Resumo:Este artigo abordará o inciso II, do artigo 1.641 do Código Civil, que impõe o regime de separação obrigatória de bens aos maiores de 70 anos. Tal regra é conflitante com os princípios consagrados no ordenamento jurídico brasileiro, a saber, o da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade, da autonomia da vontade e da igualdade entre os cônjuges. Ressaltasse que o referido regulamento retira a autonomia do cônjuge septuagenário em escolher pelo melhor regime de bens que lhe agradar, fixando, em limitação legal, um regime de separação absoluta de bens. Esta é uma forma do Estado considerar incapaz o cidadão nesta faixa etária, no que diz respeito à condução do seu próprio patrimônio, intervindo de maneira arbitrária nos interesses particulares.[1]
Palavras-chave: Separação obrigatória de bens.Idoso.Princípios.Ordenamento jurídico. Casamento. Inconstitucionalidade.
Abstract: This article will address in item II of Article 1641 of the Civil Code , which imposes mandatory separate property regime for over 70 years. Such a rule conflicts with the principles enshrined in the Brazilian legal system , namely the dignity of the human person , freedom , equality, freedom of choice and equality between spouses. Ressaltasse that the regulation removes the autonomy of the septuagenarian spouse in choosing the best property regime that please you , setting in legal limitation , a regime of absolute separation of property . This is a form of the State considered incapable citizens in this age group , with regard to the conduct of their own heritage , intervening arbitrarily in particular interests
Key-words: Mandatory separation of property . Old man. Principles. Law. Marriage. Unconstitutionality.
Sumário: Introdução; 1. Regime de bens e as espécies existentes no Brasil; 1.1 Comunhão Parcial; 1.2 Comunhão universal de bens; 1.3 Participação final nos aquestos; 1.4 Da separação de bens; 2. A separação de bens obrigatória para o idoso no Código Civil de 1916; 3. A separação obrigatória de bens para o idoso no Código Civil de 2002; 3.1 A alteração no dispositivo que modificou a idade limite do nubente de 60 para 70 anos – Lei nº. 12.344/10; 4. Dos motivos que levaram o legislador a manter a norma no atual Código Civil; 5. Da alegação de inconstitucionalidade do inciso II do Artigo 1.641 do Código Civil; 6. Dos Princípios; 6.1 Da dignidade da pessoa humana; 6.2 Da liberdade; 6.3 Da isonomia/igualdade; 6.4 Da autonomia da vontade; 6.5 Da igualdade entre os cônjuges; 7. O idoso como incapaz; 8. Da interferência Estatal nas relações privadas; Conclusão; Referências.
Introdução
O objeto deste estudo é razão de uma ampla celeuma no atual momento: A inconstitucionalidade do inciso II, do artigo1.641 do Código Civil, à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da isonomia, da igualdade entre os cônjuges e o da autonomia da vontade, bem como assenta a pessoa maior de setenta anos como sendo relativamente incapaz.
O artigo 1.641, inciso II do Código Civil, que prevê a obrigatoriedade do regime de separação de bens para os maiores de setenta anos, tem sido alvo de discussões jurisprudenciais e doutrinárias acerca de sua constitucionalidade. Parte da doutrina, entende ser discriminatória a norma sob explanação, uma vez que fere os princípios inseridos na Constituição Federal de 1988 e na legislação infraconstitucional.
O objetivo deste estudo é mostrar que ao fixar este regime, o legislador tomou a velhice como critério decisivo para se inferir a incapacidade. Isto torna a regra contida no comando legal, objeto desta análise, preconceituosa e conflitante com a Constituição Federal, razão que aqui se defende a inconstitucionalidade ora apontada.
O teor do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil vigente, substituiu o artigo 258, parágrafo único, inciso II do Código Civil de 1916, que àquele momento, atribuía o regime de separação obrigatória de bens para os homens aos sessenta e para as mulheres a partir dos cinquenta anos.
No conjunto pretérito, buscava-se a arguição deste artigo sob argumentos sutis, caracteristicamente machistas e patrimonialistas, advindos daquela sociedade de escasso desenvolvimento e começo da solidificação dos direitos individuais, onde à mulher ao menos era assegurado o simples direito ao voto.
Naquele tempo, o envolvimento de mulheres mais jovens com homens mais envelhecidos, para muitos, devia-se apenas às qualidades físicas das mulheres, que eram tidas por pessoas oportunistas e ambiciosas, e apenas essa condição era capaz de repelir a atenção de um homem.
Ante a esse entendimento social, foi firmado que o amparo dos bens do homem maior de sessenta anos era vulnerável frente às abordagens de mulheres mais jovens.
Partindo dessa constatação, averiguar-se-á, ao desenvolver do tema, que o legislador atuou em afronta aos princípios acima citados, ao estipular uma idade extrema para a escolha do regime patrimonial de bens daqueles que, por pretensão própria, desejassem contrair matrimônio.
Serãocometidasapreciações que permitirão uma concepção mais vasta acerca de tal regra, evidenciandodeste modo, que tal preceitosofre de inconstitucionalidade, mostrando a afronta aos princípios garantidos pela Constituição Federal de 1988.
Constatar-se-áque a norma traz uma limitação cominada, no sentido de quea pessoa maior de 70 anos não poderá contrair matrimonio senão pelo regime de separação obrigatória de bens.Com isso, o que se observa é uma absoluta desproporcionalidade da lei e uma extensa ausência de respeito aos setuagenários, em querer tratá-los como relativamente incapazes, só pelo fato de sua velhice.
Será feita uma busca a fim de saber se o legislador, ao estipular a idade limite para escolha do regime de bens do matrimônio, exclui o indivíduo, abarcado pelo comando normativo em questão, dos princípios e garantias instituídos pela Constituição Federal.
1. Regime de bens e as espécies existentes no brasil
O regime de bens é o conjugado de regras que os nubentes devem eleger antes da promoção do casamento para decidir juridicamente como os bens do casal serão regidos durante o matrimônio.
O regime de bens deve ser selecionado quando os nubentes perpetram o pedido da habilitação do casamento.
A fim de entender os regimes de bens, afirma Diniz (2010, p. 1166) que:
“O regime de bens, em sua objetiva definição, é o conjunto de normas a ser aplicada às relações e interesses econômicos resultantes da formação da família matrimonial ou pela união estável, envolvendo as questões inerentes à propriedade, fruição, administração de bens e disponibilidade de bens de ambos, desde a formação da entidade familiar até a sua dissolução. Assim, trata-se do estatuto patrimonial do casal.”
1.1. Comunhão parcial
Trata-se do regime legal de bens, no qual participam os bens tão somenteadquiridos na constância do casamento (artigo 1.658 do Código Civil). No fato de bens móveis, presumisse que a aquisição se deu na constância do casamento, caso não exista prova em contrário.
Estão abarcados no referido regime, os bens contraídos na constância do casamento por título oneroso, mesmo que só em nome de um dos cônjuges; os bens contraídos por doação ou herança em benefício dos dois cônjuges; as benfeitorias realizadas em bens particulares de cada cônjuge; os frutos dos bens comuns ou dos particulares de cada cônjuge. Todos alcançados na assiduidade do casamento.
No regime da comunhão parcial de bens, a gerência do patrimônio comum cabe a qualquer um dos cônjuges.
1.2. Comunhão universal de bens
Conforme aduz o artigo 1.667 do Código Civil, o regime de comunhão universal é aquele que influi na comunicação de todos os bens atuais e posteriores dos cônjuges, eliminando:Os bens oriundos de doação e herança com cláusula de incomunicabilidade, as dívidas antecedentes ao matrimônio, as doações pré-nupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com cláusula de incomunicabilidade, os bens de uso pessoal, os livros e utensílios de ofício, os proventos do labor pessoal de cada cônjuge e as pensões ou rendas semelhantes.
Trata-se de regime de bens em que se percebe a comunhão, não somente quanto ao patrimônio, como também com relação aos interesses do casal.
1.3. Participação final nos aquestos
Pelo regime de participação final nos aquestos, inserido nos artigos 1.672 e seguintes do Código Civil, os cônjuges vivem sob verdadeira separação de bens, tendo cada cônjuge, franca administração de seus próprios bens, enquanto perdurar a sociedade matrimonial. A eficácia desse regime de bens só aparece com a dissolução da sociedade matrimonial, tendo em vista que antes disso, o casal vive na forma do regime da separação de bens.
Na assiduidade do matrimônio, tudo o que os cônjuges contraírem, irá integrar a massa do patrimônio de cada um. No momento da dissolução da sociedade matrimonial, serão verificados os bens contraídos onerosamente na vigência do matrimônio e divididos pela metade para cada um dos cônjuges.
Trata-se de um regime híbrido, no qual se sobrepõem regras da separação de bens e da comunhão parcial, cuja maior utilidade, em princípio, é para aqueles cônjuges cuja profissão atuante é na economia desenvolvida; bem como para aqueles que já possuem algum patrimônio ao contraírem o casamento.
1.4. Da separação de bens
No regime da separação de bens, os mesmos não convivem, continuando sob a gerência privativa de cada um dos cônjuges que poderá livremente ceder ou gravar de ônus real os bens. Os dois cônjuges são obrigados a colaborar para os gastos do casal na dimensão dos ganhos de seu trabalho e de seus bens; salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial[2].
Vale ainda citar que, o artigo 1.641 do Código Civil, dispõe determinadas ocasiões em que a adoção do regime de separação de bens é obrigatória, ou seja, não há probabilidade de seleção pelos nubentes; por exemplo, no caso de casamento em que um dos cônjuges é maior de 70 anos, objeto de discussão neste Artigo. Trata-se do chamado regime de separação obrigatória de bens.
2. A separação de bens obrigatória para o idoso no código civil de 1916
O Código Civil de 1916, então revogado, era completamente patrimonialista e assim, sob este argumento, o regime de bens nasceu. As relações patrimoniais vivenciadas no período do Código Civil de 1916 foram influenciadas pela Revolução Francesa, que tinha como base a proteção patrimonial e a imutabilidade do regime de bens.
Se os noivos escolhessem por um regime, não haveria a possibilidade de alteração da preferência feita, uma vez que o regime da comunhão total era o que vigorava naquele tempo. E foi neste ponto de vista que o regime de separação obrigatória teve inspiração, buscando a proteção dos bens e a incomunicabilidade destes com o cônjuge.
Deste modo, o código anterior, assim como o atual, já aceitava que os noivos escolhessem o seu regime patrimonial de matrimônio sempre que não almejassem adotar o regime estabelecido pelo legislador pátrio, no caso a comunhão universal, não sendo admitida esta preferência nas hipóteses em que se atribuía o regime obrigatório da separação de bens prevista no parágrafo único, incisos I, II, III e IV do art. 258 do Código Civil de 1916.
A norma foi objeto de controvérsias, uma vez que tratava da imposição do regime da separação obrigatória de bens ao homem maior de 60 anos e à mulher maior de 50 anos. Agia em descriminação com homens e mulheres, contradizendo o princípio constitucional de igualdade, conforme se pode ver abaixo:
“Art. 258 – Não havendo convenção, ou sendo nula, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime de comunhão parcial.
Parágrafo Único – É, porém, obrigatório da separação de bens do casamento:(…)II – do maior de 60 (sessenta) e da maior de 50 (cinquenta anos).”(Grifo nosso).
A determinação do regime de separação obrigatória para pessoas mais velhas, como se pode verificar, estava inteiramente vinculada à questão econômica.
O legislador compreendia que, nessa etapa da vida, havia a presunção de que o patrimônio de um, ou dos dois nubentes, já estava estabilizado, e como não mais consorciavam no arroubo da mocidade, o teor patrimonial devia ser inteiramente apartado. A ideia era espantar o incentivo patrimonial do matrimônio de uma pessoa idosa que contrai matrimônio com alguém mais jovem.
A criação deste regime consistiu em uma proteção ao patrimônio de pessoas queempilharam durante a vida um graúdo acúmulo de bens, e que poderiam ser lesadas por “interesses” sobrevindos de pessoas de menor caráter intelectual ou do próprio indivíduo, o epíteto “golpe do baú”.
Em relação à idade posta para o homem ser diferente da mulher, teve um enfraquecimento com a entrada eficaz da CRFB/88, sendo equiparada a idade da mulher para 60 anos, pois havia um entendimento de que tal dispositivo seria inconstitucional por afronta aos princípios constitucionais, dentre os quais, o da isonomia.
Tal discriminação foi assim explicada por Villela citado por Pereira (2006, p.194) “A proibição, na verdade, é bem um reflexo da postura patrimonialista do Código e constitui mais um dos ultrajes gratuitos que a nossa cultura inflige na terceira idade”.
3. A separação obrigatória de bens para o idoso no código civil de 2002
Não obstante as diversas censuras da doutrina e da jurisprudência à ordem normativa de um regime de casamento em determinadas casos, o advento do Código Civil de 2002 tão apenas reiterou sua necessidade.
Assim dispunha o texto original da Lei de nº 10.406/02:
“Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
(…) II – da pessoa maior de sessenta anos;” (Grifo nosso).
3.1. A alteração no dispositivo que modificou a idade limite do nubente de 60 para 70 anos – Lei Nº. 12.344/10
O inciso II do artigo 1.641 do CC, mesmo após o advento do novo CC, foi alvo de debates no Congresso Nacional, o que levou a então Deputada Federal Solange Amaral[3] criar na Câmara o Projeto de Lei de nº 108/2007, para alterar a idade limite do nubente de 60 para 70 anos.
Na ocasião, a deputada somente apresentou como justificativa a alteração com o avanço da expectativa de vida do brasileiro.
Da alegação da aceitação do Projeto de Lei no Senado, extraem-se os seguintes dados históricos e motivação:
“Nos primórdios do Século XX, a expectativa de vida média do brasileiro variava entre 50 e 60 anos de idade, a Lei N°. 3.071, de 1°. de janeiro de 1916, o que condicionou o legislador a estabelecer que nos casamentos envolvendo cônjuge varão maior de 60 anos e cônjuge virago maior de 50 anos deveria ser observado o Regime de Separação Obrigatória de Bens, norma expressa no inciso II do Art. 258 daquele Estatuto (…).Hoje, no entanto, em pleno Século XXI, essa exigência não mais se justifica, na medida em que se contrapõe às contemporâneas condições de vida usufruídas pelos cidadãos brasileiros, beneficiados pela melhoria das condições de vida urbana e rural, graças aos investimentos realizados em projetos de saúde, saneamento básico, educação, eletrificação e telefonia. Iniciativas que se traduzem em uma expectativa média de vida, caracterizada pela higidez física e mental, superior a 70 anos.Em virtude dessa realidade, impõe-se seja alterado o inciso II do Artigo 1.641 do Código Civil Brasileiro, com o objetivo de adequá-lo a uma nova realidade, para que o Regime Obrigatório de Separação de Bens só seja exigível para pessoa maior de 70 anos (…)”. (Grifo nosso).
Assim, reafirmada foi a conservação dessa ordem normativa, com o advento da Lei de nº. 12.344/10[4], que demudou o código e, ao invés de eliminar o regime de separação obrigatória, pugnou por sua conservação,simplesmentedemudando a idade limite do nubente.
4. Dos motivos que levaram o legislador a manter a norma no atual código civil
Com o surgimento do Código Civil de 2002 e com o desenvolvimento da sociedade, esperava-se que essa normafosse abolida. Todavia, o novo código persistiu em colocar no artigo 1.641, a obrigatoriedade do regime de bens, aproveitando o mesmo embasamento instituído no antigo artigo 258 do Código Civil de 1916.
A pretensão do legislador, no caso do inciso II, do artigo 1.641, do referido codex, foi no sentido de impedir o afamado “golpe do baú”, bem como resguardar os interesses de terceiros. Assim justificou o então Excelentíssimo Senhor Senador Josaphat Marinho[5], citado por MONTEIRO (2004, p.217/128):
“Trata-se de prudência legislativa em favor das pessoas e de suas famílias, considerando a idade dos nubentes. É de lembrar que, conforme os anos passam, a idade avançada acarreta maiores carências afetivas e, portanto, maiores riscos corre aquele que tem mais de sessenta anos de sujeitar-se a um casamento em que o outro nubente tenha em vista somente vantagens financeiras. Possibilitar, por exemplo, a adoção do regime de comunhão universal de bens, num casamento assim celebrado, pode acarretar consequências desastrosas ao cônjuge, ou mesmo a seus filhos, numa dissolução ‘causa mortis’ do casamento”. (Grifo nosso).
5. Da alegação de inconstitucionalidade do incisco ii do artigo 1.641 do código civil
Determinados doutrinadores que formam uma corrente minoritária, como Washington de Barros Monteiro, Ênio SantarelliZuliani e outros, são adeptos à tese da constitucionalidade de tal regime. Estes lidam pelo bom emprego fiel do inciso II, do artigo 1641 do Código Civil, por tê-lo como norma absolutamente combinante com o ordenamento jurídico.
Levy (2014) mostra os pretextos pelos quais Zuliani é adepto a constitucionalidade da separação obrigatória de bens:
“A intervenção do Estado neste assunto é de ordem preventiva, tratando-se de uma garantia para a paz familiar, pois o patrimônio de uma história de lutas, dificuldades, sacrifícios de um núcleo familiar, poderá ser dissolvido com a mesma rapidez com que se encerra a carícia dissimulada.”(Grifo nosso)
Com a precisada consideração pelas posições contrárias ao regime da separação de bens e sua aplicabilidade obrigatória aos casamentos daqueles que contam mais de sessenta anos de idade, percebe-se que o inciso II, do artigo 1641 do Código Civil, torna os direitos fundamentais ineficazes, posto que diminui a plenitude da capacidade dos que tem mais de 70 anos para eleger, entre os regimes de bens elencados na legislação pátria, o que melhor for de seu agrado.
O legislador, ao fazer tal deliberação, o fez em total contrariedade ao principio da dignidade da pessoa humana.
Não é necessário, chamando o Estatuto do Idoso, perfilhar que é estritamente vedada qualquer forma discriminatória em razão da idade avançada das pessoas, como elencado no artigo 4º abaixo exposto:
“Art. 4º. Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.” (Grifo nosso).
A determinação prevista na norma infraconstitucional se opõe aos princípios basais norteadores do ordenamento pátrio, elencados na Constituição, como o da igualdade e o da liberdade, que devem ser seguidos por todo o ordenamento jurídico pátrio.
No entanto, todos eles são alvos fundamentais da Constituição e têm força limitada e advertida, em virtude da restrição fixada pelo inciso II do artigo 1.641 do Código Civil.
Neste liame, não é admissível a argumentação de que a pessoa idosa deva ser protegida dos “aventureiros” que desejem contrair matrimônio com fins puramente patrimoniais.
O idoso tem condições de escolher e tomar o melhor regime patrimonial que lhe agradar, assim como tem aptidão para escolher a pessoa com quem almeja contrair matrimônio.
O legislador preferiu pela presunção júris et de jure[6]de total incapacidade mental dos nubentes acima de 70 anos, dando a crer que o conhecimento de vida se tornou sinônimo de fragilidade, ou até mesmo de pessoas fracas que são presas fáceis.
A doutrina majoritária tem crido que o regime da separação obrigatória de bens ao idoso é inconstitucional, tendo ela como membrosCaio Mário da Silva Pereira, Carlos Roberto Gonçalves, Maria Berenice Dias, Maria Helena Diniz, Silvio Venosa, Silvio Rodrigues, dentre outros.
Inobstante haver uma corrente majoritária se opondo a esta imposição da lei, tendo-a como adversa ao direito, ela ainda permanece no ordenamento jurídico,causando normalmente os seus efeitos pelo fato de ainda não ter acontecido alteração legislativa. Haja em vista que ainda foi declarado inconstitucional.
Assim, com o fito de corroborar a veracidade da afirmação de que a maior parcela da doutrina se coloca nessa direção, segue a exposição de alguns dos doutrinadores supramencionados que a apoiam, bem como as suas justificativas:
Adentrando à alusão aos juristas, vem a conclusão firmada na Primeira Jornada de Direito Civil, em que no enunciado número 125 assevera pela inconstitucionalidade do inciso II, do artigo 1641, do Código Civil:
“A norma que torna obrigatório o regime da separação absoluta de bens em razão da idade dos nubentes (qualquer que seja ela) é manifestamente inconstitucional, malferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República, inscrito no pórtico da Carta Magna (art. 1º, inc. III, da CF). Isso porque introduz um preconceito quanto às pessoas idosas que, somente pelo fato de ultrapassarem determinado patamar etário, passam a gozar da presunção absoluta de incapacidade para alguns atos, como contrair matrimônio pelo regime de bens que melhor consultar seus interesses”. (Grifo nosso).
No seguimento, vem a doutrina de Diniz (2008.p.187) também em defesa a contrariedade do dispositivo discutido:
“[…] não se pode olvidar que o nubente, que sofre tal capitis diminutio imposta pelo Estado, tem maturidade suficiente para tomar uma decisão relativamente aos seus bens e é plenamente capaz de exercer atos na vida civil, logo, parece-nos que, juridicamente, não teria sentido essa restrição legal em função de idade do nubente.”(Grifo nosso).
Por fim, em conformidade com o mesmo entendimento, as palavras de Pereira (2009, p. 197):
“Esta regra não encontra justificativa econômica ou moral, pois que a desconfiança contra o casamento dessas pessoas não tem razão para substituir. Se for certo que podem ocorrer esses matrimônios por interesse nestas faixas etárias, certo também que em todas as idades o mesmo pode existir”.(Grifo nosso).
Este entendimento vem sendo abraçado pela jurisprudência em volume significativo, tendo sua origem com o voto da lavra, do eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, ora já aposentado, então desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual atualmente tem sido repetido nos tribunais de todo o país:
“CASAMENTO – Regime de Bens – Separação legal Obrigatória – Nubente Sexagenário – Doação à consorte – Validez – Inaplicabilidade do art. 258, parágrafo único (atual art. 1641, CC), que não foi recepcionado pela ordem jurídica atual – Norma jurídica incompatível com os arts. 1º, III, e 5º, I, X e LIV, da CF em vigor – Improcedência da Ação Anulatória – Improvimentodos recursos. É válida toda doação feita ao outro cônjuge que se casou sexagenário, porque, sendo incompatível com as cláusulas constitucionais de tutela da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica e da intimidade, bem como com a garantia do justo processo da lei, tomado na acepção substantiva (‘substantive dueprocessoflaw’), já não vige a restrição constante do art. 258, par. Único, II, do CC (atual art. 1641, CC)”.(TJ/SP, Ac. 2º Câm. De Direito Privado, Ap, Cív. 007.512-4/2-00 – comarca de São José do Rio Preto, rel. Des. Cezar Peluso, j. 18.8.98, in BDFam 1:98).
Feita esta consideração, far-se-á uma descrição dos princípios constitucionais e infraconstitucionais sob os quais se fundam a tese ora desenvolvida.
6. Dos princípios
Antes de dissertar sobre os princípios, faz-se necessário trazer à baila quea Constituição Federal de 1988 se distingue como um aparelho normativo hiante de regras e princípios. Para perceber o que esta asseveração realmente diz, necessário é a conceituação de princípio.
À luz do Dicionário Aurélio, princípio tem significação de causa originária. A ciência de princípio, ainda que fora da esfera jurídica, sempre se relaciona a causas, fundamentos, nortes de caráter geral. Trata-se, decisivamente, do início ou origem de qualquer coisa.
Sobre Princípios, o ilustre doutrinador Reale (2003, p.17) aduz que:
“Princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.”(Grifo nosso).
É admissível rematar que o princípio infunde a criação da norma, ou seja, tem o cargo de instruir o legislador ou outro atuante sobre os seus motivos.
Nas fases de construção de uma nova regulação, o princípio é sempre o primeiro passoque tem de ser acompanhado por outros, sendo muito mais do que uma regra simples.Consequentemente, estabelecem certas limitações e fornecem orientações que suportam uma noção e apontam a sua válida compreensão e interpretação.
A transgressão de um princípio é mais grave do que a transgressão de uma regra, uma vez que insulta não só uma ordem obrigatória, mas todo um sistema.
Os princípios são informadores, orientadores e inspiradores das regras gerais e devem ser notados ao definir o padrão em sua interpretação e bom emprego. Sistematizar é dar origem aos institutos.
A Constituição Federal é a pedra angular sob a qual se fundam todas as demais partes do Direito e a principal condicionante para um Estado. O alicerce da Constituição é composto pelo conjunto de princípios fundamentais que operam como base para o nosso Direito, ou seja, transgredido um princípio constitucional, ficará ameaçado todo o ordenamento jurídico seguinte.
Há uma hierarquia entre os princípios que guiam o nosso sistema legal, como existe dentro da lei em um todo; no entanto, os princípios norteadores da Constituição Federal estão no topo dessa hierarquia, trazendo consigo um esplendor maior, aperfeiçoando a constituição e ocasionando o dever de obediência a todas as suas orientações por parte de toda a legislação infraconstitucional.
Tendo em linha de conta o que foi explanado acima, passar-se-áà abordagem da violação, pela norma em comento, dos princípios sobre os quaisse trata neste artigo.
6.1. Da dignidade da pessoa humana
Desta forma, abordar-se-á o que traz o texto da Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso III:
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana.”(Grifo nosso).
Assim, começa a análise deste primeiro princípio discutido nesse artigo, sendo um dos principais fundamentos do Estado brasileiro, ofendido pelo referido dispositivo do artigo 1.641, inciso II, ora, aqui examinado, quanto à sua inconstitucionalidade.
A dignidade da pessoa humana é uma parte importante dos alicerces do nosso Estado brasileiro. Dessa forma, quanto à sua conceituação, Silva (2008, p. 105) diz que a “dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”.
Portanto, as bases de um Estado são as diretrizes estabelecidas pela dignidade da pessoa humana, formando um anexo de valores a serem acompanhados, sendo este o fundamento mais respeitável do nosso estado brasileiro.
6.2 Da liberdade
Quanto ao princípio da liberdade, este se inicia citando mais uma vez o artigo 5º da Constituição Federal:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”
Assim, é formidável reafirmar o texto do artigo acima citado, para que se possa iniciar o comentário a respeito do princípio da liberdade, visando entender que a finalidade do nosso legislador constituinte é assegurar ao cidadão brasileiro ou estrangeiro que mora aqui, além da igualdade, o direito à inviolabilidade de sua liberdade, dentre outros que vão ser perpetrados alguns comentários.
A fim de entender o princípio da liberdade e sua afinidade com o objeto do presente artigo, uma vez que é referido como outro dos princípios golpeados pelo dispositivo do inciso II, do artigo 1.641 do Código Civil, que é o ponto central desta investigação, observa-se o que diz Silva (2008, p. 233), em sua definição quanto à liberdade:
“É poder de atuação sem deixar de ser resistência à opressão; não se dirige contra, mas em busca, em perseguição de alguma coisa, que é a felicidade pessoal, que é subjetiva e circunstancial, podendo a liberdade, pelo seu fim, em harmonia com a consciência de cada um, com o interesse do agente. Tudo que impedir aquela possibilidade de coordenação dos meios é contrário à liberdade.”(Grifo nosso).
Este conceito esclarece o elevado proveito do que se percebe por liberdade, isto é, o que o legislador quis dizer quando estabeleceu este princípio no ordenamento jurídico, que em uma avaliação difícil da doutrina para o referido tema se tornou ainda uma posição avaliada como delicada, uma ocasião em que a liberdade difere da liberação. Esta última fica sob o controle do Estado para que o direito de liberdade não se torne exagerado, para que haja a liberdade dentro dos parâmetros legais.
Por fim, remata-se que o princípio da liberdade tem dado aos cidadãos a possibilidade, dentro dos limites da lei, de conduzirem a sua própria vida antes de sua pretensão, isto é, o modo mais claro para garantir a um indivíduo o direito que este tem de reger a sua própria vida como melhor lhe aprouver, dentro dos parâmetros legais, sem alancear os direitos dos outros, conhecendo que a liberdade apresentada pela nossa Constituição estende-se aos títulos recebidos.
A norma impositiva tira dos nubentes, nesse caso os maiores de 70 anos, a livre opção do regime patrimonial, ferindo assim o princípio da liberdade, pois os coloca, ainda que de forma momentânea, como “incapazes” para efetivarem um ato de caráter, aparentemente, privado.
6.4. Da isonomia / igualdade
O princípio da isonomia ou da igualdade, como igualmente é conhecido, está na Constituição, inserido no Artigo 5º, I, abaixo transcrito:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição”;(Grifo nosso).
É de grande importância tratar, dentro desse tema, da igualdade entre homens e mulheres, o que naturalmente já está incluído no escopo geral do referido princípio, uma vez que lida com a igualdade das pessoas em geral,uma vez que, nas linhas do inciso supracitado está notória à igualdade entre o homem e a mulher, em relação aos direitos e obrigações que lhe competem.
Nessa definição também Silva (2008, p. 217) diz que: “onde houver um homem e uma mulher, qualquer tratamento desigual entre eles, a propósito de situações pertinentes a ambos os sexos, constituirá uma infringência constitucional”.
O atraente de toda essa condição é que, ainda como profere Silva (2008, p. 217), essa “é uma regra que resume décadas de lutas das mulheres contra discriminações”.
O princípio da igualdade busca a equalização dos desiguais para a atribuição dos direitos sociais essenciais, como afirma Fagundes, citado por Silva (2008, p. 215):
“O princípio significa, para o legislador que, ao elaborar a lei, deve reger, com iguais disposições – os mesmos ônus e as mesmas vantagens – situações idênticas, e, reciprocamente, distinguir, na repartição de encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas, de sorte a quinhoá-las ou gravá-las em proporção às suas diversidades.”
No entanto, para buscar a equalização, as disposições legais a serem criadas devem estar em conformidade com a Constituição, isto é, coerentes com os seus princípios e garantias.
De fato, a requisição aclarada pelo dispositivo 1.641, inciso II, do CC, não encontra nenhum escudo legal para distinguir os maiores de 70 anos das parcelas restantes da população, o que torna este dispositivo discriminatório, eis que as regras que criam distinções injustificadas ou injustas são conflitantes com os princípios constitucionais (MORAES, 2010), violando nitidamente o princípio da igualdade.
O legislador procurou a proteção ao patrimônio dessas pessoas ao fixar a obrigatoriedade do regime de separação de bens, ocasião em que estes ficam em uma posição de vulnerabilidade e podem com facilidade serem ludibriados e vítimas de um “golpe”. Entretanto, essa obrigação ocasionou uma discriminação contra eles, já que impôs a idade como quesito decisivo de incapacidade.
No caso da aplicação para pessoas com mais de sessenta anos de idade, há explicita violação do princípio da igualdade, uma vez que a pessoa idosa é, como todos, sujeito de direitos e deveres.
A sua simples categoria, ao chegarem a um certo limite de idade, não é causa aceitável para que alguns direitos,como a escolha do regime de bens, lhe sejam removidos.
O estatuto do Idoso também procurou trazer em seu escopo o principio aqui levantado, ou seja, a igualdade, prevendo em seu Art. 2º que:
“Art. 2º.O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.”(Grifo nosso).
Em relação à obrigação alvo deste artigo, ou seja, a obrigatoriedade do regime de separação de bens para os maiores de 70 anos, é notório que tal princípio foi visivelmente violado.
Desta vez, tal como o restante da população, aqueles com mais de 70 anos têm o direito de querer contrair matrimonio no regime de bens que melhor lhes apraze, a fim de ser respeitado e consolidado o princípio de igualdade estabelecido na Constituição. Caso adverso, continuará a padecer esta norma de inconstitucionalidade por transgredir o princípio sob comento.
6.5. Da autonomia da vontade
O princípio da autonomia da vontade que, ao oposto dos outros princípios acima expostos, não está elencado na Constituição, da mesma forma possui relevância para o desenvolvimento deste estudo.
Tal princípio surge da independência que o sujeito tem para constituir um contrato, ou seja, primeiramente, é dizer que esse princípio é a base dos diversos campos de nosso ordenamento jurídico, regulando de tal modo o direito que a pessoa, uma vez capaz, tem de contratar, seguindo os princípios já tratados aqui, a saber: da liberdade, da dignidade humana, da igualdade.
Hoje, em algumas doutrinas ele é chamado como o princípio da autonomia privada, por acreditar que o indivíduo é supervisionado pelo Estado, que determina o quê que o cidadão pode ou não pode, ou seja, dando um extremo a ser acatado, garantindo somente a liberdade de indivíduo em relação à preferência de fazer ou não fazer alguma coisa.
O que determinados doutrinadores desejam trazer com essa nova terminologia é o que está divulgado no art. 421, do Código Civil Brasileiro, in verbis: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Deste modo, o Estado restringe, dentro do princípio da função social, a capacidade do indivíduo de contratar, ou seja, fica determinado que em um contrato, onde se aponte o direito particular, não pode ferir o direito coletivo.
Por fim, percebe-se que o indivíduo perante o princípio da autonomia da vontade, é livre para contratar o que bem entender e melhor lhe satisfizer, eis que o mesmo é fornido de capacidade civil, tão somente devendo observar o interesse da coletividade, que bem determina o principio da socialidade, não podendo ser baleado pelo interesse particular.
6.6. Da igualdade entre os cônjuges
Em relação a este princípio, pode-se dizer que, visivelmente, ele seria uma extensão do princípio anteriormente elencando, o da igualdade, mas o princípio da igualdade jurídica entre os cônjuges e companheiros, como também é conhecido, tem arrimo na Constituição, senão, observe-se o artigo 226, §5º da Constituição Federal, in verbis: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.
O mencionado princípio traz a isonomia que deve ser constituída entre marido e mulher, ou entre companheiros, abolindo de forma expressa o sistema de convívio antes conhecido, que abarcava o homem no topo das decisões entre ambos, e que tinha na mulher o elemento meramente procriador e cuidador da casa.
Nesse sentido diz Gonçalves (2011, p. 23) quanto à referida situação:
“A regulamentação instituída no aludido dispositivo acaba com o poder material e com o sistema de encapsulamento da mulher, restrita a tarefas domésticas e à procriação. O patriarcalismo não mais se coaduna, efetivamente, com a época atual, em que a grande parte dos avanços tecnológicos e sociais está diretamente vinculada às funções da mulher na família e referenda a evolução moderna, confirmando verdadeira revolução no campo social”.
Finalmente, observa-se que o propósito desta norma acompanha de forma paralela o princípio da igualdade, que apenas aclara mais precisamente os direitos e deveres diretamente relacionados aos cônjuges ou companheiros, aparecendo mais, uma vez que, diante estes, sobressai a isonomia de direitos e deveres.
7. O idoso como incapaz
O atual Código Civil Brasileiro assenta a capacidade para casar no artigo 1.517, em que se afirma que tal é alcançada aos dezesseis anos de idade, sendo indispensável a autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingirem à maioridade civil.
Ademais, os artigos 3º e 4º dispõem sobre a incapacidade absoluta e relativa simultaneamente na forma a seguir:
“Art. 3º – São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I – os menores de dezesseis anos;
II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Art. 4º – São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV – os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.”(Grifo nosso).
Não há previsão no ordenamento jurídico brasileiro de que os maiores de setenta anos serão tidos por incapazes. Desta feita, a obrigatoriedade atribuída pelo artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, que institui o regime de separação de bens para os maiores de setenta anos, não possui resguardo legal, apenas ensejando cada vez mais a discriminação inserida neste dispositivo.
Destaca-se que o legislador definiu a idade como critério crucial de incapacidade com a elaboração do artigo. 1.641, inciso II, do Código Civil. O legislador instituiu a norma aprimorada em uma teoria falsa de que a pessoa maior de 70 anos se encontra intelectual e emocionalmente aquém das demais parcelas da população.
Nessa acepção, a capacidade só pode ser apartada em casos excêntricos e através de ação judicial de interdição[7], prevista nos artigos 1.177 ao 1.186, do Código de Processo Civil, sendo indispensável a realização de perícia médica, bem como do interrogatório pelo magistrado. Contudo, tal não se deu para que fosse explicada a obrigação do regime de separação de bens para essa parte da população, por serem estes absolutamente capazes e poderem escolher pelo regime que melhor lhes agradem.
A proteção asseverada aos idosos pela Constituição, bem como a presença do Estatuto do Idoso, não evitou a criação de uma norma discriminatória contra as pessoas maiores de setenta anos e padecedora de inconstitucionalidade, como o artigo objeto dessa discussão. Percebe-se a falta de observância do legislador da realidade social e das normas e garantias constitucionais.
Não se pode olvidardo desenvolvimento do idoso na sociedade, tendo em vista o progresso de sua reinserção social e lugares de realce, sendo este mais um dos motivos para apontar a discriminação contida na norma ora impugnada.
8. Da interferencia estatal nas relações privadas
O direito de família está dentro do Direito Civil que é ramo do Direito Privado. Via de regra, o Estado não interfere nas relações entre particulares, ficando a cargo, tão somente, do Direito Público.
Porém como a família é alicerce da sociedade e tem uma função essencial prevista pela Constituição Federal, há momentos em que o Estado deve interferir para conservá-la e fortalecê-la, como assegura o artigo 226 da Constituição da República: “A família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado”.
Não oponente a essa previsão, o Estado não pode intervir nas relações privadas no direito de família, de tal sorte que o modifique, tornando-o um ramo do Direito Público. As circunstâncias devem ser de gravidade tal que expliquem esta medida. Baseado nisso, a obrigação do regime obrigatório de bens aos maiores de setenta anos não é conceito excepcional e a afirmada ordem pública não desculpa tal restrição.
A opção do regime de bens diz respeito, tão somente, aos cônjuges, já que toca à autonomia da vontade, e não há fundamento ou pretexto de ordem pública que consiga apoiar a validade da intervenção.
Incide no caso em análise uma excessiva intervenção estatal em uma matéria que não mereceria tal proteção, o que faz suscitar graves contratempos e punições àqueles que almejavam apenas reger sua vida, no caso os maiores de 70 anos.
Os pretextos que poderiam justificar tal atitude foram desconstruídos no escopo deste artigo. Assim, a substituição da pretensão do Estado tem caráter excepcional, tendo em vista que as normas de direito de família regulam circunstâncias entre particulares.
Isso posto, ainda que a família seja parte integrante do Estado, o Direito de Família permanece fazendo parte do Direito Civil, ramo do Direito Privado, logo há intervencionismo excessivo por parte do Estado.
Conclusão
A imposição obrigatória ao regime de separação de bens ao maior de 70 anos fere os princípios constitucionais e infraconstitucionais estudados, fazendo nascer a inconstitucionalidade defendida neste artigo acadêmico.
Não careceria ao Estado interferir em deliberações de cunho estritamente pessoais, visto que a preferência quanto ao regime de bens incumbe somente aos cônjuges.
Por todos os fundamentos aqui elencados, conclui-se pela inconstitucionalidade do inciso II do artigo 1.641 do Código Civil, uma vez que muitos idosos atualmente são os provedores de suas casas e não comportam semelhança qualquer com os idosos dos tempos passados, pois na época presente o maior de 70 anos tem diversos modos de se conservar informado.
Não há que se ponderar que todas as pessoas que estão nessa faixa etária hão de ser vítimas de matrimônios cobiçosos; o fator idade não faz com que seu discernimento venha diminuir e não lhe faz dessemelhante aos outros cidadãos.
O idoso com total capacidade não é vulnerável, dispondo de muito mais conhecimento e discernimento para decisões patrimoniais do que muitos adultos que acabam de alcançar a maioridade civil.
Nesta acepção, o que se deve levar em consideração é que, ultimamente, com os progressos da medicina e os avanços tecnológicos, os idosos estão vivendo cada vez mais.
Se estes, de acordo com a legislação vigente, podem doar, alienar e dispor do que desejarem em testamento, desde que respeitando a legítima, porque os mesmos não poderiam eleger o próprio regime de bens? Qual o fito de cultivar a obrigatoriedade de não disposição de um patrimônio que ele mesmo, o idoso, conquistou, edificou e conservou até essa idade?
Assim, incumbe salientar que o Código Civil/2002 não largou por completo os resíduos deixados pelo Código Civil de 1916 e se mostrou deficiente quanto à evolução do Direito, marchando na oposição dos parâmetros constitucionais.
Graduado em Direito pela Uniabeu Centro Universitário
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