A (in)aplicabilidade do dano moral em face da pessoa jurídica

Resumo: O ordenamento jurídico brasileiro vigente prevê a possibilidade de concessão do instituto do dano moral em prol da pessoa jurídica, visto que a esta se aplica, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. Tal entendimento foi, inclusive, sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça. Todavia, com o advento do enunciado 286 das Jornadas de Direito Civil, foi disposto que as pessoas jurídicas não podem ser titulares de direitos da personalidade. Sendo assim, a tese majoritária quanto ao dano moral na pessoa jurídica foi abalada de forma reflexa, já que o dano moral caracteriza lesão aos direitos da personalidade.

Palavras chave: Aplicabilidade, Pessoa Jurídica e Dano Moral.

Sumário: 1. Introdução. 2. Pessoa jurídica. 2.1. Noções introdutórias. 2.2. Teorias explicativas da natureza jurídica. 2.3. Pressupostos existenciais, surgimento e capacidade. 2.4. Classificação. 2.5. Personalidade jurídica. 3. Danos morais. 3.1. Elementos da responsabilidade civil. 3.2. Conceito. 3.3. Distinção entre danos morais e danos materiais. 3.4. Natureza da compensação. 3.5. Configuração e fixação. 4. Dano moral na pessoa jurídica. 4.1. Aspectos preliminares. 4.2. Corrente que não admite a concessão de danos morais à pessoa jurídica. 4.. Corrente que admite a concessão de danos morais à pessoa jurídica. 5. Considerações finais. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Ainda vigora no Brasil, a corrente que sustenta a tese segundo a qual a pessoa jurídica pode sofrer dano moral, bem como dispõe o enunciado de súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça e o artigo 52 do Código Civil Brasileiro de 2002, haja vista que o dano moral é lesão ao direito da personalidade, e que a pessoa jurídica possui personalidade jurídica, ou seja, aptidão para ser titular de direitos e obrigações. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, tem admitido reparação do dano moral à pessoa jurídica, especialmente por violação à sua imagem.

Todavia, nos termos do enunciado 286 da IV Jornada de Direito Civil, foi consolidado o entendimento de que “os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos”. Ainda que por via oblíqua, tal enunciado culminou por enfraquecer a tese vigente no Brasil, defensiva do dano moral em face da pessoa jurídica, com base no fato de que tal espécie de dano constitui lesão aos direitos da personalidade.

Esta corrente que entende não ser a pessoa jurídica passível de pleitear danos morais em seu benefício, ainda que com poucos adeptos, possui fundamento no fato de que certos fenômenos são exclusivos das pessoas humanas. Deste modo, poderia ser vislumbrada, no máximo, a possibilidade de concessão de danos materiais em decorrência de uma virtual e futura diminuição patrimonial, em consequência de determinado fato jurídico, evitando hipótese de enriquecimento sem causa.

Tal questão, no sentido de aplicação ou não do instituto do dano moral em prol das pessoas jurídicas, revela-se de extrema controvérsia. Ambas as correntes possuem argumentos relevantes, que provocam a pertinência do debate acerca dessa problemática.

O objetivo da presente pesquisa consiste na apresentação dos diferentes prismas da discussão que concerne à matéria, bem como na tentativa de esclarecer as indagações que eventualmente são realizadas em torno da situação em questão.

Desta forma, em que medida pode ser ou não aplicável o dano moral em face da pessoa jurídica?

2 PESSOA JURÍDICA

2.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Em decorrência das limitações individuais dos seres humanos, nem sempre suas necessidades e anseios podem ser atendidos sem que haja a intervenção de outras pessoas.

A noção acerca da pessoa jurídica é bastante antiga. No direito romano, não havia distinção entre pessoa jurídica e pessoa humana. Já no período medieval, mais precisamente no século XIV, os canonistas estabeleceram a diferença entre as coletividades e os indivíduos que a compõem, reconhecendo aquelas, como organismos capazes de praticar certos atos. Nesta época, tais coletividades eram conhecidas como pessoas fictas por possuírem uma natureza funcional. Na idade moderna, com o advento do jusnaturalismo, a pessoa ficta passa a ser denominada de pessoa moral. De acordo com o campo da sociologia jurídica, a instituição da pessoa jurídica decorre do fato associativo. Nos séculos XVIII e XIX, a Escola Alemã define a moderna concepção acerca da pessoa jurídica, sendo esta um conjunto unitário de pessoas ou bens, com a finalidade de atingir objetivos comuns e específicos, observando-se sua individualidade e autonomia.

A razão de ser das pessoas jurídicas encontra fundamento na necessidade de que têm os indivíduos de combinar esforços e recursos para a realização de objetivos comuns, que transcendem as suas limitações pessoais ou materiais.

Atualmente, as pessoas jurídicas são concebidas como entidades formadas por um agrupamento humano ou de patrimônio para alcançar determinados objetivos. São organizações que possuem aptidão para figurar em relações jurídicas, podendo exercer direitos e contrair obrigações. São criadas na forma da lei, através de estatuto ou contrato social, sendo dotadas de personalidade jurídica para prática de ato ou negócio jurídico, com existência distinta dos membros que a compõem.

Desta forma, a personalidade jurídica constitui uma categoria especial de direitos subjetivos reconhecidos ao titular da personalidade, para que possa desenvolvê-la plenamente, ou seja, ser sujeito de direitos.

“A pessoa, enquanto sujeito de direito, prende-se, atrela-se, inexoravelmente, à idéia de personalidade, que vem a exprimir a aptidão genérica reconhecida a toda e qualquer pessoa para que possa titularizar relações jurídicas e reclamar a proteção jurídica dedicada pelos direitos da personalidade. Trata-se de um atributo que permite às pessoas serem titulares de relações jurídicas, ao mesmo tempo em que dispõem de tutela jurídica” (CHAVES; ROSENVALD, 2006, p. 97).

Nestes termos, não há que se confundir personalidade jurídica com capacidade jurídica. Ter capacidade jurídica não necessariamente implica em possuir personalidade jurídica. A capacidade jurídica é a capacidade de titularizar pessoalmente relações jurídicas, isto é, está ligada a questões que dizem respeito a situações patrimoniais.

A capacidade jurídica é decorrente dos direitos da personalidade, todavia, é concedida também aos entes despersonalizados, sendo estes, grupos que possuem capacidade jurídica, mas não possuem direitos da personalidade.  

Diferenciam-se as pessoas jurídicas das pessoas naturais, primeiramente, no que tange à personalidade jurídica:

“[…] nas pessoas físicas, a sua personalidade jurídica é autônoma e original, no sentido de que é inerente ao ser humano como atributo de sua dignidade pessoal, enquanto nas pessoas jurídicas, ou coletivas, ela é meramente instrumental e derivada ou adquirida, meio de realização de infinita variedade de interesses sociais” (AMARAL, 2003, p. 277).

Existem outras denominações utilizadas para designar a pessoa jurídica. Na França, Bélgica e Suíça são conhecidas como pessoas morais. Em Portugal, são chamadas de pessoas coletivas. Na Argentina, utiliza-se a expressão proposta por Teixeira de Freitas[1], qual seja, entes de existência ideal. No Brasil, Alemanha, Espanha e Itália são denominadas de pessoas jurídicas. São ainda sinônimos: pessoas civis, pessoas místicas, pessoas abstratas, pessoas intelectuais, pessoas compostas, pessoas ideais e universalidade de bens e pessoas.

As pessoas jurídicas estão topograficamente disciplinadas no Livro I (Das Pessoas), Título II (Das Pessoas Jurídicas), Parte Geral do Código Civil de 2002 (Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002).

Para ser criada, a pessoa jurídica necessita preencher os seguintes requisitos: vontade humana de criação, atendimento às determinações legais para sua constituição e licitude da finalidade.

Cumpre ressaltar ainda que, em observância aos princípios constitucionais e à despatrimonialização do direito civil, deverá a pessoa jurídica deter sua função social na órbita jurídica.

2.2 TEORIAS EXPLICATIVAS DA NATUREZA JURÍDICA

Com o intuito de esclarecer e justificar a existência e a capacidade de direito das pessoas jurídicas, foram criadas teorias que almejavam explicar em qual categoria do direito se encaixavam tais entes.

Podem ser distinguidas em duas vertentes as teorias que versam sobre a natureza das pessoas jurídicas, quais sejam, as negativistas e as afirmativistas.

A corrente negativista defendida por Brinz, Planiol e Duguit[2], negava ser a pessoa jurídica sujeito de direito, ou seja, não reconhecia a sua existência.

“Negando a autonomia existencial à pessoa jurídica, o grande Ihering argumentava que os verdadeiros sujeitos de direito seriam os indivíduos que compõem a pessoa jurídica, de maneira que esta serviria como simples forma especial de manifestação exterior da vontade dos seus membros” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2009, p. 184).

Já a corrente positivista aceitava a teoria da pessoa jurídica, ou seja, reconhecia a pessoa jurídica como sujeito de direito. Pode ser dividida em três teorias a vertente positivista: teoria da ficção jurídica, teoria da realidade objetiva ou teoria organicista e teoria da realidade técnica.

 A teoria da ficção jurídica foi desenvolvida por Savigny, a partir do pensamento de Windscheid[3], e sustentava que a pessoa jurídica seria um sujeito com existência ideal, ou seja, fruto da técnica jurídica. A crítica realizada a essa teoria tinha como fundamento o alto grau de abstração desta.

“Partindo do conceito de que só o homem pode ser sujeito de direitos, visto que fora da pessoa física não existem, na realidade, entes capazes, concebe a pessoa jurídica como uma pura criação intelectual, uma associação de homens ou um complexo de bens, finge-se que existe uma pessoa e atribui-se a essa unidade fictícia capacidade, elevando-a à categoria de sujeito de direito” (RUGGIERO, 1999, p. 551).

A teoria da realidade objetiva, sustentada por Clóvis Beviláqua e Otto Gierke[4], era o contraponto à teoria da ficção, pois para essa corrente, a pessoa jurídica não seria fruto da técnica jurídica, mas sim, um organismo social vivo. Para essa corrente a pessoa jurídica é resultado da conjunção dos elementos “corpus” (conjunto ou coletividade de bens) e “animus” (vontade do instituidor), logo, eram vistas as pessoas jurídicas como grupos sociais semelhantes à pessoa natural.

A teoria da realidade técnica, aproveitando elementos das duas correntes anteriores, afirma, de forma mais equilibrada e moderada, que, posto a pessoa jurídica seja personificada pelo direito, tem atuação social na condição de sujeito de direito. Logo, visto serem constituídas para a consecução de determinadas finalidades, admite-se que tenham as pessoas jurídicas capacidade jurídica própria.

Diante de todo o exposto, e da análise do artigo 45 do Código Civil de 2002, a doutrina majoritária tem entendido que a teoria vigente no ordenamento jurídico brasileiro, concernente à natureza jurídica da pessoa jurídica, é a teoria da realidade técnica.

“Art. 45, CC/02: Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.”[5]

2.3 PRESSUPOSTOS EXISTENCIAIS, SURGIMENTO E CAPACIDADE

Devem ser atendidos três pressupostos para que seja possível a existência de uma pessoa jurídica. São tais premissas: vontade humana criadora, observância das condições legais para a sua instituição e liceidade do seu objeto.

A vontade humana nada mais é do que o elemento anímico para a constituição de uma pessoa jurídica. À luz dos princípios da livre iniciativa e da autonomia negocial, torna-se imprescindível a manifestação de vontade.

A observância das condições legais para sua instituição diz respeito ao fato de que devem ser cumpridos os requisitos estabelecidos na forma da legislação em vigor.

Quanto à licitude do objetivo, cabe frisar que a autonomia da vontade encontra limitações na lei, ou seja, não é possível reconhecer a existência de uma pessoa jurídica que tenha por finalidade objetos sociais proibidos por lei ou ilícitos.

No que tange ao momento da personificação da pessoa jurídica, o seu registro tem natureza constitutiva, com eficácia “ex nunc” (irretroativa), por ser atributivo da personalidade jurídica. Difere da pessoa natural, visto que o registro civil desta possui natureza meramente declaratória, pois a personalidade jurídica já foi adquirida quando houve o nascimento com vida.

Regra geral, a personificação da pessoa jurídica decorre simplesmente do registro do seu ato constitutivo (estatuto ou contrato social), mas, em algumas situações, é necessária uma autorização especial de constituição dada pelo Poder Executivo. A entidade que não realiza o registro funciona como sociedade despersonalizada, bem como dispõe o artigo 986 do Código Civil de 2002: “enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples.”.

A pessoa jurídica possui capacidade jurídica especial. É reconhecida como sujeito de direitos, logo, é passível de titularizar relações jurídicas, exercendo direitos e contraindo obrigações, todavia, sua atuação no ordenamento jurídico sofre limitações em função dos estatutos, dos contratos sociais e da lei. Desta forma, atos praticados pela pessoa jurídica com extrapolação de sua finalidade social serão considerados ineficazes.

2.4 CLASSIFICAÇÃO

Existem diversas classificações no que concerne à existência das pessoas jurídicas no plano do ordenamento jurídico.

As pessoas jurídicas quanto à nacionalidade[6] podem ser nacionais ou estrangeiras. As nacionais são aquelas organizadas de acordo com a legislação pátria e com sede administrativa no País. Já as estrangeiras, não preenchem os requisitos citados, mas têm por objetivo funcionar no País.

Quanto aos componentes, ou seja, a estrutura interna[7], as pessoas jurídicas se dividem em “universitas personarum” ou coletividade de pessoas e “universitas bonorum” ou coletividade de bens. As “universitas personarum” possuem como meta o atendimento das vontades dos sujeitos que a integram. Estas se repartem em associações (pessoas jurídicas que não detêm fins lucrativos) e em sociedades (pessoas jurídicas que possuem finalidade lucrativa). Já as “universitas bonorum” são aquelas que são compostas por um patrimônio com destinação a uma finalidade específica, como é o caso das fundações.

Podem ainda ser classificadas quanto às funções perante a sociedade, dividindo-se em pessoas jurídicas de direito público (interno ou externo) e pessoas jurídicas de direito privado, bem como alude o artigo 40 do Código Civil de 2002.

As pessoas jurídicas de direito público são aquelas constituídas pela lei ou pela Constituição, com fins voltados à consecução do interesse público e organização da Administração Pública. São pessoas jurídicas de direito público interno, nos termos do artigo 41 do Código Civil Brasileiro, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, as autarquias, inclusive as associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei.  As pessoas jurídicas de direito público externo, nos termos do artigo 42 do diploma civil, são os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público.

As pessoas jurídicas de direito privado são aquelas instituídas com o objetivo de atender a interesses particulares. Compreendem como dispõe o artigo 44 do Código Civil, as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos. 

As associações são definidas como o conjunto de pessoas que colimam fins não-econômicos. Possuem finalidade ideal.

“Tem-se a associação quando não há fim lucrativo ou intenção de dividir o resultado, embora tenha patrimônio, formado por contribuição de seus membros para a obtenção de fins culturais, educacionais, esportivos, religiosos recreativos, morais etc. Não perde a categoria de associação mesmo que realize negócios para manter ou aumentar o seu patrimônio, sem, contudo, proporcionar ganhos aos associados” (DINIZ, 2002, p. 212).

As sociedades são espécies de corporação, instituídas através de contrato social, com a finalidade de exercer atividade econômica e dividir lucros. Toda sociedade, no que tange ao elemento finalístico, persegue proveito econômico. O Novo Código Civil dividiu as sociedades em empresárias e simples.

A sociedade para ser empresária deve reunir dois requisitos, um material e outro formal. De acordo com o requisito material, deve a pessoa jurídica desempenhar uma atividade econômica organizada. Já o requisito formal, traz a necessidade de que o registro seja feito perante a Junta Comercial.

A sociedade que não for empresária é simples. O conceito desta se dá por exclusão, ou seja, embora persigam proveito econômico, não empreendem atividade empresarial, nem possuem registro na Junta Comercial.

As fundações, diferentemente das associações e das sociedades, resultam não do conjunto de pessoas, mas sim da afetação de um patrimônio, mediante testamento ou escritura pública, que realiza o seu instituidor, definindo a finalidade para a qual se destina.

Outra espécie de pessoa jurídica de direito privado são as organizações religiosas, previstas no inciso IV, do artigo 44, do Código Civil.

“Juridicamente, podem ser consideradas organizações religiosas todas as entidades de direito privado, formadas pela união de indivíduos com o propósito de culto a determinada força ou forças sobrenaturais, por meio de doutrina e ritual próprios, envolvendo, em geral, preceitos éticos” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2009, p. 223).

Os partidos políticos constituem outra modalidade de pessoa jurídica de direito privado, e podem ser definidos como:

“[…] entidades integradas por pessoas com idéias comuns, tendo por finalidade conquistar o poder para a consecução de um programa. São associações civis, que visam assegurar, no interesse do regime democrático, autenticidade do sistema representativo e defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal” (DINIZ, 2002, p. 222-223).

2.5 PERSONALIDADE JURÍDICA

Personalidade jurídica significa ter proteção fundamental, ter direitos da personalidade, correspondendo a uma proteção básica para que se exerçam os direitos da personalidade, sendo visualmente de natureza existencial.

Os direitos da personalidade surgiram para a proteção da dignidade da pessoa humana. Sendo assim, é direito da personalidade tudo aquilo que a pessoa precisa para ter vida digna.

“Enunciado 274 da Jornada de Direito Civil: os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (Princípio da Dignidade da Pessoa Humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.”

Apesar do fato de que os direitos da personalidade foram criados para a pessoa humana, a sua proteção jurídica também é aplicável às pessoas jurídicas, conforme alude o artigo 52 do Código Civil: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.”.

Nestes termos, as pessoas jurídicas não têm direitos da personalidade, e sim proteção destes. A expressão “no que couber”, prevista no artigo 52 do diploma civilista, significa naquilo o que a sua falta de estrutura bio-psicológica permita exercer. Logo, a pessoa jurídica não pode ser titular de direito à intimidade, à integridade física etc. Todavia, os direitos da personalidade contam com um atributo de elasticidade permitindo que possuam as pessoas jurídicas proteção desses direitos, no que couber.

Parcela significativa da doutrina, a exemplo de Gustavo Tepedino[8], entende que a pessoa jurídica não é passível de proteção dos direitos da personalidade, sob o fundamento de que os direitos da personalidade estão sustentados pela cláusula geral da dignidade da pessoa humana, bem como é aludido no Enunciado 286 da Jornada de Direito Civil: “Os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos.”. Outro fundamento consiste no fato de que todo e qualquer dano dirigido às pessoas jurídicas seria um dano material ou patrimonial, incidente sobre os lucros, jamais constituindo um dano moral. Sustenta-se ainda, que mesmo que a pessoa jurídica não possua finalidade lucrativa seria hipótese de dano institucional.

Entretanto, a posição que prevalece na doutrina e na jurisprudência é no sentido contrário, dizendo respeito ao fato de que as pessoas jurídicas possuem sim direitos da personalidade. A título de exemplo desta assertiva, o Superior Tribunal de Justiça editou o enunciado de súmula nº 227, confirmando a possibilidade de aplicação do dano moral em face da pessoa jurídica, justificando o fato desta ser detentora de direitos da personalidade.

3 DANOS MORAIS

3.1 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Toda manifestação de vontade traz consigo o problema da responsabilidade. A responsabilidade civil é uma espécie de responsabilidade jurídica.

A responsabilidade civil deriva da transgressão de uma norma jurídica preexistente, impondo ao causador do dano o dever jurídico de indenizar.

A proteção do lícito e a repressão do ilícito constituem o principal objetivo da ordem jurídica, conforme o entendimento de San Tiago Dantas[9].

“O anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima. Há uma necessidade fundamental de restabelecer esse equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no “statu quo ante”. Impera neste campo o princípio da “restitutio in integrum” isto é, tanto quanto possível, repõe-se a vítima à situação anterior à lesão” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 13).

Nestes termos, a responsabilidade civil pode ser conceituada como a aplicação do conjunto de instrumentos que impõem o dever de reparação ao sujeito causador de determinado dano, moral ou material, a terceiros.

Os elementos fundamentais da responsabilidade civil são: a conduta humana, o nexo de causalidade e o dano ou prejuízo.

A conduta humana, para ser encartada como primeiro elemento da responsabilidade civil, deve traduzir um comportamento comissivo ou omissivo, marcado pela voluntariedade.

“A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado” (DINIZ, 2002, p. 37).

O nexo de causalidade, no âmbito da dogmática jurídica, traduz o vínculo que une o comportamento do agente ao prejuízo causado. É a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o dano.

“Não basta, portanto, que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito. Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não correrá a cargo do autor material do fato. Daí a relevância do chamado nexo causal. Cuide-se, então, de saber quando um determinado resultado é imputável ao agente; que relação deve existir entre o dano e o fato para que este, sob a ótica do Direito, possa ser considerado causa daquele” (CAVALIERI FILHO, 2008, p.46).

O dano ou prejuízo, como elemento da responsabilidade civil, traduz a ideia de lesão a um interesse jurídico tutelado, patrimonial ou moral. Todavia, nem todo dano é indenizável.

Para que o dano seja indenizável deverá atender os seguintes requisitos: violação de um interesse jurídico patrimonial ou moral, subsistência do dano e certeza do dano.

“O dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem a existência de um prejuízo. Só haverá responsabilidade civil se houver um dano a reparar. Isto é assim porque a responsabilidade resulta em obrigação de ressarcir, que, logicamente, não poderá concretizar-se onde nada há que reparar” (DINIZ, 2002, p. 55).

3.2 CONCEITO

Antigamente, o ordenamento jurídico negava a reparabilidade do dano moral, com base no fato de que a sua incerteza impediria a sua configuração.

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o dano moral foi dotado de autonomia jurídica, nos termos dos incisos V e X do artigo 5º da Carta Magna.

Sendo assim, nos moldes do novo posicionamento adotado pela Constituição de 1988, os danos morais podem ser caracterizados como ofensa aos direitos da personalidade.

Visto que os direitos da personalidade estão atrelados ao princípio da dignidade da pessoa humana, é possível considerar também o dano moral como lesão a tal fundamento do Estado Democrático de Direito.

O enunciado 159 da Jornada de Direito Civil conceitua dano moral como todo dano extrapatrimonial. Por conta dessa natureza imaterial do dano moral, este é insuscetível de indenização pelo causador do dano. O objetivo do dano moral é possibilitar uma satisfação de natureza compensatória à vítima do prejuízo.

No que diz respeito ainda ao conceito, o dano moral pode ser dividido em dano moral direto e dano moral indireto:

“Aduz Zannoni que o dano moral direto consiste na lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a integridade corporal, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família). O dano moral indireto consiste na lesão a um interesse tendente à satisfação ou gozo de bens jurídicos patrimoniais, que produz um menoscabo a um bem extrapatrimonial, ou melhor, é aquele que provoca prejuízo a qualquer interesse não patrimonial, devido a uma lesão a um bem patrimonial da vítima” (GONÇALVES, 2003, p. 549).

3.3 DISTINÇÃO ENTRE DANOS MORAIS E DANOS MATERIAIS

O dano constitui lesão de bem jurídico, tanto patrimonial quanto moral. A partir dessa afirmativa advém a divisão do dano em material e moral.

O dano material e o dano moral diferenciam-se em alguns aspectos, como por exemplo, quanto à maneira de indicação do dano e quanto aos critérios reparatórios.

O dano material incide sobre os bens que integram o patrimônio do sujeito que sofre o prejuízo. Entende-se como patrimônio, o agrupamento de relações jurídicas de uma pessoa que pode ser apreciado em dinheiro.

“O dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável. Constituem danos patrimoniais a privação do uso da coisa, os estragos nela causados, a incapacitação do lesado para o trabalho, a ofensa a sua reputação, quando tiver repercussão na sua vida profissional ou em seus negócios” (DINIZ, 2002, p. 62).

O dano material pode atingir o patrimônio presente da vítima, sendo neste caso denominado o prejuízo de dano emergente ou positivo, visto que há uma diminuição ou redução imediata e efetiva no patrimônio da vítima, em face de determinado ato ilícito. Entretanto, poderá também atingir o patrimônio futuro da vítima, constituindo desta forma o chamado lucro cessante, negativo ou frustrado, hipótese em que o dano impede o crescimento ou aumento do conjunto de bens da vítima.

Já o dano moral traduz lesão aos direitos da personalidade. Tal espécie de dano ganhou maior repercussão e dimensão com a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, bem como dispõe o artigo 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Deste modo, passa a ter maior importância, a análise do dano moral haja vista para o fato de que a dignidade da pessoa humana constitui, agora, a essência dos direitos da personalidade, bem como a base dos valores morais.

“[…] o dano moral funda-se na iníqua lesão com efeitos nas situações jurídicas existenciais, de qualquer ordem ou natureza, da pessoa humana, que fica com a qualidade de vida prejudicada em todos ou em alguns aspectos, quais sejam a vida, a igualdade, a integridade psicofísica, a liberdade e a solidariedade social” (FROTA, 2008, p. 201).

Outra distinção concernente aos danos matérias e morais diz respeito à prova dos dois tipos de dano:

“[…] os danos materiais exigem prova concreta da lesão pelo ofendido, enquanto para o dano moral exige-se somente a comprovação dos elementos do direito de danos, haja vista a irrazoabilidade da comprovação efetiva, seja com documentos, testemunhas ou perícia, do grau de resignação de determinada pessoa em decorrência da lesão não-material perpetrada por outrem” (FROTA, 2008, p. 209).

No que tange aos critérios de reparação, novamente diferenciam-se os danos materiais dos danos morais.

O dano material é indenizado na proporção da extensão do prejuízo no meio social, independentemente do fato de haver culpa ou não por parte do agente causador do dano, bem como dispõe o artigo 944 do Código Civil Brasileiro: “a indenização mede-se pela extensão do dano.”. Deve ser firmado o princípio da reparação integral, a fim de que a vítima retorne ao estado pretérito ao dano.

Já no tocante ao dano moral, devem ser levados em conta: a repercussão social do dano, a gravidade da conduta do ofensor e as condições pessoais da vítima. Sendo assim, não há que se falar em indenização, e sim em compensação.

3.4 NATUREZA DA COMPENSAÇÃO

O dano moral, tendo em vista seu caráter extrapatrimonial, não é passível de indenização, mas sim de compensação. Tal instituto não tem o condão de reparar um prejuízo para que se retorne à situação anterior da vítima. O dano moral tem a função de compensar, ou seja, amenizar e reduzir a lesão causada ao direito da personalidade.

Em razão dessa natureza compensatória, aparece paralelamente ao objetivo de atenuação da lesão, a função de desestimular um novo dano, a fim de coibir futuras agressões aos direitos da personalidade de determinada pessoa.

Essa função pedagógica do dano moral, também chamada pelo direito norte-americano de teoria do “punitive damage”, já vem sendo aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça em diversas decisões (STJ – REsp 910764/RJ; REsp 965500/ES). Tal posicionamento se fortalece em face do Projeto de Lei 6.960 de 2002 que pretende acrescentar mais um parágrafo ao artigo 944 do Código Civil Brasileiro, com a seguinte disposição: “a reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao ofensor.”.  Este pensamento já foi consolidado no enunciado 379 da Jornada de Direito Civil: “O artigo 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil.”. Nestes termos, o dano moral possui as funções de reparação, prevenção e punição.

“Fácil é denotar que o dinheiro não terá na reparação do dano moral uma função de equivalência própria do ressarcimento do dano patrimonial, mas um caráter concomitantemente satisfatório para a vítima e lesados e punitivo para o lesante, sob uma perspectiva funcional. A reparação do dano moral cumpre, portanto, uma função de justiça corretiva ou sinalagmática, por conjugar, de uma só vez, a natureza satisfatória da indenização do dano moral para o lesado, tendo em vista o bem jurídico danificado, sua posição social, a repercussão do agravo em sua vida privada e social e natureza penal da reparação para o causador do dano, atendendo a sua situação econômica, a sua intenção de lesar (dolo ou culpa), a sua imputabilidade etc.” (DINIZ, 2002, p. 95).

3.5 CONFIGURAÇÃO E FIXAÇÃO

Para que haja a configuração do dano moral, o magistrado deve sempre se nortear com base no princípio da razoabilidade. O dano moral deve ser analisado de forma isolada a depender do caso concreto em questão.

A configuração do dano moral requer a utilização de critérios objetivos para a sua definição, de forma que, a gravidade da lesão seja bastante relevante a ponto de haver a concessão de uma satisfação de caráter pecuniário para o sujeito que sofre dano a seus direitos da personalidade. Tal afirmação se justifica no fato de que o dano moral é configurado a partir de uma agressão ao princípio da dignidade da pessoa humana.

“Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 83-84).

A quantificação do dano moral se dá com base no sistema livre ou sistema do arbitramento. Tal sistema tem fundamento legal no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, bem como no artigo 126 do Código de processo Civil, ambos dispondo no sentido de que deve o juiz, quando a lei for omissa, decidir o caso concreto de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

No que tange à fixação do dano moral, não é possível se valer do sistema do tarifamento legal, que visa estabelecer valores tabelados para a reparação do dano moral, haja vista que, tratando-se de um dano imaterial é imensurável a extensão da lesão causada ao direito da personalidade atingido.

A fixação do “quantum” compensatório dos danos morais deverá sempre se fundar nos alicerces do princípio da dignidade da pessoa humana. O aplicador da lei deverá estar atento no que concerne à quantificação do dano moral, a fim de evitar o enriquecimento sem causa.

Sendo o dano moral um instituto que se caracteriza por ser uma lesão aos direitos da personalidade, deve o magistrado, no momento de aplicação da lei, atentar-se a parâmetros como a situação econômica do causador do dano, bem como da vítima, e ainda, observar aspectos que dizem respeito à gravidade do dano e à repercussão social da conduta. É imprescindível também a análise dos efeitos da lesão na estrutura da dignidade, tomando por base os momentos antes e depois da ocorrência do dano. Deve se buscar ao máximo o atendimento do princípio da máxima reparação do ofendido.

“Ao decidir sobre o assunto, deve o magistrado verificar a realidade cultural e social do local em que aconteceu o dano não-material reparável, como também as características sociológicas, políticas, a fim de que se chegue a julgamento consentâneo com a realidade social vivida por determinado ofendido na sociedade, fixando-se um valor ponderado e equilibrado” (FROTA, 2008, p. 231).

4 DANO MORAL NA PESSOA JURÍDICA

4.1 ASPECTOS PRELIMINARES

No Brasil ainda é majoritário o entendimento tanto por parte da doutrina quanto pela jurisprudência, quanto à possibilidade da concessão de danos morais à pessoa jurídica. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já possui editado um enunciado de súmula nesse sentido, com base no já citado e analisado artigo 52 do Código Civil Brasileiro de 2002. O enunciado de súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.”.

Todavia, apesar da maior parte da doutrina e jurisprudência ter como plausível a aplicabilidade do dano moral em face da pessoa jurídica, este não é um fenômeno jurídico pacificado e incontestável. O tema já era bastante controverso, e com o advento do enunciado 286 da IV Jornada de Direito Civil, a discussão acerca da aplicação ou não do instituto do dano moral ficou ainda mais acirrada. O enunciado 286 da IV Jornada de Direito Civil firmou que: “os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos.”. Logo, visto ser o dano moral lesão aos direitos da personalidade, não haveria que se falar em possibilidade de concessão de tal proteção às pessoas jurídicas nos termos deste enunciado das Jornadas de Direito Civil.

4.2 CORRENTE QUE NÃO ADMITE A CONCESSÃO DE DANOS MORAIS À PESSOA JURÍDICA

Analisando o tema sob a égide constitucional, e contemplando a despatrimonialização e repersonalização do direito civil à luz da interpretação que deve ater-se à valorização e à hierarquização dos princípios constitucionais, a parcela da doutrina que sustenta a não concessão de danos morais em face da pessoa jurídica ganha cada vez mais força e base teórica de fundamentação.

A doutrina que não admite a aplicabilidade de danos morais à pessoa jurídica possui como fundamento essencial a dignidade da pessoa humana, de forma que não é possível equiparar determinados fenômenos inerentes do ser humano à pessoa jurídica. As pessoas jurídicas nada mais são do que um conceito operacional, ou seja, tais entidades coletivas são criadas para satisfazer as vontades e realizar os objetivos dos sujeitos integrantes de sua estrutura. São instrumentos de promoção desses indivíduos que a compõem. Sendo assim, as pessoas jurídicas não podem desfrutar de todos os direitos da personalidade destinados à pessoa humana, e sim apenas usufruir daquelas prerrogativas que lhes possam ser cabíveis, com base na expressão “no que couber”, que está contida no artigo 52 do Código Civil Brasileiro.

“Equipará-las para fins de reparação por danos não-materiais é comprometer a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana alinhavado na Constituição Federal de 1988, o que acarreta a redução e o descompromisso do discurso do direito com os valores e princípios constitucionais, a ceder às tentações neoliberais de “flexibilidade e desregulamentação” (FROTA, 2008, p. 244-245).

A corrente que não admite a pessoa jurídica ser passível de pleitear danos morais em seu benefício, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana que está elencado no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, entende que o instituto do dano moral, por constituir lesão à dignidade da pessoa humana, deve ser proporcionado exclusivamente ao ser humano.

“Com base em tais premissas metodológicas, percebe-se o equívoco de se imaginar os direitos da personalidade e o ressarcimento por danos morais como categorias neutras, tomadas de empréstimo pela pessoa jurídica para a sua tutela (tida como maximização de seu desempenho econômico e de sua lucratividade). Ao revés, o intérprete deve estar atento para a diversidade de princípios e valores que inspiram a pessoa física e a pessoa jurídica, e para que esta, como comunidade intermediária  constitucionalmente privilegiada, seja merecedora de tutela jurídica apenas e tão-somente como um instrumento (privilegiado) para a realização social das pessoas que, em seu âmbito de ação é capaz de congregar” (TEPEDINO, 2004, p. 561).

Entende tal parcela da doutrina que a pessoa humana é quem sofre dano moral, pois esta fica com a qualidade de vida debilitada em aspectos que são lhe são inerentes, como a vida, a liberdade e a integridade psicofísica, em decorrência de determinada lesão aos direitos de sua personalidade. Nesse sentido, foi editado o enunciado 286 da IV Jornada de Direito Civil.

A corrente que não admite ser a pessoa jurídica sujeito de requerer danos morais, posiciona-se no sentido de que, no momento em que ocorre um fato danoso contra a reputação de uma pessoa jurídica, são atingidos os seus resultados econômicos, seja de forma direta ou indireta, caracterizando o cabimento de indenização por danos patrimoniais, jamais podendo ser admitida a compensação a título de dano moral. Desta forma, em consequência de determinado fato jurídico, poderia ser no máximo cabível a concessão de danos materiais à pessoa jurídica em face de uma eventual e futura diminuição patrimonial, ou seja, um abalo de crédito.

A parte dos doutrinadores que entende não ser possível concessão de danos morais à pessoa jurídica não pretende deixar tais entes morais sem defesa frente aos acontecimentos cotidianos da vida. A pessoa jurídica é merecedora de proteção do ordenamento jurídico, mas não significa que será o instituto do dano moral que irá compensar uma situação de redução patrimonial, econômica e lucrativa.

Esta corrente sustenta que não há suporte jurídico para configurar dano moral em relação à pessoa jurídica. Não pode ser admitida uma situação de dor, agressão aos valores éticos, sofrimento e constrangimento a uma pessoa jurídica. Todavia, merece proteção a reputação da pessoa jurídica, pois esta lhe gera credibilidade e capacidade para auferir lucros. Todavia, na hipótese de lesão à reputação da pessoa jurídica, será esta ofensa considerada como um dano econômico.

“Lesões atinentes à reputação da pessoa jurídica, face à perda de sua credibilidade no mercado, repercutem em sua atividade econômica (quando não atingem os sócios). Poder-se-ia, mesmo, cogitar de um dano institucional contra a pessoa jurídica, mas não do dano moral propriamente dito” (ROSENVALD, 2004, p. 283).

Diante do exposto, a corrente que não admite a concessão de dano morais em face da pessoa jurídica afirma que a dignidade da pessoa humana é superior a qualquer outro valor previsto no sistema jurídico brasileiro, tendo sido positivada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como fundamento desta Carta Magna, inserindo-se no rol dos princípios fundamentais. O dano moral é efeito lesivo à dignidade da pessoa humana, sendo, portanto, instituto de exclusiva aplicação aos seres humanos, com função compensatória.

“Afigura-se, portanto, a impossibilidade de as pessoas jurídicas, qualquer que seja a espécie, sofrerem danos morais, exclusivos da pessoa humana, sendo correta a possibilidade de vindicarem danos materiais, pessoas jurídicas com fins lucrativos, e danos institucionais, pessoas jurídicas sem fins lucrativos. Não há falar em equiparação da pessoa humana e pessoa jurídica, pois, se realizada, vulnerar-se-á a Constituição Federal de 1988, tendo em vista não serem as pessoas jurídicas titulares dos direitos da personalidade, haja vista possuírem somente proteção jurídica, a ensejar incorreção do Enunciado 227 do STJ” (FROTA, 2008, p. 283).

4.3 CORRENTE QUE ADMITE A CONCESSÃO DE DANOS MORAIS À PESSOA JURÍDICA

É admitido tanto constitucionalmente quanto legalmente o fato de que a pessoa jurídica pode sofrer danos morais. Na Carta Magna de 1988, encontra-se tal previsão no artigo 5º, X. Já na legislação infraconstitucional, há previsão nos artigos 52, 186 e 927 do Código Civil Brasileiro de 2002 e nos artigo 2º e 6º do Código de Defesa do Consumidor.

A doutrina que considera ser possível pleitear a pessoa jurídica por danos morais, entende que essas coletividades, de bens ou de pessoas, possuem tanto personalidade jurídica quanto capacidade jurídica, sendo estes elementos, desta forma, meios que viabilizam a propositura de ações de reparação, seja por danos materiais ou morais, com o intuito de preservar a reputação que tal ente possui perante a sociedade.

A violação dos direitos da personalidade que são estendidos às pessoas jurídicas merece proteção do ordenamento jurídico, e, portanto, enseja a indenização de caráter compensatório em face de lesão moral.

O Superior Tribunal de Justiça, buscando encerrar as discussões acerca do problema, editou o enunciado de súmula 227, dispondo ser possível concessão de danos morais em face da pessoa jurídica. O “leading case” foi o Recurso Especial 60033-2 de Minas Gerais. Neste julgado, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar proferiu seu voto no seguinte sentido:

“Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua” (STJ. REsp 60033-2/MG. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. DJ 27/11/1995).

Um dos argumentos de que se vale essa doutrina tem fundamento na divisão da honra em dois aspectos: subjetiva e objetiva. O direito à honra diz respeito à reputação construída por uma determinada pessoa. É o direito à boa fama e à honorabilidade.

A honra subjetiva consiste naquilo que é exclusivo do ser humano, ou seja, o que cada indivíduo pensa de si mesmo. Esta espécie de honra se caracteriza pela auto-estima e pela dignidade.

Já a honra objetiva é a reputação do sujeito perante a sociedade, ou seja, o que as outras pessoas pensam a respeito de determinada pessoa. Caracteriza-se pela fama, reputação e imagem, gerando como consequência a possibilidade de tanto a pessoa humana quanto a pessoa jurídica serem passíveis de lesão a tal atributo.

“Ademais, após a Constituição de 1988 a noção de dano moral não mais se restringe à dor, sofrimento, tristeza etc., como se depreende do seu art. 5º, X, ao estender a sua abrangência a qualquer ataque ao nome ou imagem da pessoa física ou jurídica, com vistas a resguardar a sua credibilidade e respeitabilidade. Pode-se, então, dizer que, em sua concepção atual, honra é o conjunto de predicados e condições de uma pessoa, física ou jurídica, que lhe conferem consideração e credibilidade social; é o valor moral e social da pessoa que a lei protege ameaçando de sanção penal e civil a quem ofende por palavras ou atos. Fala-se, modernamente, em honra profissional como uma variante da honra objetiva, enquanto como valor social da pessoa perante o meio onde exerce sua atividade” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 97).

Nesse sentido, para fortalecer ainda mais essa posição doutrinária e jurisprudencial, o Conselho da Justiça Federal editou o enunciado 189 para dispor que: “Na responsabilidade civil por dano moral à pessoa jurídica, o fato lesivo, como dano eventual, deve ser devidamente demonstrado.”.

A solução está em se identificar a existência de um dano puramente moral, ligado à honra objetiva, ou seja, concernente à parte social do patrimônio não-econômico da pessoa jurídica lesada, que mereça indenização nesse plano.

E tal identificação só se fará no exame de cada caso concreto” (STOCO, 2007, p. 1768).

Para esta corrente, as pessoas jurídicas são sim detentoras de direitos da personalidade. Tanto é verdade que o Código Civil assim dispôs em seu artigo 52. Desta forma, o fato de as pessoas jurídicas possuírem a proteção de tais direitos implica na possibilidade de serem tuteladas pelo instituto do dano moral. A expressão “no que couber”, contida nesse citado artigo do diploma civil, estaria longe de suprimir a titularidade dos direitos da personalidade pela pessoa jurídica.

A proteção dos direitos da personalidade não pode ser exclusiva da pessoa humana, pois do contrário iria ocasionar um fenômeno de instabilidade jurídica, no que tange à vulnerabilidade da reputação das pessoas jurídicas frente à sociedade.

Para atender a sua função social, a pessoa jurídica necessita do exercício de direitos da personalidade, e, portanto, será cabível dano moral em razão de eventual lesão sofrida a estes direitos.  

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. Diante da pesquisa realizada para consecução do presente artigo, constata-se que é amplamente majoritário o entendimento acerca da aplicabilidade dos danos morais em face da pessoa jurídica.

2. A força normativa de um enunciado de súmula do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado nº 227) e de um dispositivo legal, qual seja o artigo 52 do Código Civil Brasileiro, é maior e mais abrangente do que a de um enunciado das Jornadas de Direito Civil, e, portanto, prevalece que a pessoa jurídica tanto pode sofrer danos morais quanto pode ser titular de direitos da personalidade.

3. A expressão “no que couber”, inserida no artigo 52 do Código Civil de 2002, não busca suprimir a proteção dos direitos da personalidade para a pessoa jurídica, e sim adequá-los a tal entidade coletiva em face de sua estrutura bio-psicológica.

4. Ao se falar em dano moral à pessoa jurídica, o direito da personalidade atingido é a honra objetiva e não a honra subjetiva. Esta é exclusivamente inerente ao ser humano. Já a honra objetiva, por ser atributo externo ao sujeito que é vítima do dano, pode ser vislumbrada pela pessoa jurídica, haja vista para a hipótese de que esta possa ter sua reputação, admiração e respeito abalados em face de determinada lesão ao seu nome ou à sua imagem frente à sociedade.

5. O fato de acarretar ou não diminuição patrimonial ou redução de lucros econômicos de uma pessoa jurídica não pode justificar a concessão ou não do instituto dos danos morais à pessoa jurídica. Ocorrido um dano, este deve ser reparado, ou mínimo, compensado.

6. As entidades que não perseguem finalidade econômica, e que possuem sua reputação, nome ou imagem, atacados por determinado dano, não têm a possibilidade de comprovar a efetiva lesão através dos prejuízos causados propriamente ditos, o que afasta o argumento contrário ao cabimento de danos morais em favor da pessoa jurídica.

7. A pessoa jurídica necessita da proteção dos direitos da personalidade para conseguir atingir suas metas e objetivos, pois do contrário haveria um fenômeno de instabilidade no decorrer de suas atividades. Sendo assim, é imprescindível ser a pessoa jurídica titular de direitos da personalidade para que possa cumprir com a sua finalidade social.

 

Referências
AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
CHAVES DE FARIAS, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Danos morais e a pessoa jurídica. São Paulo: Método, 2008.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: parte geral. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004.
RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. trad. Paolo Capitanio. 6. ed. Campinas: Bookseller, 1999.
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
Notas:
[1] Conferir, nesse sentido, a obra de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral, 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 183.
[2] Ver, a respeito desse tópico, a obra de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral, 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 184, bem como a obra de Pablo Malheiros da Cunha Frota, Danos Morais e a Pessoa Jurídica, São Paulo: Método, 2008, p. 103.
[3] Vale conferir Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral, 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 185, bem como Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direito Civil: Parte Geral, 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 237, e ainda mais, Pablo Malheiros da Cunha Frota, Danos Morais e a Pessoa Jurídica, São Paulo: Método, 2008, p. 104, e o ilustre Roberto de Ruggiero, Instituições de Direito Civil, 6. ed. Campinas: Bookseller, 1999, p. 551.
[4] Ver, relacionado a esse tema, o trabalho de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral, 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 185-186, bem como a obra de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direito Civil: Parte Geral, 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006, p. 237, e ainda mais, a obra de Pablo Malheiros da Cunha Frota, Danos Morais e a Pessoa Jurídica, São Paulo: Método, 2008, p. 105.
[5] Conferir Vade Mecum, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 148.
[6] Ver Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direito Civil: Parte Geral, 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 238, e ainda, Pablo Malheiros da Cunha Frota, Danos Morais e a Pessoa Jurídica, São Paulo: Método, 2008, p. 110.
[7] Ver Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direito Civil: Parte Geral, 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 238, e ainda, Pablo Malheiros da Cunha Frota, Danos Morais e a Pessoa Jurídica, São Paulo: Método, 2008, p. 110.
[8] Vale conferir, no que tange ao tema, a obra de Gustavo Tepedino, Temas de Direito Civil, 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 561.
[9] Ver, nesse sentido, Sergio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 1.

Informações Sobre o Autor

Oto Sérgio Silva de Araújo Júnior

Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Especialista em Polícia Judiciária e Sistema de Justiça Criminal pela Academia de Polícia do Estado de São Paulo. Especialista em Direito do Estado pelo JusPODIVM – Instituto de Excelência LTDA. Graduação em Direito pelo Centro Universitário Jorge Amado


Equipe Âmbito Jurídico

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