O direito à seguridade social como conjunto integrado de ações de iniciativa do poder público com a participação da sociedade (trabalhadores públicos e privados) atuando na área de Saúde, Assistência Social e Previdência Social, é direito humano de segunda dimensão, ou seja, ligados às prestações que o Estado como sociedade avançada deve ao seu conjunto de integrantes (indivíduos).
As prestações de seguridade social (dentre elas, a Previdência Social) enquanto direitos humanos têm as seguintes características: historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, irrenunciabilidade, universalidade, inviolabilidade, interdependência e complementaridade, além do princípio do não retrocesso.
O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, através do Decreto 591, em diversos artigos faz referência aos direitos que compõem a seguridade social, ressaltando em seu art. 9° o direito de toda pessoa à previdência social, inclusive ao seguro social, bem como em seu art. 12 o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental.
A Previdência Social é um sistema elaborado para garantir o bem-estar dos segurados quando por algum infortúnio eles não estiverem em condições de trabalhar, quer seja pela idade avançada, quer porque sofreram um acidente, ou encontra-se com alguma enfermidade ou evento de maternidade. Essa garantia de bem-estar, todavia, somente é dada para aquelas pessoas que fazem parte do sistema, ou seja, aquelas que estão inscritas regularmente na previdência (regime geral ou próprio) e que com ela contribuem – os segurados.
A aposentadoria, também, é o direito do servidor público à inatividade remunerada, em virtude da ocorrência de um infortúnio que o torne inapto para o trabalho ou em decorrência do cumprimento das regras estabelecidas para a concessão do benefício consagradas no art. 40 da Carta Política de 1988.
Assim, com suporte nas lições de Maria Sylvia Zanella DI PIETRO (2000), o Regime de Previdência Social brasileiro deve ser “entendido à semelhança do contrato de seguro, em que o segurado paga determinada contribuição, com vistas à cobertura de riscos futuros”. Ou seja, os segurados contribuem compulsoriamente para a possibilidade de obtenção de um benefício futuro (aposentadoria por invalidez, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria por idade, aposentadoria compulsória e pensão por morte).
Até a edição da Emenda Constitucional n° 03, de 17 de março de 1993, a aposentadoria dos servidores públicos era custeada integralmente com recursos provenientes exclusivamente do Estado, sem qualquer participação do servidor. A mencionada alteração constitucional passou a prevê a possibilidade de o servidor contribuir no custeio da previdência, o que acabou por tornar-se regra obrigatória, a todos imposta, a partir da Emenda Constitucional n° 20, de 15 de dezembro de 1998.
“As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3.º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:
Art. 1.º Os dispositivos da Constituição Federal abaixo enumerados passam a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 40. …
§ 6.º As aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais serão custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei.”
Do exposto acima, verifica-se que a natureza jurídica original do benefício previdenciário do servidor público, era previsto em lei como prêmio depois de determinado tempo de trabalho, não carecendo de contribuição (Fábio Zambitte IBRAHIM, 2009).
A regulamentação do dispositivo constitucional alterado pela EC n° 03/1993, veio com a Lei n° 8.688, de 21 de julho de 1993, que dispôs sobre as alíquotas de contribuição[1] para o Plano de Seguridade do servidor público civil dos Poderes da União, das autarquias e das fundações públicas.
Art. 2º A contribuição mensal do servidor ao Plano de Seguridade Social incidirá sobre sua remuneração e será calculada mediante aplicação das alíquotas estabelecidas na seguinte tabela:
§ 1º As alíquotas definidas neste artigo passam a vigorar no prazo de noventa dias, contado da data de publicação desta lei, e serão aplicadas até 30 de junho de 1994.
§ 2º O Poder Executivo encaminhará ao Congresso Nacional, no prazo de noventa dias, contado da data de publicação desta lei, projeto de lei dispondo sobre o Plano de Seguridade Social do servidor, sua gestão e seu custeio, e fixando as alíquotas a serem observadas a partir de 1º de julho de 1994.
Para fundamentar a inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria após a edição da Emenda Constitucional n° 03/1993, tomamos, como referência o art. 134 da Lei n° 8.112/90: Verbis:
Art. 134. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão.
Inicialmente o dispositivo da Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990 afronta o art. 5°, XXXVI[2], da Lei Maior, na medida em que o direito à aposentadoria, com as devidas contribuições, ao se implementar, passaria à condição de direito adquirido.
Praticamente, todas as decisões acerca da constitucionalidade de dispositivos que prevêem a pena de cassação de aposentadoria têm fundamento no julgamento do MS 21.948/RJ, Relator Néri da Silveira. Vejamos:
“ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – DEMISSÃO – LEGALIDADE – 1. Convalidadas as irregularidades no processo administrativo disciplinar, observada a correlação entre o ilícito imputado e a pena aplicada, bem como a possibilidade de se cassar a aposentadoria do servidor público para aplicar-lhe a pena de demissão, não há ilegalidade ou abuso de poder passíveis de correção via mandado de segurança. 2. Mandado de segurança denegado”. (TJRS – MSE 70003540655 – TP – Rel. Des. Araken de Assis – J. 18.03.2002)
“MANDADO DE SEGURANÇA – DEMISSÃO – PROCURADOR AUTÁRQUICO – 1. Alegação de inconstitucionalidade dos incisos III e IV do art. 127, da Lei nº 8112/1990, ao estabelecerem entre as penalidades disciplinares a demissão e a cassação de aposentadoria ou disponibilidade. Sua improcedência. a ruptura do vínculo funcional e prevista no art. 41, § 1º da Constituição. Houve, no caso, processo administrativo, onde assegurada ao impetrante ampla defesa. A demissão decretou-se por valer-se o impetrante do cargo, em detrimento da dignidade da função pública e desídia. Lei nº 8.112/1990, art. 117, incisos IX e XI. 2. Não cabe, em Mandado de Segurança, penetrar na intimidade das provas e fatos de que resultou o processo disciplinar. 3. Não pode prosperar, aqui, contra a demissão, a alegação de possuir o servidor mais de trinta e sete anos de serviço público. A demissão, no caso, decorre da apuração de ilícito disciplinar perpetrado pelo funcionário público, no exercício de suas funções. Não é, em conseqüência, invocável o fato de já possuir tempo de serviço público suficiente a aposentadoria. A lei prevê, inclusive, a pena de cassação da aposentadoria, aplicável ao servidor já inativo, se resultar apurado que praticou ilícito disciplinar grave, em atividade. 4. Autonomia das instâncias disciplinar e penal.” (STF – MS 21.948 – RJ – T.P. – Rel. Min. Néri da Silveira – DJU 07.12.1995)(destaca-se)
A argüição de inconstitucionalidade do art. 134 da Lei n° 8.112/90, conforme voto do Ministro Moreira Alves (Relator do MS 22.728-1/PR) já foi afastada pelo STF, embora de forma implícita, no julgamento do Mandado de Segurança n° 21.948, ocasião em que o Plenário da Corte, por unanimidade, considerou constitucional o inciso IV, do art. 127, da Lei n° 8.112/90, que prevê as penalidades disciplinares de cassação da aposentadoria e da disponibilidade.
Melhor dizendo, a Corte tem embasado suas decisões com as seguintes teses destacadas no MS 13.934/SP (Relator Ministro FELIX FISCHER):
“Por outro lado, é inquestionável que o instituto da aposentadoria tem por finalidade a eficiência do serviço público (J.E. DE ABREU OLIVEIRA, “Aposentadoria no Serviço Público”, págs. 7 e 12, Liv. Freitas Bastos, 1970), ou, no dizer de DUGUIT, citado por BRANDÃO CAVALCANTI (ob. cit., pág. 315). “a garantia da boa execução dos serviços públicos”, o que implica na conclusão de que a aposentadoria guarda um caráter retributivo, quer dizer, como prêmio pelo longo tempo de serviço, ou compensação pelos bons serviços prestados.
Daí a perfeita definição de HELY LOPES MEIRELLES , para quem a aposentadoria “é a garantia de inatividade remunerada, reconhecida aos funcionários que já prestaram longos anos de serviço, ou se tornaram incapacitados para as suas funções” (“Direito Administrativo Brasileiro”, pág. 381, ed. RT, 1986)”. (grifamos)
Teses estas, que entendemos inaplicáveis a partir do estabelecimento pelo legislador constituinte derivado da Contribuição Previdenciária obrigatória por parte dos servidores públicos efetivos e da possibilidade de contagem recíproca do tempo de contribuição entre o Regime Geral da Previdência Social – RGPS e os Regimes Próprios de Previdência de Servidores Públicos – RPPS.
“Art. 201 CF.(…)
§ 9º – Para efeito de aposentadoria, assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.” (Alterado pela EC-000.020-1998) Grifos nossos.
Conforme lição de Diógenes GASPARINI (2006), o servidor efetivo tem o direito de ver contado, para fins de aposentadoria, o tempo de contribuição para o regime especial de previdência social, federal, estadual ou municipal e, quando for o caso, o de contribuição para o regime geral de previdência social, dada a garantia de contagem recíproca desses tempos, tudo regulado pela Lei Federal n° 9.796, de 1999, que dispõe sobre a compensação financeira entre esses regimes em razão dessa reciprocidade.
Ou seja, o Poder Constituinte Derivado alterou a natureza jurídica da aposentadoria do servidor público de Prêmio para Benefício Previdenciário (seguro). E, sendo benefício, origina-se da Contribuição Previdenciária mensal, afastando definitivamente o seu caráter original de Prêmio.
Isto posto, não cabe a aplicabilidade da penalidade de cassação de aposentadoria pelos seguintes fundamentos:
– A natureza jurídica de seguro da contribuição previdenciária do servidor público efetivo (Tributo cuja contrapartida é a aquisição de benefícios previdenciários);
– O respeito ao direito adquirido ao benefício previdenciário (aposentadoria) com fundamento na quitação das respectivas contribuições mensais;
– A possibilidade de contagem recíproca do tempo de contribuição entre os regimes geral e próprios de previdência;
– A cassação da aposentadoria não respeita o princípio constitucional da proporcionalidade e nem da isonomia, na medida em que se o servidor for demitido no seu último dia de trabalho, poderá computar todo o seu tempo de contribuição para a futura aposentadoria em regime posterior (RGPS ou regime próprio de outro ente estatal), ainda que diverso; enquanto que se o aposentado tiver o seu benefício cassado, nenhum tempo lhe restará para se aposentar em outros regimes, tratando-se, assim, de pena de caráter perpétuo, vedada pela Lei das leis (cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988).
Informações Sobre o Autor
Jair Teixeira dos Reis
Professor Universitário. Auditor Fiscal do Trabalho. Autor das seguintes obras: Manual de Rescisão de Contrato de Trabalho. 4 ed. Editora LTr, 2011 e Manual Prático de Direito do Trabalho. 3 ed. Editora LTr, 2011.