Resumo: O artigo discorre acerca de questões relativas à proteção dos bens do casamento. Para isso, é importante entender os diversos tipos de relacionamentos existentes em nossa sociedade e adotar para cada instituto as medidas específicas. Dentro desse contexto, o artigo busca resguardar efeitos patrimoniais, sem ofender o princípio da dignidade da pessoa humana. Metodologicamente foi realizada pesquisa bibliográfica caracterizada por consultas em artigos e livros sobre a temática presente.
Palavras-chave: casamento; patrimônio; direito.
Abstract: The article talks about issues related to the protection of the assets of the marriage. For this, it is important to understand the various types of relationships that exist in our society and adopt specific measures for each Institute. Within this context, the article seeks to safeguard property consequences, without offending the principle of dignity of the human person. Methodologically was characterized by bibliographical consultations on articles and books about this.
Keywords: marriage; property; right.
Sumário: Introdução. 1; Breves ponderações sobre os institutos amorosos. 2; Do casamento. 2.1; Da união estável. 2.2; Do concubinato. 2.3; Do poliamorismo. 2.4; Das confusões doutrinárias sobre os institutos amorosos. 3; A preservação do mínimo legal constitucional sob a ótica dos efeitos patrimoniais no casamento. 4; A constitucionalidade dos efeitos patrimoniais decorrentes do casamento. 4.1; A preservação do mínimo legal. 4.2; Considerações finais. 5; Referências.
1 INTRODUÇÃO
Com o avanço da sociedade e com o despertar das paixões volitivas, é possível observar a pluralidade de institutos que fazem parte e cercam o direito de família, bem como a seara do direito civil constitucional.
Diversos institutos foram criados e recriados a partir do centro casamento, tais como, união estável, concubinato e poliamorismo.
O presente artigo traz a tona uma discussão legal e busca proteger os bens do casal em decorrência do casamento, bem como, preservar os patrimônios dos herdeiros, respeitando a peculiaridade e a seriedade do presente instituto.
Tal intelecção se faz necessária haja vista a sua significativa importância no meio social e jurídico. O artigo em questão coloca em voga a preservação do patrimônio do casal casado quando existente um concubinato unilateral ou bilateral. Dessa forma, quando se fala de preservação de um mínimo legal no tocante a constitucionalidade dos efeitos patrimoniais oriundos do casamento busca-se apenas, objetivar a segurança jurídica.
É indiscutível, em dada ocasiões, a existência do concubinato, mas não se pode tratar de forma igual institutos desiguais, pois a questão não é em si, a discussão que se forma em torno do concubinato, mas sobre a má utilização dos institutos.
Por conta do cenário controverso, alguns questionamentos foram imprescindíveis para o desenvolvimento da pesquisa e objetivo do estudo: Se os bens contraídos no concubinato fazem parte ou não do casamento devidamente constituído? E se seria justo e legal desconstruir um instituto em prol de paixões volitivas?
Tal estudo possui fundamentação legal e almeja levantar a discussão no sentido de respeitar a natureza jurídica de cada instituto. Esta pesquisa foi desenvolvida a partir dos seguintes procedimentos metodológicos: pesquisa bibliográfica e documental, objetivando aprofundar o conteúdo sobre a temática abordada. Quanto aos objetivos, apresenta pesquisa descritiva, quanto a abordagem, possui caráter qualitativo.
Assim o presente trabalho busca discutir um tema relevante, ou seja, a preservação do mínimo legal sob a ótica da constitucionalidade dos efeitos patrimoniais do casamento quando presente uma relação concubinária.
2 BREVES PONDERAÇÕES SOBRE OS INSTITUTOS AMOROSOS
Antes de traçar de fato os perfis dos institutos é necessário divagar sobre assuntos de cunho legal, não por ser a família, um assunto de alta complexidade, mas, ser nos tempos atuais um assunto mutável. Falar de família virou algo delicado, por vezes vexatório, obsoleto, preconceituoso, ultrapassado, arcaico e por fim, plural.
Conforme Lévy-Bruhl apud Diniz, (2006, p.22) “[…] o traço dominante da evolução da família é a sua tendência em tornar o grupo familiar cada vez menos organizado e hierarquizado, fundando-se cada vez mais na afeição mútua que estabelece plena comunhão de vida.”
Em pleno século XXI, a família ainda está em voga, bem como a antiga e recente família não matrimonial. E com todas essas transformações o instituto casamento começa a dividir espaços com outros institutos e outras nomenclaturas.
A repercussão dos diversos institutos não só aparecem no meio social, como também no ordenamento jurídico. Dessa forma, cada vez mais crescem os pedidos nos Tribunais e a má aplicação dos institutos. E desse ponto em diante, a análise começa a ser primordial, pois os próprios doutrinadores estabelecem diferenciações e os mesmos as igualam, para logo depois criar concepções semelhantes e distintas novamente.
Ao analisar os diversos institutos, é possível observar a trajetória do namoro ao casamento. E nesse diapasão, encontramos demais formas: a união estável, o concubinato e o poliamorismo.
2.1 DO CASAMENTO
Diante dessa vertente, a aproximação entre pessoas continua no precípuo sentido de constituir um relacionamento, porém hoje poderá ser o namoro, união estável, relação concubinária, relação de poliamor, casamento ou até mesmo, outras novas formas de se relacionar.
O Código Civil vigente traz a partir do art.1511 e seguintes, peculiaridades do casamento, desde sua habilitação, capacidade, impedimentos, causas suspensivas, formas de celebração, invalidade, bem como a dissolução da sociedade conjugal e vínculo da mesma em seu art. 1571 e enfatiza nos artigos seguintes ao 1658, os regimes de bens.
Para Modestino apud Venosa (2009, p.25), casamento nada mais é que “[…] contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência.”
Dessa forma, ao dispor que o casamento possui direitos e deveres dos cônjuges, a legislação tão somente quis manter uma ordem, assim como fez, ao instituir a união estável.
2.2 DA UNIÃO ESTÁVEL
Para quem já convivia, a legislação cria a união estável, união que não é casamento, mas poderá ser, se as partes assim quiserem. Tal fundamento legal foi inserido na Constituição da República Federativa do Brasil através do § 3º do art. 226:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. […]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
O problema é que o texto legal autoriza a conversão em casamento e nesse primeiro momento já é possível perceber os principais questionamentos, pois a união estável surge para garantir a ordem, os direitos e deveres dos conviventes, mas a princípio, o norte seria o casamento.
Desse modo, Nóbrega (1998), entende que:
“Para que se venha, portanto, a admitir e a reconhecer a união estável entre um homem e uma mulher, conferindo-lhes efeitos legais, ter-se-á que exigir a demonstração induvidosa dessa relação, seja pela demonstração de que convivem eles, como marido e mulher, debaixo do mesmo teto, há mais de cinco anos, ou, por qualquer tempo, quando houver filhos em comum”.
Diante desse ponto, o instituto começa a se banalizar, pois os novos relacionamentos acometidos por paixões volitivas já começam na união estável sem perspectiva da conversão.
Ocorre que a máxima aqui apresentada não é o fato de que realmente não exista a futura conversão, como preconiza a lei, mas que, a união estável, seja ora equiparada a casamento, ora concubinato.
2.3 DO CONCUBINATO
Nesse mesmo sentido, nos deparamos com o concubinato, descrito brilhantemente pelo Código Civil vigente, quando em seu artigo 1727 diz que “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.
A legislação ao descrever o concubinato, não cria o estigma discriminador que a doutrina tanto se esmera para defender. O legislador simplesmente quis classificar os institutos de casamento, união estável e concubinato para diferenciá-los.
Mediante esse estigma, de cunho preconceituoso, outros fatores desembocam na confusão doutrinária, pois a doutrina mistura os institutos, no sentido de querer abarcar o mundo sob a égide do princípio da liberdade e da dignidade da pessoa humana.
E mediante esse princípio da liberdade, cada ser humano é livre para contratar e estabelecer a relação com qualquer pessoa, mas para tanto, deve estar atento a todos os direitos e deveres que nos são impostos.
2.4 DO POLIAMORISMO
Por forças das paixões volitivas, o poliamor começa a ganhar forma no cenário jurídico, que nada mais é um relacionamento com relações paralelas.
“O poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinar-se para o Direito, admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que os seus partícipes conhecem e aceitam uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta.” (ROSALINO, 2012).
Nesse sentido, já é possível perceber a essência do presente instituto, que começa a ganhar força nos tempos atuais. Dias apud Queiroz (2012), afirma que vários são os relacionamentos da sociedade atual e que cabe a nós, saber conviver e aceitar a sociedade pluralista.
De fato, cabe a sociedade respeitar todos os tipos de relacionamentos, mas não poderá ser dado soluções alheias à natureza do instituto. O Poliamorismo ao sair do campo da psicologia, começa a ocupar o cenário jurídico, no sentido de propor: o conhecimento e a aceitação de outros na relação afetiva. Fato, totalmente adverso ao casamento, união estável e ao concubinato.
3 DAS CONFUSÕES DOUTRINÁRIAS SOBRE OS INSTITUTOS AMOROSOS
A doutrina quando descreve os institutos da união estável e do concubinato, cria alguns argumentos confusos:
“A constituição da República de 1988, no art. 226, a exemplo do que já havia feito o Desembargador paulista Edgard de Moura Bitencourt, utiliza a expressão “união estável” em substituição a “concubinato”, como tradicionalmente usada em textos normativos, doutrinários e jurisprudenciais. Começa-se então, a fazer distinções por meio das expressões “concubinato puro” e concubinato impuro”. Essas expressões veiculam estigmas morais com os quais não se pode concordar. Porém, é necessário fazer uma distinção entre concubinato adulterino e não adulterino. Tal distinção não tem a função de discriminar ou de “moralizar”. A importância dessa distinção está em manter a coerência em nosso ordenamento jurídico com o princípio da monogamia.” (PEREIRA e DIAS, 2006, p. 224).
Nesse sentido, a doutrina começa a discutir os institutos, distinções essas, todas criadas pela própria doutrina, pois segundo os doutrinadores citados acima, a união estável seria criada para substituir o concubinato. O fato, no entanto, é que a regra inicial seria convivente que futuramente quisesse fazer a conversão em casamento e não, relacionamento esporádico.
Além dos institutos já criados, a doutrina subdivide ainda, o concubinato puro e impuro e distingue o concubinato adulterino do não adulterino com o fundamento de manter a ordem jurídica. Acontece que ao analisar tais nomenclaturas por um minuto que seja, é possível voltar aos termos iniciais, casamento, união estável e concubinato.
“Assim, com a evolução do pensamento construtor da doutrina sobre o direito concubinário, podemos dizer que o concubinato não-adulterino é a união estável e o adulterino continua sendo o concubinato propriamente dito. O código Civil no art. 1727, acabou registrando, pela primeira vez em um texto legislativo, essa distinção: “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.(Pereira e Dias, 2006. p.224-225).
Ocorre que mais uma vez, impera a confusão, pois, como já fora dito, concubinato não é união estável, união estável não é concubinato e nem casamento, tão logo, o entendimento que se extrai é que casamento não é concubinato e nem união estável.
Para a doutrina, o concubinato impuro seria o adulterino, o que tivesse a conduta incestuosa ou desleal, “[…] como o de um homem casado ou concubinado, que mantenha, paralelamente ao seu lar, outro de fato” (VILLAÇA apud PESSOA, 1997, p 44).
É com base no princípio ordenador da sociedade que as relações são apostas. “[…] Todo o Direito de Família está organizado em torno desse princípio […]” (QUADROS apud DIAS e PEREIRA, 2004).
Não há como querer viver independente dentro do sistema e dessa forma, todo o direito de família está baseado. O princípio jurídico ordenador da sociedade funciona como peça central da moralidade.
Quanto as confusões doutrinárias, a súmula 382 STF informa que “a vida em comum sob o mesmo teto, “more uxório”, não é indispensável à caracterização do concubinato”. Porém, o Des. Luiz Felipe Brasil Santos, esclarece que:
“É justamente o more uxório, a posse do estado de casado, que ontologicamente constitui a essência da união estável. Onde não há more uxório, não há união estável; logo, onde não há more uxório, pode haver, sim, concubinato, mas não união estável, o concubinato no sentido amplo, ou mesmo no sentido estrito, que agora é definido pelo art. 1.727 do novo Código Civil.” (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO. 2005).
Mediante essas interpretações é possível observar a intenção do legislador ao vislumbrar os institutos, pois cada um tem a sua peculiaridade, não sendo possível a sua miscigenação, mesmo com tantas paixões avassaladoras.“O casamento é, ainda, indubitavelmente, o centro de onde irradiam as normas básicas do direito de família, que constituem o direito matrimonial”(DINIZ, 2006, p. 5).
Sendo assim, a precípua função do Estado é garantir e assegurar direitos e deveres, porém, respeitando a natureza e as regras de cada instituto, pois a questão norteadora presente nesse artigo, não é a fragmentação dos diversos institutos, mas a aplicação correta dos efeitos patrimoniais do casamento no ordenamento jurídico, haja vista a liberdade de contratar do homem e da mulher.
4 A PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO LEGAL CONSTITUCIONAL SOB A ÓTICA DOS EFEITOS PATRIMONIAIS NO CASAMENTO
A Constituição da República, documento de imensa credibilidade e respeito no Brasil, preconizou em seu artigo 1º os fundamentos e dentre esses, demonstrou de forma explícita, em seu inciso III, a dignidade da pessoa humana.
Ocorre que com base nesse princípio, os percussores da família plural, criaram uma nova concepção da família, pois passam a afirmar “[…] para o direito pátrio uma posição amistosa diante das entidades familiares não explicitadas no Texto Constitucional. […]” (GOMES, 2007).
Nesse ponto há que se fazer uma breve análise, pois em virtude da dignidade da pessoa humana e de uma sociedade livre, justa e solidária, não podemos praticar quaisquer atos movidos por paixões volitivas e sim, arcar com as consequências desses. Pois ao dizer que “O conceito de família é mais sociológico do que propriamente jurídico […]” (PESSOA, p. 4), tais pensamentos incorrerão em grave falta.
Ao equiparar os institutos, a confusão não apenas se dá no tocante a denominação, como já vimos no tópico anterior. A confusão atinge um campo maior, o patrimonial.
Dentro do ordenamento jurídico, uma palavra muito utilizada no direito é a boa-fé. Todos que se apresentam sob a égide da boa-fé possuem amparo, “[…] cuja função é estabelecer um padrão ético de conduta para as partes nas relações obrigacionais. No entanto, a boa-fé não se esgota nesse campo do direito, ecoando por todo o ordenamento jurídico. […]” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 2013).
Dentro desse sentido, é possível começar a analisar quem de fato estaria de boa-fé na relação conjugal, ou ao existir uma doação do cônjuge casado ao amante, estaria em voga o princípio da boa-fé?
O problema ganha dimensão quando na presença do casamento se descobre um concubinato. “O concubinato sempre caminhou paralelamente à família constituída pelo casamento.” (PESSOA, p.11). Porém, pode trazer graves consequências de ordem jurídica, econômica e moral, pois com tantos apadrinhamentos familiares, a “[…] crise da família, proclamando sua desagregação e desprestígio devido ao desaparecimento da organização patriarcal […]” (FRIEDMANN apud DINIZ, 2006, p. 22), passa a ser notória.
Pereira e Dias (2006, p. XIX), afirma:
“Mas pensar e repensar o Direito de Família na atualidade significa voltar àquilo que é mais primitivo e primário, isto é, compreender a atual política legislativa sobre as relações familiares, inclusive para entender sua difícil aplicabilidade, muitas vezes entravada pelo Poder Judiciário. A legislação vigente regula a família do início do século passado, constituída unicamente pelo casamento, verdadeira instituição, matrimonializada, patrimonializada, patriarcal, hierarquizada e heterossexual. O moderno enfoque dado a família se volta muito mais à identificação dos vínculos afetivos que enlaçam e consolidam a sua formação.”
Ao tentar criar ou simplesmente criar uma nova concepção de família embasada nas paixões volitivas, muitos se esquecem de analisar os efeitos futuros. No caso em tela, a análise se coaduna através da ótica da inconstitucionalidade das doações do cônjuge casado ao amante, pois “[…] “O concubinato, ainda hoje, não se equipara à família regularmente constituída pelo casamento, e nem poderia ser, mas é reconhecido enquanto fato jurídico que produz efeitos, gerando direitos e obrigações e gozando de proteção expressa por parte do Estado […]”. (PESSOA, p. 12).
Nesse sentido, “[…] a família pressupõe uma publicidade mínima que não condiz com a situação dos amantes.” (GOMES, 2007), pois ao constituir um matrimônio, resta para os contraentes direitos, bem como deveres, que não podem ser ignorados e subtraídos pela doutrina liberal.
4.1 A CONSTITUCIONALIDADE DOS EFEITOS PATRIMONIAIS DECORRENTES DO CASAMENTO
A Constituição dispõe sobre o princípio da dignidade, e esse princípio “[…] encontra na família o solo apropriado para o seu enraizamento e desenvolvimento; daí a ordem constitucional dirigida ao Estado no sentido de dar especial e efetiva proteção à família […] (DIAS e PEREIRA, 2006, p. 87)
“Diante do novo texto constitucional, forçoso parece ser para o intérprete redesenhar o tecido do direito civil à luz da nova Constituição.” (DIAS E PEREIRA, 2006, p.86).
Tomando por base esses e outros argumentos é possível vislumbrar que ao constituir o matrimônio, não está em voga um instituto apenas, mas sim, todo um arcabouço jurídico que se apresenta de forma imponente no direito de família e sucessório. Ao casar, os nubentes de forma livre, contratam o regime de bens, desprezado no concubinato. Nesse ponto, algo peculiar ganha forma, pois o concubino não poderia dispor de bens que não contribuiu, dessa forma não seria possível a aplicação das regras do casamento.
Se assim não fosse, seria facilmente possível encontrar a imperfeita conexão com os dispositivos basilares, pois o próprio inciso V do art. 1642 do aludido código civil preconiza que,
“Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente:
V – reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos;”
Dessa forma, é possível observar que a legislação procurou assegurar os bens, quando disciplinou no Código Civil, a reivindicação do cônjuge de boa-fé sobre as doações ou transferências ao concubino. Entendimento similar é o preconizado por Azevedo apud Pessoa (1997, p. XVII), quando enfatiza que “[…] a concubina deve provar que, “com capital ou com trabalho, contribuiu para aquisição dos bens pelo concubino durante o concubinato […]”. E mesmo dessa forma, restaria a dúvida quanto a sua participação.
O inciso XXX do art. 5º da Constituição Federal apregoa o direito de herança, porém para ser herdeiro é necessário concorrer para tal. A própria lei 9.278 de 1996, que versa sobre a união estável e que a doutrina trata como concubinato, traz em seus incisos § 1° e § 2° do art. 5º que:
“Art. 5° Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.
§ 1° Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união.§ 2° A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito.”
Ao analisar a Lei explicitada anteriormente, o legislador foi feliz ao disciplinar a não aquisição de bens anterior ao reconhecimento da relação. Nesse mesmo entendimento, Álvaro Villaça Azevedo, discorre sobre a dificuldade de comprovação do relacionamento concubinário e entende que:
“[…] Caso o juiz não se convença dessa comprovação de vida concubinária ou tenha dúvidas quanto ao prazo de sua duração, poderá, a meu ver, para conceder alimentos provisórios, designar audiência de justificação prévia, ouvindo-se testemunhas (vizinhos, zeladores, vendedores de bairro de seu domicílio etc.)”. (PESSOA, p.90).
O Superior Tribunal de Justiça, especificamente a 3ª turma através relator o Ministro Cláudio Santos (STJ e TRF – Lex 68/77) em 1994, entendeu que “A concubina faz jus à partilha de bens, se demonstrada sua contribuição para a formação do patrimônio, não se exigindo a participação direta […]”.
Ao disciplinar sobre a temática patrimonial no casamento buscou limitar a dilapidação dos bens, procurou pacificar, manter a ordem na sociedade e dirimir futuros conflitos.
Interessante é o entendimento da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, pois “Quando a transferência de patrimônios do casal é feita sem consentimento de uma das partes, o ato jurídico é absolutamente nulo e, por isso, imprescritível.[…]”. (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO).
O caso acima analisado pela 4ª Turma do STJ, versa sobre,
“[…] pedido de uma mulher que quer anular a doação de imóveis feita pelo ex-marido à amante. Para “O ministro Luis Felipe Salomão, relator de recurso levado ao STJ, avaliou que o caso é peculiar, por envolver a anulação de doação praticada por quem não dispunha de poderes para efetuar o negócio jurídico discutido na ação. […]Segundo ele, o prazo decadencial só vale para anular contrato por vício de consentimento, e não quando há ausência de consentimento. Assim, considerou o tema imprescritível e votou para que fossem anulados todos os atos processuais do caso nas instâncias ordinárias.“Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para anular o acórdão recorrido e a sentença, para que o feito tenha regular instrução, propiciando o adequado enfrentamento das teses expostas na exordial, assim como o exercício da ampla defesa e do contraditório pelas partes litigantes”, concluiu o relator. A decisão foi unânime, e o número do processo não foi divulgado, por estar sob sigilo judicial. (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 2015) (grifo do autor).”
A doutrina caminha em direção contrária ao entendimento jurisprudencial, pois coleciona teses, sobre o lapso temporal:
“O prazo decadencial do ajuizamento é de dois anos a contar do término da sociedade conjugal, seja pelo divórcio, morte ou declaração de ausência. CRISTIANO CHAVES acrescenta que o cônjuge prejudicado não precisa aguardar o término do casamento para entrar com a ação. Se tomar conhecimento da doação ainda na constância da relação, já poderá acionar o judiciário.[…] Ainda sobre o prazo decadencial e seu termo inicial, vale destacar, seguindo mais uma vez o pensamento de CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD, que andou mal o código ao impor o término da sociedade conjugal como termo inicial do prazo. De um lado, porque é possível que o cônjuge termine o casamento sem saber da doação, vindo a descobri-la tempos depois (neste caso, recomenda-se a utilização da teoria da actio nata). De outro, porque, não raro, o cônjuge traído perdoa o outro, mantendo a relação familiar. Se, anos depois, vier a se divorciar, ainda contaria com dois anos para anular a doação que já fora perdoada. Não seria isso um venire contra factum proprium? (MESSIAS, 2013).”
Dessa forma, várias “[…] demandas envolvendo relacionamentos adulterinos continuam a ingressar no Poder Judiciário que possui diversos entendimentos no que tange às consequências patrimoniais do concubinato.” (CERQUEIRA, 2011).
Conforme entendimento jurisprudencial, observa-se claramente a separação dos institutos e não há possibilidade de dar tratamento igual para institutos diversos:
“APELAÇÃO. FAMÍLIA AÇÃO NEGATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. Descabido o reconhecimento de união estável concomitante ao casamento. APELAÇÃO DESPROVIDA, por maioria. (Apelação Cível Nº 70038296141, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 27/04/2011). (TJ-RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Data de Julgamento: 27/04/2011, Sétima Câmara Cível).”
Nesse sentido fica inviável o pleiteio do patrimonial quando presente institutos diversos, ou é casamento, ou união estável ou concubinato, e não a miscigenação:
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS DE FAMÍLIA E CÍVEL. 1. Compete ao âmbito da jurisdição especializada em Direito de Família o exame da ação de reintegração de posse de bem em estado mancomunhão das partes que viveram em união estável. 2. Mesmo se tratando de ação possessória, a posse buscada por um dos cônjuges é relativa a bem objeto de partilha decorrente de dissolução de união estável, sendo questão própria de Direito de Família. Conflito desacolhido. (Conflito de Competência Nº 70053727301, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 28/03/2013)”.
É inegável a distinção dos institutos da união estável e do concubinato “[…]Na realidade, são duas entidades familiares distintas, de modo que a regulamentação legal daquela não é plenamente aplicável a esta […].” (GOMES, 2007).
Com base nessas informações é possível afirmar que o direito de família “[…]
sofre um processo de aformoseamento condicionado […]”(AZEVEDO apud PEREIRA E DIAS, 2006, p. 206). Processo criado e manipulado para confundir os institutos e criar mais embaraços que os já existentes.
4.2 A PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO LEGAL
A preservação do mínimo legal se mostra importante dado o valor que a família agrega na sociedade, “[…] ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem.” (PERLINGIERI apud PEREIRA e DIAS, 2006, p. 87).
Para tanto é preciso evocar o princípio da liberdade, pois esse princípio é baseado “[…] no livre poder de constituir uma comunhão de vida familiar por meio de casamento ou união estável, sem qualquer imposição ou restrição de pessoa jurídica de direito público ou privado[…]” (LÔBO apud DINIZ, 2006, p.22).
O art. 5º da Constituição Federal apregoa que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”.
Ocorre que, em se tratando de casamento e concubinato, não existe igualdade. Para a análise dessa temática, o ponto inicial a ser analisado não é o ser humano, passível de dignidade humana, o que está sendo confrontado nesse estudo são os institutos, pois já observamos que somos livres para contratar as relações, mas também temos que cumprir o que preconiza cada instituto.
Quando o art. 1.723, especificamente em seu §1º do Código Civil, diz que não ocorrerá a união estável se presentes os impedimentos do art. 1.521 “não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente”, não podemos fugir deste regramento, não se faz necessário criar teses de aceitação, para isso o legislador já concorreu.
Com a precípua condição de manter a ordem jurídica, nasceram as Leis 8.971, de 29.12.94, e 9.278, de 10.05.96, para dar autonomia ao §3º do art. 226 da Constituição Federal, porém:
“Tais normas, no entanto, longe de trazerem orientação pacificadora para o tema em discussão, passaram a ensejar interpretações variadas, veiculando-se e sustentando-se, com base nelas, de forma completamente absurda e dissociada de regras básicas de interpretação do direito, que ao ser editada a Lei nº 9.278/96, despiciendo seria levar-se em consideração o tempo de duração dessa convivência, já que a lei a tanto não se referiu, para o efeito de reconhecer-se, como entidade familiar, a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família. (NOBREGA,1998).”
Por força dessas interpretações variadas, o foco central desse artigo é a aplicação correta dos institutos mediante a sua natureza, no sentido de preservar a literalidade do texto legal, pois como fora explicitado anteriormente a Lei aponta vários artigos que distingue os institutos.
O art. 550 do Código Civil é mais um exemplo, pois com base nesse artigo é possível observar a intenção do legislador quando ensejou a anulação da doação do cônjuge adulterino:
“Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.”
Nesse ponto, a evocação da inconstitucionalidade do artigo 550, não pode ser caracterizada em virtude do princípio da dignidade da pessoa humana, pois como já dissemos, estamos analisando os institutos e seus regramentos e não, o concubino em si.
Outro ponto de suma importância é a literalidade do inciso III do dispositivo legal do 1801 do código civil:
“Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:
[…] III – o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;”
O código ao citar expressamente o concubino, não faz de forma discriminatória. O arcabouço jurídico não fere o princípio da dignidade da pessoa humana, apenas estabelece as naturezas de cada institutos. Tal forma é importante, no sentido de não dar tratamentos iguais para institutos tão diversos, pois o casamento não pode ser defasado em virtude do concubinato e o concubino não pode ser equiparado ao cônjuge de boa-fé.
Dessa forma, o que mais se buscou foi a segurança jurídica, porém quando presente a relação concubinária, temos que ter em mente a clareza do instituto para que:
“[…] não o confundamos com a união estável, como fazem algumas decisões judiciais favoráveis aos concubinos. É o caso do julgado a seguir transcrito:
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. UNIÃO ESTÁVEL. CONCUBINATO IMPURO. MARCO INICIAL.
1. Demonstrado, mediante início de prova material corroborado por prova testemunhal idônea, a convivência marital entre a requerente e o ‘de cujus’, é de ser concedido o benefício de pensão por morte à autora. 2. A existência de esposa não constitui óbice ao reconhecimento do direito à parte autora, porquanto as novas diretrizes constitucionais erigiram a união estável ao status de casamento, devendo ser reconhecido, para fins de direito previdenciário, os efeitos decorrentes do concubinato, mesmo que impuro [grifo nosso]. 3. […] (Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, Apelação Cível 483154/RS, rel. Juiz Tadaaqui Hirose, j. 18/32003).” (GOMES, 2007).
As decisões jurisprudenciais merecem todas as honras, mas muitas vezes são embasadas em assuntos diversos, como é caso do concubinato, pois “[…] muitas súmulas e julgados recentes utilizaram-se da aludida expressão para indicar uniões estáveis, o que requer muita cautela do operador do Direito (CERQUEIRA, 2011).
Em contrapartida, temos o ensinamento da súmula 380 do STF, enfoca que “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.” A súmula aqui anunciada traz a solução quando o patrimônio adquirido for pelo esforço comum e ao mesmo tempo, acaba criando um problema enorme.
Pois, se de um lado existem as regras para o concubinato, do outro existem ordens expressas para os efeitos patrimoniais do casamento. O ensinamento que é extraído do caput do art. 1647, e seus incisos é que os cônjuges não podem alienar, gravar de ônus real, fazer doações, sem o consentimento do outro cônjuge.
“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III – prestar fiança ou aval;
IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.”
Diante do exposto, não é tão simples e passageira a questão que gira em torno dos efeitos patrimoniais, pois facilmente poderia se construir um patrimônio da relação concubinária dos patrimônios extraídos do casamento. Ao tratar essa temática de forma simples, incorremos em inconstitucionalidade e ofensa ao princípio jurídico ordenador da sociedade. É inegavél a força que o instituto casamento exerce na seara dos direitos e deveres patrimoniais.
A ideia esmerada nesse artigo contraria alguns ensinamentos doutrinários, pois conforme Veloso apud IBDFAM (2015) acredita que as formas de constituição de família são distintas, mas o tratamento deve ser apresentado de forma igual por força da Constituição de 1998.
Ocorre que o que está em voga ao abordar a inconstitucionalidade das doações do cônjuge adulterino ao amante, não é ofensa a Constituição, pelo contrário, tanto o amante, bem como, o cônjuge e o companheiro, terão seus direitos e deveres respeitados. O que se defende não é o desrespeito ao ser humano e sim, a aplicação certa dos institutos.
Nesse sentido, o que fica mais em evidência é
“A atávica necessidade que cada um de nós sente de saber que, em algum lugar, encontra-se o seu porto e o seu refúgio, vale dizer, o seio de sua família, este locus que se renova sempre como ponto de referência central do indivíduo na sociedade; uma espécie de aspiração à solidariedade e à segurança que dificilmente pode ser substituída por qualquer outra forma de convivência social. (HIRONAKA apud PEREIRA e DIAS 2006. p.6).”
Mediante esses aspectos, o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, deve sempre existir e observar a segurança jurídica e é sob esse condão que se sustenta a tese da aplicação correta de cada instituto e a devida preservação do mínimo legal.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o passar dos anos, diversas foram as formas de constituição familiar. Esses novos modelos de relacionamentos, jamais devem ser desconsiderados, pois é mais que notório o valor na sociedade, mas, ao mesmo tempo, esses valores não devem basear ou até mesmo servir de parâmetros para contrariar o texto legal, sob o fato de incorrer em erro in judicando.
Com base nesse entendimento, se faz necessário, preservar o mínimo legal para que diante do caso concreto, a coisa futura julgada não seja relativizada, pormenorizada.
A inconstitucionalidade esmerada nesse artigo não se revela no tocante a união estável ou até do poliamorismo e sim no cenário do concubinato. É na relação concubinária, especialmente no tocante aos bens e doações que o texto legal padece de legalidade, pois como já fora dito anteriormente, alguns doutrinadores reconhecem a distinção entre os institutos da união estável, do casamento, do concubinato e poliamorismo, mas no momento de solucionar um caso concreto, acabam por tratar todos como se iguais fossem.
É inegável, a existência dos relacionamentos, porém seria mais viável se a doutrina não ostentasse a confusão dos institutos em virtude da vontade da sociedade sob a égide do princípio da dignidade da pessoa humana.
Sendo assim, diante do que foi analisado e no entender das regras de cada instituto, sem classificações e teses inovadoras, conclui-se que as doações realizadas ao amante por cônjuge adulterina é inconstitucional, portanto passível de anulação, sem ofensa à dignidade da pessoa humana.
Disponível em: <http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/8771/reflexoes_juridicas_e_sociais_sobre_o_poliamorismo >. Acesso em: 04 de mar. 2015.
Informações Sobre o Autor
Dayse Menezes de Araujo
Advogada, Pós-graduada em Direito Processual Civil e Direito Civil e Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda