Resumo: Trata-se de se analisar o problema da incidência de IRPJ e CSLL aos rendimentos e ganhos auferidos nas aplicações de recursos das provisões, reservas técnicas e fundos das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC´s), a partir do questionamento acerca da impossibilidade de tais entidades realizarem o fato gerador dos referidos tributos, uma vez que a LC 109/2001, ao estabelecer o tratamento normativo dispensado a essas entidades, determinada que sejam constituídas sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos.
Palavras-chaves: Fundos de Pensão Fechados. Superávit. Lucro. Fato gerador. IRPJ. CSLL.
Sumário: 1. Introdução. 2. Características das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Fundos de Pensão). 3 Da Impossibilidade da Realização do Fato Gerador do IRPJ e CSLL pelos Fundos de Pensão. 4. Da Inconstitucionalidade da Tributação Exclusiva na Fonte. 5. Conclusão.
1. Introdução
Em 2001, o STF, através do julgamento do RE 202.700/DF, consolidou entendimento de que as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Fundos de Pensão) não estariam abrangidas pela imunidade tributária, prevista nos artigos 150, VI, “c”, e 195, § 7º, da CRFB/88.
Em outra frente, a Associação Brasileira das Entidades Fechadas da Previdência (ABRAPP) há muito vem tentando demonstrar aos Tribunais pátrios sobre a impossibilidade da incidência de IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) sobre eventuais superávits realizados pelas suas filiadas, tendo em vista a proibição legal de que tais entidades obtenham lucros.
A questão posta para análise possui implicações práticas relevantes, dentre elas: é lícito a atuação dos Tribunais no sentido de ampliar o conceito constitucional de renda e proventos de qualquer natureza, com fito de atingir os ganhos dos fundos de pensão fechados?
Sobre o entendimento prevalecente dos pretórios pátrios acerca do tema serão tecidas algumas considerações, sob o prisma da impossibilidade de equiparação entre o lucro das pessoas jurídicas com fins lucrativos e o superávit realizado pelos fundos de pensão fechados, se valendo, para tanto, dos conceitos de renda, proventos de qualquer natureza e disponibilidade econômica, estes elementos básicos para se definir o fato gerador do IRPJ e da CSLL.
2. Características das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Fundos de Pensão)
As entidades fechadas de previdência complementar (EFPC´s) – comumente chamadas de fundos de pensão – são organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos e são acessíveis, exclusivamente, aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas ou aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores ou aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas instituidores[1].
Diferentemente do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) de natureza institucional e de filiação obrigatória (artigo 201, caput, da CRFB/88), o regime de previdência privada tem como marcas indeléveis o caráter facultativo e contratual da relação entre a entidade e seus participantes.
A despeito da relação de complementariedade com o RGPS, as EFPC´s sustentam um caráter autônomo e independente daqueloutro regime previdenciário, de forma que o ingresso ao regime privado/complementar independe de filiação ao regime geral.
Os atributos acima delineados encontram fundamento constitucional, nos seguintes termos:
“Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.”
O legislador ordinário, em cumprimento ao comando constitucional, editou a LC 109/2001, que passou a regulamentar o regime de previdência complementar. Ademais, tais entidades devem seguir as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, por meio da Resolução 3.121, de 25 de setembro de 2003, no que tange à aplicação dos recursos dos planos de benefícios.
A Lei Complementar 109 categoricamente estabelece que “as entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos” (Art. 31, § 1º). Ou seja, os fundos de pensão por serem obrigatoriamente organizados sob a forma de fundação ou associação – esta última que, com o advento do Código Civil de 2002, veio a substituir as sociedades civis sem fins lucrativos – ostentam, indubitavelmente, caráter não empresarial.
Para que fique indene de dúvidas, para ser de natureza empresarial, a atividade, além de contínua, deve exsurgir como econômica organizada para a produção e a circulação de bens e serviços, tendo essencialmente por fulcro a obtenção de lucro. Inobstante o fato de o lucro ser o súpero fundamento da atividade empresarial, ele não é um elemento essencial, porquanto há a possibilidade de uma empresa registrar prejuízo fiscal, sem perder a qualidade própria de empresa.
3. Da Impossibilidade da Realização do Fato Gerador do IRPJ e CSLL pelos Fundos de Pensão
Uma questão que foi muito discutida em sede doutrinária e pretoriana foi a possibilidade de os fundos de pensão estarem ou não acobertados pela imunidade prevista nos artigos 150, VI, “c”, e 195, § 7º[2], da Constituição de 1988. Entretanto, tal discussão foi ilidida, a partir do julgamento do RE 202.700/DF pelo STF, que afastou a natureza assistencial dos fundos de pensão, pelo fato de haver contrapartida financeira dos beneficiários.
Referido entendimento, encontra-se consolidado por aquela Corte Constitucional, nos termos da súmula 730 que dispõe:
“A imunidade tributária conferida a instituições de assistência social sem fins lucrativos pelo art. 150, VI, c, da Constituição, somente alcança as entidades fechadas de previdência social privada se não houver contribuição dos beneficiários.”
Não obstante, o posicionamento do pretório excelso sobre o tema, exsurge uma problemática, advinda da própria natureza jurídica dos fundos de pensão fechados, no que tange à possibilidade de realização do fato gerador do IRPJ e da CSLL, tendo em vista que tais fundos são legalmente proibidos de buscar a obtenção de lucro.
Quanto a CSLL, a legislação de regência (Lei nº 7.689/88), em seu artigo 2º, § 1º, “c”[3], prevê como fato gerador da referida exação o lucro real, apurado com observância da legislação comercial, fato este que não se aplica aos fundos fechados de previdência, constituídos sob a forma de fundações ou associações, conforme o comando expresso da LC nº 109/2001. Já quanto ao IRPJ, que tem por fundamento o artigo 153, III, da Constituição, e os artigos 43 e ss. do Código Tributário Nacional (CTN), o conceito de renda é concebido como sinônimo de lucro, tendo como base de cálculo “o lucro real, presumido ou arbitrado, correspondente ao período de apuração”, conforme se extrai do Regulamento do Imposto sobre a Renda – RIR/1999 –, consubstanciado pelo Decreto n. 3.000/1999[4].
Para afastar possíveis equívocos semânticos, é necessário fazer uma breve digressão acerca dos conceitos de renda e proventos de qualquer natureza, bem como da inarredável necessidade de conjunção com a expressão “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica”.
Primeiramente, há que se frisar, que nem todo ingresso acresce. Segundo Roque Antônio Carrazza[5]:
“(…) nem todo o dinheiro que ingressa no universo da disponibilidade financeira do contribuinte integra a base de cálculo do IR, mas única e exclusivamente os aportes de recursos que vão engrossar, com uma conotação de permanência, o patrimônio de que os recebe…”
Para Kiyoshi Harada, a discussão acerca do que seja renda foi aniquilada com o advento do Código Tributário Nacional, porém a controvérsia se cinge, preponderantemente, sobre a expressão “disponibilidade econômica ou jurídica”. Segundo o autor[6] a “disponibilidade econômica seria a percepção da renda em dinheiro, ao passo que, a jurídica, seria o nascimento do direito à percepção da renda”.
Muito didática é a lição de Hugo de Brito Machado[7] sobre o tema, vejamos:
“É que a expressão ‘renda e proventos de qualquer natureza’ quer dizer acréscimo patrimonial, vale dizer, aquilo que em regra pode ser poupado. Referindo-se o Código Tributário Nacional à aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica, quer dizer que a renda ou os proventos podem ser os que foram pagos ou simplesmente creditados. A disponibilidade econômica decorre do recebimento do valor que se vem acrescentar ao patrimônio do contribuinte. Já, a disponibilidade jurídica decorre do simples crédito desse valor, do qual o contribuinte passa juridicamente a dispor, embora este não lhe esteja ainda nas mãos.”
Portanto, para que seja realizado o fato gerador do IRPJ não basta que o contribuinte aufira renda ou proventos. É necessário que se adquira a disponibilidade econômica ou jurídica da renda, ou dos proventos de qualquer natureza. Ademais, a disponibilidade da renda não se presume e não se configura pela possibilidade de ação para sua cobrança, pois esta “pressupõe a ausência de obstáculos jurídicos a serem removidos”[8].
Nesse sentido aponta Paulo Paulsen[9], in verbis:
“Sendo fato gerador do imposto a ‘aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza”, não alcança a ‘mera expectativa de ganho futuro ou em potencial’. Tampouco configura aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos a simples posse de numerário alheio.”
O Ministro Marco Aurélio, por ocasião do julgamento, pelo STF, da ADI 2.588-1/DF, em excerto de voto-vista, assim dispôs:
“A disponibilidade, tão comum ao conceito de renda, tem sentido vernacular e técnico todo próprio. O fato gerador do imposto sobre a renda, sob pena de não se poder assentar esta última, é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica, fenômeno sempre concreto e que não pode, à mercê da ficção jurídica extravagante, insuplantável, ser deturpada, a ponto de se dizer que, onde não há disponibilidade econômica ou jurídica, entenda-se já acontecido o fenômeno…”
Portanto, a disponibilidade econômica ou jurídica é condição sine qua non para que se realize o fato gerador do imposto de renda. Ou seja, é de se dizer que a incidência do imposto de renda sobre o acréscimo patrimonial está condicionada a disposição física do numerário pelo seu titular (disponibilidade econômica), ou ainda quando o acréscimo patrimonial que configura a renda, sem estar fisicamente disponível, encontra-se apto para ser recebido em vista da posse de um título jurídico (disponibilidade jurídica).
Voltando a questão central sobre a possibilidade ou não de os fundos de pensão fechados realizarem o fato gerador do IRPJ e da CSLL, primeiramente, recalcitra-se na ideia de que, para as pessoas jurídicas, o conceito de lucro se concebe como sinônimo de renda, para fins de base de cálculo das exações sob análise. Ou seja, diferentemente das pessoas físicas que são tributadas pelo total dos rendimentos do trabalho, do capital ou da combinação de ambos, admitidas deduções de algumas despesas dentro dos limites estabelecidos na legislação de regência, as pessoas jurídicas tem a incidência do imposto sobre o lucro, que segundo os ensinamentos de Mary Elbe Queiroz [10] consiste no:
“(…) resultado positivo da pessoa jurídica, obtido após a dedução das receitas, de todos os custos, gastos e despesas necessários à manutenção da fonte produtora e à produção e à produção dos rendimentos, depois de compensados os prejuízos havidos na exploração da atividade.”
As pessoas jurídicas de Direito privado são classificáveis, essencialmente, em dois tipos: pessoas jurídicas de caráter corporativo (corporações, associações e sociedades) e pessoas jurídicas de caráter fundacional (fundações). Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello[11], “enquanto as primeiras tomam como substrato uma associação de pessoas, o substrato das segundas é, como habitualmente se diz, um patrimônio personalizado, ou, como mais corretamente dever-se-ia dizer, ‘a personificação de uma finalidade’”. A despeito de as associações, segundo o magistério do ilustre administrativista, estarem inseridas no substrato corporativo, as mesmas estão impedidas, tanto quanto as fundações, de obter lucros ou dividir os resultados, conforme disposição do artigo 53 e ss. do Código Civil de Miguel Realle.
Hodiernamente, as associações e fundações cumprem um papel de grande relevância econômica e social no cenário brasileiro, pois tais entidades, não raro, movimentam substanciosos recursos na sublime missão de auxiliar o Estado na consecução dos seus objetivos, notadamente aqueles de ordem social, religiosa, moral, cultural e assistencial[12]. Porém, não estão impedidas de obter superávits financeiros, no desenvolvimento de suas atividades, residindo, neste ponto, o principal imbróglio acerca do tema.
Sobre a possibilidade de as entidades sem fins lucrativos realizarem superávits, a lei 9.532/97, em seu artigo 12, § 3°[13], é bem clara ao dispor:
“Art. 12. Para efeito do disposto no art. 150, inciso VI, alínea "c", da Constituição, considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos.(…)
§ 3° Considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.” (destacamos)
Portanto, bem clara a possibilidade de as pessoas jurídicas em causa perceberem eventuais superávits, que necessariamente deverão ser destinados necessariamente à manutenção e ao desenvolvimento de seus objetos sociais, ou, até mesmo, para reduzir equitativamente as contribuições de seus beneficiários.
Muita discussão se deu em torno da introdução, pela LC 104, dos §§ 1º e 2º ao artigo 43 do CTN, pois sob uma análise açodada parecia que o legislador infraconstitucional houvesse alargado o espectro de incidência do imposto de renda, com a expressão “receita ou rendimento”, tendo em vista que o termo “receita” não comporta deduções de qualquer sorte, sendo apenas considerado em sua acepção as entradas. Sobre o tema, discorreu Roque Antônio Carrazza[14]:
“Os §§ 1º e 2º do art. 43, referem-se a “receita” ou rendimento. Receita, contudo, é palavra com sentido bem mais largo que o de renda ou proventos, enfim, que o de acréscimo, eis que receita é qualquer quantia recebida. […] De qualquer modo, não se pode perder de vista que a definição de fato gerador está condicionada pela base econômica dada à tributação pelo art. 153, III, da CF, que se refere a “rendas ou proventos de qualquer natureza”, e não a receitas. Não se pode, pois, dar a dispositivo infraconstitucional sentido que desborde da norma de competência, sob pena de inconstitucionalidade. Nunca é demais lembrar, a par disso, que o legislador infraconstitucional não pode alterar os conceitos utilizados pelas normas constitucionais que outorgam competências.”
Portanto, os dispositivos inseridos no CTN pela LC 104 demandam uma interpretação em conjunto com o caput, que indica peremptoriamente que o critério material para se aferir o fato gerador do imposto é necessariamente um acréscimo patrimonial, e, sobretudo, com o preceito constitucional, que não cogita da incidência do imposto sobre a receita.
Em sede pretoriana, costuma-se amalgamar os conceitos de lucro e superávits, em flagrante e ilegal desconsideração do conceito jurídico de lucro, fato este expressamente repugnado pela ordem tributária brasileira, uma vez que, a teor do artigo 110 do CTN, “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo, e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado”, nem, tampouco, assiste razão ao aplicador do direito que pretenda estender deliberadamente o fato gerador de determinada exação.
Veja-se, como exemplo, o entendimento da 1ª turma do TRF da 4ª Região, ao julgar a AC nº 5007162-07.2013.404.7000, sob a relatoria do desembargador Joel Ilan Paciornik:
“TRIBUTÁRIO. AC. ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. IMUNIDADE. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. BITRIBUTAÇÃO. PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA PROGRESSIVIDADE.
1. O patrimônio das entidades fechadas de previdência privada compõe-se de valores provenientes das contribuições de seus participantes, de dotações da própria entidade e de aporte do patrocinador, enfim, mesmo que não possuam fins lucrativos, é cabível a incidência do imposto de renda e da contribuição sobre o lucro, pois na sua atividade captam e administram os recursos destinados ao pagamento de benefícios de seus associados. Também, não gozam da imunidade prevista no art. 150, VI, "c" da CRFB, já que não se confundem com as entidades de assistência social, destinadas a auxiliar pessoas carentes, independentemente de estarem ou não no mercado de trabalho e da contribuição correspondente.”
Importante ressaltar que, sob o prisma comercial, renda e lucro são distribuíveis aos investidores ou sócios. Note-se que, para Bulhões Pedreira[15], lucro, em sentido econômico, é “espécie de renda repartida ou distribuída. […] Lucro é a parcela de renda repartida que excede da remuneração do trabalho, dos recursos naturais e do capital”. Não se confunde com os eventuais superávits alcançados pelos fundos de pensão, não distribuíveis por expressa previsão legal.
Gilberto Ulhôa Canto[16] dispõe que:
“Não basta, apenas, que seja adquirido o direito de auferir o rendimento (ou a sua titularidade). É necessário que a aquisição desse direito assuma a forma de faculdade de adquirir disponibilidade econômica, mediante a tomada de iniciativa ou a prática de ato, que estejam no âmbito do arbítrio do interessado, a qualquer momento: em outras palavras, a disponibilidade jurídica não ocorre com o aperfeiçoamento do direito à percepção do rendimento, sendo, mais do que isso, configurada somente quando o seu recebimento em moeda ou quase moeda dependa somente do contribuinte.” (destacamos)
De fato, há a possibilidade de os fundos de pensão perceberem, em determinado período, ganhos que acresçam ao seu patrimônio. Contudo, tais ganhos, na seara contábil, não equivalem ao lucro, estes passíveis de distribuição entre investidores e sócios. Ao contrário, o superávit dos fundos de pensão são legalmente impedidos de ser distribuídos, portanto independem da vontade do seu titular para ser recebido.
Inobstante o posicionamento dos tribunais pátrios, demonstrado através de trecho da ementa do acórdão acima transcrito, os superávits não podem ter outras destinações senão as fixadas em lei, dentre as quais não se inclui a distribuição entre seus investidores[17]. Perscrutando as consequências disso, tem-se, portanto, que os fundos de pensão não podem realizar o fato gerador da CSLL e do IRPJ.
1. Da Inconstitucionalidade da Tributação Exclusiva na Fonte.
Quanto ao IRPJ, é inconstitucional inclusive a tributação exclusiva na fonte. A pretensão fiscal de fazer incidir o IR-fonte, debruça-se sobre a afirmação de que o fato gerador do imposto não é apenas o lucro e, sim, qualquer acréscimo patrimonial legalmente previsto. Para tanto, se fundamenta notadamente nos seguintes dispositivos[18]:
“Lei 7.789/89
Art. 47. O rendimento real produzido por quaisquer aplicações financeiras de renda fixa, auferido por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, fica sujeito à incidência do imposto de renda na fonte às seguintes alíquotas de acordo com a condição do beneficiário e o prazo da operação. (destacamos)
Lei 8.383/91
Art. 20. O rendimento produzido por aplicação financeira de renda fixa iniciada a partir de 1° de janeiro de 1992, auferido por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, sujeita-se à incidência do imposto sobre a renda na fonte às alíquotas seguintes (…).(destacamos)
Lei 8.541/92
Art. 36. Os rendimentos auferidos pelas pessoas jurídicas, inclusive isentas, em aplicações financeiras de renda fixa iniciadas a partir de 1° de janeiro de 1993 serão tributadas, exclusivamente na fonte, na forma da legislação vigente, com as alterações introduzidas por esta lei. (destacamos)
Lei 8.981/95
Art. 65. O rendimento produzido por aplicação financeira de renda fixa, auferido por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, a partir de 1º de janeiro de 1995, sujeita-se à incidência do Imposto de Renda na fonte à alíquota de dez por cento.
Art. 72. Os ganhos líquidos auferidos, a partir de 1º de janeiro de 1995, por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, em operações realizadas nas bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, serão tributados pelo Imposto de Renda na forma da Legislação vigente, com as alterações introduzidas por esta lei.
Art. 73. O rendimento auferido no resgate de quota de fundo de ações, de commodities, de investimento no exterior, clube de investimento e outros fundos da espécie, por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, sujeita-se à incidência do Imposto de Renda na fonte à alíquota de dez por cento. (destacamos)
Lei 9.532/97
Art. 28. A partir de 1º de janeiro de 1998, a incidência do imposto de renda sobre os rendimentos auferidos por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica imune[19] ou isenta, nas aplicações em fundos de investimento, constituídos sob qualquer forma, ocorrerá (…)” (destacamos)
A incidência de IRPJ sobre os rendimentos oriundos de aplicações financeiras de renda fixa ou variável, na forma como dispõem as leis supratranscritas, não se aplicam aos fundos de pensão, pois essa forma de recolhimento visa tão somente a antecipação do imposto que se presume que seja devido ao final do ano-base, fato este que não alcança as pessoas jurídicas que, “sendo proibidas de obter lucros, situam-se fora do campo de competência impositiva da União Federal”[20]. Posto isso, é de se afirmar que não há o que se antecipar, por ser a pessoa em comento, repita-se, impedida de obter lucro.
É de solar clareza que tais dispositivos legais não alcançam os fundos de pensão, uma vez que as referidas pessoas jurídicas não são isentas nem tampouco imunes – fato este já rechaçado pelo STF – à incidência de IRPJ. Tecnicamente, o que ocorre é que os ganhos auferidos por tais entidades estão além da competência delimitada pela Constituição, em seu artigo 153, III.
Pende de julgamento final, no Supremo Tribunal Federal, o Recurso Extraordinário nº 612.686, de relatoria do Ministro Luiz Fux, que analisará as postulações da Associação Brasileira das Entidades Fechadas da Previdência – ABRAPP, que há anos vem defendendo o entendimento aqui sustentado. Trata-se de um julgamento paradigmático, onde será possível aferir o que os Ministros daquela Corte Constitucional entendem dos conceitos de renda, proventos de qualquer natureza e de disponibilidade econômica.
3. Conclusão
A despeito da miríade de entendimentos acerca dos conceitos de renda, proventos de qualquer natureza e da necessária conjunção desses dois conceitos à disponibilidade econômica para que haja a incidência do imposto de renda, na forma como concebido no artigo 153, III, da CRFB/88, dados pela doutrina ao longo dos anos, hodiernamente há um consenso entre a melhor doutrina em torno de tais conceitos. O problema é que em sede pretoriana muitas vezes são eles aplicados de forma equivocada.
Nota-se uma clara inclinação dos Tribunais pátrios e das autoridades administrativas em estender o conceito de lucro para atingir os resultados superavitários dos fundos de pensão. Resta claro, porém, que os termos lucros e superávits guardam distinções relevantes, mormente no que se refere à disponibilidade. O resultado positivo, sobre o qual a pessoa jurídica não possui disponibilidade, em razão de ter a sua finalidade vinculada a um comando legal, é superávit. Já o resultado positivo sobre o qual haja disponibilidade, mesmo que jurídica, é lucro.
Para sanar a insegurança jurídica decorrente do emaranhado de vozes proferido pelos órgãos jurisdicionais e pelas autoridades administrativas, é necessário que o STF ao se posicionar sobre o tema o faça de maneira a dirimir todas as controvérsias semânticas que giram em torno dos conceitos aqui expendidos.
Bacharel em Direito pela Faculdade Farias Brito/CE pós-graduando em MBA Direito Tributário pela FGV Fundação Getúlio Vargas advogado e consultor na área tributária com atuação relevante no contencioso administrativo fiscal em mbito estadual e federal. Associado à SM Consultoria
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