A imprescritibilidade dos créditos trabalhistas na vigência do contrato de trabalho

Resumo: Busca-se neste trabalho discutir os aspectos que podem motivar à não incidência da prescrição quinquenal trabalhista relativa aos créditos trabalhistas enquanto perdurar o contrato de trabalho, visando resguardar os direitos do operário e promover sua segurança jurídica perante o empregador, que é a parte mais forte da relação empregatícia.


Palavras chave: prescrição – créditos trabalhistas – empregado 


Sumário: 1. Introdução; 2. Da imprescritibilidade dos créditos trabalhistas; 3. A Convenção N. 158 da OIT. 4. O exemplo italiano 5. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO


A prescrição é a perda da exigibilidade do direito, em razão da falta do seu exercício dentro de um determinado período de tempo. No que tange aos créditos trabalhistas, não se pode alegar inércia por parte do trabalhador caso não forem pleiteados no curso do contrato de trabalho, porquanto que comumente, o trabalhador não questiona a respeito de horas extras e demais verbas trabalhistas devido ao temor de sua demissão, que chega a ser maior que a necessidade do recebimento de tais verbas.


O temor da dispensa impulsiona ou pode impulsionar ao caminho da renúncia dos direitos do operário, de forma que, quando é feita nesta ocasião, não pode ser considerada como inércia, ou como livre expressão da vontade, razão pela qual se defende a imprescritibilidade das verbas trabalhistas enquanto perdurar o contrato de trabalho.


2. DA IMPRESCRITIBILIDADE DOS CRÉDITOS TRABALHISTAS


Certas vezes (para não se dizer na maioria das vezes), quando a relação de trabalho chega ao fim, geralmente por vontade unilateral do empregador, o operário depara-se com o desespero do desemprego, recorrendo à Justiça Trabalhista para pleitear as verbas trabalhistas que não lhe foram pagas.


Geralmente, o trabalhador não questiona a respeito de horas extras e demais verbas trabalhistas no curso de seu contrato de trabalho, pois o temor de ser demitido chega a ser maior que a necessidade do recebimento de tais verbas.


Em entrevista para a revista eletrônica Jus Vigilantibus (2003), o ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Vantuil Abdala, afirmou que a redução de aproximadamente 25% no volume de ações trabalhistas ajuizadas no País registrada nos últimos anos deve-se à ameaça de desemprego.


Nas palavras do ex-presidente do TST:


“Ainda não temos uma avaliação concreta do porquê desse decréscimo, mas, com certeza, sabemos que a ameaça de desemprego faz com que o trabalhador não reivindique os seus direitos. O medo de perder o emprego faz com que ele aceite o desrespeito a seus direitos e leva até mesmo o empregado que já perdeu o emprego a não reclamar seus direitos por medo de passar a figurar nas listas negras feitas por empresas” (in JUS VIGILANTIBUS, 2003).


Para o empregado, o emprego é sua própria vida, é a fonte de subsistência dele e toda família, e aquele não pode correr riscos exigindo que a lei seja cumprida, deixando, assim, de recorrer à justiça enquanto perdurar seu labor.


Porém, diante do desemprego, como última e esperançosa opção, o operário recorre à Justiça trabalhista, visto que não tem mais nada a perder, intentando perceber as verbas resultantes de seu labor. Sendo aquele é parte economicamente mais fraca da relação de emprego, torna-se um demandante vulnerável perante seu empregador.


Às vezes, sob pena de nada receber, o empregado chega a aceitar qualquer pacto com a parte mais forte – o empregador, uma vez que tem pressa em receber, levando-o a aceitar baixos acordos, sendo que qualquer quantia em dinheiro lhe é bem vinda.


“A ‘negociação’, no caso, traduz menos consentimento do que assentimento. O trabalhador apenas se submete; dobra-se à força do vento. Nada ganha; apenas tenta perder menos. E é nesse ponto que entra em cena um novo paradoxo” (VIANA, 2008, p.167).


Esclarece Márcio Túlio Viana que não é só no plano do acordo e do dinheiro que a disparidade de forças entre patrão e empregado se faz presente:


“Ela está no advogado mais experiente do patrão, nos símbolos que o empregado não decodifica, na diferença entre as testemunhas de um e de outro e em muitos outros fatores – que acabam criando um verdadeiro rito paralelo, inteiramente desregulado, que permeia o rito oficial e pode acabar influindo na sentença do juiz” (VIANA, 2008, p. 165).


Não obstante, além do temor ao desemprego, o empregado encontra-se em situação complicada, pois o ajuizamento de qualquer reclamação trabalhista no curso do contrato de trabalho pode ser empecilho no futuro para a obtenção de novo emprego, como por exemplo as famosas “listas negras” de trabalhadores que já ajuizaram ações na Justiça Trabalhista contra seus ex-empregadores.


Essas listas negras são “formadas a partir de uma base de dados relativos a trabalhadores que tenham ajuizado reclamatória trabalhista contra ex-empregadores e que vem servindo como critério de seleção dos candidatos à vaga de emprego” (TONZAR; OLIVEIRA).


“A utilização de tais listas certamente tem o condão de impor uma distinção desfavorável àquele que tenha exercido o direito de ação contra um ex-empregador. Tem o efeito, injustificado, de alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de acesso ao emprego ou profissão e viola frontalmente direitos fundamentais do empregado, como o direito à privacidade, intimidade e direito de ação. É ainda um ato desprovido de qualquer razoabilidade, vez que as características constantes nas “listas negras” e utilizadas como parâmetro para seleção do candidato à vaga de emprego não estão relacionadas ao trabalho a ser desempenhado nem com a capacidade do trabalhador para exercer o cargo” (TONZAR; OLIVEIRA).


No que tange à prática destas listas discriminatórias, a jurisprudência assim se manifestou:


“LISTAGEM ELABORADA PELA EMPRESA COM DADOS PESSOAIS DO EX-EMPREGADO DIVULGAÇÃO – DANO MORAL INDEPENDENTE DE EVENTUAIS EFEITOS NA VIDA PROFISSIONAL DO TRABALHADOR.


A Corte Regional entendeu que há prejuízo à imagem, à intimidade e à dignidade do trabalhador cujos dados pessoais se encontram inseridos em um banco cadastral elaborado pela Reclamada, destinado a consulta por outras empresas em face de provável contratação, independentemente do resultado na vida funcional do mesmo. Assim, considerou de direito a indenização por dano moral. Diferentemente do que alegado pela Recorrente, não há no Acórdão Recorrido presunção de dano moral, mas simples afirmação da sua existência, diante do fato objetivo da inclusão do nome do autor em listagem que visava a consulta por outras empresas. A Corte concluiu que, independentemente do resultado sobre a vida funcional dos atingidos a divulgação de dados pessoais dos trabalhadores entre as empresas constituía per si o fator gerador de irrecusável prejuízo. Violação de lei não configurada (art. 5º, II, XIV, XXXIX e LVII da Constituição Federal). Nenhum dos julgados trazidos à colação contém entendimento acerca de idêntica questão (Súmulas 23 e 296/TST) (…). Agravo de Instrumento a que se nega provimento”. (g.n.) (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo: AIRR- nº 558/2003-091-09-40.3, Relator: Juiz Convocado José Ronald C. Soares, Órgão Julgador: 2ª Turma. Publicação: DJ data 23/03/07.) (grifou-se)


Assim, ao manter-se inerte em pleitear as verbas trabalhistas que lhe são de direito, o trabalhador padece com os mecanismos legais que declaram a extinção de seu direito, como o da prescrição, que faz com que perca seus direitos não pagos a partir de cinco anos da data do ajuizamento da ação, até o limite de dois anos após a extinção do seu contrato de trabalho, conforme art. 7º, XXIX da Constituição Federativa:


Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:


XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho”.


Assim, sob o temor da demissão, deixa de reivindicar seus direitos durante o contrato de trabalho, uma vez que não possui estabilidade empregatícia.


“No fundo, a prescrição disfarça uma negociação privada da norma de ordem pública. O empregado tem o direito “indisponível”, mas não o reclama, trocando-o pela permanência – ainda que precária – no emprego. É o negociado já prevalecendo sobre o legislado” (VIANA, 2008, p.167).


São vários os fundamento jurídicos defensores do instituto da prescrição. Autores a justificam como sendo a medida de ordem pública, visando proporcionar segurança às relações jurídicas. Alice Monteiro de Barros (2008, p. 1025) ensina que “trata-se de instituto criado com o objetivo de imprimir no campo obrigacional certeza e tranquilidade jurídica aos contratantes, visando, como medida de política jurídica, a paz social”.


Ainda a respeito dos prazos prescricionais, Fernanda Oliveira de Souza e Ricardo Ciriaco discorrem que “esses prazos visam, essencialmente, evitar a negligência relativa ao momento de se propor a ação e têm essencial relevância, uma vez que não pode a outra parte ficar eternamente vulnerável à possibilidade de ser demanda em juízo (SOUZA; CIRIACO, 2008).


Ora, como falar de tranquilidade jurídica e paz social quando o trabalhador, parte mais fraca da relação trabalhista, depara-se desempregado e sem as verbas que lhe são de direito? Tal realidade só faz aumentar ainda mais a desigualdade entre as partes.


Quando se fala em segurança jurídica, verifica-se que a lei favorece e estimula o mau empregador, pois este sabe que se não cumprir o disposto na lei, o máximo que irá pagar ao seu empregado-credor são os créditos relativos aos últimos cinco anos contados do ajuizamento da reclamação trabalhista, sendo que os demais créditos que não foram pagos ao empregado prescreverão.


É injustificável a afirmativa de que “não pode a parte – no caso o empregador – ficar eternamente vulnerável à possibilidade de ser demanda em juízo” (SOUZA; CIRIACO, 2008). 


O operário, sim, é parte vulnerável durante todo o período em que labora como empregado, que teme o risco de ser despojado de seu emprego se litigar por créditos que lhe são de direito, e não o empregador, este que tem o poder de direção e é a parte mais forte economicamente.


Utópico seria acreditar que o trabalhador estava em condições de igualdade em vista do empregador (SCANDOLIERI, 2003, p. 36). Deve-se tratar os desiguais de maneira desigual, na busca da igualdade substancial entre os sujeitos.


Não obstante, com o escopo de igualar dos desiguais, surgiu o princípio da proteção no Direito Trabalhista, a fim de dar tratamento isonômico às partes, tratando igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.


A proteção jurídica do trabalhador deve-se ao fato de este estar em patamar inferior ao empregador, devido à sua dependência econômica e sua subordinação às ordens de serviço.


De acordo com a lição de Fábio Fernandes Scandolieri (2003):


“Muitos entendem que essa desigualdade existente entre trabalhador e empregador ocorre em virtude: 1) da dependência econômica do empregado, uma vez que, em regra (e não sempre), o trabalhador depende economicamente daquele que lhe fornece o emprego, para que então possa receber seu salário, que por sua vez é essencial para sua subsistência; e 2) da subordinação, pois o empregado não tem autonomia de trabalho, ele estará sempre cumprindo ordens e obrigações. O empregado tem que se sujeitar aos mandamentos dos empregadores durante o trabalho. Situação essa, que não se verifica de forma inversa, ou seja, o patrão não se sujeita às ordens do empregado” (SCANDOLIERI, 2003, p. 37).


Deve-se, então, compensar a superioridade econômica do empregador em relação ao empregado, dando a este superioridade jurídica.


Indaga-se, ainda, se já que os créditos trabalhistas possuem natureza alimentar, por que não aplicar, então, a hipótese do Código Civil, em cujo artigo. 197, inciso II dispõe que a prescrição não corre entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar, já que a relação entre empregado e patrão é fonte de sobrevivência daquele e de toda sua família?


Art. 197. Não corre a prescrição: […]


II – entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;”


Sobre esta questão, discorre Márcio Túlio Viana:


“Não é por outro motivo que a prescrição não corre contra pessoas tolhidas em seu acesso à Justiça, ou seja, pessoas cuja inércia se justifica. Aliás, nas várias situações que impedem ou suspendem o curso do prazo, a lei presume – e às vezes explicita – a existência de um poder do devedor sobre o credor” (VIANA, 2008, p. 166).


Ora, diante de todo contexto, se no direito trabalhista o empregado é a parte vulnerável, hipossuficiente, verificamos algo totalmente inverso aos princípios trabalhistas, sendo o Direito concebido pela classe dominante a fim de controlar melhor os trabalhadores.


Utilizando dos ensinamentos do Desembargador José Liberato da Costa Póvoa, Mário Antonio Paiva discorre:


“Podemos dizer que a lei não foi feita para beneficiar o povão ou o trabalhador e guardar um equilíbrio social, pois inobstante seja ela aprovada por representante do povo, é na verdade, criada por uma elite que não está preocupada com seus representados, mas apenas com a manutenção dos privilégios da própria elite, pouco lhe importando a quantas anda o povo; ainda assim, as leis são fruto da vontade dos detentores do poder, criadas em função de seus próprios interesses. Desde Salomão, passando por Dracon e outros, o fardo da lei sempre foi mais pesado para os pobres e para os escravos. Marx já dizia que ‘O Direito é a vontade, feita lei, da classe dominante, através de seus próprios postulados ideológica’. Lá na antigüidade, Trasímaco dizia que ‘a Justiça, base do Estado e das ações do cidadão, consiste simplesmente no interesse do mais forte’” (PAIVA, 2003).


Não merece prosperar as regras de prescrição durante a relação de emprego, considerando o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), da valorização social do trabalho (art. 170, caput, CF) e da função social da propriedade (art. 170, III CF), e ainda, visa também evitar o locupletamento indevido e o enriquecimento sem causa dos empregadores.


3. A CONVENÇÃO N. 158 DA OIT


Fundada em 1919 com o objetivo de promover a justiça social, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) “entende que se faz necessário construir, mediante o esforço de todas as nações, uma ordem internacional com justiça social” (ARAÚJO, 2009).


“A OIT definiu que deveria promover programas capazes de assegurar, nos diversos países membros, a execução de objetivos fundamentais para as relações de trabalho. Entre outros, estariam os seguintes: pleno emprego; a melhoria dos padrões de vida da classe trabalhadora; a possibilidade dos indivíduos obterem ocupação correspondente aos seus conhecimentos, capaz de propiciar-lhes a plenitude de sua realização profissional; a formação profissional hábil a acompanhar as mudanças da produção” (MELLO, 2009).


A respeito desse organismo, leciona Roberta Dantas de Mello (2009) que “consagrou o princípio, desde o momento de sua criação, como o revelam as inúmeras Recomendações e Convenções Internacionais, de que a paz não é a mera ausência da guerra”, devendo ser sua missão compreendida como:


“(…) uma política social de cooperação e desenvolvimento social entre todos os sistemas jurídicos nacionais para a melhoria das condições de trabalho, mediante o implemento de normas protetivas sociais universais para os trabalhadores e o reconhecimento internacional dos Direitos Humanos do Trabalhador” (ALVARENGA, apud MELLO, 2009).


No que tange às funções da OIT, destaca-se o estabelecimento de normas internacionais trabalhistas, elaboradas no curso de suas conferências internacionais do trabalho, por meio de recomendações e convenções, sendo que estas “constituem-se em documentos obrigacionais, normativos e programáticos, aprovados por entidade internacional, a que aderem voluntariamente os seus membros” (DELGADO, apud MELLO, 2009).


A Convenção nº. 158 da Organização Internacional do Trabalho, que versa sobre o “Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador”, foi aprovada em 22 de junho de 1982, e entrou em vigor no plano internacional em 23 de novembro de 1985.


A Convenção nº. 158 da OIT cumpriu todos os trâmites de validade no Brasil:


“A Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional (art. 49, I da CF/88) em 17 de setembro de 1992 (Decreto Legislativo n. 68) e ratificada pelo Governo brasileiro em 4 de janeiro de 1995, para vigorar doze meses depois. Porém, a sua eficácia no território nacional ocorreu somente com a publicação oficial do respectivo texto no idioma português (promulgação do Decreto n. 1.855, em 10 de abril de 1996)” (SÜSSEKIND, apud MELLO, 2009).


Quanto ao seu objetivo, ensina Roberta Dantas de Mello:


“A Convenção n. 158 da OIT objetiva atenuar os efeitos do exercício do direito potestativo do poder empregatício, uma vez que não há na rescisão unilateral do contrato de trabalho uma repercussão isonômica desses efeitos para as partes envolvidas, ou seja, a demissão acarreta ao empregador um contratempo, enquanto a dispensa coloca o obreiro numa situação até de pobreza” (MELLO, 2009).


Afirma, ainda, que a Convenção n. 158, ao proteger a relação de emprego contra a dispensa injustificada:


“[…] busca efetivar o princípio fundamental internacional de que “o trabalho não é uma mercadoria”, uma vez que é por meio do labor que o homem encontra sentido pela vida, para seu desenvolvimento pessoal e moral, pois sem trabalho não há vida digna e saudável e, sem vida, não há falar no respeito à dignidade da pessoa humana” (ALVARENGA, apud MELLO, 2009).


Frisa-se que a Constituição Federal de 1988 e a Convenção nº. 158 da OIT são totalmente compatíveis, haja vista que as duas apontam no mesmo sentido ao estabelecer a valorização do trabalho, os valores sociais do trabalho, primando pelo pleno emprego e pela função social da propriedade como pressupostos de existência digna a todos, visando o bem-estar e a justiça social.


Imperioso mencionar o art. 4º da presente Convenção, em que dispõe:


“Art. 4º – Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”


Pela leitura desse diploma convencional, em específico do seu artigo 4º, bem como da Carta Constitucional, em destaque o artigo 7º, I, constata-se que ambos cuidam da proteção da relação de emprego contra a dispensa imotivada.


Ainda, convém mencionar o artigo 5º do mesmo diploma, em que aduz:


Art. 5º – Entre os motivos que não constituirão causa justificada para o término da relação de trabalho constam os seguintes: […]


c) apresentar uma queixa ou participar de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes;”


O citado artigo condiz justamente com o tema do presente trabalho, uma vez que, como já demonstrado, uma das causas da dispensa arbitrária deve-se ao fato de o empregado entrar com reclamação trabalhista a fim de receber suas devidas verbas trabalhistas não pagas pelo empregador durante a relação de emprego.


Assim, o artigo 10 estabelece:


“Art. 10 – Se os organismos mencionados no artigo 8 da presente Convenção chegarem à conclusão de que o término da relação de trabalho é justificado e se, em virtude da legislação e prática nacionais, esses organismos não estiverem habilitados ou não considerarem possível, devido às circunstâncias, anular o término e, eventualmente, ordenar ou propor a readmissão do trabalhador, terão a faculdade de ordenar o pagamento de uma indenização adequada ou outra reparação que for considerada apropriada.”


Entretanto, o Governo brasileiro denunciou a Convenção n. 158 da OIT no mesmo ano em que foi ratificada, 1996, tendo o STF concedido liminar da ADIN 1480-3DF, suspendendo os efeitos da Convenção.


DI 1480 MC / DF – DISTRITO FEDERAL


MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO


Julgamento:  04/09/1997 


Ementa:  AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CONVENÇÃO Nº 158/OIT – PROTEÇÃO DO TRABALHADOR CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA – ARGÜIÇÃO DE ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DOS ATOS QUE INCORPORARAM ESSA CONVENÇÃO INTERNACIONAL AO DIREITO POSITIVO INTERNO DO BRASIL (DECRETO LEGISLATIVO Nº 68/92 E DECRETO Nº 1.855/96) – POSSIBILIDADE DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – ALEGADA TRANSGRESSÃO AO ART. 7º, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E AO ART. 10, I DO ADCT/88 – REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DA PROTEÇÃO CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA, POSTA SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR – CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE TRATADO OU CONVENÇÃO INTERNACIONAL ATUAR COMO SUCEDÂNEO DA LEI COMPLEMENTAR EXIGIDA PELA CONSTITUIÇÃO (CF, ART. 7º, I) – CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA DE INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA COMO EXPRESSÃO DA REAÇÃO ESTATAL À DEMISSÃO ARBITRÁRIA DO TRABALHADOR (CF, ART. 7º, I, C/C O ART. 10, I DO ADCT/88) – CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, CUJA APLICABILIDADE DEPENDE DA AÇÃO NORMATIVA DO LEGISLADOR INTERNO DE CADA PAÍS – POSSIBILIDADE DE ADEQUAÇÃO DAS DIRETRIZES CONSTANTES DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT ÀS EXIGÊNCIAS FORMAIS E MATERIAIS DO ESTATUTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO – PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR DEFERIDO, EM PARTE, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. – É na Constituição da República – e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas – que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais – superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado – conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. – No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política. O exercício do treaty-making power, pelo Estado brasileiro – não obstante o polêmico art. 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional) -, está sujeito à necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS INTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO. – O Poder Judiciário – fundado na supremacia da Constituição da República – dispõe de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno. Doutrina e Jurisprudência. PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO. – Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico (“lex posterior derogat priori”) ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes. TRATADO INTERNACIONAL E RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR. – O primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no direito positivo nacional, o problema da concorrência entre tratados internacionais e a Lei Fundamental da República, cuja suprema autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos de direito internacional público. Os tratados internacionais celebrados pelo Brasil – ou aos quais o Brasil venha a aderir – não podem, em conseqüência, versar matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar. É que, em tal situação, a própria Carta Política subordina o tratamento legislativo de determinado tema ao exclusivo domínio normativo da lei complementar, que não pode ser substituída por qualquer outra espécie normativa infraconstitucional, inclusive pelos atos internacionais já incorporados ao direito positivo interno. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, DESDE QUE OBSERVADA A INTERPRETAÇÃO CONFORME FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. – A Convenção nº 158/OIT, além de depender de necessária e ulterior intermediação legislativa para efeito de sua integral aplicabilidade no plano doméstico, configurando, sob tal aspecto, mera proposta de legislação dirigida ao legislador interno, não consagrou, como única conseqüência derivada da ruptura abusiva ou arbitrária do contrato de trabalho, o dever de os Estados-Partes, como o Brasil, instituírem, em sua legislação nacional, apenas a garantia da reintegração no emprego. Pelo contrário, a Convenção nº 158/OIT expressamente permite a cada Estado-Parte (Artigo 10), que, em função de seu próprio ordenamento positivo interno, opte pela solução normativa que se revelar mais consentânea e compatível com a legislação e a prática nacionais, adotando, em conseqüência, sempre com estrita observância do estatuto fundamental de cada País (a Constituição brasileira, no caso), a fórmula da reintegração no emprego e/ou da indenização compensatória. Análise de cada um dos Artigos impugnados da Convenção nº 158/OIT (Artigos 4º a 10).


Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por votação  majoritária, deferiu, parcialmente, sem redução de texto, o pedido de medida cautelar, para, em interpretação conforme a Constituição e até final julgamento da ação direta, afastar qualquer exegese, que, divorciando-se dos fundamentos jurídicos do voto do Relator (Ministro Celso de Mello) e desconsiderando o caráter meramente programático das normas da Convenção nº 158 da OIT, venha e tê-las como auto-aplicáveis, desrespeitando, desse modo, as regras constitucionais e infra-constitucionais que especialmente disciplinam, no vigente sistema normativo brasileiro, a despedida arbitrária ou sem justa causa dos trabalhadores, vencidos os Ministros Carlos Velloso, Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, que o indeferiam, nos termos dos votos que proferiram. Participou desta sessão de julgamento, com voto, o Ministro Nelson Jobim. Plenário, 04.9.97.”


Assim, ao examinar a possibilidade de a Convenção nº. 158 da OIT compor a ordem jurídica nacional, o STF entendeu que a matéria constitucionalmente reservada à lei complementar não poderia ser objeto de ratificação, afirmando que a Convenção n.º 158 da OIT era incompatível com o artigo 7º, I do Texto Maior, haja vista que esse dispositivo exige Lei Complementar para regulamentar a matéria, enquanto aos tratados internacionais, quando ratificados, ingressavam no direito brasileiro como se lei ordinária especial fosse.


Vale mencionar que em dezembro de 2008, o Supremo Tribunal Federal modificou parcialmente o status normativo das regras internacionais sobre direitos humanos ratificadas pelo Brasil, conferindo-lhes patamar supralegal.


Defendendo a validade da citada Convenção, Souto Maior esclarece:


“Não há obstáculo para que se regule, por meio do tratado, matéria pertinente à lei complementar, especialmente, quando esta, após transcorridos longos anos, ainda não foi concluída, e, sobretudo, quando a lacuna provoca, em concreto, a ineficácia de preceitos constitucionais consagrados como garantias fundamentais. Além disso, importa verificar, com bastante relevo, que o próprio Supremo Tribunal Federal adota a posição doutrinária (…), no sentido de não haver ordem hierárquica entre lei complementar e lei ordinária” (SOUTO MAIOR, apud MELLO, 2009).


No que tange ao conflito entre regras internacionais ratificadas e o Direito interno:


“[…] deve prevalecer a regra e a interpretação mais favoráveis à pessoa humana a quem se destina a tutela jurídica (…) O mesmo se aplica a regras de tratados e convenções internacionais sobre direitos trabalhistas – que têm óbvia natureza de direitos humanos: em situação de aparente conflito entre regras internacionais ratificadas (Convenções da OIT, por exemplo) e regras legais internas, prevalece o princípio da norma mais favorável ao trabalhador, quer no que tange ao critério de solução do conflito normativo, quer no que diz respeito ao resultado interpretativo alcançado” (DELGADO, apud MELLO, 2009).


Portanto, deve-se defender pela vigência da Convenção nº. 158 da OIT, uma vez que concretiza o disposto no artigo 7º, I da Constituição Federal de 1988, e, consequentemente, reflete nos princípios da dignidade da pessoa humana e no da valorização ao trabalho.


4. O EXEMPLO ITALIANO


A jurisprudência italiana considerou inconstitucional a regra que permite a prescrição durante o curso do contrato de trabalho, cuja razão apontada foi justamente a falta de efetivo acesso à justiça.


Informa Márcio Túlio Viana que “de acordo com a Corte Constitucional daquele país, o trabalhador pode ser induzido a não exercitar o próprio direito pelo mesmo motivo pelo qual muitas vezes é levado a renunciá-lo, isto é, pelo temor da despedida” (VIANA, 2008, p.171).


De acordo com o artigo 36 da Constituição Italiana de 1948:


“Il lavoratore ha diritto ad una retribuzione proporzionata alla quantità e qualità del suo lavoro e in ogni caso sufficiente ad assicurare a sé e alla famiglia un’esistenza libera e dignitosa. La durata massima della giornata lavorativa è stabilita dalla legge. Il lavoratore ha diritto al riposo settimanale e a ferie annuali retribuite, e non può rinunziarvi[1].”


Ensina a doutora Lorena Vasconcelos Porto:


“Todavia, a jurisprudência italiana corajosamente reconheceu a sua eficácia imediata, impondo, no caso concreto, a obrigação de o patrão pagar a remuneração suficiente devida ao trabalhador. Declarando a nulidade da cláusula retributiva do contrato individual, os juízes fixavam no caso concreto a justa remuneração. As primeiras decisões da Corte de Cassação nesse sentido datam da primeira metade da década de 1950, pouco tempo depois, portanto, da promulgação da Constituição de 1948” (PORTO, 2009).


Assim, na Itália passou a considerar o princípio do “contra non valentem agere non currit praescriptio[2]“, em que a existência do contrato de trabalho passou a ser considerada uma causa impeditiva do prazo prescricional, conforme decisão em comento:


Però, se il diritto alle prestazioni salariali può prescriversi, non tutto il regime della prescrizione è compatibile colla speciale garanzia che deriva dall’art. 36 della Costituzione.


In un rapporto non dotato di quella resistenza, che caratterizza invece il rapporto d’impiego pubblico, il timore del recesso, cioè del licenziamento, spinge o può spingere il lavoratore sulla via della rinuncia a una parte dei propri diritti; dimodoché la rinuncia, quando è fatta durante quel rapporto, non può essere considerata una libera espressione di volontà negoziale e la sua invalidità è sancita dall’art. 36 della Costituzione: lo stesso art. 2113 del Codice civile, che la giurisprudenza ha già inquadrato nei principi costituzionali, ammette l’annullamento della rinuncia proprio se questa è intervenuta prima della cessazione del rapporto di lavoro o subito dopo. In sostanza si è voluto proteggere il contraente più debole contro la sua propria debolezza di soggetto interessato alla conservazione del rapporto[3].


Prossegue a Corte Constitucional Italiana:


Vi sono tuttavia ostacoli materiali, cioè la situazione psicologica del lavoratore, che può essere indotto a non esercitare il proprio diritto per lo stesso motivo per cui molte volte è portato a rinunciarvi, cioè per timore del licenziamento; cosicché la prescrizione, decorrendo durante il rapporto di lavoro, produce proprio quell’effetto che l’art. 36 ha inteso precludere vietando qualunque tipo di rinuncia: anche quella che, in particolari situazioni, può essere implicita nel mancato esercizio del proprio diritto e pertanto nel fatto che si lasci decorrere la prescrizione (…)il precetto costituzionale, pur ammettendo la prescrizione del diritto al salario, non ne consente il decorso finché permane quel rapporto di lavoro durante il quale essa maschera spesso una rinuncia.”[4]


Entretanto, Marcio Túlio Viana esclarece que:


“[…] a mesma Corte limitou depois o seu entendimento, esclarecendo que ele só se aplicava aos trabalhadores sem estabilidade no emprego. É o que se poderia fazer também no Brasil, mesmo porque o Direito Comparado é fonte do nosso Direito (art. 8º da CLT)” (VIANA, 2008, p.171).


Inspirado pela jurisprudência italiana, o professor Aroldo Plínio Gonçalves defendeu, em obra publicada em 1983, que o prazo prescricional do Direito brasileiro aplicável aos empregados urbanos à época (2 anos, segundo o art. 11 da CLT) somente poderia fluir após a extinção do contrato de trabalho.


“O autor baseou-se no fato de o trabalhador, na vigência do pacto empregatício, encontrar-se em verdadeiro “estado de sujeição”, que o inibe de exigir em juízo os seus direitos. Dessa forma, a interpretação do art. 11 da CLT por ele defendida seria a única capaz de conformá-lo à Constituição de 67/69, em vigor à época, notadamente ao seu art. 160, II – que afirmava a valorização do trabalho como uma condição da dignidade humana – e ao art. 153, § 4o – que previa o direito de ação, garantindo o acesso ao Poder Judiciário” (PORTO, 2009).


Portanto, o prazo prescricional no direito brasileiro deveria seguir a lógica do direito italiano, determinando que o prazo prescricional não flua enquanto não cessado o contrato.


5. CONCLUSÃO


Devido à ameaça do desemprego, o trabalhador deixa de reivindicar os seus direitos, tendo que aceitar o desrespeito por parte do empregador-devedor. 


Tanto na legislação trabalhista como na Constituição Federal, que dispõem a tanto a respeito dos direitos sociais, dos valores sociais do trabalho, da dignidade da pessoa humana, entre outros, verifica-se, infelizmente, que a lei tem favorecido e estimulado o empregador de má-fé, que, ciente da lei, sabe que se não cumprir o disposto na legislação e Constituição a respeito dos créditos trabalhistas, o máximo que irá pagar ao empregado-credor serão os relativos aos últimos cinco anos contados do ajuizamento da reclamação trabalhista, caso o operário ajuíze tal ação. Quanto aos demais créditos, estes prescreverão.


A Constituição Federal inseriu, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana, dando grande importância à tutela ao trabalho, como forma de buscar o equilíbrio social e econômico, sendo tal princípio diretamente relacionado ao princípio da valorização do trabalho humano.


Uma vez considerado o direito ao trabalho um direito fundamental social, não pode ser negado ao empregado a sua dignidade enquanto trabalhador. A ausência de dignidade nas relações empregatícias afeta não apenas a pessoa a que ao trabalho digno não tem acesso, mas toda a sua família e seu grupo social.


Diante de todo contexto, sendo no direito trabalhista o empregado a parte vulnerável e hipossuficiente, quando se depara com as normas que dispõem a respeito da prescrição relativas às verbas trabalhistas, verifica-se algo totalmente oposto aos princípios trabalhistas, o que demonstra ser o Direito concebido pela classe dominante a fim de controlar melhor os trabalhadores.


O ordenamento jurídico brasileiro deveria considerar, quando se fala em prescrição das verbas trabalhistas, o princípio do contra non valentem agere non currit praescriptio, existente no direito italiano, que defende que a prescrição não pode correr contra o que não pode agir, considerando a existência do contrato de trabalho como causa impeditiva do prazo prescricional.


Conclui-se, então, que para que seja evitado que o empregador ingresse no campo do abuso do direito, ferindo a ordem jurídica, atingindo a dignidade da pessoa humana dos trabalhadores e até mesmo o arranhando o próprio objetivo primordial do Estado da construção do bem comum, não deveria a Constituição Federal admitir a prescrição do direito ao salário enquanto vigente o contrato de trabalho.


 


Referências

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Notas:

[1] Tradução: O trabalhador tem direito a uma remuneração compatível com a quantidade e a qualidade do seu trabalho e em todos os casos, suficiente para garantir a ele e sua família uma subsistência livre e digna. O dia de trabalho máximo é fixado por lei. O trabalhador tem direito a um descanso semanal e férias anuais remuneradas, e não pode renunciar.

[2] Não ocorre a prescrição contra o que não pode agir.

[3] Decisão da Corte Constitucional italiana n. 63, de 1o de junho de 1966. Tradução: Em uma relação não dotada daquela resistência, que caracteriza, ao contrário, a relação de trabalho com a Administração Pública, o temor da dispensa impulsiona ou pode impulsionar o trabalhador ao caminho da renúncia de uma parte dos seus próprios direitos; de forma que a renúncia, quando é feita durante aquela relação, não pode ser considerada como uma livre expressão da vontade negocial e a sua invalidade é assegurada pelo art. 36 da Constituição: o próprio art. 2113 do Código Civil, que a jurisprudência já enquadrou dentre os princípios constitucionais, admite a anulação da renúncia exatamente se esta ocorreu antes da cessação da relação de trabalho ou logo após. Substancialmente, quis-se proteger o contratante mais fraco contra a sua própria fraqueza de sujeito interessado na conservação da relação[3]”.

[4] Tradução: Não existem obstáculos jurídicos que impeçam de fazer valer o direito ao salário. Existem, todavia, obstáculos materiais, isto é, a situação psicológica do trabalhador, que pode ser induzido a não exercitar o próprio direito pelo mesmo motivo pelo qual muitas vezes é levado à sua renúncia, isto é, pelo temor da dispensa; de modo que a prescrição, fluindo durante a relação de emprego, produz exatamente aquele efeito que o art. 36 pretendeu coibir proibindo qualquer tipo de renúncia: mesmo aquela que, em particulares situações, pode se encontrar implícita na ausência do exercício do próprio direito e, portanto, no fato que se deixe consumar a prescrição (…) O preceito constitucional, embora admita a prescrição do direito ao salário, não permite o seu decurso na vigência do contrato de trabalho, durante o qual aquela mascara, invariavelmente, uma renúncia[4]. 


Informações Sobre o Autor

Giselle Leite Franklin

Advogada, pós graduada em Direito Imobiliário e pós graduanda em Direito e Processo do Trabalho


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