Resumo: O presente artigo tem por finalidade discutir sobre o binômio efetividade/legalidade da medida excepcional discutida, qual seja, a internação compulsória de dependentes de crack, abrangendo o embate entre os direitos fundamentais individuais e a licitude ou ilicitude da conduta, diante da diversidade de enquadramento estabelecida no ordenamento jurídico pátrio, variando conforme o quadro de sanidade física e mental dos dependentes químicos. Busca, ainda, a partir de análise qualitativa e quantitativa expor a realidade da dependência química e apresentar possíveis contribuições ao debate, visando conferir a máxima efetividade possível, dentro dos parâmetros constitucionais e infraconstitucionais, ao instituto da Internação Compulsória.[1]
Palavras-chave: Dependência química. Internação Compulsória. Constitucionalidade. Eficácia. Ressocialização.
Abstract: This article aims to discuss the binomial effectiveness / legality of the discussed exceptional measure , that is, the compulsory hospitalization of crack addicts , covering the clash between the individual fundamental rights and the lawfulness or unlawfulness of the conduct , given the framework of diversity established in the Brazilian legal system, varying according to the framework of physical and mental health of drug addicts . Search also from qualitative and quantitative analysis to expose the reality of addiction and indicate possible contributions to the debate , seeking to give the highest possible effectiveness , within the constitutional and infra parameters to the hospitalization Compulsory institute.Key-Words: Substance addiction. Compulsory hospitalization. Constitutionality. Effectiveness. Resocialization.
Sumário: 1. Introdução 2. Um breve histórico do consumo de crack 2.1 O crack no Brasil 3. Do direito Constitucional a saúde e a responsabilidade estatal. 3.1. da contaminação pelo HIV entre os usuários de crack 4. A Constituição Federal e a lei n. 10.2016/2001: ponderações entre a liberdade individual e a internação compulsória do usuário de crack 5. Considerações finais 6. Referências 7. Apêndice
1. INTRODUÇÃO
Diante das estatísticas atuais de consumo de substâncias psicoativas, bem como ante a realidade das “cracolândias” existentes em todo o país, o tema escolhido traz à baila a contemporaneidade e complexidade da questão debatida, haja vista a discrepância de entendimentos acerca da legalidade/efetividade desta medida excepcional.
Há tempos vem se discutindo acerca de medidas efetivas, capazes de sanar o problema da dependência química no país, sendo que atualmente é perceptível que este mal já está enraizado, o que impulsiona o poder público à procura de medidas emergenciais.
A magnitude do problema da dependência química reflete diretamente na estrutura da sociedade, como um todo, posto que aqueles indivíduos que estão neste estado de degradação deixam de ter pleno exercício de suas faculdades mentais, o que implica na destruição do instituto “família”, que ainda se mostra como o principal pilar da sociedade, ou seja, ocorre realmente um efeito cascata, trazendo prejuízos irreparáveis.
O trabalho ora proposto traz à tona a iminente discussão de cunho jurídico acerca da internação compulsória dos usuários de crack, medida que divide os posicionamentos de doutrinadores e juristas, afinal, existem aqueles que defendem tal medida emergencial e aqueles que a condenam, ambos os pólos sob a luz da Constituição Federal.
A dúvida que paira entre os opositores da medida proposta é acerca do real poder de reabilitação desses dependentes químicos por conta de tal medida, sendo que esta não poderia se tornar um mecanismo manicomial, com alicerce na internação prevista no art. 6º da Lei 10.216/01, tão pouco de “limpeza das ruas”, afinal, trata-se de direitos e garantias fundamentais de um grande número de pessoas.
Parte-se do princípio que a intervenção estatal, no caso em tela, é uma atividade legítima e legal, ou melhor, “o Estado tem o dever de internar, sobretudo menores de 18 anos, uma vez que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece a dependência química como uma doença mental.” [2].
Insta salientar, que não se trata de um mecanismo “novo”, basta fazer uma análise minuciosa da medida tratada aqui, e veremos que diversas famílias com certo poder aquisitivo, quando enfrentam problemas desse aspecto, recorrem à internação involuntária em clínicas privadas, e isto não é de hoje: há todo um histórico no que tange ao quanto alegado.
Todavia, sabe-se que este mal (leia-se: dependência química) incide de maneira mais devastadora nas classes menos favorecidas, que enfrentam uma verdadeira via crucis na busca pela reabilitação desses usuários, onde na maioria das vezes, esses esforços não produzem resultados adequados.
Destina-se, deste modo, firmar o entendimento de que o consumo crônico de qualquer substância psicoativa deve ser abordado como uma patologia, e neste passo, deve ser tratada como tal, visto que esta “doença” assola grande parte da população, avançando em números cada vez mais assustadores.
É importante salientar que, mesmo a utilização eventual de crack produz efeitos devastadores, por esta razão, a utilização esporádica também torna o usuário um dependente químico, na medida em que “assim como não existe meia gravidez, também não há meia dependência. É raro encontrar um consumidor ocasional. Existe, sim, usuário iniciante, mas que, muito cedo, se transforma em dependente crônico. Afinal, a compulsão é a principal característica do adicto.” [3].
Consignando o entendimento de que a função da internação compulsória é trazer uma melhora para o dependente químico, acreditando numa mudança considerável e até mesmo na ressocialização, imprescindível será trazer retratar a visão de ambas as linhas de raciocínio: tanto daqueles que são a favor, quanto dos que são contra a implantação de tal medida, cada vez mais presente, sobretudo na realidade das grandes metrópoles brasileiras.
Diante do exposto, bem como com base em informações trazidas neste trabalho, busca-se o objetivo de detalhar a amplitude do problema e destacar o respaldo constitucional da internação compulsória.
2. UM BREVE HISTÓRICO DO CONSUMO DE CRACK
Não é preciso ter qualquer experiência com essa droga para consignar o entendimento de que seu efeito é devastador. O entorpecente foi nomeado como crack por conta do ruído causado quando a droga é queimada para o consumo.
A droga é produzida através da mistura de cocaína com bicarbonato de sódio. “Enquanto o uso das folhas de coca como tóxico data de há três mil anos atrás, o crack, uma forma cristalizada da cocaína, foi desenvolvido durante o boom da cocaína na década de 1970 e o seu uso expandiu–se em meados da década de 1980 [4]“.
Observa-se que o surgimento do crack está estritamente relacionado ao grande consumo da Cocaína, visto que esta última era uma droga bastante consumida, todavia, seu preço alto não a tornava acessível àquelas classes menos favorecidas, o que ocasionou o surgimento de uma droga mais potente, porém, com uma matéria prima mais barata, visto que seria produzida a partir de rejeitos da Cocaína. Senão vejamos:
“De acordo com a US Drug Enforcement Agency, nos finais da década de 1970 havia uma enorme abundância do pó de cocaína a ser enviado para os Estados Unidos. Isto fez com que o preço da droga sofresse uma queda de cerca de 80%. Face à queda dos preços do seu produto ilícito, os traficantes de droga transformaram o pó em “crack”, uma forma sólida da cocaína, que podia ser fumada.
Quebrada em pedaços pequenos, ou em “pedras”, esta forma de cocaína podia ser vendida em quantidades menores, a mais pessoas por um lucro maior. Era barata, simples de produzir, fácil de usar, e altamente rentável para os traficantes”. [5]
Nessa toada, os dados acerca do crack, dão conta que a droga teve seu surgimento nos Estados Unidos da América, disseminando-se entre as classes mais pobres, e em seguida entrando em outros países, como o Brasil.
2.1. O CRACK NO BRASIL
Ao partirmos para uma análise desta magnitude acerca do problema do crack, bem como acerca das medidas emergenciais tomadas pelo Estado para conter esse mal que muitos consideram como irremediável, é improvável, num primeiro momento, não pairar dúvidas acerca do surgimento dessa droga no Brasil. Aqui, “acredita-se que o surgimento do crack se deu na década de 1980. Em 1989, é relacionado o primeiro relato de uso, na cidade de São Paulo. Dois anos depois, foi feita a primeira apreensão. Acredita-se que a droga tenha entrado no país pelo Acre, vinda da Bolívia e do Peru. O uso da cocaína apresentava uma escalada em todo o mundo. O crack era a versão da droga usada por grupos marginalizados, muitos deles vivendo nas ruas[6].”
Neste ínterim, é de bom alvitre neste momento, trazer à baila o brilhante depoimento do Médico Drauzio Varella, em um artigo publicado em seu sítio virtual. Senão vejamos:
“Em 1989, comecei um trabalho voluntário em presídios, que dura até hoje. No Carandiru, naquela época, a moda era injetar cocaína na veia. Os presos vinham pele e osso, com os olhos ictéricos e os braços marcados pelas agulhas e os abscessos causados por elas.
Naquele ano, colhemos amostras de sangue dos 1.492 detentos registrados no programa de visitas íntimas: 17,3% dos homens eram HIV-positivos, e 60% estavam infectados pelo vírus da hepatite C. A partir desses dados, começamos um trabalho de prevenção que constava de palestras e vídeos educativos. Lembro que o diretor-geral tentou me convencer da inutilidade da iniciativa:
— O senhor está sendo ingênuo. Quem injeta cocaína na veia é irrecuperável, não tem mais nada a perder.
Estava errado, o resultado foi surpreendente: em 1992, a cocaína injetável foi varrida do mapa, fenômeno que se espalhou pelos outros presídios e pelos becos da periferia de São Paulo. A moda do baque na veia tinha chegado ao fim. Não havia motivo para comemoração, no entanto: naquele ano, o crack invadiu o Carandiru. Para entender o que se passou, é preciso conhecer um pouco da farmacologia da cocaína.[…]
Fumada na forma de crack, a droga chega ao cérebro mais depressa do que ao ser injetada na veia, porque não perde tempo na circulação venosa, cai direto no pulmão. Do cachimbo ao cérebro, leva seis a dez segundos. O efeito é semelhante ao baque da injeção intravenosa, porém ainda mais rápido e fugaz. […]
Vale a pena chegar perto de uma cracolândia para entender como é primária a ideia de que o craqueiro pode decidir em sã consciência o melhor caminho para sua vida. Com o crack ao alcance da mão, ele é um farrapo automatizado que não tem outro desejo senão o de conseguir a próxima pedra para o cachimbo.
Na Penitenciária Feminina em que trabalho hoje, atendo muitas ex-usuárias de crack. Quando lhes pergunto se são a favor da internação compulsória dos dependentes da cracolândia, todas respondem que sim. Nunca encontrei uma que sugerisse o contrário.” [7]
Atualmente, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios[8], cerca de mais de 90% dos municípios brasileiros enfrentam o problema do combate ao crack.
“Uma das questões de grande relevância neste estudo está relacionada ao nível de consumo de crack nos Municípios, classificado em alto, médio ou baixo, pelos próprios gestores a partir na análise da sua realidade. Os munícipes apontaram que o consumo de crack em nível baixo é de 27,6%, em nível médio 45,6% e alto chegou a um total de 25,9%”.[9]
No que tange as conseqüências, sabe-se que o problema do consumo crônico da droga é mais do que um questão social, visto que traz conseqüências a diversas áreas da sociedade, principalmente a saúde.
3. DO DIREITO CONSTITUCIONAL A SAÚDE E A RESPONSABILIDADE ESTATAL.
Enquanto não contamos com medidas efetivas e específicas que tratem da realidade da dependência química, a medida excepcional aqui discutida vem se tornando cada vez mais, uma realidade. Soma-se a isto, a sensação de impotência, no que tange a atuação do Estado, que com a incumbência de zelar pelo bem da coletividade, de forma contraditória, vem direcionando suas atividades à exaltação de direitos individuais.
Atualmente, a discussão acerca da (in) constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), que trata sobre a posse da droga para uso pessoal, vem tomando grandes proporções, baseando-se em teses de direitos individuais, todavia, basta uma análise perfunctória do quadro atual de dependência química no país, para corroborar o entendimento de que a intimidade e os direitos individuais são garantidos, mas não são ilimitados, podendo esbarrar em direitos fundamentais precípuos, como o direito a saúde e o bem-estar da coletividade.
Recentemente, o Ministro do STF, Gilmar Mendes, em sede de Recurso Extraordinário nº635.659, exarou voto alegando a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei. Nº 11.343/06, que trata sobre a posse de droga para uso pessoal. Vejamos trecho da decisão:
“Nos termos do art. 28, §2º, da Lei 11.343/2006, “Para determinar se a droga destinava a consumo pessoal, “o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.”
Já ressaltei a zona cinzenta entre o tráfico de drogas e a posse de drogas para consumo pessoal. A diferença entre um e outro enquadramento é decisiva para pessoa abordada. Ou poderá ser presa, por até quinze anos, ou seguirá livre, embora sujeita, pelo menos transitoriamente, às medidas previstas no art. 28, sem efeitos penais.
Conforme há pouco relatamos, há sérios indicativos de que esse contexto pode conduzir à inadmissível seletividade do sistema penal. A interpretação dos fatos, com elevada carga de subjetividade, pode levar ao tratamento mais rigoroso de pessoas em situação de vulnerabilidade – notadamente os viciados.[…]
Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário para: 1 – Declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei 11.343/2006, de forma a afastar do referido dispositivo todo e qualquer efeito de natureza penal. Todavia, restam mantidas, no que couber, até o advento de legislação específica, as medidas ali previstas com natureza administrativa[…][10]”
Todavia, é clara a divergência jurisprudencial no que tange ao debate em questão, conforme depreende-se de julgados recentes:
“EMENTA: APELAÇÃO. POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO. ART. 28 DA LEI 11.343/06. PROVIMENTO DO PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA CASSAR A SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA, DANDO PROSSEGUIMENTO AO FEITO. APELADO FOI PRESO QUANDO SUPOSTAMENTE PORTAVA 0,2G (DOIS DECIGRAMAS) DE CANNABIS SATIVA L. E 0,3G (TRÊS DECIGRAMAS) DE “CRACK” PARA CONSUMO PRÓPRIO – CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 28 DA LEI DE DROGAS, QUE PREVÊ CONDUTA CONSIDERADA CRIME. ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES – PORTAR DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO É PREJUDICIAL NÃO SÓ PARA O USUÁRIO, MAS TAMBÉM PARA TODA A COLETIVIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LESIVIDADE. PROVIMENTO DO RECURSO.” (TJ-RJ – APL: 01868313720128190001 RJ 0186831-37.2012.8.19.0001, Relator: DES. MARIA SANDRA KAYAT DIREITO, Data de Julgamento: 16/06/2015, PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 19/06/2015 12:08)
Partindo do pressuposto de que evoluímos de um Estado Liberal, para um que prima pelo bem-estar social, chega-se ao entendimento de que os direitos sociais, econômicos e culturais relacionados à igualdade, à dignidade da pessoa humana, passaram a ser equilibrados, dando uma ênfase na constância das políticas públicas na área de saúde.
De equivalente importância, o Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, passou a dar prioridade à justiça social, priorizando critérios para nutrir a dignidade de seus cidadãos, conforme se depreende do conteúdo do art. 196 da Carta Magna, no que tange aos direitos sociais.
Mateus Barbosa Gomes Abreu, ao tratar do direito à saúde, afirma:
“O Direito à Saúde, reflexo imediato do direito a vida e do princípio da dignidade da pessoa humana, para sua concretização, demanda a eficiente prestação de tratamentos por parte do Estado a um amplo rol de destinatários. Neste diapasão é o art. 196, caput, da Carta Política, verbis:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Do dispositivo supra aludido, extrai-se que os entes federativos, sem exceção, estão obrigados a fornecer medicamentos e tratamentos de saúde a todos aqueles que não dispõem de meios ou recursos para provê-los”.[11].
Torna-se claro que diante de tão grave problema com a dependência química, sobretudo o consumo crônico de crack, que o poder Público juntamente com toda a sociedade deve tratar tal mal como calamidade de saúde pública.
Embora exista um grande debate no que tange ao enquadramento da dependência química como patologia, é indubitável que esta deve ser enfrentada como tal. Isto significa dizer que não há tempo para falácia, posto que, assim como o câncer, o crack vem ceifando vidas e corroendo a sociedade, devendo ser combatido com efetividade e presteza pelo poder público, fazendo valer o Princípio da Universalidade dentre os preceitos da saúde, como aludido pelo art. 196, caput da Carta Magna.
Em relação as políticas públicas, imprescindível não falar do Sistema Único de Saúde – SUS, elucidado de forma sucinta, porém direta, por Mateus Barbosa Gomes Abreu. Senão vejamos:
“SUS traduz-se em um conjunto de ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta, e das fundações mantidas pelo poder público. Facultou a participação da iniciativa privada de maneira complementar, em contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.” [12]
Assim, não se questiona, neste trabalho, a importância do SUS no combate a dependência química, visto que apresenta-se atualmente, em toda região nacional com o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), avaliando, atendendo e acolhendo seus pacientes, assim como exercendo um apoio/suporte às famílias desses dependentes.
No que tange as políticas públicas, órgãos como o Centro de Referência de Assistência Social – CRAS e o Centro de Referência Especializado da Assistência Social – CREAS, são fundamentais no que tange ao nosso modelo assistencial de saúde, bem como aos serviços de proteção social básica, ambos desempenhando grande papel nos setores mais carentes da população, no que tange ações de prevenção, proteção e assistência àqueles indivíduos expostos ao risco iminente, bem como seus familiares.
Todavia, não se pode olvidar que as ações desempenhadas por estes órgãos – CAPS, CRAS e CREAS, tendem a desintoxicação, tratamento da abstinência, assistência, dentre outras funções, mas dificilmente afastará aqueles dependentes químicos do ambiente hostil e deletério em que convive (ressocialização), em se tratando dos usuários do crack.
Em que pese o entendimento acima exposto, o que se pretende consignar aqui, é a real necessidade de uma abordagem mais incisiva em relação ao problema, visto que indubitavelmente, é totalmente justificável uma intensidade maior quando se fala da realidade do consumo crônico do crack, fator principal e estimulador deste trabalho.
3.1. DA CONTAMINAÇÃO PELO HIV ENTRE OS USUÁRIOS DE CRACK
Como se não bastasse as conseqüências naturais advindas da dependência do crack, outra realidade vem causando preocupação das autoridades: o crescente número de contaminação pelo vírus HIV entre os usuários da droga.
Assim como esses dependentes químicos vivem em vulnerabilidade à violência, degradação física e mental, dentre outras conseqüências ocasionadas pelo uso da substância, doenças infectocontagiosas estão acometendo cada vez mais esses indivíduos, causando um surto de contaminação pelo vírus HIV entre eles.
Em recente pesquisa realizada pela Fiocruz, a pedido dos Ministérios da Saúde e da Justiça, fora constatado que “a contaminação pelo vírus HIV entre os usuários de crack no Brasil é oito vezes maior do que na população em geral. Enquanto no grupo das pessoas que consomem regularmente esse tipo de droga ilícita a prevalência é 5%, no conjunto da população brasileira é 0,6%.[13]”
Esses dados alarmantes traduzem a dinâmica que envolve o uso crônico do crack nas “cracolândias”, bem como nas diversas regiões do país, onde os usuários, desorientados e confusos pelos efeitos da droga, relacionam-se sexualmente sem preservativos, na maioria das vezes em troca de dinheiro para saciar a dependência química, ou até mesmo para satisfazer a necessidade física.
Esta relação entre usuários, na maioria das vezes envolve um alto número de parceiros sexuais, realidade que traduz os altos índices de incidência de doenças infectocontagiosas entre esses indivíduos, como AIDS, Tuberculose, Hepatite C, dentre outras.
Mesmo diante de políticas e diretrizes de prevenção a AIDS, a vulnerabilidades dos usuários de crack à esta patologia é evidente, ou seja, o próprio uso crônico da droga, que já apresenta-se como uma doença, vem favorecendo a infecção pelo vírus HIV entre esses usuários.
“Mais de um terço dos usuários (39,5%) informou não ter usado preservativo em nenhuma das relações sexuais vaginais no mês anterior à entrevista. Nas relações sexuais orais o percentual é ainda maior: 50% dos usuários não usaram preservativo. E nas relações sexuais anais a mesma situação foi relatada por praticamente 30% dos entrevistados. Alem disso, apesar da evidente exposição ao risco, mais da metade dos entrevistados (53,9%) relataram nunca ter feito teste para HIV. Nos municípios que não são capitais a proporção é ainda maior, chegando a 65,9% de pessoas que jamais fizeram o teste para detectar o vírus HIV.”[14]
Nessa perspectiva, resta evidenciado as conseqüências do enraizamento da dependência do crack na sociedade, visto que além de desencadear seus efeitos inerentes ao uso da substância, vem ocasionando a incidência de outros fatores de risco, como é o caso do HIV.
4. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A LEI N. 10.2016/2001: PONDERAÇÕES ENTRE A LIBERDADE INDIVIDUAL E A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DO USUÁRIO DE CRACK
Consumido pela droga, dificilmente o viciado procura uma ajuda sozinho. Geralmente, é a família que busca uma saída, e, no quadro atual, é a família que acaba tomando a dura decisão de internar o dependente químico contra a sua vontade. A partir daí discute-se se esta atitude é a melhor opção.
O crack é uma droga barata e de fácil acesso e com um poder de devastação de cinco vezes o efeito da cocaína, visto que pouco desses usuários conseguem se livrar da dependência crônica da droga. Quando as autoridades não conseguem conter esse mal, utilizando-se de políticas públicas de prevenção e contenção do problema, ONG’S e entidades privadas sobressaem-se em meio a uma realidade de impotência e desempenham um papel de grande importância, a busca pela sanidade física/mental dos dependentes químicos.
Mesmo diante do crescimento das “cracolândias” no estado de São Paulo, a realidade do consumo crônico de crack não é um problema isolado dessa região, visto que tem se alastrado pelas principais metrópoles do país.
No Rio de Janeiro o consumo é feito sob a luz do dia, nas principais vias da cidade, e a primeira intervenção das autoridades foi realizar, compulsoriamente, a remoção de dependentes químicos menores de idade, e submetê-los a um tratamento forçado, no caso dos adultos, é feita uma abordagem, no intuito de convencer o usuário a submeter-se a um tratamento, mas não há a compulsoriedade da internação.
A mais famosa “cracolândia” do Brasil, situada no estado de São Paulo, surgiu como consequência de uma grande degradação do centro da cidade. Ruas esburacadas, prédios abandonados e falta de energia foram fatores que propiciaram o consumo e a expansão do problema.
“Cracolândia – O surgimento de uma área de uso do crack em São Paulo é o desdobramento mais recente de um longo processo de deterioração do Centro da cidade, iniciado ainda na década de 1950.
A concentração dos "crackeiros" foi um processo natural, uma vez que o alto grau de dependência da droga exige um local onde o poder público não está presente. "As zonas abandonadas foram escolhidas por viciados em todas as cidades do mundo onde há crack", afirma o psiquiatra e professor da Unifesp Marcelo Ribeiro”.[15].
A principal divergência existente no cenário atual, versa acerca das garantias Constitucionais previstas na Constituição Federal e a atuação estatal baseada na Lei 10.216 de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
Vejamos o que preceitua o art. 5º da Constituição Federal:
“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.”
Aqueles que defendem a inconstitucionalidade da internação compulsória baseiam-se na defesa do direito à liberdade daquele dependente químico, que estaria sendo violada ante a compulsoriedade da internação.
Neste ínterim, tendo em vista seu conteúdo modesto, é de bom alvitre trazer neste momento os mais destacados artigos da Lei 10.216 de 2001[16]:
“Art. 3o É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.
Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.
§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2o.[…]
Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I – internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II – internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III – internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.[…]
Art. 9o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.”
Nessa toada, observa-se que toda a polêmica acerca da (in) constitucionalidade da internação compulsória desses dependentes químicos cinge-se na ambigüidade interpretativa dos dispositivos Constitucionais supracitados. É cediço que a liberdade do ser humano deve ser assegurada, todavia, no mesmo dispositivo constitucional é assegurado o “direito a vida”.
O direito à vida é direito pressuposto, sem o qual não há de se falar no exercício de quaisquer dos outros direitos. Além disso, não há de se cogitar referir sobre direito á vida desatrelando-o do Princípio da Dignidade da pessoa humana, ou seja, não há como pensar em vida sem dignidade.
Sendo assim, não há que se falar numa hipotética prevalência de um direito sobre o outro, sobretudo porque, no caso sob análise, estão em jogo diversos direitos tutelados pela CF/88: liberdade individual, direito à saúde, direito à vida e dignidade da pessoa humana.
Sendo assim, “é preciso analisar” a constituição como um todo e não em retalhos, ou seja, é preciso observar o Princípio da Unidade da Constituição.
A isso, soma-se o cenário das degradantes “cracolândias” do Brasil, e o sofrimento de famílias que percorrem uma longa e sofrida caminhada na busca por uma solução, ante o deletério que vivem esses dependentes.
Contudo, surge, sobretudo no âmbito jurisprudencial o seguinte debate de grande interesse público, qual seja: o que deve prevalecer entre o direito à vida digna e a saúde e a compulsoriedade da internação do usuário de crack que reflete no direito à liberdade individual?
Observe-se aqui, aparente conflito entre dispositivos constitucionais: de um lado, o direito à vida e a saúde e, de outro, a direito à liberdade de locomoção, que implica no direito de ir, vir e permanecer.
A relevância do Princípio da Unidade da Constituição ganha realce na medida em que doutrina e jurisprudência são vacilantes quanto aos fundamentos que autorizam ou desautorizam a internação compulsória. A análise dos dispositivos constitucionais aplicáveis deve ser realizada de forma conjunta, de modo a evitar eventuais contradições, por exemplo, entre a liberdade de locomoção e a dignidade humana do usuário de crack”
No que tange a divergência de opiniões, é de bom grado colacionar o entendimento de Chaim Perelman:
“Diante da da multiplicidade dos caracteres humanos, da pluralidade de opiniões, o papel tradicional dos filósofos era, estabelecendo uma hierarquia entre esses caracteres, ensinando o verdadeiro sentido das palavras, fornecer a resposta válida, objetivamente fundada, que haveria de se impor a todos os seres dotados de razão.”[17]
Sendo assim, não se questiona neste trabalho a hierarquia de normas ou princípios constitucionais, mas sim, a maneira equivocada de interpretar dispositivos constitucionais como se fossem normas heterogêneas.
É indubitável que as normas jurídicas necessitam se contextualizar com a realidade fática da sociedade, explicitando a necessidade de ponderação de normas/princípios constitucionais. Todavia, conforme explanado anteriormente, as necessidades sociais apresentam-se como fatores preponderantes no que tange esta adequação normativa. Neste sentido, o mesmo autor pondera:
“Se os utilitaristas só dão valor ao argumento pragmático, os formalistas, como Kant, que exigem uma adesão absoluta às regras, aconteça o que acontecer – “o dever é o dever”, “a lei é a lei” –, fazem essa obediência depender de critérios intrínsecos. É evidente que esta oposição se fará notar também na atitude de quem interpreta e aplica um texto: ao respeito pela letra da lei oporão a interpretação cujos efeitos forem mais úteis socialmente.”[18]
A maior crítica acerca da legislação supra, cinge-se na alegação de que a internação compulsória, utilizada em situações extremas, como é a realidade das “cracolândias”, apresenta-se meramente como uma medida de segurança policialesca, ou seja, uma sanção jurídico-penal mascarada. Todavia, analisando o conteúdo da legislação em epígrafe, não há que se falar em “penalidade”, haja vista que o tema que se aborda aqui, não encontra guarida na legislação penal.
A própria legislação penal específica, em se tratando da Lei Nº 11.343/06 (Lei de Drogas), no que tange ao seu conturbado art. 28, dispõe:
“Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.[19]
Verifica-se que, quanto ao usuário de droga, tal lei não dispõe acerca de uma medida imediata de tratamento para aquele dependente químico, logo, o que se pretende com a internação compulsória não é “penalizar” o usuário pela sua “patologia”, e sim trata-lo, mediante procedimentos médicos, obedecendo a critérios e objetivos.
A lei que dispõe sobre a internação compulsória, funciona como um instrumento Constitucional, fazendo valer os preceitos que regem a Carta Magna, trazendo em questão o Princípio da Supremacia do Interesse Público.
É indubitável que este mal assola toda a sociedade, e que proceder a um tratamento mais incisivo dos dependentes de crack não significa abrir mão de garantias individuais, ao contrário, significa zelar pelo bem da coletividade. Afinal, a magnitude da situação atual, demonstra com clareza e precisão, que existe uma dupla vitimação, visto que o dependente químico percorre seu caminho deletério em busca de saciar seu vício insaciável, tornando-se, na maioria das vezes um marginal, enquanto a sociedade vive correndo riscos diários, desdobrando-se para não serem vitimados por esse descontrole.
Em recente pesquisa encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) à Fiocruz, constatou-se que os números de usuários de crack são consideravelmente elevados nas regiões mais populosas do país. Segundo esta pesquisa:
“Contudo, em números absolutos, o número de usuários de crack e/ou similares nas capitais do Sudeste é mais elevado do que nas capitais da região Norte (aproximadamente 115 mil vs. 35 mil usuários), por aquela ter maior tamanho populacional.
As capitais da região Nordeste, ainda que estatisticamente apresentem proporções similares de uso frente às capitais da região Sul, foram as que apresentaram o maior quantitativo de usuários de crack e/ou similares, quando considerado o uso forma regular dessa droga: cerca de 150 mil pessoas”[20].
Mais um dado alarmante, é a avaliação quantitativa quanto aos usuários de Crack menores de idade. A pesquisa[21] aponta que dentre os 370 mil usuários de crack e/ou similares estimados, tem-se que cerca de 14% são menores de idade, o que representa aproximadamente 50 mil crianças e adolescentes que fazem uso dessa substância nas capitais do país, inclusive, na região do Nordeste, o consumo de Crack por menores de 18 anos é o maior em todo o País.
Ora, é indubitável que quando se trata do envolvimento de crianças/adolescentes com o consumo de drogas desse potencial devastador, as informações são extremamente alarmantes.
Quando o problema enfrentado diz respeito à proteção a criança e ao adolescente, o marco inicial para o enfrentamento da questão é a Constituição Federal. Senão vejamos:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Com o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, este direitos passaram a ser abordados com mais prioridade e efetividade, chancelados pelo princípio Constitucional da dignidade da pessoa humana, advindo deste, o Princípio da Prioridade Absoluta, inserto no dispositivo constitucional supra, e ratificado no ECA em seu art. 4º, preceituando que “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.[22]”
Nesse viés, tendo em vista o crescimento do número de menores de idade em vulnerabilidade ao crack, é lógico que o lapso temporal entre a experiência com a droga e a atividade criminal, como furtos, roubos e até assassinatos, se torna cada vez menor, aumentando as estatísticas de crimes cometidos por menores, e consequentemente, alimentando a discussão acerca de outros temas, como é o caso da atual discussão acerca da redução da maioridade penal.
Não obstante aos princípios e garantias explanados alhures, no que tange o caso em tela, é imprescindível pôr em relevo a dignidade da pessoa humana, explícito na Constituição Federal em seu art. 1. Senão vejamos:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúveldos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em EstadoDemocrático de Direito e tem como fundamentos: […]
III – a dignidade da pessoa humana”
Ora, consignando o entendimento de que a dignidade da pessoa humana apresenta-se como um princípio corolário da nossa Carta Política, resta claro que todos tem direito à vida, ou melhor, a uma vida digna.
Isto posto, é indubitável que a Constituição deve ser interpretada de forma uníssona, visto que o conjunto de normas ali contido são harmônicos. Logo, é cediço que todos têm direito a vida, todavia, primordialmente, aspectos como a saúde, segurança e o próprio bem-estar dos cidadãos caracterizam-se como garantias fundamentais à uma vida digna,visto que “os Direitos Fundamentais, modernamente, são direitos humanitários e servem como sustentáculo para compreensão do direito à saúde. Deste modo, o Estado ao gerir a saúde pública, deve sempre praticar atos embasados pelo princípio da dignidade da pessoa humana,[23]” afinal, de que vale viver sem dignidade?
Diante do problema enfrentado, ante a perda total de cognição dos usuários de crack vulneráveis ao cárcere natural advindo da dependência química, é indubitável a necessidade de mitigação da liberdade de locomoção do usuário de crack para trata-lo, posto que usuário de droga é portador de doença e, nesta qualidade, assim como qualquer outro doente, é merecedor de ampla proteção Estatal no que tange ao direito à saúde e a dignidade da pessoa humana’.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, resta claro a necessidade de pôr em prática uma medida mais incisiva para combater o problema do crack, visando dar chancela ao bem maior inerente ao ser humano, a vida. Justifica-se tal ponderação, uma vez que as medidas e políticas publicas adotadas até então não vem surtindo efeito ante a magnitude da realidade fática encarada pelo nosso País.
Conforme explanado alhures, a medida da internação compulsória não fere garantias constitucionais, visto que o conteúdo disposto na Lei 10.216 de 2001, tende a ratificar, ou melhor, efetivar o direito à uma vida digna, conforme determina nossa Constituição.
É cediço que as garantias formais já existiam, todavia, as medidas criadas para efetivar a proteção a vida, no que tange os dependentes químicos, necessariamente os usuários crônicos de crack, restaram insuficientes para combater este mal. Diante dessa impotência, surge esta medida excepcional, que mesmo com seu aspecto compulsório, traz em sua essência, o encalço por restabelecimento de uma sociedade livre das drogas, mesmo que para muitos seja uma aspiração utópica.
O que se busca, com base na lei mantenedora da medida excepcional discutida, não é a “limpeza de ruas”, tão pouco a carcerização destes dependentes químicos. Basta uma análise perfunctória do art. 1º da supracitada, para consignar o entendimento de que, a sua finalidade cinge-se em alcançar uma “assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros[24]”
Ora, não há que se falar em afronta a liberdade desses dependentes químicos, afinal, “tal internação é importante instrumento para sua reabilitação. Na rua, jamais se libertará da escravidão do vício. As alterações nos elementos cognitivo e volitivo retiram o livre-arbítrio. O dependente necessita de socorro, não de uma consulta à sua opinião.[25]”
Neste ínterim, ao mesmo passo em que institui a internação compulsória como medida eficaz para tratamento da dependência química, a Lei 10.216/01 objetiva também a reinserção social do paciente em seu meio. Afinal, um processo de desintoxicação sem um processo de ressocialização, ocasionaria uma lacuna na vida daquele indivíduo, propiciando até, um ulterior retorno às drogas.
Não há que se falar em um ambiente asilar, tão pouco em instituição manicomial. A internação compulsória apresenta-se como um meio, e não com um fim. Em verdade, não restam dúvidas acerca da restrição da liberdade de ir e vir, de forma mitigada, visto que, conforme abordado anteriormente é explicita a colisão entre garantias/direitos constitucionais, todavia, o direito à uma vida digna apresenta-se como “princípio-mor”, em se tratando da pessoa humana.
Estabelecidos os fatores, bem como os métodos adotados, tem-se então o objetivo traduzido na tentativa primordial de pôr em prática a medida excepcional discutida, qual seja, a internação compulsória, no intuito de combater a dependência do crack e extirpá-lo da sociedade. Afinal, agir com brevidade e efetividade traduz o sentimento de que é possível vencer.
Informações Sobre o Autor
Rafael Jambeiro Andrade Silva de Aragão
Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade Ruy Barbosa FRB/Devry Campus Paralela