002 permite ao profissional atuar tão-somente no ensino básico, qual seja, na área formal”. (AMS 200861000159074, JUIZ MAIRAN MAIA, TRF3 – SEXTA TURMA, 13/04/2011). 5. Decisão mantida. Requisitos da tutela antecipada ausentes. 6. Agravo Regimental não provido. Numeração Única: AGA 0009181-69.2014.4.01.0000 / MG; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL REYNALDO FONSECA. Órgão: SÉTIMA TURMA. Publicação: 04/07/2014 e-DJF1 P. 311. Data Decisão: 24/06/2014”.
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. CONSELHOS FISCALIZADORES. EDUCAÇÃO FÍSICA. REGISTRO. LICENCIATURA PLENA. LIMITAÇÃO ÁREA ATUAÇÃO. RESOLUÇÕES DO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO NS. 01/2002, 07/2004 E 04/2009. LEGALIDADE. 1. É legítima e legal a restrição prevista nas Resoluções CNE/CP ns. 01/2002 e 02/2002, de que os licenciados em Educação Física somente possam atuar na Educação Básica escolar: educação infantil, ensino fundamental e médio. 2. Os graduados em Licenciatura em Educação Física e os Bacharelados em Educação estão aptos a serem inscritos nos Conselhos Profissionais, nos termos da Lei n. 9.696/98, com limitações, entretanto e em relação aos primeiros, à atuação, tal como legitimamente preconizado nas Resoluções do CNE. 3. A atuação do graduado em licenciatura em Educação Física – pela própria duração do curso, reduzida em relação ao bacharelado – tem que estar adstrita à habilitação adquirida no curso, não podendo, obviamente, ter a mesma abrangência do Bacharel. 4. Agravo regimental desprovido. Numeração Única: AGA 0008487-03.2014.4.01.0000 / DF; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator: JUIZ FEDERAL ALEXANDRE BUCK MEDRADO SAMPAIO (CONV.). Órgão: OITAVA TURMA. Publicação: 30/05/2014 e-DJF1 P. 881. Data Decisão: 16/05/2014”.
Concluiu-se que os cursos de Licenciatura e Bacharelado em Educação Física, apesar de formarem profissionais graduados em Educação Física, são regidos, cada um, por legislação específica própria, apresentam finalidade e integralidade específicas, carga horária e disciplinas diferenciadas, áreas de conhecimento e intervenções profissionais diversas.
Sendo assim, para atuar em área diversa da Educação Básica, o profissional graduado em Licenciatura deveria complementar a sua graduação com as disciplinas da modalidade Bacharelado, concluindo outro grau na área da Educação Física (dupla habilitação ou habilitação plena).
É inafastável, então, a necessidade de trazermos à baila o teor dos arts. 2º e 3º da multicitada Lei nº 9.696/98, para que possamos compreender quais são, de fato, as atividades exclusivas dos profissionais bacharéis em educação física, aptos como são para atuar em academias de ginástica:
“Art. 2º Apenas serão inscritos nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação Física os seguintes profissionais:
I – os possuidores de diploma obtido em curso de Educação Física, oficialmente autorizado ou reconhecido;
II – os possuidores de diploma em Educação Física expedido por instituição de ensino superior estrangeira, revalidado na forma da legislação em vigor;
III – os que, até a data do início da vigência desta Lei, tenham comprovadamente exercido atividades próprias dos Profissionais de Educação Física, nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação Física.
Art. 3º Compete ao Profissional de Educação Física coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisciplinares e elaborar informes técnicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto”.
Nessa esteira, o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) alegando-se imbuído de poder regulamentador, editou a Resolução CONFEF nº 046/2002, que “dispõe sobre a Intervenção do Profissional de Educação Física
e respectivas competências e define os seus campos de atuação profissional”, nesses termos:
Art. 1º – O Profissional de Educação Física é especialista em atividades físicas, nas suas diversas manifestações – ginásticas, exercícios físicos, desportos, jogos, lutas, capoeira, artes marciais, danças, atividades rítmicas, expressivas e acrobáticas, musculação, lazer, recreação, reabilitação, ergonomia, relaxamento corporal, ioga, exercícios compensatórios à atividade laboral e do cotidiano e outras práticas corporais -, tendo como propósito prestar serviços que favoreçam o desenvolvimento da educação e da saúde, contribuindo para a capacitação e/ou restabelecimento de níveis adequados de desempenho e condicionamento fisiocorporal dos seus beneficiários, visando à consecução do bem-estar e da qualidade de vida, da consciência, da expressão e estética do movimento, da prevenção de doenças, de acidentes, de problemas posturais, da compensação de distúrbios funcionais, contribuindo ainda, para consecução da autonomia, da auto-estima, da cooperação, da solidariedade, da integração, da cidadania, das relações sociais e a preservação do meio ambiente, observados os preceitos de responsabilidade, segurança, qualidade técnica e ética no atendimento individual e coletivo.
Buscou o CONFEF criar um critério formal para definição das atribuições privativas dos profissionais de educação física, abrangendo-se quaisquer atividades e manifestações que envolvam atividades físicas, definindo-se os limites da profissão de educador físico não pelo conteúdo da atividade ou pelos objetivos precípuos de seu desenvolvimento, mas por definição legislativa de atividades.
Criou-se, então, um rol de atividades cujo exercício caberia aos profissionais de educação física, norteando não só as atividades destes, mas toda a atividade fiscalizatória dos Conselhos Regionais de Educação Física, que se fiam nesse rol para amparar a aplicação de sanções em face de profissionais que atuam em escolas, academias de ginástica e outros estabelecimentos ministrando atividades incluídas na lista acima transcrita.
3. Análise Jurisprudencial
Como visto, estabeleceu-se um rol de atividades cujo exercício caberia aos profissionais de educação física. Há, entretanto, uma peculiaridade que deve ser fartamente destacada: Em que pese o art. 3º da Lei nº 9.696/1998 elenque rol das atividades que podem ser exercidas pelo profissional de Educação Física, essas atividades não têm caráter exclusivo, admitindo-se que outros profissionais atuem na área.
Foi esse entendimento dos Tribunais pátrios, capitaneados pela jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, conforme veremos a seguir:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. REPRESENTAÇÃO DA PARTE REGULAR. INTERESSE DE AGIR DEMONSTRADO. CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. TREINADOR/TÉCNICO DE TÊNIS DE MESA. REGISTRO. DESNECESSIDADE. SENTENÇA MANTIDA. – Não merece acolhimento o requerimento de não conhecimento do apelo em razão da irregularidade na representação da parte, uma vez que não se configura tal vício. Impetrado o mandado de segurança contra ato do Presidente do CRF4/SP, afigura-se correta a interposição da apelação pela entidade que ele representa e em nome da qual atua. – Está prejudicado o pedido de concessão de efeito suspensivo ao presente apelo, à vista do seu julgamento.- Melhor sorte não merece a alegação de ausência de interesse de agir, visto que o eventual reconhecimento da desnecessidade de registro determina o afastamento de qualquer exigência nesse sentido, inclusive por parte Confederação Brasileira de Tênis de Mesa. Ademais, quanto ao interesse, destaque-se a nota 6 de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ao aludido dispositivo (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, 13. ed. rev., ampl. e atual., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 209) no sentido de que: […] O interesse processual se consubstancia na necessidade de o autor vir a juízo e na utilidade que o provimento jurisdicional poderá lhe proporcionar. No caso dos autos o interesse de agir restou configurado pela necessidade de o impetrante se socorrer do Poder Judiciário para impedir que a autoridade impetrada o autue por falta de inscrição nos seus quadros. Já a utilidade está presente, na medida em que visa o apelado a garantir o livre exercício profissional. Assim, não há que se falar em extinção do feito sem resolução do mérito. – O Conselho Federal de Educação Física, ao editar a Resolução CONFEF nº 45/2002 extrapolou os limites da Lei nº 9.696/98 que a originou, porquanto como ato infralegal de manifestação do poder normativo não poderia ter inovado na ordem jurídica para criar direitos e obrigações aos administrados, sob pena de violação aos artigos 5º, incisos II e XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição da República e à própria norma instituidora. Portanto, se o legislador ordinário houve por bem não incluir na disciplina jurídica da Lei nº 9.696/98 os profissionais de tênis, dança, ioga, artes marciais, capoeira e outras ligadas às expressões corporais e rítmicas, tais atividades, independentemente do local em que forem ministradas, não poderiam ter sido submetidas ao regime estatuído pela Resolução nº 46/2002, à vista de sua ilegalidade. – Preliminares rejeitadas. Apelação e remessa oficial desprovidas. (TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, AMS – APELAÇÃO CÍVEL – 353594 – 0005635-82.2014.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE NABARRETE, julgado em 03/05/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/05/2017)”.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. INSCRIÇÃO NO CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. PROFESSORA DE DANÇA (ZUMBA). DESOBRIGATORIEDADE DE REGISTRO. LEI Nº 9.696/1998. RECURSO IMPROVIDO. 1. Dispõe o inciso XIII, do artigo 5º, da carta Magna, a possibilidade de exercício de qualquer profissão, trabalho ou ofício, resguardada a qualificação profissional inerente ao desempenho daqueles misteres, com regulamento em lei. 2. A atividade de dança refere-se à expressão corporal de movimentos rítmicos, ligada ao campo artístico e cultural, envolvendo o corpo humano e esforço físico. 3. Resta resguardado constitucionalmente o direito de ensinar a dança ao particular, destacando-se que esta atividade essencialmente não se encaixa naquelas restritivas aos profissionais da Educação Física. 4. Dispõe o art. 3º da Lei nº 9.696/1998: “Compete ao Profissional de educação física coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisciplinares e elaborar informes técnicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto”. 5. Conforme se vê, não há comando normativo que obrigue a inscrição dos professores e mestres de danças, ioga e artes marciais nos Conselhos de Educação Física. 6. Agravo de instrumento improvido. (TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, AI – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 588712 – 0017688-91.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA, julgado em 19/04/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/05/2017)”.
“ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. PROFISSIONAL ATIVIDADE FÍSICA. REGISTRO. ART 3º DA LEI Nº 9.696/98. AUSENTE COMANDO NORMATIVO QUE OBRIGUE A INSCRIÇÃO DOS PROFESSORES E MESTRES DE DANÇAS, IOGA E ARTES MARCIAIS NOS CONSELHOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA. APELAÇÃO PROVIDA. 1. O artigo 5º, XIII, da Constituição Federal, estabeleceu o livre exercício de qualquer trabalho, ofício e profissão, desde que atendidas as qualificações fixadas em lei. 2. O artigo 3º da Lei 9.696/98 dispõe sobre a competência do Profissional de Educação Física. 3. Entretanto, o supracitado dispositivo não é expresso quanto à proibição do desenvolvimento de atividades como “alongamento” ou a prática de “artes marciais” por pessoas que não sejam profissionais da área. 4. Ademais, não se pode inferir que o trabalho desenvolvido em torno das atividades esportivas é privativo de educadores físicos, muito embora possam também ser desempenhadas por eles. 5. In casu, o apelante foi autuado pelo agente do Conselho Regional de Educação Física (CREF/SP), no parque do Ibirapuera, o qual relatou que o fiscalizado encontrava-se realizando alongamentos em uma aluna no colchonete, tendo se apresentado como profissional e afirmado atuar com boxe e possuir cursos de treinamento pelo IFBB. Por sua vez, o apelante alega que estava praticando alongamento com sua namorada e que, posteriormente, praticariam movimentos de artes marciais. 6. O termo de fiscalização, acostado às f. 26-27, narra apenas que o apelante estava praticando a atividade de alongamento, não descrevendo nenhum instrumento relativo à musculação. 7. Nesse sentido, a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que atividades diversas como “dança”, “ioga” ou “artes marciais”, não são restritas a educadores físicos, não estando sujeitos, destarte, a registro no respectivo Conselho Profissional. 8. Dessa forma, como não há comando normativo que obrigue a inscrição dos professores e mestres de artes marciais, ou mesmo os de danças, capoeira e ioga, nos Conselhos de Educação Física, não há que se falar em exercício ilegal de profissão.9. Principalmente porque à luz do que dispõe o art. 3º da Lei n. 9.696/1998, mesmo as atribuições das áreas de atividades físicas e do desporto, não são privativas dos profissionais de educação física.10. Apelação provida. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, Ap – APELAÇÃO CÍVEL – 362087 – 0002706-42.2015.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 21/06/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/06/2017)”.
O colendo Superior Tribunal de Justiça, então, em mudança de paradigma que impactou toda a jurisprudência pátria, entendeu que tais restrições somente se aplicariam às hipóteses em que a legislação de regência atribua de forma expressa o exercício de determinadas atividades aos profissionais de educação física.
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. CONSELHOS PROFISSIONAIS. EDUCAÇÃO FÍSICA. TÉCNICO DE TÊNIS DE MESA. INSCRIÇÃO NO CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 2º E 3º DA LEI N. 9.696/1998. 1. Em relação à letra dos dispositivos legais apontados como violados (arts. 2º e 3º da Lei n. 9.696/98 ), não há comando normativo que obrigue a inscrição de técnico de tênis de mesa nos Conselhos de Educação Física, porquanto, à luz do que dispõe o art. 3º da Lei n. 9.696/1998, essas atividades não são próprias dos profissionais de educação física (AgRg no REsp 1.513.396/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 4/8/2015). 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AGRESP 2015/0231775-3/ STJ – SEGUNDA TURMA / DES. FED. CONV. DIVA MALERBI / DJe DATA: 28/06/2016)”.
“ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. PROFISSIONAL DE DANÇA. REGISTRO. ARTS. 2º E 3º DA LEI Nº 9.696/98. AUSENTE COMANDO NORMATIVO QUE OBRIGUE A INSCRIÇÃO DOS PROFESSORES E MESTRES DE DANÇAS, IOGA E ARTES MARCIAIS NOS CONSELHOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA. SÚMULA 83/STJ. 1. Não ocorre ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 quando a Corte de origem decide a controvérsia de forma clara e fundamentada, ainda que contrariamente ao interesse da parte, sendo desnecessária a manifestação sobre todos os argumentos suscitados pelo recorrente. 2. Não é possível extrair dos arts. 2º e 3º da lei nº 9.696/98 comando normativo que obrigue a inscrição dos professores e mestres de danças, ioga e artes marciais nos Conselhos de Educação Física. Desse modo, estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência desta Corte, incide o óbice da Súmula 83/STJ. 3. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, no sentido de que a função de um instrutor de Zumba está associada à dança e não à atividade física propriamente dita, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1158811/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 19/04/2018)”.
Concluiu-se que cabe aos profissionais de educação física o desempenho de atividades relacionadas ao condicionamento físico.
Ocorre que diversas atividades aparentemente incluídas no rol das atividades exclusivas dos profissionais de educação física, como dança, artes marciais e zumba, se referem à expressão corporal, manifestando-se como iniciativas de cunho artístico e cultural que envolvem o corpo humano e o esforço físico, tendo como objetivo o aperfeiçoamento do equilíbrio, o desenvolvimento do ser humano e a beleza.
Definiu-se, então, que as atividades de educação física somente caberiam de forma exclusiva aos profissionais de educação física quando envolvessem a educação do corpo como atividade fim, sem que se busque qualquer outro objetivo, ao contrário de outras tantas modalidades e formas de exercício físico, como a dança, que se revela também como manifestação artística e/ou cultural, a ioga, que pode ser encarada como uma filosofia de vida (assim como o Budismo), com a capoeira, herança cultural dos povos afro-brasileiros, e com as artes marciais, que exprimem tradição cultural e técnicas de defesa pessoal, por exemplo.
Percebeu-se, com muito bom senso, diga-se de passagem, que se a execução e/ou coordenação e ensino de todas as atividades relacionadas à dança, às artes marciais, às atividades físicas e ao lazer fossem atribuídas de forma exclusiva aos profissionais de educação física, absolutamente nenhuma atividade humana lhes escaparia, atribuindo-se aos Conselhos de Educação Física a prerrogativa de fiscalizar toda e qualquer atividade ou interação humana.
Conclusão
Chegamos, por fim, ao deslinde da questão posta no início deste trabalho, concluindo que a livre iniciativa e a liberdade de exercício de trabalho, profissão ou ofício foram alçados à condição de princípios e garantias constitucionais, atrelados como estão aos objetivos fundamentais de nossa República, tidos como pilares na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que busque garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, bem como promover o bem de todos, já que são, em verdade, motores de estímulo ao desenvolvimento econômico.
Percebeu-se que é possível a imposição de restrições para o livre exercício de uma determinada atividade econômica, desde que expressamente prevista em lei e em consonância com os princípios constitucionais e com os objetivos e fundamentos de nossa República.
Impõe-se, entretanto, que se dê integral cumprimento aos comandos constitucionais, atentando para a vontade do legislador constituinte, preservando não só as prerrogativas dos profissionais de educação física e as atribuições dos Conselhos Regionais de Educação Física, mas, também, os interesses dos profissionais que, mediante habilitação própria, exercem ou coordenam atividades em ambientes escolares ou academias de ginástica voltadas ao aperfeiçoamento do corpo, tendo como objetivo principal não o culto ao corpo ou o seu desenvolvimento muscular puro e simples, mas o desenvolvimento de atividades corporais de cunho artístico e cultural, que tenham como fim o aperfeiçoamento do equilíbrio, o desenvolvimento espiritual e emocional, e a beleza dessas manifestações.
Assim, se a lei não incluiu no rol dos profissionais que devem submeter-se à inscrição perante os Conselhos Regionais de Educação Física os profissionais que ministram ou coordenam atividades de dança, ioga, artes marciais, capoeira, pilates, tênis e outras ligadas às expressões corporais e rítmicas, como assentado pela jurisprudência dos Tribunais brasileiros, guiados pelo entendimento do STJ, estas atividades, executadas em qualquer que seja o local, não podem ser compelidas à submissão ao regime estatuído pelo Conselho Federal de Educação Física (CONFEF).
Diante de todo o exposto, restou claro e indiscutível que não estão sujeitos à fiscalização dos Conselhos de Educação Física, e portanto prescindem de inscrição junto a esses conselhos, os profissionais de danças, artes marciais, pilates, yôga, tênis e outras modalidades artísticas e culturais, seus instrutores e professores, ainda que suas atividades sejam realizadas em academias ou escolas.
Referências
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Legislação Consultada
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CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. Resolução nº 046, de 18 de fevereiro de 2002. Disponível em https://www.confef.org.br/confef/resolucoes/82.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002. Disponível em http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_02.pdf.
______. Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res2_2.pdf.
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