A inaplicabilidade da pena de confissão ficta ao reclamante ausente à sessão de audiência

Resumo: os magistrados trabalhistas têm aplicado, de forma ampla e irrestrita, a pena de confissão aos reclamantes que não comparecem a uma das audiências. Todavia, este é um assunto que merece uma reconsideração, posto que a única punição que consta no Texto Consolidado é a possibilidade de arquivamento do feito, em casos em que o acionante não comparece. A presente faina tem como objetivo esmiuçar a questão e demonstrar que não se deve aplicar a pena de confissão nestes casos, sob pena de flagrante ofensa a caríssimos valores constitucionais.


Palavras-chave: confissão ficta; revelia; punição.


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Sumário: 1. Introdução 2. Do flagrante desrespeito ao princípio da legalidade 3. Fundamentos de hermenêutica 4. Fundamentos processuais 5. Analogia com processo penal 6. Sistemas e ônus da prova 7. Conclusões. Referências.


1. INTRODUÇÃO


Sobre o tema da aplicação da pena de confissão ao reclamante, infelizmente, não é vasto o acervo doutrinário que versa sobre a matéria. Muito pelo contrário, sendo irrisória e nula a produção literária sobre o mote. Em determinadas situações, os aplicadores do direito são levados a não questionar e dar continuidade à aplicação de determinados dispositivos legais sem que sejam feitos os devidos temperamentos e críticas.


É o que tem ocorrido com a errônea aplicação do artigo 844 da Consolidação das Leis do Trabalho, em decorrência das notificações expedidas, em que membros do Poder Judiciário fazem constar, expressamente, que a parte ausente poderá vir a sofrer a pena de confissão. Todavia, esta matéria tem sido, indevidamente, aplicada ao reclamante, sujeito processual que provoca a máquina judiciária, sem que esta postura punitiva tenha respaldo legal.


Para comprovar o que está aqui sendo apresentado, será feita acurada análise dos dispositivos legais atinentes à matéria, com a devida análise da matéria sobre os prisma dos princípios justrabalhistas e fundamentos hermenêuticos que regem o processo do trabalho, além de traçar uma analogia com demais ramos da ciência processual (civil e penal). Por fim, deverá ser brevemente trabalhada a questão do sistema das provas no direito pátrio e do ônus probandi daqueles que estão insertos em uma relação processual trabalhista.


2. DO FLAGRANTE DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE


Não é por motivos fúteis que o legislador constituinte de 1988 erigiu o princípio da Legalidade como um direito fundamental expresso. Não fosse tamanha a importância de tal preceito, não teria sido feita reiteradas alusões a um mesmo valor. Por conhecer o passado ditatorial e contínuo desrespeito às normas legais que se fazem presentes na conjuntura jurídico-política pátria, os escritores da Lei Fundamental tiveram o trabalho de fazer constar em três diferentes passagens[1] a reafirmação e tutela do caríssimo respeito que se deve fazer presente quando o tema é afeto ao respeito às normas legais positivamente postas e as amarras estatais a serem firmadas.


Todos estes dispositivos significam recados do constituinte originário à vontade sempre presente dos administradores e aplicadores da lei de, reiteradamente, descumprirem os mandames e fundamentos constitucionais. Por tais motivos, fora a legalidade erigida como baluarte constitucional.


Nesta toada, ainda não se pode ainda olvidar que não é possível a aplicação de uma pena sem que esteja determinado comportamento prévia, clara e devidamente descrito em uma cominação legal anteriormente produzida. Assim, se nem mesmo um sujeito que descumpre a lei e pratica uma conduta descrita na norma como crime ou contravenção penal pode ser sujeitado a uma inflição de pena sem que haja previa prescrição em lei para tanto, não se pode pensar em aplicar uma punição ao reclamante, sem que tal restrição esteja previamente descrita em lei.


Sobre o princípio da legalidade, em sede de direitos fundamentais, é importantíssimo vincar que:


De um lado representa o marco avançado do Estado de Direito, que procura jugular os comportamentos, quer individuais, quer dos órgãos estatais, às normas jurídicas das quais as leis são a suprema expressão. Nesse sentido, o princípio da Legalidade é de transcendental importância para vincar as distinções entre o Estado constitucional e o absolutista, este último de antes da Revolução Francesa. Aqui havia lugar para o arbítrio. Com o primado da lei cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei, que se presume ser a expressão da vontade coletiva.


De outro lado, o princípio da legalidade garante o particular contra os possíveis desmandos do Executivo e do próprio Judiciário. Instaura-se, em consequência, uma mecânica entre os Poderes do Estado, da qual resulta ser lícito apenas a um deles, qual seja o Legislativo, obrigar os particulares.”[2]


A atual aplicação da pena de confissão ao reclamante não tem base/fundamento legal, sendo uma mera extensão interpretativa dos órgãos jurisdicionais a uma norma expressa que somente poderia ser aplicada aos reclamados.


A atividade interpretativa deve estar jungida a determinadas limites e restrições, sendo a literalidade do texto a primeira amarra que não pode ser desconsiderada, sob pena de total desvirtuamento e ruptura com o valores que foram insertos pelo legislador no texto escrito. Por tal motivo, far-se-á, a seguir, uma breve análise acerca do fenômeno interpretativo e as primeiras razões para não ser possível aplicar tal pena ao sujeito que inicial o processo do trabalho.


3. FUNDAMENTOS DE HERMENÊUTICA


Inicialmente, deve-se tomar como basilar referência à máxima de que uma norma restritiva de direito não pode ser interpretada extensivamente. Desta forma, parte-se da ideologia primacial de que o patrimônio jurídico do jurisdicionado deve ser protegido contra indevidas investidas interpretativas que busquem, extensivamente, restringir situações que não foram expressamente albergadas.


Em primeiro lugar, isso configura uma reafirmação e reforço do princípio da legalidade, anteriormente trabalhado, e, em segundo plano, forma de privilegiar a segurança jurídica, evitando-se desvios interpretativos por maus aplicadores do direito que busquem subverter a teleologia da norma que se está a interpretar.


Não fora por questões outras que o princípio da legalidade é um direito fundamentalmente assegurado na Constituição. para que um indivíduo possa ter a sua esfera de direitos restringida, a norma punitiva não pode vir a ser aplicada extensivamente, estendendo-se a circunstancias e situações que não foram previamente previstos e delimitados em lei. O que se encontra prevista nos textos codificados é uma garantia mínima que o cidadão possui de que não terá a sua esfera de direitos invadida pelo ente estatal, sem que haja prévia, clara e expressa lei nesse sentido.


Desta forma, não se pode pensar em usar de uma interpretação extensiva num sentido que claramente extrapole o texto formal, para que se venha a impingir uma punição a um dos sujeitos processuais. Caso contrário, estar-se-ia dando privilégio a uma postura desmedida, em que a legitimidade do comando normativo poderia ser questionada, uma vez que:


Os resultados práticos da aplicação das normas jurídicas não constituem preocupação apenas sociológica, mas, muito pelo contrário, são elementos essenciais para determinar como, a partir destes dados empíricos, devam ser interpretadas (ou reinterpretadas), legitimando a sua aplicação.


O Direito deixa de ser aquela ciência preocupada apenas com a realização lógica dos seus preceitos; desce do seu pedestal para aferir se esta realização lógica esta sendo apta a realizar os seus desígnios na realidade da vida em sociedade. Uma interpretação/aplicação da lei que não esteja sendo capaz de atingir concreta e materialmente os seus objetivos, não pode ser considerada como a interpretação mais correta.”[3]


Nesta toada, a Norma Consolidada não alberga previsão punitiva expressa e o uso indevido da analogia ou de uma interpretação extensiva findam por macular diretamente o thelos constitucional, o qual fez questão de prever, em diversas passagens, o princípio da legalidade. Sobre o tema, relevantes as palavras de García de Enterría[4]:


“La sociedad actual no las comparte ya, y, mucho más, ocurre todavía que, como un resultado de la experiencia histórica inmediata, ha comenzado a ver en la ley algo en sí mismo neutro, que no sólo no incluye en su seno necesariamente la justicia y la libertad, sino que con la misma naturalidad puede convertirse en la más fuerte y formidable “amenaza para la libertad”, incluso en una forma de organización de lo antijurídico”, o hasta en un instrumento para “la perversión del orden jurídico”.


Caso contrário, voltemos, pois, ao tempos anteriores às revoluções burguesas e inglesas, em que o déspota podia decidir ao seu bel talante e alvedrio e não precisava se restringir a qualquer amarra legal.


Para evitar que isso ocorra, deve ser frustrados os abusos interpretativos que atualmente são feitos em relação ao artigo 844 da Consolidação das Leis do Trabalho, com a consequente interpretação extensiva de que seria possível aplicar a pena de confissão ao reclamante ausente à audiência, posto que isto esteja em desconformidade não só com a sistemática das normas processuais como também seja violador direto e frontal do comando protetivo insculpido na Carta Maior.


Como forma de respaldar o que está aqui sendo aventado, será feita detida análise dos dispositivos processuais constantes no Texto Celetista em cotejo com o Código de Processo Civil.


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4. FUNDAMENTOS PROCESSUAIS


Ab initio, convém aclarar que será feita uma análise conjunta dos dispositivos celetistas e do código processual civil, mas está utilização da ritualística cível é altamente dispensável, diante da clareza do artigo 844 da CLT que trata da matéria e da pungente desnecessidade de aplicação do CPC, por aplicação direta do artigo 769, da CLT[5].


Mesmo que não seja necessário recorrer ao direito processual comum, uma vez que o direito processual do trabalho não seja omisso quanto à matéria, de grande ajuda será disponibilizar alguns segmentos do CPC, uma vez que não se pode negar que dá tratamento mais técnico e minudenciado à matéria que o texto consolidado.


Em breves linhas, concordar que seja aplicada a pena de confissão ao reclamante é o mesmo que possibilitar as consequências da revelia recaia sobre o autor, o que, em hipótese alguma deve ser permitido, uma vez que de hialina clareza que isto configure uma inversão/distorção aplicativa do texto processual. Assim, é fácil entender que o artigo 844 não tem tido uma das melhores interpretações pelos juízes e aplicadores do direito em geral.


A confissão ficta não poderia ser aplicada ao acionante, sendo verdadeiro desacerto ter procedido a tal praeter legem punição, o que desborda, e muito, de qualquer noção de legalidade e previsibilidade que deve imperar em um processo judicial em que esteja garantida a lealdade processual, a qual é de aplicação obrigatória, também, ao magistrado.


Não se pode olvidar que por versar a causa acerca de direitos trabalhistas, normas de ordem pública e de evidente indisponibilidade, e por ser omissa a Consolidação das Leis do Trabalho, deve ter aplicação o quanto disposto no art. 320 do CPC:


“Art. 320. A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo antecedente [presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor: II – se o litígio versar sobre direitos indisponíveis;”


Sendo todos os direitos consagrados no Texto Consolidado indisponíveis e de ordem pública, por imperiosa necessidade demonstrada no transcorrer histórico, a presunção de veracidade por falta de impugnação não poderia, nunca, ser aplicada ao reclamante, figura alvo de proteção e tutela pelo princípio tuitivo das normas juslaborais.


Além disso, vale salientar que o art. 844 não traz disposição expressa acerca da aplicação de revelia ao reclamante, tão somente se reportando à contumácia do reclamado. Desta forma, tendo em visto o quanto presente no art. 769, deve ser aplicado o art. 320 do CPC. Assim, se não pode a revelia ser aplicada ao acionante, por consectário lógico os seus efeitos também não podem ser reputados ocorridos.


A presunção de veracidade dos fatos alegados e a penalidade de confissão são efeitos expressos previstos no código processual civil da ocorrência do fenômeno da revelia. Efetuar o magistrado a importação de tais efeitos ao processo trabalhista, aplicando-o ao autor da ação, mesmo na ausência de norma procedimental, é ferir de morte o basilar princípio da legalidade, constitucionalmente assegurado.


Ressalte-se que este princípio está erigido no rol expresso de direitos fundamentais para evitar esdrúxulas situações de total imprevisibilidade pelo cidadão, sem o que, estar-se-ia impingindo uma restrição indevida ao patrimônio jurídico da parte sem que esta medida restritiva estivesse prevista em lei. Como é possível que a pena de confissão seja atribuída ao reclamante sem que se faça existente nenhum lastro legal?


Entender de modo diverso irá abrir um perigosíssimo espaço para o ativismo judicial exacerbado, sacrificando todo e qualquer sentimento de segurança jurídica – outro direito fundamental constitucionalmente garantido – com uma atuação totalmente desprendida da legalidade, o que, findará por inutilizar o baluarte do devido processo legal, em sua vertente formal, o qual deve, sempre estar presente, sob pena de se colocar em risco todos os avanços e conquistas alcançados desde idos de 1789.


Não se pode negar que o ativismo judicial é uma conquista belíssima, permitindo ao magistrado, diante dos casos concretos que lhe são apresentados, adequar o quanto disposto abstratamente nas normas, deixando de ser submisso ao legalismo e ao conceitualismo, o que, sem dúvidas contribui para o ideal de justiça ser alcançado.


Contudo, existem alguns limites que são instransponíveis, há “a necessidade de uma atuação judicial mais ativa, pautada, sobretudo, nos valores constitucionais”[6]. Nesta feita, os princípio s constitucionalmente assegurados devem funcionar como balizas para impedir a surpresa ou inversão total do sistema jurídico, como forma de garantir ao jurisdicionado um mínimo de previsibilidade e segurança.


O art. 844 tem uma redação clara e fácil, dividida em dois períodos separados por uma vírgula, estando bem delimitadas as consequências de cada uma das ausências, estando distribuída tanto para o reclamante (arquivamento) quanto o reclamado (revelia e confissão quanto à matéria de fato). É possível identificar o quanto se está a afirmar quando se faz uso de destaque – para tanto, será feito uso do itálico para realçar a penalidade legalmente aplicável ao reclamante ausente à audiência e negrito para a consequência da ausência do reclamado:


“Art. 844 – O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.”


É de hialina clareza o disposto no art. 844, sendo interpretação diversa uma ofensa à literalidade do dispositivo, o que não deve ser, em hipótese alguma, permitido. Ademais, deve-se vincar que normas restritivas de direito não podem, nunca, ser interpretadas extensivamente, pois tal permissivo redunda em flagrante ofensa à tipicidade e legalidade, necessárias à escorreita aplicação de tais previsões normativas.


Ao reclamante, sujeito processual que se encontra na parte autora da ação trabalhista, somente pode vir a ser aplicada a pena de arquivamento, o que, por não ter sido aplicado no momento oportuno, resultou em evidente preclusão.


Além disso, caso não se entenda pela ocorrência da preclusão, ad argumentandum tantum, se o magistrado não optou pelo arquivamento do feito, mesmo ausente o reclamante, deve-se entender que entendeu o julgador que a presença do acionante não era imprescindível para o solver a lide. Assim, a aplicação da pena de confissão é uma medida restritiva que apenas e tão somente pode vir a ser impingida á parte ré da relação processual trabalhista.


Aplicar no processo do trabalho a pena de confissão ao reclamante que se ausentou a uma das audiências soa tão absurdo quanto um juiz cível começar a decretar a revelia do autor. É mister vincar fortemente os significados e efeitos de cada instituto para que sejam evitadas algaravias conceituais que levam à má e errônea aplicação do direito.


Não se quer dizer com isso que a ausência do reclamante deve passar incólume. Caso o autor da ação não compareça à audiência e a sua falta gere um lapso probatório, pode, e deve, o magistrado julgar em sentido contrário ao quanto formulado na petição inicial, indeferindo os pedidos do demandante. Contudo, isto somente pode acontecer por ausência de provas, e não pelo mero não comparecimento do autor à sessão.


Desta forma, por conta da injustificada falta, caso esta venha a acarretar deficiência no colhimento das provas, aí sim, deve o magistrado indeferir os pleitos formulados na inicial, por falta de material probatório, e não adotar uma postura em que se absolutiza a presunção relativa de que o não comparecimento do autor vai gerar uma deficiência probatória.


Ademais, existem matérias que somente podem vir a ser provadas documentalmente e é ônus do empregador trazer tais materiais ao processo. Nestes casos, mesmo diante da ausência do reclamante, adotar a presunção de forma absoluta finda por gerar injustiças e descumprir flagrantemente normas protetivas da relação de trabalho.


Não é a toa que existe um código de processo com as normas bem definidas e estabelecidas. Isto decorre da necessidade que existe de previsibilidade, intimamente relacionada com a previsão anterior e expressa em lei quanto a dispositivos que venham a restringir a esfera de direitos dos jurisdicionados.


Caso contrário, e tendo em vista uma interpretação sistemática do direito (englobando agora o ramo processual penal na análise que será feita da matéria) estará sendo dado um tratamento muito mais rigoroso a um trabalhador, sujeito hipossuficiente que teve os seus direitos violados e não adimplidos, do que o quanto referente ao posicionamento já amplamente consagrado em sede criminal, uma vez que o réu – sujeito acusado de ter cometido um crime, ou seja, que tenha violado os bens jurídicos mais preciosos do ordenamento jurídico. É o que se passará a discutir a seguir.


5. ANALOGIA COM PROCESSO PENAL


No processo penal figuram o Estado (polo forte da relação) e um réu, parte hipossuficiente e que está em vias de ter a sua liberdade ou bens atingidos pelo mais poderoso instrumento punitivo estatal. Por esta razão, lhe são concedidas inúmeras benesses e tratamentos menos rigorosos, uma vez que o desequilíbrio fático entre os sujeitos envolvidos na relação processual deve ser compensado por um desequilíbrio jurídico que favoreça a isonomia.


Da mesma forma, no que diz respeito à relação entre empregado e empregador, percebe-se um claro desequilíbrio fático que é compensado por expedientes jurídicos na tentativa de criar uma esfera de embate em que os dois polos da relação possam estar em mesmo nível.


Assim, traçando-se uma relação entre a posição ocupada pelo réu no processo penal (parte fraca da relação) e o reclamante na lide trabalhista (parte hipossuficiente), não há como se considerar possível que seja dada ao acusado o direito de não comparecer às audiências. Todavia, ao trabalhador que assim atue, seja feita uma inversão completa, penalizando-o com uma confissão ficta que poderá redundar em improcedência dos pedidos sem que seja analisado o sistema do ônus da prova.


Será que um suposto criminoso deve ter o seu patrimônio jurídico mais tutelado e protegido do que um individuo que labuta para o sustento próprio e da sua família? Deve-se pensar em lealdade processual e do processo cooperativo, mas isso não pode vir a ser flagrantemente restritivo a uma das partes.


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O Estado é a parte forte e o jurisdicionado a parte fraca, possibilitando o texto legal uma chance ao hipossuficiente de não produzir provas contra si mesmo ou colaborar com a parte contrária. No processo do trabalho, a situação é muito semelhante, pois o trabalhador é a parte inferior da relação e o patrão é a parte hiperssuficiente, não se podendo pensar de tamanha diferença na aplicação das normas.


Se no processo penal a parte fraca da relação é devidamente protegida e tutelada, por que razão o trabalhador, parte hipossuficiente e que se encontra na mesma situação de penúria e irregularidade não pode ser também protegido?


Mais uma vez é assegurado uma maior proteção àquele que claramente descumpre as normas, relegando a segundo plano quem, de fato, merece proteção. Será que isto não é consequência daqueles que se encontram com paletó e gravata e no uso das forças políticas  e econômicas e nos centros de poder? O descumprimento da norma é benéfico, sempre, àqueles que querem o mau uso e aplicação do direito. Quem pode o mais, pode o menos; portanto, não é possível que um criminoso possa ter um tratamento mais benéfico e tutelar que o cidadão de bem que  cumpre com as regras e está a buscar verbas de caráter nitidamente alimentar.


Ademais, não se poderia deixar de fazer referência ao direito ao silêncio que é possibilitado ao suposto criminoso, acusado em um processo penal. Em sentido contrário, o patrono do reclamante não pode se intrometer no interrogatório procedido pelo magistrado, sendo considerado, inclusive, como abuso e desrespeito, a postura do reclamante que não queira responder às perguntas. Por que motivos um criminoso goza de maiores prerrogativas que um trabalhador?


Com isso, percebe-se um tratamento muito mais rigoroso e detrimentoso ao trabalhador do que ao criminoso do processo criminal, ou seja, neste país o sujeito que está sendo acusado de descumprir normas e violar bens jurídicos preciosíssimos (bens jurídicos penalmente tutelados) encontram muito mais proteção no direito do que os simples trabalhadores que prestam seus serviços e vendem a sua força de trabalho e, muitas vezes, tem de recorrer ao Poder Judiciário para receber as verbas trabalhistas a que tinham direito, mas que não foram devidamente cumpridas.


Assim, tem menos direito aqueles que estão batalhando por fazer serem cumpridos os seus direitos do que aqueles que violam direitos, sendo esta uma flagrante contradição existente no direito pátrio, devendo-se estender determinadas prerrogativas e benesses também ao trabalhador pobre que recorre ao órgão jurisdicional para receber verbas a que fazia jus.


6. SISTEMAS E ÔNUS DA PROVA


Vige na sistemática processual, em regra, o princípio do livre convencimento motivado, em que o magistrado tem ampla liberdade de apreciação das provas, aquilatando-as ao seu bel talante e alvedrio, tendo apenas a obrigação constitucional (art. 93, inciso IX, da CF) de motivar o seu ato decisório.


Contudo, não se pode olvidar que há algumas passagens nos textos processuais em que a prova somente é possível através de certo instrumento ou forma previamente determinada pelo legislador. É o sistema da prova legal ou tarifada.


Como exemplo de provas legais ou tarifadas, podem ser citados o artigo 108, do Código Civil (Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valores superiores a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país) e o artigo 401, do Código de Processo Civil (A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados).


Nestes dois exemplos, caso haja a transferência de um imóvel de valor superior a 30 salários mínimos sem que seja feita por escritura pública, ou caso seja celebrado um contrato qualquer que exceda 10 salários mínimos e se queira prová-lo por meio testemunhal, devem tais atos ser desconsiderados validamente, pois a legislação pátria exigiu determinada forma específica para cada um deles. Para eles não se aplica a liberdade das formas!


É o mesmo que acontece com o pedido de demissão/recibo de quitação de rescisão, que exige a assistência do respectivo sindicato ou perante autoridade do MTE, o que, de fato, não houve.  Neste sentido, pode-se considerar o citado art. 477 do Texto Consolidado como um exemplo de prova tarifada, em que o legislador vincula o julgador a determinada espécie probatória, como forma de assegurar e resguardar direitos e promover a segurança jurídica do jurisdicionado.


No caso, para que seja válido o pedido de demissão ou quitação da rescisão deve estar o obreiro assistido por sindicato, sendo este um elemento essencial de validade do ato jurídico praticado, não podendo, portanto, ser desconsiderado em desfavor de uma mera presunção ficta.


Se for tomado como referência um processo do trabalho em que o reclamante tenha indeferido os seus pedidos de verbas rescisórias por não ter comparecido ao processo, com a decisão proferida, a ilegalidade de um ato findou por ser desconsiderada, sendo indevidamente suprida, a posteriori, pelo não comparecimento do reclamante à audiência. Ilação outra não há de que a confissão – dita ficta – fora, em verdade, absoluta, tendo o condão, inclusive, de convalidar um ato violador de disposição legal expressa, malferindo regramentos tuitivos e valores protetivos da Consolidação das Leis do Trabalho.


Este tipo de decisão deve ser vista com todas as ressalvas possíveis, uma vez que os pedidos presentes na petição inicial devem ser verdadeiramente analisados, de acordo com a sistemática processual vigente hodierna, e não à bel vontade de um magistrado que quis ter o seu trabalho facilitado, indeferindo de forma apriorística todos os pleitos formulados na exordial.


É importante trazer este exemplo processual para demonstrar que a decisão proferida no caso hipotético que se está a analisar é completamente desproporcional e desarrazoada, tendo o magistrado buscado um subterfúgio para que não necessitasse analisar, de fato, o que era requerido no processo, sendo muito mais fácil indeferir todos os pedidos, inclusive o de justiça gratuita (que depende de mera declaração da parte e que para ser revogado deve haver prova em sentido contrário produzida pela ré adversa).


“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESPROVIMENTO. CONFISSÃO FICTA. PRESUNÇÃO RELATIVA. PROVA DOCUMENTAL. CONJUNTO PROBATÓRIO. A aplicação da pena de confissão à parte que não comparece à audiência na qual deveria prestar depoimento pessoal não tem eficácia iure et de iure. A presunção legal é juris tantum, podendo ser infirmada por outras provas produzidas nos autos. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.” (AIRR 3473400-91.2002.5.02.0902, Rel: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julg.: 23/02/2005, 3ª T, Data de Publicação: DJ 22/03/2005)


Desta forma, percebe-se que a presunção relativa quanto a veracidade dos fatos (ressalte-se: dos fatos) fora indevidamente tomada em termos absolutos pelo D. Magistrado, proferindo uma decisão que desborda dos limites da legalidade, conforme demonstrado em tópico anterior, como também da constitucionalidade, por ser flagrantemente desproporcional e não razoável, o que fere os princípios constitucionais implícitos da razoabilidade e proporcionalidade nas modalidades necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.


“HORAS EXTRAS. CONFISSÃO FICTA. PRESUNÇÃO RELATIVA. PROVA DOUMENTAL. DEPOIMENTO PESSOAL DA AUTORA. A aplicação da pena de confissão ficta gera presunção relativa de veracidade dos fatos articulados na inicial, especialmente em face da prova documental constante nos autos e do depoimento pessoal da autora. Recurso parcialmente provido.” (RO 01143-2009-003-22-00-4, Relator: LIANA CHAIB, Data de Julgamento: 06/08/2010, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJT/PI, Página não indicada, 3/9/2010)


“REVELIA. CONFISSÃO FICTA. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM. Para superar o quadro decorrente da aplicação da revelia e pena de confissão, é necessário que haja a concorrência de outros elementos probatórios capazes de convencer o juízo em sentido distinto, o que não é a hipótese dos autos, eis que não houve produção de prova oral nem documental quanto à matéria de fato. Recurso conhecido e provido parcialmente”. (RO 00507-2008-006-16-00-0, Rel.: LUIZ COSMO DA SILVA JÚNIOR, Data de Julgamento: 03/06/2009, Data de Publicação: 26/06/2009)


Uma vez que, mesmo o reclamante tenha estado ausente da audiência, o magistrado não arquive o processo, resta implicitamente demonstrado que a presença a parte não era imprescindível para o deslinde da demanda. Deve-se, também, atentar para a lealdade processual que se deve fazer presente pela atuação do órgão jurisdicional, não podendo praticar atos que criem legítimas expectativas na parte e depois venha a trair tal situação com comportamentos que sejam contraditórios, posto que nosso sistema jurídico vede o venire contra factum proprium.


Existem demanda trabalhistas, por exemplo, que independem da presença da parte, não havendo motivos, pois, para que venha a serem os pedidos julgados improcedentes por mera ausência da parte a uma audiência.


Além disso, é extremamente comum que o magistrado, estando ausente o reclamante, não permita que o advogado do acionante faça perguntas aos prepostos da empresas, o que finda por demonstrar que não é dada à parte a possibilidade de produzir provas sobre as circunstâncias de fato que poderiam elidir a presunção ficta que está insculpida no artigo 844 da CLT.


Se o magistrado nega ao patrono da parte a chance de fazer perguntas aos prepostos das empresas que estão presente, como é possível que se considere que não fora feita a prova de uma circunstância fática que poderia ser conseguida por meio de interrogatório das partes presentes? Termina-se dando prevalência a uma mera presunção jurídica, ao passo que deveria ser privilegiada a verdade dos fatos, a verdade real, o que, de fato, é almejado em todo e qualquer processo.


Desta forma, não se pode olvidar, jamais, que a ausência do reclamante à audiência poderia, no máximo, gerar uma confissão ficta, ou seja, juris tantum, podendo ser elidida por prova produzida em sentido contrário. Fora atribuído pelo órgão decisor uma presunção juris et de jure, o que, de forma alguma, se coaduna com as previsões processualísticas.


Assim, fazia-se imperiosa e necessária a oitiva dos prepostos para que fosse possível os esclarecimentos acerca dos fatos que estavam sendo postos em litígio. Todavia, decidira o juízo de piso por absolutizar a presunção relativa prevista no diploma processual para que não se estendesse longamente o momento instrutório.


Diante disso, a confissão ficta não pode ser aplicada à matéria, pois tal comportamento redunda em ofertar caráter absoluto à pena aplicada pelo não comparecimento do reclamante à audiência, postura que finda por desconsiderar, por completo, o quanto legalmente previsto para a validade de determinada prova, valorizando sobremaneira uma mera presunção ficta criada pela lei quando houvesse espaço para a sua aplicação. Ou seja, a confissão ficta somente pode se fazer incidir em circunstâncias que a lei não lhe tenha oposto uma determinada forma. Caso contrário, é uma burla à proteção criada pela lei, infringindo claramente a finalidade da norma.


Deve-se ter em alta conta o quanto decidido pelo TRT 2 no seguinte recurso ordinário:


“Efeitos da revelia e da pena de confissão sobre pedidos que exigem prova documental de constituição do direito. Os efeitos da revelia e da pena de confissão não se prestam a criar direitos que dependam, necessariamente, de prova documental, como é o caso do contrato de trabalho temporário, ante os termos do art. 11 da Lei 6.019/74.” (RO 11604-2002-902-02-00-7, Relator: PAULO AUGUSTO CAMARA, Data de Julgamento: 07/05/2002, 4ª T, Data de Publicação: 17/05/2002)


Por conta disso, algumas das verbas discutidas em um processo do trabalho podem depender apenas de prova documental e não podem ser indeferidas pela simples ausência do reclamante à assentada de audiência. Entre elas, evidencie-se, por exemplo, o pleito relativo ao FGTS, que é assente na jurisprudência o seguinte posicionamento:


“FGTS. Em que pese a pena de confissão ficta aplicada ao reclamante, tem-se que era da empregadora o ônus de providenciar na juntada aos autos dos documentos necessários à comprovação do efetivo recolhimento do FGTS relativos ao período do contrato de trabalho. Assim, diante da ausência da prova documental exigida para comprovação do recolhimento do FGTS, impõe-se a reforma da sentença para determinar o recolhimento do FGTS do contrato de trabalho à conta do autor, nos meses de dezembro de 2004 e de 03 de junho de 2005 a 04 de julho de 2005. Apelo parcialmente provido. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Preenchido requisito legal, são devidos honorários de assistência judiciária. Apelo provido.” (RO 00623-2006-012-04-00-4, Rel.: ROSANE SERAFINI CASA NOVA, Data de Julgamento: 15/04/2009, 12ª Vara do Trabalho de Porto Alegre)


Tomando-se, neste momento, como referência uma demanda obreira em que se discutam verbas rescisórias, não se pode olvidar da necessária e indispensável forma ad solemnitatem  que deve existir para o termo de quitação. Não é por motivos fúteis que o legislador celetista fez constar previsão expressa quanto à prova que deveria constar em relação ao pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão do contrato de trabalho no art. 477, in verbis:


Art. 477 – […]


§ 1º – O pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão, do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de 1 (um) ano de serviço, só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho e Previdência Social. 


§ 2º – O instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas.”


Conforme anteriormente dito, não pode ser dado valor absoluto à confissão ficta, para que não sejam desconsideradas regras basilares previstas no Texto Consolidado. Ressalte-se que o ônus de produzir tal material probatório é exclusivamente dos reclamados, tendo em conta que haveria um completo esvaziamento da justiça obreira se fosse o empregado obrigado a trazer tais documentos ao processo, uma vez que, em regra, não os possuem.


Com isso, resta evidenciado que fora flagrantemente violada uma regra expressamente consignada para evitar abusos por parte do empregador, todavia, mesmo afirmando o caráter ficto da confissão pelo não comparecimento do reclamante, findou tal presunção sendo absolutizada pelo juízo, superando, até mesmo, a necessidade de uma específica e legalmente prevista espécie de prova para que fosse provada a matéria em juízo.


Em regra, vige no ordenamento jurídico pátrio a tese da liberdade das formas, uma vez que “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir[7]” (grifou-se).


Nesta toada, uma vez que expressamente previsto na Consolidação das Leis do Trabalho que “O pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão, do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de 1 (um) ano de serviço só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho e Previdência Social (sic)”[8], não poderia o mandamento celetista ser desconsiderado em detrimento da consideração de que a presunção ficta se sobrepõe a uma prova legalmente estabelecida.


Temos, pois, uma lei exigindo expressamente uma forma especial para a prática de determinado ato, o que não fora, in casu, respeitado, mas, mesmo assim, o dispositivo fora contrariado, dando-se prevalência probatória à confissão ficta em detrimento da rescisão/pedido de demissão formalmente legítimo. Com isso, uma prova considerada relativa findou por ter a sua aplicação absolutizada pelo juízo, sobrepondo-se, inclusive, a uma disposição legal que exigia determinada forma específica para a produção da matéria probatória.


Não se pode olvidar que a assistência sindical na rescisão ou no pedido de demissão tem natureza ad solemnitatem, sendo da própria essência do ato, dependendo da forma especial legalmente delimitada e exigida. Portanto, não se pode reputar minimamente válido o conteúdo probatório deste documento que desatendeu as prescrições legais. Frise-se que a forma a ser adotada no pedido de demissão/quitação da rescisão não tem natureza ad probationem, mas sim ad solemnitatem, ou seja, deve vir a ser observada a propósito da prática de um determinado ato, conforme as prescrições que a lei contém.


Diante disso, a confissão ficta não pode ser aplicada à matéria, pois tal comportamento redunda em ofertar caráter absoluto à pena aplicada pelo não comparecimento do reclamante à audiência, postura que finda por desconsiderar, por completo, o quanto legalmente previsto para a validade de determinada prova, valorizando sobremaneira uma mera presunção ficta criada pela lei quando houvesse espaço para a sua aplicação. Ou seja, a confissão ficta somente pode se fazer incidir em circunstâncias que a lei não lhe tenha oposto uma determinada forma. Caso contrário, é uma burla à proteção criada pela lei, infringindo claramente a finalidade da norma.


A preocupação com a formalidade do documento rescisório é tamanha que chega o legislador infraconstitucional a permitir que alguns outros órgãos possa efetuá-lo; tudo com fulcro na ideia de proteção e tutela daquele sujeito que pode ser vítima de abusos e desmandos pelo detentor do poder econômico, é o que se pode inferir do seguinte dispositivo do susodito artigo:


“§ 3º – Quando não existir na localidade nenhum dos órgãos previstos neste artigo, a assistência será prestada pelo Represente do Ministério Público ou, onde houver, pelo Defensor Público e, na falta ou impedimento dêste, pelo Juiz de Paz”.


Com isso, percebe-se que a intenção do legislador é tutelar e proteger o obreiro, para evitar que não deixe de receber as verbas rescisórias a que faz jus. Diante da necessidade de instrumento para validar o quanto efetuado no ato de rescisão e tendo em conta que tal documento somente pode ser trazido ao processo pelas reclamadas, devendo estas sofrer as consequências por tal comportamento omissivo, razões não há para que não sejam concedidas tais verbas ao reclamante, mesmo que ausente à audiência.


Frise-se, é absurdo não conceder tais verbas ao trabalhador apenas por que não compareceu a uma das audiências, ferindo de morte não só o mandamento expresso do art. 477 como também se mostrando cristalinamente desproporcional, uma vez que a única punição existente é aquela prevista em lei, não podendo o magistrado retirar do reclamante todos os demais direitos que possui, afastando, inclusive, basilares baluartes processuais, ao indeferir os pleitos formulados por ter atribuído valor absoluto a uma presunção que é nitidamente relativa.


Fere de morte o mais comezinho senso de justiça impedir a atuação processual e dar enorme valor a uma mera presunção relativa em vez de ser privilegiada a verdade real, tão importante e necessária, principalmente no processo do trabalho, em que uma das partes goza de flagrante hipossuficiência técnica e econômica.


7, CONCLUSÕES


Diante de todo o exposto, pode-se chegar às seguintes conclusões:


a. A aplicação da pena de confissão ficta ao reclamante que não comparece à audiência na Justiça do Trabalho fere o princípio da legalidade, pois esta penalidade não ter base nem fundamento legal, sendo mera extensão interpretativa dos órgãos jurisdicionais (que deve ser evitada);


b. No mesmo sentido, não se deve considerar como minimamente possível que a interpretação das normas jurídicas não estejam jungidas a limites e restrições – como a literalidade do texto, por exemplo – para que não seja desvirtuado o sistema nem haja uma ruptura com valores idealizados pelo legislador;


c. O artigo 844 da Consolidação das Leis do Trabalho não alberga a punição de confissão ao reclamante que não compareça à audiência, tão-somente se reportando à contumácia do reclamado. Ademais, tendo em conta a omissão celetista ao caso, deve-se aplicar o art. 320 do Código de Processo Civil, não sendo cabível a revelia ao acionante e, por consectário lógico e consequencial, todos os seus demais efeitos (confissão ficta, por exemplo).


A presunção de veracidade dos fatos alegados e a penalidade de confissão são efeitos expressos previstos no código processual civil da ocorrência do fenômeno da revelia. Efetuar o magistrado a importação de tais efeitos ao processo trabalhista, aplicando-o ao autor da ação, mesmo na ausência de norma procedimental, é ferir de morte o basilar princípio da legalidade, constitucionalmente assegurado.


Ao reclamante, sujeito processual que se encontra na parte autora da ação trabalhista, somente pode vir a ser aplicada a pena de arquivamento, o que, por não ter sido aplicado no momento oportuno, resulta em evidente preclusão.


d. Ao serem comparadas as normas presentes no Código de Processo Penal e na Consolidação das Leis  do Trabalho, percebe-se um tratamento muito mais benéfico ao criminoso, do que ao obreiro, mesmo que se possa traçar uma relação de equivalência entre os dois quando se está a compará-los com o polo oposto da relação processual (Estado/forte x Réu/fraco; Reclamadas/forte x Reclamante/fraco).


Será que um suposto criminoso deve ter o seu patrimônio jurídico mais tutelado e protegido do que um sujeito que labuta para sustento próprio e de sua família e que está indo ao processo para obter verbas alimentares que lhe foram subtraídas?


e. A ausência do reclamante pode, no máximo, gerar uma confissão (verdadeiramente) ficta, ou seja, juris tantum, podendo ser elidida por prova em sentido contrário; equivocam-se os magistrados quando atualmente absolutizam tal presunção ficta e denegam os pedidos de forma indiscriminada.


 


Referências

ARAGÃO, Alexandre Santos. O Princípio da Eficiência. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, no. 4, nov/dez 2005, jan 2006. p. 2. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2012.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 12ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 1990

BEBBER, Júlio César. Processo do Trabalho: adaptação à contemporaneidade. São Paulo: LTr, 2011

BRASIL. Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Código Penal. Rio de Janeiro, RJ: Senado, 1943.

_______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

_______. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Senado, 2002.

_______. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista (AIRR) 3473400-91.2002.5.02.0902, Rel: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julg.: 23/02/2005, 3ª T, Data de Publicação: DJ 22/03/2005.

_______. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso Ordinário (RO) 00623-2006-012-04-00-4, Rel.: ROSANE SERAFINI CASA NOVA, Data de Julgamento: 15/04/2009, 12ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.

_______. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso Ordinário (RO) 11604-2002-902-02-00-7, Relator: PAULO AUGUSTO CAMARA, Data de Julgamento: 07/05/2002, 4ª T, Data de Publicação: 17/05/2002.

_______. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso Ordinário (RO) 11604-2002-902-02-00-7, Relator: PAULO AUGUSTO CAMARA, Data de Julgamento: 07/05/2002, 4ª T, Data de Publicação: 17/05/2002.

_______. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso Ordinário (RO) 01143-2009-003-22-00-4, Relator: LIANA CHAIB, Data de Julgamento: 06/08/2010, 2a T, Data de Publicação: DJT/PI, Página não indicada, 3/9/2010.

GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Reflexiones sobre la Ley y los principios generales del Derecho. 1. Ed. Madrid : Editorial Civitas, 1996, p. 28.

 

Notas:

[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes :

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

[2] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 12ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 1990. p. 172

[3] ARAGÃO, Alexandre Santos. O Princípio da Eficiência. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, no. 4, nov/dez 2005, jan 2006. p. 2. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2012.

[4] GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Reflexiones sobre la Ley y los principios generales del Derecho. 1. Ed. Madrid : Editorial Civitas, 1996, p. 28.

[5] Art. 769 – Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

[6] BEBBER, Júlio César. Processo do Trabalho: adaptação à contemporaneidade. São Paulo: LTr, 2011. p. 81.

[7] Art. 107, do Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002).

[8] Art. 477, par. 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943)


Informações Sobre o Autor

Daniel Melo Garcia

Advogado; Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia; Membro associado do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito


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