A indeterminação do prazo máximo de duração das medidas de segurança

Resumo: O presente estudo foi desenvolvido com a finalidade de fazer uma análise crítica sobre a aplicação das medidas de segurança no ordenamento jurídico brasileiro. Atualmente, a legislação penal e processual penal vigentes,  não definem qual seria o limite máximo para o cumprimento dessas medidas. Desta forma, ocorre um flagrante desrespeito à Constituição Federal no que tange aos princípios protetores da dignidade humana.

Palavras-chave: Medida de Segurança. Limite Máximo. Cumprimento. Dignidade Humana. Desrespeito.

Abstract: This study was developed in order to make a critical analysis of the implementation of security measures in the Brazilian legal. Currently, criminal law and criminal procedure in force, does not define what would be the maximum for the fulfillment of such measures. Thus, there is a flagrant disregard of the Constitution in relation to the principles of protecting human dignity.

Keywords: Security Measure. Limit. Compliance. Human Dignity. Disrespect.

Sumário: Introdução. 1. Conceito de medida de segurança. 2. O atual sistema vicariante. 3. As semelhanças e diferenças entre pena e medida de segurança. 4. Os requisitos de aplicação. 5. Das espécies. 6. A problemática do tempo de cumprimento das medidas de segurança. 7. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Este estudo foi elaborado para analisar a aplicação das medidas de segurança no atual sistema vicariante, apontando quais são as suas distinções e peculiaridades, bem como os seus requisitos de aplicação e suas espécies.  

A falta de limite máximo para o cumprimento de uma medida de segurança torna-se uma afronta à Constituição Federal, na medida em que fere a dignidade da pessoa humana, porque não se pode simplesmente deixar uma pessoa internada o resto de sua vida pagando por um delito, num prazo que muitas vezes ultrapassa a pena máxima cominada  ao crime cometido.   

Sabe-se que existem doenças mentais incuráveis, e o Estado encontra-se despreparado, pois não implantou políticas públicas no Brasil que fossem capazes de proteger os inimputáveis e semi-inimputáveis. Assim, estes acabam ficando desatendidos e condenados perpetuamente, com base em suas doenças, sem que se viabilize uma solução para seus casos.

Portanto, o objetivo principal deste trabalho é apresentar a problemática em relação aos prazos de duração das medidas de segurança, e analisar de forma crítica a proteção constitucional prevista para os delinquentes portadores de doenças mentais incuráveis.

1 CONCEITO DE MEDIDA DE SEGURANÇA

A expressão medida de segurança tem relação com providência, cautela, algo que precise de cuidado. Constitui um expediente de caráter político que impede que uma pessoa, ao cometer um ilícito penal e revelar-se perigosa, venha reiterar na infração, sendo necessário um tratamento adequado para reintegrá-la à sociedade (FERRARI, 2001).  

Atualmente, pode-se conceituar medida de segurança como uma sanção penal que origina-se da periculosidade do agente. Não há unanimidade sobre a definição de medida de Segurança, e conforme Nelson Hungria (2009, p. 167): “A medida de segurança é um tratamento de medida acauteladora contra indivíduos perigosos e a sua duração está subordinada à permanência dessa periculosidade”.

Para Juarez Cirino dos Santos (2008), as medidas de segurança são instrumentos de proteção social e terapia do indivíduo, que têm como fundamento a periculosidade de criminosos inimputáveis e como objetivo prevenir a prática de crimes futuros. De acordo com Nucci (2006), trata-se de uma sanção penal com caráter preventivo e curativo, visando evitar que o autor de um fato tido como infração penal, inimputável ou semi-inimputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado.  

A natureza das chamadas “medidas de segurança”, ou simplesmente “medidas”, não é propriamente penal, por não possuírem um conteúdo punitivo, mas são, formalmente penais, e em razão disso, são elas impostas e controladas pelos juízes penais.

 Não se pode considerar “penal” um tratamento médico e nem mesmo a custódia psiquiátrica; sua natureza nada tem haver com a pena, que desta se diferencia por seus objetivos e meios. Mas, as leis penais impõem um controle formalmente penal, e limitam as possibilidades de liberação da pessoa, impondo o seu cumprimento, nas condições previamente fixadas que elas estabelecem, e cuja execução deve ser submetida aos juízes penais (ZAFFARONI, 2004).

Embora a medida de segurança tenha semelhanças com a pena, ela visa à prevenção, no sentido de preservar a sociedade da ação de delinquentes, e de recuperá-los com um tratamento específico. Considera-se, uma sanção penal imposta pelo Estado, na execução de uma sentença, cuja finalidade é exclusivamente preventiva, no sentido de evitar que o autor de uma infração penal que tenha demonstrado periculosidade, volte a praticá-la. Ou seja, visa tratar o inimputável e o semi-inimputável que demonstraram pela prática delitiva, a potencialidade para novas ações danosas (CAPEZ, 2010).

Depois dos conceitos acima relacionados, entende-se que a medida de segurança aplica-se a pessoas que cometem delitos e possuem doenças mentais, as quais não podem ser responsabilizadas por suas ações. Sendo assim, ao se falar em medida de segurança melhor é agasalhá-la com a palavra tratamento à punição.     

2 O ATUAL SISTEMA VICARIANTE

A Reforma Penal de 1984 estabeleceu o Sistema Vicariante, o qual eliminou a aplicação dupla de pena e medida de segurança para os inimputáveis e semi-imputáveis, o que ocorria anteriormente com o chamado Sistema Duplo Binário.

O Sistema Vicariante vigora atualmente no Brasil e implica na imposição de pena ou na imposição de medida de segurança, sendo vedada a aplicação cumulativa ou sucessiva. Assim, ao réu considerado imputável, será aplicada uma pena, independentemente de ser perigoso ou ter praticado um crime violento, do contrário, sendo inimputável e perigoso, receberá uma medida de tratamento.

Antes de tal reforma, como era possível a aplicação conjunta de pena e medida de segurança, ocorria a violação expressa do princípio do ne bis in idem, porque por mais que os fundamentos e os fins de uma e outra sejam distintos, o fato era que naquela realidade era  o mesmo indivíduo que suportava as duas consequências pelo mesmo fato praticado.

Ocorria que na prática, a medida de segurança não se diferenciava da pena privativa de liberdade; pois quando o sentenciado concluía a sua pena, permanecia no mesmo local, cumprindo a medida de segurança, nas exatas condições que cumprira a pena anterior. Na verdade, era uma violência ao cidadão em seu direito a liberdade, pois, primeiro cumpria uma pena certa e determinada e depois, cumpria outra “pena”, esta por sua vez, de prazo indeterminado, chamada de medida de segurança (BITENCOURT, 2004).

No sistema vicariante, não há possibilidade de aplicar medida de segurança aos imputáveis, isso se deu com a reforma penal criada pela Lei n. 7.209/84, portanto, as medidas de segurança adotadas no Código Penal, referem-se somente aos inimputáveis e às pessoas que se encontram numa situação de culpabilidade diminuída (ZAFFARONI, 2004). Conforme esta orientação o fundamento da pena passa a ser exclusivamente a culpabilidade, enquanto que a medida de segurança se justifica nos casos em que exista a periculosidade aliada à incapacidade penal do agente.

Neste sistema, é aplicada somente uma sanção: ou pena, ou a medida de segurança, sendo uma forma unicista e alternativa. Atualmente, entende-se que a medida de segurança pode substituir a pena, mas, jamais complementá-la (REALE JÚNIOR, 2009).

3 AS SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE PENA E MEDIDA DE SEGURANÇA

Ambas as sanções visam à tutela de bens jurídicos e são respostas que o Direito Penal prevê em face de ofensas a valores importantes alçados à portadores de dignidade penal. O bem jurídico é protegido igualmente, seja com relação ao imputável, com a previsão de uma pena, seja com a imposição de uma medida de segurança ao inimputável ou semi-inimputável para que não se repita a afronta ocorrida. Sem a lesão a um bem jurídico não se justifica a aplicação de uma pena ou a imposição de medida de segurança.

Assim, outro ponto em comum está na satisfação da necessária resposta à sociedade, demonstrativa da ação estatal, em defesa dos bens jurídicos dos consorciados, defluindo, também, da medida de segurança a um inimputável, a reafirmação de um valor consagrado pela lei (REALE JÚNIOR, 2009). De acordo com Cezar Roberto Bittencourt:

“a) as penas têm caráter retributivo-preventivo, as medidas de segurança têm natureza eminentemente preventiva. b) o fundamento da aplicação da pena é a culpabilidade; a medida de segurança fundamenta-se exclusivamente na periculosidade. c) as penas são determinadas; as medidas de segurança são por tempo indeterminado. Só findam quando cessar a periculosidade do agente. d) as penas são aplicáveis aos imputáveis e semi-imputáveis; as medidas de segurança são aplicáveis aos inimputáveis e, excepcionalmente, aos semi-imputáveis, quando estes necessitarem de especial tratamento curativo”. (BITENCOURT, 2004, p. 156).

As medidas de segurança têm uma finalidade diversa da pena, pois se destinam à cura, ou pelo menos, ao tratamento daquele que praticou o fato típico e ilícito. Assim sendo, aquele que for reconhecidamente declarado inimputável, deverá ser absolvido, pois o artigo 26, caput, do Código Penal, diz ser isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (GRECO, 2009). Na lição de Ferrari:

“Ainda que não uniformes as diferenças e semelhanças, dependendo do conteúdo finalístico de cada modalidade de sanção, entendemos constituírem penas e medidas de segurança espécies de consequências jurídicas, impostas pelo Estado àqueles que afrontam um bem jurídico penal, possuindo como pressuposto: a prática de um ilícito típico prévio, definido normativamente”. (FERRARI, 2001, p. 66).

Afirma ainda, que as duas figuras são consequências jurídicas que visam a combater o crime, caracterizadas como reações à transgressão de uma ordem, visando à defesa social, e à afirmação da autoridade do Estado.

4 OS REQUISITOS DE APLICAÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

Em relação aos requisitos de aplicação das medidas de segurança, é pacífico o entendimento doutrinário acerca da exigência da coexistência de dois pressupostos: a prática de fato descrito como crime e a periculosidade do sujeito. 

Entende-se por inimputabilidade o conjunto de condições de insanidade mental que impossibilita o agente de conhecer o caráter ilícito do ato que pratica ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Denomina-se semi-imputabilidade, o estado comprovado de perturbação da saúde mental ou do desenvolvimento mental incompleto ou retardado do agente, ao tempo da ação ou omissão, suficiente e necessário para conferir-lhe limitada capacidade de entendimento e de determinação. Conforme o entendimento de Aníbal Bruno:

“São indivíduos que ocupam uma faixa cinzenta, são os que apresentam estados atenuados, incipientes e residuais de psicose, certos graus de oligofrenias e transtornos mentais transitórios, desde que afetem sem abolir, a capacidade de entender e querer”. (BRUNO, 1967, p. 186).

É indispensável que o agente tenha praticado um ilícito típico e punível. A presença de excludentes de criminalidade ou de culpabilidade e a ausência de prova do crime ou de sua autoria, impedem que exista o fato típico e ilícito, tornando inaplicável a medida de segurança. O sujeito que praticou o ilícito penal típico deve ser dotado de periculosidade.

Por periculosidade, entende-se que é um estado subjetivo mais ou menos duradouro de anti-sociabilidade; é um juízo de probabilidade que tem por base a conduta anti-social e a anomalia psíquica do agente. A periculosidade criminal consiste na probabilidade e não na mera possibilidade de o indivíduo vir a cometer novos delitos. Assim, exige-se probabilidade de reiteração da conduta criminosa, isto é, um juízo de certeza sobre a constância no cometimento de delitos.

A ausência de imputabilidade plena ou Inimputabilidade: o agente imputável não pode sofrer medida de segurança, apenas pena. Já o semi-imputável, só excepcionalmente estará sujeito à medida de segurança, isto é, se necessitar de tratamento curativo, caso contrário, ficará sujeito somente à pena (BITENCOURT, 2004). 

Para Celso Delmanto e outros (2002, p. 690): "[. . .] faltará este primeiro requisito se o fato não for típico, houver excludentes da ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa ou outros), não existir prova do crime etc". Por sua vez, Cezar Roberto Bitencourt leciona que:

“Assim, deixará de existir este primeiro requisito se houver, por exemplo, excludente de criminalidade, excludentes de culpabilidade (como erro de proibição invencível, coação irresistível e obediência hierárquica, embriaguez completa fortuita ou por força maior) – com exceção da inimputabilidade -, ou ainda se não houver prova do crime ou da autoria etc. Resumindo, a presença de excludentes de criminalidade ou de culpabilidade e a ausência de prova impedem a aplicação de medida de segurança”. (BITENCOURT, 2007, p. 97).

No entendimento de Guilherme de Souza Nucci:

“Para o indivíduo ter condições de compreender o caráter ilícito de um delito necessita de dois elementos: higidez biopsíquica, que é caracterizada pela saúde mental e pela capacidade de apreciar o delito, ambas determináveis por perícia médica e a maturidade, que no Brasil foi substituída pelo critério cronológico (18 anos completos).” (NUCCI, 2007, p. 350).    

Por fim, nunca é demais fazer alusão às palavras do autor Paulo Queiroz, segundo o qual:

“Em homenagem aos princípios e garantias constitucionais, em especial o princípio da igualdade, em nenhuma hipótese será cabível a medida se, na mesma situação, não couber, por qualquer motivo, a aplicação da pena. Assim, por exemplo, se o fato for atípico (e.g.,ausência de nexo causal ou de culpa) ou lícito (v.g., praticado em legitima defesa ou em estado de necessidade) ou não culpável (p.ex., cometido sob coação moral irresistível, erro de proibição, embriaguez involuntária completa) ou, ainda, se tiver sido atingido por causa de extinção da punibilidade (prescrição, decadência etc.)”. (QUEIROZ, 2005, p. 376).

Em suma, vide, pois, que os requisitos jurídico-penais necessários para a aplicação de uma pena são de igual forma, exigidos para as medidas de segurança, sendo exceção somente a imputabilidade. Ao semi-inimputável, qualificado pelo artigo 26, parágrafo único do Código Penal, a medida de segurança poderá se, excepcionalmente aplicada, desde que, durante a execução da pena, por apresentar indícios de doença mental, entenda-se que o apenado necessite de especial tratamento curativo.

5 DAS ESPÉCIES DE MEDIDA DE SEGURANÇA

Conforme o artigo 96 do Código Penal, duas são as espécies de medida de segurança: a internação em hospital de custódia e tratamento e a sujeição a tratamento ambulatorial. Dependendo da qualidade da pena, reclusão ou detenção, o juiz acatará uma ou outra, devendo ser determinada a internação quando a pena aplicada for de reclusão e, sendo a pena de detenção, o juiz optará pela internação ou pelo tratamento ambulatorial.  

A medida detentiva compreende a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico (artigo 97 do CP), já a medida restritiva, baseia-se na sujeição a tratamento ambulatorial.

Na mesma esteira de raciocínio caminha e complementa Paulo Queiroz (2005) ao ministrar que duas são as medidas de segurança previstas no Código: internação e tratamento ambulatorial (art. 96). A primeira, cumprida nos atuais Hospitais de Custódia e Tratamento psiquiátrico (HCT) ou, à falta, em estabelecimento adequado, e que importa em privação da liberdade do paciente, destina-se aos crimes mais graves, punidos com reclusão; a segunda, cujo tratamento ocorrerá nos mesmos locais, dirige-se aos delitos menos graves, punidos com detenção (QUEIROZ, 2005).  

São características da medida detentiva: é obrigatória quando a pena imposta for de reclusão; será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for determinada a cessação da periculosidade; esta será averiguada após um prazo mínimo, variando entre um e três anos; a averiguação poderá ocorrer a qualquer tempo, mesmo antes do término do prazo mínimo, se o juiz da execução determinar (artigo 176 da LEP). O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e na falta de vaga a internação pode dar-se em hospital comum ou particular, mas nunca em cadeia pública.

Já as medidas restritivas têm como características: se o fato é punível com detenção, o juiz pode submeter o agente a tratamento ambulatorial, sendo o prazo indeterminado até a constatação da cessação da periculosidade; esta constatação será feita através de perícia médica após o decurso do prazo mínimo, o qual varia de um a três anos, podendo ocorrer a qualquer tempo, até mesmo antes do prazo mínimo, caso o juiz da execução determine.

O prazo mínimo será fixado de acordo com o grau de perturbação mental do sujeito, bem como, conforme a gravidade do delito e a liberação será sempre condicional, devendo ser restabelecida a situação anterior se, antes do decurso de um ano, o agente praticar fato indicativo de sua periculosidade (CAPEZ, 2010).

6 A PROBLEMÁTICA DO TEMPO DE CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

A medida de segurança como providência judicial curativa, não tem prazo certo de duração, persistindo enquanto houver necessidade do tratamento destinado à cura ou à manutenção da saúde mental do inimputável. Ela terá duração enquanto não for constatada, por meio de perícia médica, a chamada cessação da periculosidade do agente, podendo, não raras vezes, ser mantida até o óbito do paciente:

“A medida de segurança prevista no Código Penal, quando aplicada ao imputável ou semi-imputável, ainda no processo de conhecimento, pode ter prazo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada a cessação da periculosidade. Precedente. No caso dos autos, a medida de segurança não possui limite temporal, estando condicionada a cessação da periculosidade do paciente, sendo também aplicável ao caso, consoante efetivado na hipótese, a desinternação condicionada pelo prazo de um ano, durante o qual o agente não pode praticar nenhum ato indicativo da persistência de sua periculosidade”. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 188 apud BRASIL, 2006, p. 585). 

Percebe-se então, que a medida de segurança pode ser decretada a qualquer momento, a depender da saúde mental do indivíduo, independentemente de quando ele tenha cometido o crime.

O Código Penal estabelece em seu artigo 97, §1°, 1ª parte: “A internação ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade”. Desse modo, analisando o texto da lei, pode-se considerar a medida de segurança como uma medida eterna, pois se a periculosidade durar por toda a vida do agente, pelo mesmo período se arrastará a internação ou o tratamento ambulatorial.

Essa opção legal se funda na premissa de que, por ser a medida de segurança um bem, destinada a proteger o responsável por uma infração penal, e também recuperá-lo do mal de que padece, não encontra limites no tempo. O que é bom não deve ser barrado por questões temporais (MASSON, 2009). Encontra ressonância em algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça:

“Nos termos do artigo 97, §1° do Código Penal, a medida de segurança, na modalidade internação ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante laudo pericial, a cessação da periculosidade, sendo o prazo mínimo estabelecido entre 1 (um) a 3 (três) anos”. (BRASIL, 2008, documento eletrônico não paginado).[1]

Essa escolha legislativa, no entanto, não é unânime. Diversos penalistas defendem a inconstitucionalidade da duração indeterminada, quiçá perpétua da medida de segurança. Além disso, se o imputável é protegido pelo limite de 30 anos para o cumprimento da pena privativa de liberdade, não poderia um inimputável, doente, ser internado por prazo indeterminado (ZAFFARONI, 2007). Essa posição é atualmente aceita pelo Supremo Tribunal Federal.  

O tradicional menosprezo pela vítima configura uma prova eloquente de quanto a política criminal tradicional praticada pelo Estado tem cunho mais “vingativo” (retributivo) que reconciliador. Orienta-se para a decisão, não para a solução do conflito. É um modelo “paleorrepressivo”, sendo o castigo o que realmente interessa. Se esse castigo cumpre ou não a sua função de prevenção de novos delitos, pouco interessa. Se não ressocializa, pouco importa. Se ignora as expectativas reparatórias da vítima, não tem relevância. Se tratar muitas vezes de um castigo “perdido”, porque deixa de cumprir suas finalidades, não há inconveniente. Se vislumbrar desde logo que a pena concreta que será fixada já está prescrita, mesmo assim deve-se ir à condenação primeiro para depois julgar-se a extinção (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2000).

Dentre tantas características que deve conter um novo modelo de justiça criminal, vale enumerar as seguintes: a concepção do delito como um fato histórico, interpessoal, comunitário e social, a transformação da vítima em sujeito de direitos, o fim da despersonalização do conflito, a ponderação das várias expectativas geradas pelo crime (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2000). Este entendimento levou parte da doutrina a afirmar que o prazo de duração das medidas de segurança não pode ser completamente indeterminado, sob pena, de ofender o princípio constitucional que veda a prisão perpétua, pois de acordo com as lições de Zaffaroni e Pierangeli:

“Não é constitucionalmente aceitável, que a título de tratamento, se estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpétua, como coerção penal. Se a lei não estabelece limite máximo, é o intérprete que tem obrigação de fazê-lo”. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2009, p. 858 apud GRECO, 2009, p. 188).

 Quando se diz que a medida de segurança tem duração indeterminada, isso não significa que ela pode perdurar perpetuamente. Mesmo que a medida de segurança tenha finalidade terapêutica, continua sendo uma sanção regulada pela lei penal, e nessas condições possui as limitações próprias das sanções penais. Ou seja, a indeterminação das medidas de segurança é relativa e não absoluta (DOTTI, 2010). 

Uma dúvida foi levantada acerca do parágrafo 1º do art. 97 do CP, isso porque sua redação dispõe que a internação ou o tratamento ambulatorial será por tempo indeterminado, enquanto persistir a periculosidade. A questão é tão controvertida que até o STF já se manifestou sobre o assunto:

“DTZ1055180 – MEDIDA DE SEGURANÇA – PROJEÇÃO NO TEMPO – LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos”. (BRASIL, 2011, documento eletrônico não paginado).

Conforme a jurisprudência mencionada, sabe-se que o preso não ficará na prisão por mais de 30 anos, seja qual for a pena aplicada, dentro de um prazo pré-estabelecido, ele readquire a sua liberdade. Isso não ocorre na aplicação da medida de segurança, pois o critério é subjetivo acerca da cessação ou não da periculosidade, podendo lançá-lo ao cumprimento de uma pena perpétua. Observa-se, que é expressamente vedado as penas de caráter perpétuo no Brasil, como prevê o artigo 5º, inciso XLVII, alínea “b” da Constituição Federal.[2]

A periculosidade de uma pessoa que tenha cometido um injusto ou causado um resultado lesivo a bens jurídicos pode não ser maior nem menor do que a de outra que o tenha causado, se a mesma depende de um padecimento penal. Não existe razão aparente para estabelecer que um azar leve a submissão de uma delas a um controle penal perpétuo, ou, possivelmente perpétuo, enquanto outra fica entregue às disposições do direito ou legislação psiquiátrica civil.

Quanto à duração indeterminada, uma vez que o princípio da legalidade impõe que se fixe o máximo de tempo de aplicação da medida de segurança, o que se procurou remediar no Projeto em andamento no Congresso Nacional, que prevê, no artigo 98, que o tempo da medida de segurança não será superior a pena máxima cominada ao tipo de crime (REALE JÚNIOR, 2009).  

Pelo menos, é mister reconhecer para as medidas de segurança o limite máximo da pena correspondente ao crime cometido, ou a que foi substituída em razão da culpabilidade diminuída. Se, no primeiro caso, continuar a doença mental da pessoa submetida à medida, a solução é comunicar a situação ao juiz do cível ou ao Ministério Público, para que se proceda conforme o artigo 1.769 do Código Civil em vigor e efetivar a internação nas condições do artigo 1.777 desse mesmo código (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2009). De acordo com os preceitos de Juarez Cirino dos Santos, ocorre a violação ao Princípio da Proporcionalidade e ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana:

“A duração indeterminada das medidas de segurança estacionárias, significa frequentemente, privação de liberdade perpétua de seres humanos, o que representa a violação da dignidade humana e lesão do princípio da proporcionalidade, porque não existe correlação possível entre perpetuidade da internação e a inconfiabilidade do prognóstico de periculosidade criminal do exame psiquiátrico”. (SANTOS, 2008, p. 665).

É absolutamente correta a lição de Luiz Flávio Gomes quando refere que toda a execução penal deve ter um limite; pois todo poder-dever de punir do Estado tem que ter um fim. O que se pode fazer é transferir o inimputável perigoso do estabelecimento, passando a sua internação a ter um caráter administrativo, já não mais natureza penal (DOTTI, 2010 apud GOMES, 2005). Conforme Zaffaroni:

“A forma penal desta coerção compromete, grandemente, a liberdade das pessoas a ela submetidas. Preocupa, sobremaneira, a circunstância de não terem as “medidas” um limite fixado na lei e ser a sua duração indeterminada, podendo o arbítrio dos peritos e dos juízes decidir acerca da liberdade de pessoas que, doentes mentais ou estigmatizadas como tais, sofrem privações de direitos ainda maiores do que aquelas que são submetidas às penas”. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 811).

Esta indeterminação da duração da medida de segurança, e a ausência, de quaisquer garantias de certeza acerca do momento da cessação, representa seguramente, o aspecto mais vexatório das medidas de segurança pessoais.

A lei estabelece para todas as espécies de medidas, salvo a possibilidade de reexame em qualquer momento estabelecida pela Sentença 110, de 23.04.1974, da Corte Constitucional, e a revogação “antecipada” prevista pelo citado artigo 69 do Ordenamento Penitenciário, apenas a duração mínima: para a internação em uma colônia agrícola ou em uma casa de trabalho, de dois anos se o condenado é um delinquente habitual; de três anos se é um delinquente profissional; quatro anos se é um delinquente por tendência; um ano para os outros casos do artigo 217 do Código Penal.  

Para a casa de tratamento e custódia, um ano quando a pena para o crime cometido pelo semienfermo mental não é inferior no mínimo a cinco anos de reclusão; três anos quando esta não é inferior no mínimo a dez anos, seis meses nos casos do artigo 219 do Código Penal; para o hospital psiquiátrico de dez anos, quando a pena para o crime cometido é a prisão perpétua; cinco anos quando ela não é inferior no mínimo a dez anos; dois anos quando  não é superior no máximo a 2 anos.

A duração máxima não é preestabelecida e pode ser prolongada por tempo indeterminado pelo juiz quando ele tenha por necessário que a permanência do estado de periculosidade social persiste. Apontando uma solução diferente sobre o tempo de duração das medidas de segurança, se pronuncia, Orlando Faccini Neto:

“O parâmetro adequado em se tratando de medida de segurança há de ser a situação subjetiva do agente, ou seja, o mal psíquico de que padeça e a situação de periculosidade que ostente, não se podendo buscar quantificar o tempo de medida de segurança a ser cumprida com base no delito cometido [. . .]. O ideal, todavia, parece ser a previsão legal expressa sobre o prazo máximo de duração, desgarrando-o do crime praticado, dado que o escopo aqui não é o retributivo. Na quadra atual, sob pena de se converter o intérprete em legislador positivo, parece adequado o reconhecimento da inconstitucionalidade da indeterminação do prazo das medidas de segurança, as quais, na falta de parâmetro, estarão limitadas ao período que seria ao do máximo da pena privativa de liberdade concernente ao fato praticado. Ressalte-se que, como assentado, esse não parece ser o sistema ideal. Mas é o possível, na atual conjuntura legislativa brasileira. (FACCINI NETO, 2011, documento eletrônico não paginado).”

A indeterminação da duração se resolve muitas vezes em uma espécie de segregação perpétua para os internos em hospitais psiquiátricos: prisões-hospitais ou hospitais-prisões, onde se consuma uma dupla violência institucional – cárcere mais manicômio, e onde jazem, esquecidos do mundo, aqueles sentenciados por enfermidade mental e também os condenados a pena diferida e os imputados que aguardam o julgamento depois da comissão do crime (FERRAJOLI, 2010).

7 CONCLUSÃO

Restou demonstrado que atualmente ocorrem divergências a cerca da determinação do prazo máximo de duração das medidas de segurança, e que tal ocorrência, fere os mais elevados princípios constitucionais que protegem a pessoa e a dignidade humana. A solução mais adequada para esta problemática é respeitar o limite máximo dos 30 anos para o cumprimento da medida segurança, o que atualmente já é entendimento consagrado e predominante dos Tribunais Superiores.

Depois de terminado o prazo máximo de cumprimento da medida, caso ainda persista a enfermidade mental, nada impede que se termine a execução penal e se transfira imediatamente o enfermo para estabelecimento administrativo, para que continue seu tratamento, já agora sem falar em execução penal, e sim, em providências puramente administrativas. O estabelecimento para o qual o doente deverá ser transferido poderá ser uma unidade pública ou particular, desde que haja o apoio da família e da comunidade, para que receba um tratamento mais humano.

Desta maneira, ao término do prazo da medida de segurança, se o internado, por suas condições mentais, não puder ser restituído ao convívio social, o juiz da execução o colocará à disposição do juízo cível competente para serem determinadas as medidas de proteção adequadas à sua enfermidade.

Os portadores de doenças mentais incuráveis, ou seja, aqueles que nunca terão a sua periculosidade diminuída devem receber o mesmo benefício do limite máximo dos 30 anos, pois não de pode deixar um ser humano imputável preso por tempo superior, quem dirá um doente mental que não possui capacidade de entendimento dos seus atos, condenado a uma prisão perpétua.  

Portanto, este problema, só se resolverá a partir do momento em que houver a preocupação do governo em fixar políticas públicas capazes de acompanhar tanto as famílias, quanto o próprio doente mental fora do cárcere dos hospitais de tratamento. Pois, o Estado não é portador do direito de segregar pessoas nem antes e nem depois de cumprida a medida de segurança.

 

Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
______. Tratado de direito penal: parte geral. 11. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 820.330/RS. 5ª Turma. Relator: Laurita Vaz. Julgado: 28 fev. 2008.
______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 84219-SP. 1ª Turma. Relator: Marco Aurélio. Publicado: DJU, 23 set. 2005. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=3673>. Acesso em: 31 maio 2011.
BRUNO, Aníbal. Direito penal parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1.
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Notas:
[1]  No mesmo sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 70.497/SP. 6ª Turma. Relator: Carlos Fernando Mathias (juiz convocado do TRF 1ª região). Julgado: 12 nov. 2007.

[2] Ver: Constituição Federal.


Informações Sobre o Autor

Magnólia Moreira Leal

Graduada em Direito na Universidade Luterana do Brasil, Rio Grande do Sul. Pós-Graduada em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural – IDC, Rio Grande do Sul. Pós-graduanda em Direito Público, pelo IDC


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