Resumo: Artigo abordando o polêmico assunto da responsabilidade civil nos casos da perda de uma chance de uma pessoa praticar determinado ato por culpa de outrem.
Uma das áreas do Direito Civil que causa maior polêmica é, sem dúvida, a responsabilidade civil. A idéia central consiste na obrigação legal que cada um tem de reparar os prejuízos decorrentes de seus atos em face de terceiros.
A responsabilidade civil tem origem no direito romano, a qual supera ordenamentos jurídicos primitivos que estabeleciam a chamada “Lei de Talião”, a qual preconizava a possibilidade de revide na mesma intensidade e gravidade da agressão sofrida (olho por olho, dente por dente).
A doutrina da responsabilidade civil evoluiu bastante, saindo da idéia de vingança para a de reparação pecuniária. Modernamente, o Código de Napoleão lançou as bases da responsabilidade civil tal como é vista atualmente: responsabilidade em face de ato ilícito.
A concepção mais recente de responsabilidade civil não se baseia apenas na noção de ato ilícito e sim na de dano injusto, composto pelo elemento fático do prejuízo e pelo elemento de direito da lesão jurídica.
Os danos materiais e morais desdobram-se, porém, em inúmeras vertentes, a exemplo dos danos estéticos, psicológicos, etc.
Uma vertente relativamente recente, porém extremamente interessante, é o dano decorrente da perda de uma chance. Tal dano decorre de atos ou omissões ilícitas de outrem capazes de privar a vítima da oportunidade de obter determinada vantagem ou de evitar um prejuízo. Este dano pode acarretar a uma indenização pela perda de uma chance.
Vale citar alguns exemplos de danos pela perda de uma chance, tais como a perda do direito do cliente pela inércia desidiosa do advogado que impediu que a causa fosse examinada pelo órgão jurisdicional competente; o médico que não diagnostica corretamente o paciente com câncer ou outra doença grave, retardando o tratamento; o concursando que deixa de prestar a prova porque o sistema de transporte contratado falhou, etc. [1]
O dano pela perda de uma chance foi ignorado por bastante tempo pela doutrina e jurisprudência, pois era exigida a demonstração efetiva do dano. Assim, a princípio, a indenização só seria devida se a conduta ilícita fosse diretamente responsável pelo prejuízo.
Assim, só haveria obrigação de indenizar se a conduta fosse realmente a causa do dano, e se, caso evitada, o dano não teria ocorrido. Os tribunais costumavam exigir, por parte da vítima que alegava o dano, a prova inequívoca de que, não fora a ocorrência do fato, teria conseguido o resultado que se diz interrompido.
A teoria da perda de uma chance foi criada pela jurisprudência francesa (pert d’une chance), a partir de 1965, ocasião em que, pela primeira vez, reconheceu-se a possibilidade de indenização pela perda de uma chance. Tratava-se de um recurso acerca da responsabilidade de um médico que teria proferido o diagnóstico equivocado, retirando da vítima suas chances de cura da doença que lhe acometia.
No direito pátrio, a doutrina tem recebido, paulatinamente, guarida em nossos tribunais, como podemos constatar das ementas de julgados abaixo:
“MANDATO – INDENIZAÇÃO – DANO MATERIAL – ADVOGADO – PERDA DE PRAZO PARA COMPLEMENTAÇÃO DE PREPARO DE APELAÇÃO – HIPÓTESE DE PERDA DE UMA CHANCE PARA O CLIENTE – CARACTERIZAÇÃO DE DANO MORAL – DESACOLHIMENTO NA SENTENÇA – INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO – AUSÊNCIA – DESCABIMENTO. A negligência do advogado ao não providenciar a complementação do preparo teve como conseqüência a decretação de deserção do recurso, impedindo que em segunda instância fosse apreciado o apelo. É esta a chance que foi perdida, não os valores decorrentes da condenação. Descabe, sob este aspecto, a indenização por dano material. Por outro lado, caberia indenização de ordem moral, que foi negada em primeiro grau, mas contra a qual não houve interposição de recurso, não podendo ser reapreciada” (Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Ap. c/ Rev. 688.509-00/9 – 12ª Câm. – Rel. Juiz JAYME QUEIROZ LOPES – J. 18.11.2004).
RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade.2. Recurso conhecido e, em parte, provido. (REsp 788459 / BA RECURSO ESPECIAL 2005/0172410-9. Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES. T4 – QUARTA TURMA. 08/11/2005. DJ 13.03.2006 p. 334)
Na doutrina, a indenização pela perda de uma chance tem sido caracterizada equivocadamente como dano emergente ou como lucro cessante. Note-se que nessas figuras o prejuízo é certo, inclusive no caso do lucro cessante, apesar da definição do quantum ser difícil..
Assim, concluímos que no caso da perda de uma chance, o dano decorre justamente da perda da oportunidade, e não do prejuízo de lucro cessante, pois não se sabe ao certo se a vítima obteria o resultado pretendido ou não.
Informações Sobre o Autor
Reno Sampaio Mesquita Martins
Procurador da Fazenda Nacional